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Eles não quiseram
    o Hospital

      Gláucia Franchini




              Revisão:
   Regiane Mateus e Bruna Moreno
            Orientação:
        Carlos Alberto Zanotti

          Puc-Campinas
[2]
[3]
[4]
Índice


Sobre este livro..................................................08

Parte I – Conceitos.............................................19
    O SAID.......................................................20
    Cuidado Paliativo.........................................27
    A Desospitalização.......................................32
    Não tem mais histórias?...............................35

Parte II – Social e Físico.....................................38
    “Tem que ter alguém para cuidar”................39
    “Você fica sem chão”...................................50
    “Como é essa vida”......................................62

Parte III – Psicológico e Espiritual.......................72
    “Eu tenho o sangue frio”..............................73
    “Não tem jeito de se adaptar a isso”.............82
    “Não pode desanimar”.................................90

Foi bom vê-lo sorrir............................................96
Gláucia Franchini




À minha avó, por ter me ensinado o que é cuidar.




                    [6]
Eles não quiseram o hospital




            [7]
Gláucia Franchini




                     Sobre este livro

    “O livro-reportagem, como produto da comunicação de massa, só
       consegue atrair à medida que propõe ao leitor uma viagem aos
  valores, às realidades de outros seres e de outras circunstâncias, de
            modo que, encontre, naqueles, traços que são universais à
                                           humanidade como espécie.”

                        (Edvaldo Pereira Lima – “Páginas Ampliadas”)



       Elaborado enquanto trabalho de conclusão de curso para a
Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, este livro-reportagem
não se propõe a contar histórias com finais felizes. Ao contrário,
ele narra episódios de dores, tristezas e perdas. Menos em função de
o tema agradar à autora ou aos potenciais leitores; e mais pela simples
razão de que nenhuma existência é coroada de felicidade plena. E é
para amparar nos momentos de infelicidade que este trabalho se
coloca para partilhar experiências vividas por pessoas que se
dispuseram a cuidar de avós, pais, mães, filhos, tios ou mesmo amigos
aos quais a medicina costuma se referir como “pacientes terminais”.
       De um modo geral, os cuidadores destes pacientes são seus
parentes mais próximos que, de uma hora para outra, se veem na
contingência de assumir funções de auxiliares de enfermagem em
suas próprias residências. Em Campinas, eles são amparados por
visitas diárias de um órgão do sistema público de saúde. Os pa-



                                   [8]
Eles não quiseram o hospital


cientes, por sua vez, encontram-se desospitalizados por razões que
são tão distintas quanto a falta de leitos, o receio de infecção hos-
pitalar ou mesmo o desejo de terminar os dias em casa, ao lado de
parentes, amigos ou vizinhos. Essa convivência, contudo, não
ocorre sem traumas e danos que se estendem da condição física às
dimensões psicológica e, para os mais crédulos, espiritual. Con-
viver com o lamento, a iminência da morte e a dor de um ente
querido contida somente à custa de medicamentos com tarja preta
é uma experiência que, uma vez socializada, tende a funcionar
como um instrumento a reduzir o peso de uma responsabilidade
tão profundamente humana como esta vivida pelos cuidadores.
       O tema “pacientes terminais e sua decorrência” – os cuida-
dos paliativos– não chega a ser uma novidade em termos de pro-
dução editorial. Em livrarias ou sítios de internet, são facilmente
encontradas publicações de cunho científico, voltadas principal-
mente a médicos e pesquisadores, a respeito do assunto, bem co-
mo obras de autoajuda que se propõem a oferecer um ombro ami-
go aos que passam pela etapa da perda. De um modo geral, são
produções de especialistas na área médica ou de espiritualistas
dedicados aos aspectos transcendentais da vida. Até o momento, o
jornalismo – o campo que oferece o método de abordagem aqui
empregado– ainda não havia se apresentado para contribuir com
sua parcela de responsabilidade em tema de tamanha relevância.
       Como bem nos lembra o pesquisador Eduardo Meditsch1, o
jornalismo é também uma forma de conhecimento, tão importante
e válido quanto aquele produzido pelas chamadas ciências naturais,


1
  MEDISTSCH, Eduardo. “O Jornalismo é uma forma de conhecimento?” Santa
Catarina. Universidade Federal de Santa Catarina. Setembro de 1997.




