1. O Registo de Marcas
As Marcas de Prestígio (Notoriedade) e a Declaração de Intenção de Uso.
Tal como as patentes, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, os nomes
comerciais, as insígnias de estabelecimentos, os logotipos, as indicações geográficas, as
denominações de origem e as recompensas, as marcas são também parte integrante deste
conjunto de direitos, que compõem a Propriedade Industrial.
O problema que se pode colocar, quando se está em face do registo de marcas,
prende-se com o facto de se saber, se a o prestígio e notoriedade de uma marca, podem servir
de fundamento para a não apresentação da Declaração de Intenção de Uso, e por
consequência, a sua falta, não afectar oponibilidade a terceiros que pretendem registar uma
marca idêntica, ou seja, poderá o titular de uma marca de prestígio opor o registo desta,
quando não tenha submetido a Declaração de Intenção de Uso com fundamento na
comprovada notoriedade do seu uso?
Antes mesmo de se procurar a resposta a esta questão, vamos em linhas gerais fixar o
conceito de marca, o alcance da sua protecção e os efeitos decorrentes da mesma.
A marca para além de constituir um factor determinante para a actividade das
empresas, é um sinal distintivo do comércio, que tem por primordial1
importância distinguir
os bens, produtos ou serviços expostos na actividade de um comerciante, face aos de outro.
A existência de uma infinidade de bens, produtos e serviços, disponibilizados pela
actividade comercial, com características homogéneas e susceptíveis de criar confusão ao
consumidor médio, vem dar lugar à função distintiva proporcionada pela existência das
marcas. Portanto, é pela marca que é possível distinguir os produtos e serviços, de um e de
outro comerciante, permitindo desse modo a sua identificação e escolha por parte do
consumidor. Contudo, da função distintiva da marca, decorrem a função da qualidade e a
função publicitária. A primeira vai no sentido de que, o consumidor, associa à marca, acredita
1
A mesma conclusão pode ser extraída da alínea a) do artigo 110 do Código da Propriedade Industrial, onde se
dispõe que um dos requisitos da marca é precisamente que, com ela se possa permitir a distinção dos produtos
ou serviços de uma empresa dos produtos e serviços de outra empresa. No mesmo sentido vai Ferrer Correia (in
Lições de Direito Comercial, 1965, 1º Volume, p. 330) a definir a marca como um meio de recomendação de
produtos à clientela e que tem por objectivo diferenciar o produto no mercado de modo a permitir aos
consumidores a sua identificação.
2. e deposita nos bens ou serviços de determinado comerciante, um certo grau ou níveis de
qualidade e, a segunda, vai no sentido de tal como se pode entender, publicitar os produtos e
serviços do empresário comercial, e com tal atrair a sua potencial clientela.
Portanto, é de assumir que a marca se tornou nos dias que correm, um fundamental
elemento de projecção e afirmação entre os comerciantes e, em especial, um incentivo para
aos consumidores finais.
Contudo, não é sobre a relação entre os comerciantes, e destes com a sua clientela,
que nos propusemos tratar, para dar resposta à questão inicialmente colocada e sim, numa
primeira fase, sobre os efeitos resultantes do registo de uma determinada marca.
Direitos conferidos pelo registo.
Um aspecto preliminar referente a este ponto, prende-se com o facto de o registo de
determinada marca ser constitutivo dos direitos e interesses que se pretende tutelar, ou seja, é
pelo registo que se confere ao titular da marcar a registar, o Direito de propriedade2
e o uso
exclusivo da mesma, para os produtos e serviços a que ela respeita, e por consequência, a
possibilidade de opor este direito aos demais comerciantes que eventualmente venham a usar
sinal igual ou semelhante, em produtos idênticos ou afins, daqueles para os quais a marca foi
registada3
. Portanto, quer-se com isto dizer, mais uma vez, que sem o registo da marca junto
das entidades competentes, não existe o direito sobre ela.
Entretanto, um conceito que surgiu com o desenvolvimento e a autonomização do
Direito da Propriedade Industrial, e da necessidade de serem acautelados certos interesses e
situações particulares, é o de Marca de Prestígio, ou Notória – um conceito jurisprudencial.
Por razões estritamente pessoais, uso indiferentemente os termos, por considerá-los
sinónimos, não obstante, a preferência pelo primeiro.
2
Portanto, pelo registo, adquire o proprietário de determinada marca, o Direito, de modo pleno e exclusivo, usar
e fruir da marca, dentro dos limites legalmente permitidos, isto é, aduquirem os comerciantes a faculdade de
poderem transmitir, ceder a terceiros o gozo de sinais distintivos próprios, de modo a fruir pecuniariamente o
valor económico destes sinais no mercado.