                                   [9]
Gláucia Franchini


das quais retiramos as leis que governam a física, a química, as
engenharias, a medicina...
       E que papel se reservaria ao jornalismo na abordagem deste
tema? A nosso ver, aproximando-se dos cuidadores, junto aos
quais se deveria recolher toda experiência adquirida no trato de pa-
rentes em estágio terminal de vida para, de forma ética e conse-
quente, repassar à sociedade o aprendizado que se obtém de uma
experiência tão dilacerante.
       Uma vez formulado o tema de pauta, a etapa seguinte foi
definir que o suporte livro seria o mais adequado para socializar o
aprendizado construído pelos cuidadores. Afinal, como bem apon-
ta o estudioso Felipe Pena2, as páginas de jornal ou revistas são
muitas vezes insuficientes para conter determinados temas e dar-
lhes amplitude contextual necessária. Por isso, o formato de um
livro-reportagem se apresentou como o suporte mais apropriado
aos objetivos aqui propostos.
       Além de atender aos pressupostos de universalidade, um dos
eixos do interesse jornalístico, este trabalho ancora-se ainda nas
proposituras do pesquisador Edvaldo Pereira Lima3, estudioso que
caracteriza as produções jornalísticas como aquelas em que há a
apresentação dos assuntos a partir de visões conflitantes, como a
de cuidar em casa versus a da hospitalização do paciente. Neste
sentido, o esforço na execução do livro não se deteve apenas à
elaboração da pauta e produção, mas também à escolha de uma me-
todologia para que os casos revelados nas narrativas fossem passíveis
de produzir ressonância junto a diversas camadas de leitores.
2
  PENA, Felipe. “O Jornalismo Literário como Gênero e Conceito.”   Portal de Livre
Acesso à Produção em Ciência de Comunicação, Intercom, 2006.
3
 LIMA, Edvaldo Pereira. “Páginas Ampliadas: O Livro-Reportagem Como Extensão do
Jornalismo e da Literatura.” São Paulo: Editora Manole, 2009.




                                      [10]
Eles não quiseram o hospital


       Desta forma, o alicerce é a pesquisa social, através do méto-
do qualitativo que propõe o aprofundamento no assunto através
de sujeitos típicos daquele universo, optando-se por familiares que
representassem grupos da sociedade. Para tanto, foi necessário que
os casos fossem distintos entre si no que diz respeito aos aspectos
econômicos e vínculos de parentesco entre o familiar e o doente,
buscando-se uma abordagem o mais universalizante possível.
       Embora a amostragem reunida nesta publicação possa ser
considerada pequena, através dela é possível retratar situações va-
riadas. O primeiro caso narrado é o de Juliana, que se despede da
mãe em uma casa de periferia onde sequer existem ruas asfaltadas.
Na sequência, é a situação de dona Aparecida que é contada nas
páginas deste livro; aqui, o diferencial fica por conta de a cui-
dadora se tratar de uma mãe que se vê compelida a não só cuidar
da filha, como também manter arrumados os oito cômodos da
casa de aparência antiga num bairro de classe média. Por fim, é
apresentada a condição da familiar Nina, que tenta convencer o pai
de que ele pode vencer a metástase, e talvez deixar o andar de bai-
xo do sobrado e subir as escadas rumo ao quarto.
       A partir do método de amostragem por conveniência4 dos
casos, o trabalho de campo permitiu a vivência nas realidades que
se julgou adequadas aos objetivos do livro. Através da técnica de
imersão, proposta nas chamadas pesquisas qualitativas, se chegou
ao que se pretendia: uma abordagem mais aprofundada que a per-
mitida no jornalismo diário, possibilitando inserir a temática em

4
 Este método de seleção é muito semelhante ao praticado na pesquisa jornalística, na
qual o repórter escolhe quais fontes deseja entrevistar em seu trabalho de campo,
admitindo que, de alguma forma, elas representem o universo pretendido. Para
aprofundamentos, sugerimos GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa
Social. São Paulo: Atlas, 1999.



                                        [ 11 ]
Gláucia Franchini


um amplo contexto. Esta estratégia permite o estabelecimento de
uma relação mais duradoura entre fonte e entrevistado, pois envol-
ve discussões em várias esferas, como as áreas médicas, sociais,
pessoais, éticas e jurídicas.
      Em relação à sua temporalidade, o suporte livro-reportagem
se sustenta no que pondera Lima, por não tratar necessariamente
de um fato momentâneo, mas também abranger os assuntos que
permeiam como tendências na atualidade: cuidado paliativo e
“desospitalização”5. O primeiro é voltado aos pacientes que não
respondem mais às intervenções clínicas, tendo o objetivo de ame-
nizar a dor do doente e assisti-lo em suas necessidades básicas, as-
sim como à sua família.
       A outra característica que justifica a existência de uma re-
portagem em livro visa remeter o leitor aos antecedentes do tema
que se pretende mostrar. No caso deste, há de se considerar os as-
pectos históricos já que, embora no mundo contemporâneo haja
uma tendência ao cuidado no domicílio, o conceito de “desos-
pitalização” está inserido no passado. Foi com a partir Reforma
Psiquiátrica que ele se popularizou. Todavia, antes mesmo desta
iniciativa que recentemente se tornou política nacional para casos
de psiquiatria, era costume o ritual de transição vida-morte ser fei-
to no ambiente domiciliar. Os hospitais, em um determinado pe-
ríodo da história, sequer serviam para um tratamento intensivo de
reversão de quadros clínicos graves, estando muito mais ligados a
questões de cunho religioso.



5
 O tema também é tratado em obras como: “Por um fio” (Drauzio Varella); “A Culpa é
das Estrelas” (John Green) e “O incrível dom de Oscar” (David Dosa).




                                       [12]
Eles não quiseram o hospital


      A discussão em torno da “desinstitucionalização” do aten-
dimento é complexa, não se restringindo apenas à decisão de levar
o doente para terminar seu ciclo em casa. No cenário atual, há de
se considerar os aspectos relacionados à bioética, que vêm com
novas resoluções que tendem para um viés humanizado do cuidar.
No dia 31 de agosto de 2012, por exemplo, o Conselho Federal de
Medicina estabeleceu que os pacientes com doenças em estágio
terminal podem decidir se vão querer ser submetidos ou não a tra-
tamentos que prolonguem suas vidas6. Neste cenário, o estar pró-
ximo da família surge como uma vertente positiva para uma quali-
dade de vida melhor na hora da partida.
       Por sua vez, o familiar que perde o ente querido passa pelo
sofrimento, que é carregado de questões antropológicas, culturais e
espirituais. Na Antropologia, a autora Raquel Aisengart Menezes7
discute as diferentes formas com que o fim da vida foi tratado ao logo
dos séculos – ora ritualizada, ora tratado com aversão. A antropóloga
apresenta ainda o conceito da “morte moderna”, através do qual
revela o lado paliativo do cuidar, que estaria ligado à “boa morte”.
      No olhar espiritual, o teólogo José Trasferetti8 estabelece em
um de seus trabalhos uma discussão que envolve não só as cren-
ças, mas também as fases pelas quais as famílias passam, quando
há uma perda, diferenciando os tipos de dores e suas intensidades.
Para fazê-lo, o estudioso leva em consideração a idade da pessoa
que morreu, o grau de parentesco com o cuidador e a forma pela
6
 Estas orientações estão contidas no documento do próprio Conselho de Federal de
Medicina, na resolução 1995/2012.
7
    MENEZES, Raquel Aisengart. “Em busca da boa morte – Antropologia dos Cuidados
Paliativos.” Rio de Janeiro, Garamond.
8
  TRASFERETTI, José. “A morte e o morrer: Desafio para a Teologia Moral no contexto
atual.” Goiânia. Fragmentos de Cultura.




                                         [ 13 ]
Gláucia Franchini


qual a morte se deu: acidente, violência ou doença. No caso das
enfermidades graves, Trasferetti aponta o momento do diagnós-
tico como o mais difícil para a família, com graves conseqüências
psicológicas aos cuidadores.
      O abalo emocional do pós-diagnóstico de uma doença que
avança para o estágio terminal foi também objeto de estudo da
médica sueca Elisabeth Kubler9, no livro “Sobre a Morte e Morrer”.
Através desta obra, as reações dos familiares e dos pacientes perante
as fases da doença foram monitoradas e conceituadas, a fim de se
compreender melhor o impacto de se estar frente ao irreversível.
       Em relação à necessidade de se debater o tema, por mais
desconfortável que seja, cabe ponderar que a expectativa de vida
no Brasil vem aumentando nos últimos anos, o que surge como a-
lerta, à medida que, com passar dos anos, a propensão para do-
enças também aumenta. Neste cenário, os avanços da medicina
aparecem como grandes responsáveis por as pessoas estarem
vivendo mais, graças aos medicamentos e às tecnologias que pro-
longam a existência, como no caso das utilizadas em próteses, res-
piradouros e UTIs. O que se coloca em questão, no entanto, são
pontos divergentes: a quantidade do viver versus a qualidade da vi-
da que ainda se tem pela frente.
       Com os casos retratados neste livro, o intuito é oferecer aos
leitores informações sobre o cuidado paliativo e domiciliar, através
dos aspectos humanos e salutares deste tipo de atendimento. No
emtanto, pensando na atividade jornalística – sempre buscar o ou-
tro lado para oferecer ao leitor o maior número possível de infor-
mações – também houve a preocupação de se apresentar os argu-