3
O mesmo entendimento se encontra consagrado no n.º 1 do artigo 124 do Código da Propriedade industrial,
onde se dispõe que, “O registo da marca confere ao seu titular o direito de uso exclusivo da mesma, impedindo
que um terceiro sem o seu consentimento utilize, no âmbito das operações comerciais, sinais idênticos ou
semelhantes para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes em relação aos quais a marca tiver sido
registada…”
3. Posto isto, diz-se que uma marca é de prestígio4
, quando goza de especial notoriedade
entre os consumidores, não apenas médios, mas também do público em geral, dado o facto de
a mesma estar revestida de um especial atractivo prestigiado pelos consumidores.
Portanto, as marcas de prestígio, são por si só um valor, pela atractividade e
“sugestividade”, isto é, pela sua capacidade apelativa, que permite aos seus titulares a fruição
do sucesso comercial das mesmas, bem como, impedir o uso indevido por parte de terceiros.
Contudo, no actual quadro legislativo da propriedade industrial, não encontramos a
consagração objectiva das marcas de prestígio, não obstante encontrar-se de forma
embrionária nos artigos 125 e 126 do Código da propriedade Industrial, aliado ao facto de
também constituírem fundamento de recusa, aquando do registo de uma marca idêntica ou
semelhante, posterior à prestigiada5
.
Por razões óbvias, as marcas quando conquistam notoriedade junto dos seus
consumidores, e adquirem por si, um lugar de destaque no comércio, merecem uma especial
protecção. Se assim não fosse, estaríamos a cultivar a concorrência desleal, na medida em
que, não seriam, como não são, raros os casos de comerciantes que tentam beneficiar-se do
protagonismo conquistado por outras marcas, as de prestígio, sem que de alguma forma
tenham contribuído para a consolidação do mesmo. Daí que, este comportamento, salvo
opinião contrária, não é apenas lesivo dos direitos privados do titular da marca, mas de todos
os concorrentes do terceiro não titular, uma vez que, pela ilegítima apropriação da marca, ou
4
De acordo com Luís Couto Gonçalves “ não é fácil definir uma marca de prestígio”, sustenta que uma marca
de prestígio deve obedecer a dois apertados requisitos, um quantitativo e outro qualitativo: “ (…) 1º gozar de
excepcional notoriedade; 2º gozar de excepcional atracção e-ou satisfação junto dos consumidores. O primeiro
requisito, de natureza quantitativa, significa que a marca deve ser espontânea, imediata e generalizadamente
conhecida do grande-público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal
distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços. ... O segundo requisito , de natureza
qualitativa, significa que a marca deva contar ou com um elevado valor simbólico-evocativo junto do público
consumidor, não obstante não seja de grande consumo, ou com um elevado grau de satisfação junto do grande
público consumidor.” In Manual de Direito Industrial, 2ª ed. revista e aumentada, págs. 312 e segs. Apud
Acordão do Tribunal de Relacao de Lisboa de 15/03/2011, Processo n.º 463/7, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/da60ae2943f8fd288025789200452daf?
OpenDocument.
5
Vide a conjugação das alíneas f) e a), dos artigos 110 e119, respectivamente, ambos do Código da Propriedade
Industrial.
4. seja, ao associar os seus produtos ou serviços a uma marca notoriamente conhecida, o
comerciante apareceria no mercado com uma vantagem injustificada.
Uma outra particularidade a ter em conta, quando estamos em face da notoriedade
e/ou prestígio das marcas, é relativa ao âmbito da protecção que é dada às mesma, ou seja, do
limite dentro do qual é oponivel a terceiros.
De acordo com o princípio da especialidade das marcas, a protecção destas esgota-se
nas fronteiras das actividades ou produtos, que a mesma visa assinalar.
Contudo, porque o prestígio e a notoriedade das marcas são uma particularidade no
Direito da Propriedade Industrial, quando em face delas, o princípio da especialidade cede a
uma excepção, porque é justamente neste campo que se vislumbra com maior facilidade o
risco de confusão das marcas, e não só, é também maior, o receio de ficar abalada a especial
capacidade chamativa que a marca ostenta, dai, a necessidade de restringir o âmbito de
aplicação daquele princípio de modo a acautelar o efeito de uma eminente banalização da
marca registada (a de prestígio) e uma vantagem indevida da marca a ser registada.
Portanto, o princípio da especialidade das marcas, mostra-se inapropriado para lidar
com situações em que estejam em causa marcas de grande notoriedade, de prestígio.