9
    KLUBER, Elisabeth.




                                 [14]
Eles não quiseram o hospital


mentos contrários a esta opção. Desta forma, deseja-se que os in-
teressados na temática consigam desenvolver um olhar crítico em
relação aos conceitos; e que, caso se deparem, com uma situação
semelhante aos das famílias aqui apresentadas, possam optar ou
não, com mais convicção, pelo cuidado em casa.
       Apesar da atenção aos argumentos favoráveis à hospita-
lização, o que se percebeu nas histórias foi que o ambiente hos-
pitalar é reprovado pelas famílias. De forma unânime, elas recla-
mam da falta de flexibilidade dos horários para visitações no ambi-
ente hospitalar, das acomodações na área de internação, dos gastos
com transporte para ir até hospital e até mesmo da falta de sen-
sibilidade de alguns profissionais da saúde. Ao buscar inces-
santemente a cura, corre-se o risco de desumanizar o cuidado, o-
lhando-se apenas para a doença e se esquecendo do doente e de
quem sofre junto com ele. Em hospitais e faculdades de medicina,
a cultura de que perder um paciente é uma derrota ainda prevalece.
      Para os profissionais da área médica, o livro tem por
objetivo mostrar a importância de se considerar não só o doente,
mas também a família na hora de uma abordagem. Através dos ar-
gumentos apresentados neste trabalho, espera-se que os profissio-
nais se conscientizem de que, em alguns casos, apenas deixar paci-
ente sem dor e preparar a família para o inevitável podem ser os
melhores procedimentos a serem feitos.
      Para chegar às famílias apresentadas neste livro-reportagem,
foi necessário subir na kombi do Serviço de Atendimento e Inter-
nação Domiciliar (SAID), da Prefeitura de Campinas, junto aos
profissionais da equipe multidisciplinar.




                                 [ 15 ]
Gláucia Franchini


      O acompanhamento foi autorizado pela Secretaria de Saúde
do Município, tendo o consentimento da coordenação do serviço e
a posterior autorização das famílias.
       Apesar do apoio destes servidores da Prefeitura de Campi-
nas, o serviço municipal de atendimento domiciliar é mostrado da
forma como ele foi visto e avaliado pelos familiares que têm este
apoio. O que é bom dentro SAID assim é narrado e, no caso de
impasses, estes também são mostrados. Embora o livro não tenha
o foco no serviço, as situações apresentadas estão inseridas neste
cuidado domiciliar, que por isso, não poderia ser ignorando. A ressalva
é válida para demarcar o compromisso jornalístico com a isenção.
      Também se faz importante esclarecer a questão ética que Le-
vou a preservar os envolvidos nas situações aqui narradas. Apesar
de os familiares terem autorizado a publicação do que foi conver-
sado e visto dentro das residências, por uma escolha pessoal op-
tou-se por manter o sigilo em relação aos nomes completos dos
doentes e dos cuidadores, apresentando-se apenas o primeiro no-
me de cada um deles. A escolha se deu por se considerar o fato de
que as famílias, no momento da abordagem, estavam em um mo-
mento de vulnerabilidade, com preocupações mais prementes do
que avaliar as consequências de expor a própria privacidade em
uma obra de circulação pública. A própria atividade de fazer jorna-
lismo prescreve a possibilidade do sigilo das fontes, e no aspecto
ético da área médica a não revelação da identidade dos pacientes e
seus familiares é um dever.
       Feitas as ressalvas, além de pretender mostrar as experiên-
cias dos cuidadores, a publicação tem objetivos outros no âmbito
institucional. Pretende-se com este livro levar ao debate público te-
mas como a conveniência da “desospitalização” em casos de doen-


                                  [16]
Eles não quiseram o hospital


tes em estágio terminal, levantando, por exemplo, a relação dos
custos de uma internação e a economia ao se investir em um
serviço paliativo doméstico.
      Sendo isso alcançado, pretende-se ainda que legisladores, au-
toridades públicas e representantes de ONGs da área de saúde se
sensibilizem e percebam a necessidade de se pensar em atividades
voltadas para o cuidado paliativo e o atendimento domiciliar, ser-
vindo inclusive, como incentivo para que atividades deste fim pos-
sam ser regulamentadas onde houver tal necessidade.
       O livro não tem a pretensão de ser um guia, mas, aos leitores
que estejam cuidando de algum doente, espera-se que sirva para
dar um suporte para enfrentarem esta situação tão difícil, todavia
inevitável. Aos que estão deixando de viver, deseja-se que, ao le-
rem o livro, sejam gratos por terem recebido cuidado por parte de
seu parente ou perdoem os dias que não foram tão confortáveis.
Aos que o lerem apenas por curiosidade, espera-se que, mais que
saciá-la, o trabalho sirva de incentivo para buscar mais informa-
ções sobre os assuntos abordados. Aos colegas jornalistas, talvez
os casos aqui narrados sirvam para elucidar a importância de se ver
as notícias através das pessoas envolvidas nelas.
       A produção jornalística aqui desenvolvida teve suas limita-
ções, como não poderia deixar de ser diante de uma realidade tão
complexa. O tempo que se passou com as famílias foi de aproxi-
madamente seis horas em cada residência, conversando-se princi-
palmente com o cuidador, mas também através de diálogos com os
profissionais da saúde, os próprios doentes e outros parentes. Sobre a
parte teórica e conceitual, as fontes ouvidas foram especialistas nos
assuntos, com o suporte de obras, artigos e trabalhos escritos.



                                  [ 17 ]
Gláucia Franchini


      Através desta pesquisa de campo, das entrevistas e do supor-
te bibliográfico estamos convictos da contribuição deste livro para
que outras pessoas possam ter acesso a serviços como o SAID,
permitindo que os últimos dias de suas vidas sejam o menos dolo-
roso possível, com dignidade e ao lado dos quem amam. Quem tem o
poder de criar políticas públicas neste sentido, que faça a sua parte.




                                 [18]
Eles não quiseram o hospital




   Parte I
  Conceitos




           [ 19 ]
Gláucia Franchini




                              O SAID

   “É possível conseguir bons ou maus cuidados em qualquer lugar. O
                     que faz a diferença é o envolvimento da família.”

                                                        (David Dosa).




      - A kombi já vem te buscar.
      - Tudo bem, eu espero... – Kombi!
      É assim, de Kombi, que os profissionais do Serviço de Aten-
dimento e Internação Domiciliar chegam às residências de famílias
que precisam de ajuda para cuidar de pacientes que aguardam o
fim de seus dias em residências onde também moram seus paren-
tes mais próximos. Em setembro de 2012, na unidade Sul do servi-
ço, ao menos 90 necessitavam deste auxílio.
       Para chegar ao SAID, sigla pela qual o serviço é conhecido,
o ponto de referência é o Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, na
Avenida Prefeito Faria Lima, em Campinas. Seguindo duas entra-
das acima à do acesso ao Pronto-Socorro público, chega-se ao vi-
gilante que, de dentro da guarita, pede a identificação do visitante.
      - Preciso ir ao SAID.
      - Aqui não tem isso não... Se bem que tem o SAD. Siga por ali.



                                 [20]
Eles não quiseram o hospital


      Indicado o local e liberado o acesso, mais à frente uma placa
com a seta apontada para a direita sinaliza que naquele rumo fica o
SAD. A confusão de siglas se explica pelo fato de que, em 1993,
quando o serviço começou a funcionar, levava apenas o nome
“Atendimento Domiciliar”. Só depois se acrescentou a letra “i”, de
“Internação”, já que, passados alguns anos, os atendimentos em
casa começaram a suprir também os procedimentos que trans-
cendem à mera visita médica. A desatualização da placa é justifi-
cada pela idade que a tabuleta aparenta ter: descascada, desbotada,
mas ainda legível. O segurança também já não é tão jovem.
       Passada a cancela da guarda, é só virar à direita e cruzar o
portãozinho que dá acesso à rua onde os médicos e profissionais
de saúde estacionam seus carros. É nessa rua íngreme que, lá em
cima, antes da escada de corrimão amarelo, fica a sede do serviço
de saúde domiciliar. Do lado esquerdo, um portão de ferro, pinta-
do de cinza e já com ferrugem, fica constantemente aberto. Do
lado de dentro fica o lugar das kombis: um corredor comprido o
suficiente para acomodar enfileirados os três veículos que da frota. Pela
garagem, a primeira porta à esquerda é a entrada do SAID, ex-SAD.
      As salas que compõem o edifício térreo são organizadas com
divisórias, onde mesas de madeira bem tradicionais e cadeiras
pretas, simples e básicas, lembram um antigo laboratório de infor-
mática, em função da presença de computadores amarelados e
monitores produzidos antes que a tecnologia LCD dominasse o
mercado. O mais espaçoso dos ambientes tem uma mesa de reu-
nião, um televisor e uma mesa menor, redonda, na qual várias bol-
sas se acomodam. Cadeiras espalhadas, um filtro com galão de
água pequeno, poucos copos plásticos soltos sobre o galão e uma
lousa grande, com muito pó de giz, completam a decoração. Em