Analisada a especialidade que as marcas têm, no âmbito do Direito da Propriedade
Industrial, olhemos para uma outra figura deste ramo de Direito, para saber se a mesma é
tratada de maneira particular, referimo-nos aqui, à Declaração de Intenção de Uso.
O Código da Propriedade Industrial6
, não nos dá uma definição objectiva do que se
possa entender por Declaração de Intenção de Uso, limitando-se apenas a fazer referência à
sua obrigatoriedade e aos prazos para a sua apresentação.
Por Declaração de Intenção de Uso, deve entender-se o comprovativo da intenção de
uso da marca registada, ou seja, nos termos do n.º 1, do artigo 127, de cinco em cinco anos
contados da data do registo de determinada marca, deve submeter-se no Instituto da
Propriedade Industrial a referida declaração.
Não obstante o facto de as marcas, uma vez registadas, terem a protecção legal do seu
registo válido por 10 anos, a falta de apresentação da Declaração de Intenção de Uso, pode
levar à caducidade “prematura” do Direito concedido pelo registo, isto é, a não apresentação
desta declaração cria a presunção do não uso da marca registada, o que tem como
6
Vide o disposto no artigo 127.
5. consequência a caducidade da protecção à marca, que poderá ser declarada pelo Instituto da
Propriedade Industrial, oficiosamente ou a requerimento de um terceiro interessado.
Voltamos então à pergunta inicial, Quid Juris em relação às marcas de prestígio, uma
vez que que as mesmas já gozam de notoriedade, e o seu uso é conhecido pelo público em
geral? A mesma excepção (mutatis mutandi) aplicada ao princípio da especialidade das
marcas, deverá ser chamada à colação?
A resposta certamente que não poderá deixar de ser pela negativa, senão vejamos: da
leitura sequencial do artigo 127 do Código da Propriedade Industrial somos levados a uma
única direcção, e não poderá existir outra neste normativo, e dai, as naturais consequências
resultantes da não apresentação da declaração.
Portanto, o facto de uma marca ser de prestígio, isto é, gozar de grande notoriedade e
especial atractividade, não isenta o respectivo titular de apresentar a Declaração de Intenção
de Uso nos, termos e com as consequências previstas pela não apresentação, no artigo 127 do
Código da Propriedade Industrial, uma vez que o uso efectivo não é elemento suficiente
dessas espécies de marcas. Daí, sermos naturalmente levados a concluir que, onde a lei não
distingue não deve o intérprete distinguir, ou seja, à obrigatoriedade de apresentação da
Declaração de Intenção de Uso é indiferente, que estejamos perante uma marca “simples” ou
face a uma prestigiada.
_____________
Hélder Miguel
Bibliografia.
Código da Propriedade Industrial
GONÇALVES, Luís Couto Manual de Direito Industrial, 2ª ed. revista e aumentada,
págs. 312 e segs.
www.dsgi.pt
6. consequência a caducidade da protecção à marca, que poderá ser declarada pelo Instituto da
Propriedade Industrial, oficiosamente ou a requerimento de um terceiro interessado.
Voltamos então à pergunta inicial, Quid Juris em relação às marcas de prestígio, uma
vez que que as mesmas já gozam de notoriedade, e o seu uso é conhecido pelo público em
geral? A mesma excepção (mutatis mutandi) aplicada ao princípio da especialidade das
marcas, deverá ser chamada à colação?
A resposta certamente que não poderá deixar de ser pela negativa, senão vejamos: da
leitura sequencial do artigo 127 do Código da Propriedade Industrial somos levados a uma
única direcção, e não poderá existir outra neste normativo, e dai, as naturais consequências
resultantes da não apresentação da declaração.
Portanto, o facto de uma marca ser de prestígio, isto é, gozar de grande notoriedade e
especial atractividade, não isenta o respectivo titular de apresentar a Declaração de Intenção
de Uso nos, termos e com as consequências previstas pela não apresentação, no artigo 127 do
Código da Propriedade Industrial, uma vez que o uso efectivo não é elemento suficiente
dessas espécies de marcas. Daí, sermos naturalmente levados a concluir que, onde a lei não
distingue não deve o intérprete distinguir, ou seja, à obrigatoriedade de apresentação da
Declaração de Intenção de Uso é indiferente, que estejamos perante uma marca “simples” ou
face a uma prestigiada.
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Hélder Miguel
Bibliografia.
Código da Propriedade Industrial
GONÇALVES, Luís Couto Manual de Direito Industrial, 2ª ed. revista e aumentada,
págs. 312 e segs.
www.dsgi.pt