                                   [ 21 ]
Gláucia Franchini


outra sala, que também tem lousa, o giz foi usado para escrever
“Internações, Alta, Óbito e Materiais”.
       Além dos móveis típicos de escritório, duas outras salas re-
servam espaço para pastas, prontuários, medicamentos, maletas de
médico, fraldas descartáveis e alimentos – estes últimos des-
tinados às famílias para as quais o auxílio médico é insuficiente
para aplacar o volume de dificuldades que passaram a ter desde
que resolveram cuidar de seus próprios enfermos. Bem próximo a
outro filtro d’água, a cor verde da folhagem de um vaso no chão
ajuda a quebrar a monotonia do tom pastel que reveste aquele
prédio. Próxima a ela, uma paisagem pintada num quadro vertical
leva ao ambiente um pouco de azul, vermelho e amarelo. Pela
manhã, a agitação dos profissionais que chegam para trabalhar às 8
horas, também ajuda a quebrar o visual monótono. São dois ba-
nheiros bem limpos – um para os homens e outro para as mulhe-
res – e uma cozinha confortável.
      A simplicidade do ambiente não compromete o serviço, que
na verdade nem é realizado naquele local. O objetivo dos profissi-
onais é cuidar de pacientes sem possibilidades de cura, que se
encontram acamados em suas residências. A eles, restam os cuida-
dos paliativos como último recurso ao alcance da medicina. A
missão da equipe é amenizar a dor do enfermo em fase terminal, dar-
lhe o mínimo de qualidade de vida e, olhar também para quem cuida
do doente – o familiar/cuidador – que se vê na contingência de
acompanhar, em casa, os últimos dias de vida de um parente próximo.
       Quando o problema do doente é a dor que se intensifica, a
falta de ar que preocupa ou a dificuldade ao fazer as necessidades
básicas – ingerir, e sim, expelir – um dos dois clínicos gerais do
serviço vai até a casa avaliar o paciente e tranquilizar quem o a-


                                [22]
Eles não quiseram o hospital


companha. Os mais velhos contam com um geriatra e, no caso das
crianças, a assistência também é especializada, com o auxílio de um
profissional da pediatria.
       Nas visitas de rotina, quando o quadro do paciente não se al-
tera, o acompanhamento é feito por um dos três enfermeiros. Se
for só para levar um remédio, fazer curativo ou aplicar soro, um
dos oito técnicos de enfermagem pode atender.
      Toda assistência destes vários profissionais é feita em volta da
cama do doente. O enfermo, sempre deitado, sofre com escoriações e
os movimentos, já comprometidos, em alguns casos se agravam, com
os nervos se atrofiando. Neste estágio, dois fisioterapeutas do SAID
levam exercícios para serem feitos pelo doente acamado.
        Ainda na equipe de jaleco branco, que tem bordados o
símbolo da prefeitura na manga esquerda e o nome e a função do
profissional no bolso da frente ao lado direito, uma nutricionista
orienta os familiares que cuidam, na preparação de uma alimentação
mais adequada e barata, principalmente para as famílias de baixa renda.
Quando se usa sonda para comer, o alimento pronto custa cerca de R$
15, o litro. A profissional ensina a fazer com o que se tem na geladeira.
      Se o problema atinge a fala do doente, o fonoaudiólogo pas-
sa a fazer avaliações regulares. O “TO” que é desconhecido por
muitos, se apresenta como terapeuta ocupacional, propondo o re-
laxamento durante as visitas. Cuida-se também do sorriso, pois a
iminência da morte, ao contrário, não o retira da face de quem a-
doece tampouco de quem vê adoecer. A experiência e o contato
com essas pessoas provam que o dentista do serviço domiciliar
ainda tem utilidade.




                                   [ 23 ]
Gláucia Franchini


       Nas casas, estes profissionais fazem avaliações médicas,
aplicação de medicamentos, realização de exames e, se precisar, até
o cuidador pode esticar o braço e pedir para que lhe meçam a
pressão ou solicitar um comprimido para alguma dorzinha chata
que vem lhe incomodando nos últimos dias. A equipe está ali para
atender, cuidar ou simplesmente conversar e encorajar a família.
No aspecto psicológico, inclusive, tanto o paciente como o fami-
liar podem contar com alunos de faculdades de psicologia que es-
tagiam no local e abrem sessões de terapia. Há ainda os médicos
residentes que buscam experiência e acabam se agregando à equipe.
      Para os cuidadores, além da terapia e das visitas domiciliares,
nas últimas terças-feiras de cada mês, um encontro, com duração
de duas horas, abre espaço para conversarem com os profissionais
e trocarem experiências. A reunião é marcada sempre às 14h, na
sala maior do prédio do SAID.
       Mais que um encontro de familiares de pacientes terminais,
o bate-papo é temático e o cuidador é, neste momento, o protago-
nista da história. No arquivo dos encontros, um caderno de ca-pa
dura e azul marinho guarda, em letras manuscritas, o que foi con-
versado em cada encontro, quais foram os palestrantes que parti-
ciparam e quantos cuidadores estiveram presentes. Num dia mais
cheio, a lista de chamada confirmou vinte nomes. A média, no
entanto, foi de doze familiares por encontro. Houve o dia em que
falaram da morte e do preparo psicológico; num outro, a sexua-
lidade foi o tema em questão. Os direitos jurídicos do doente e do
cuidador também já estiveram em pauta, bem como técnicas para
dar banho e trocar o doente acamado, de forma a ser mais su-til o
impacto físico sob quem cuida.




                                 [24]
Eles não quiseram o hospital


                                  ***


     -A kombi chegou. Você pode ir com eles, orienta a coor-
denadora do serviço.
      Lá de dentro do veículo, o motorista avisa:
      -Cuidado pra não bater a cabeça na hora de entrar.
      Tarde demais.
      8h17 a Kombi sai. Sempre uns minutos de atraso.
       É difícil ficar confortável em uma Kombi. Embora novas,
de cor branca e com estofados impecáveis, não são tão silenciosas
como os veículos de hoje em dia e nem a porta de trás é de fácil
manuseio, devido ao peso e ao macete que é preciso ter para abrir.
Nesta parte traseira, são três fileiras de bancos e logo atrás da
última ficam as maletas e uns pacotes de fralda. Na cabine dian-
teira, o motorista e um profissional da saúde seguem a viagem
menos desconfortáveis.
       No veículo multiuso tem rádio, mas ouvir o que está tocan-
do é difícil: a kombi chacoalha e, conforme balança, alguma coisa
deve bater em outra e o que se ouve é um toc-toc constante. De
fábrica, o motor vem com um barulhinho típico e, se não bastasse, os
dias de calor ficam ainda mais quentes dentro do veículo, o que obriga
a abertura das janelas, sendo a consequência, mais barulho - o do
vento. Neste ritmo orquestrado, a Kombi segue e, quando para em
frente à residência do Jardim Nova Europa que vai receber a visita dos
profissionais do serviço, a chave é desligada e o silêncio alivia.




                                  [ 25 ]
Gláucia Franchini


      O motorista fica na kombi, os profissionais descem, um de-
les bate palma e não demora para Dona Aparecida sair, sorrir e si-
nalizar com a mão para que esperem. Enquanto se espera, ela
mantém o sorriso sem adjetivos, que apenas revela que esta cuida-
dora tenta ser forte, ou ao menos parecer assim. Talvez ela seja.
      É o filho alcoólatra quem traz a chave para ela. A mãe desce
pela garagem sem carro, da casa antiga, mas confortável e abre o
portão. Dona Aparecida é a cuidadora da filha Marisa, que teve
câncer de mama e, depois do tratamento clínico, foi encaminhada
para receber o atendimento paliativo em casa, já com metástases.
Marisa também é mãe, da Luana que tem vinte anos. São três gera-
ções de mulheres: a do sorriso sem adjetivos, da filha que sorri
cansada e da neta que resisti sorrir.
      No estágio de Marisa, a presença dos profissionais é impor-
tante mesmo que só pela conversa que distrai e a segurança que
reconforta dona Aparecida:
      -Eu acho bom né, bem... Pra mim é bom.
       A fala simples na voz mansa da mulher que sorri e não se
adjetiva, resume o que ela sente ao receber o cuidado de profissionais
em casa. Cozinheira, empregada e babá durante um bom tempo de
sua vida, dona Aparecida mantém a esperança com a casa cheia de
imagens de santos e com um relógio parado sobre o criado mudo.




                                 [26]
Eles não quiseram o hospital




                   Cuidado Paliativo

  “Busca-se, ainda, assegurar a dignidade do homem no momento de
                            sua morte, evitando serem-lhe ministrado
          tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, que possam
                      prolongar artificialmente a vida, sem afastar-lhe
           de sofrimento intransponível e extensivo aos que, com ele,
                                            mantém vínculos afetivos.”

                                      (Osvaldo Henrique Duek Marques,
                                                Procurador de Justiça).




      Se em Campinas o cuidar de doentes terminais dentro de
casa só chegou ao serviço público de saúde em 1993, foi apenas
três anos que antes a Organização Mundial da Saúde (OMS) com-
ceituou o tipo de atendimento médico ao qual se dedicam as
equipes do SAID: o cuidado paliativo. Quando ele é desencadeado
é porque, pelo paciente, a medicina já não tem muito o que fazer.
      -Eu falo para meu marido: “Valmir, esse pessoal que apa-
receu aqui são anjos que Deus mandou pra mim”.
       É Juliana quem chama os profissionais do serviço de “anjos”, já
que para ela, eles representam amparo e ainda proporcionam maior
conforto para a mãe que adoeceu, sempre levando o remédio que falta
ou a fralda descartável que a família não tem condição de comprar.



                                  [ 27 ]
Gláucia Franchini


       Também com essa pretensão de amparar e dar conforto, an-
tes mesmo de Cristo, na Índia, o imperador Ashoka resolveu se
dedicar ao bem-estar dos enfermos. Com ele, serviços de saúde fo-
ram instituídos e a hora da partida também foi considerada. A fim
de oferecer um lugar digno e confortável para a transcendência fí-
sica, o Império criou os “muktibhavanas”, que eram locais onde as
pessoas muito doentes poderiam aguardar o fim.
       A enfermeira Fernanda é um dos anjos a quem se refere Ju-
liana. A profissional de enfermagem também optou por cuidar de
quem até então sequer conhecia, e de repete passou a ter tamanha
consideração. Na casa de Juliana, Fernanda vai há cerca de três
meses. Pouco tempo antes, a dona da residência, Oscarina,
recebeu o diagnóstico de que ela era uma paciente oncológica. De-
pois de um tratamento clínico sem sucesso, voltou pra casa.
      - Do jeito que está, não dá, reclama Juliana.
       A reclamação vem porque depois de ver a mãe em momen-
tos tão felizes como o da foto guardada na gaveta do quarto, a jovem
de 26 anos não se acostuma com a imagem de Oscarina na cama.
       A desistência de lutar ou a aceitação do limite remete à fragi-
lidade de quem tentou trilhar o caminho de Santiago de Compos-
tela e não conseguiu completá-lo, entregando-se. Não se trata de
metáfora, mas sim da referência ao que os ocidentais fizeram. A i-
deia surgiu na Idade Média, com a criação das “casas de hóspe-
des”, já prevendo que muitos peregrinos não conseguiriam com-
pletar a trilha, com risco de adoecerem durante as viagens. Nestas
casas, eles podiam parar e morrer.
      Nos anos de 1800, pelo menos três lugares para a morte sem
dor foram criados na Europa, sendo que um deles, idealizado por


                                 [28]
Eles não quiseram o hospital


Jeanne Garnier, é ainda o maior espaço de todo continente euro-
peu criado para este fim.
      -Eu não sei quem mandou ela para o serviço.
      Esta dúvida vem da própria filha Juliana, para quem, in-
clusive, isso é o de menos.


                                 ***


      -Você pode se assustar com o que eu vou falar.
      O alerta é feito pelo estudante de medicina Rodrigo Serrano:
     -Infelizmente, quando se chega ao tratamento paliativo é
porque houve falha da medicina, concorda?
      A Juliana já nem se lembra por quantos médicos a mãe pas-
sou até receber o diagnóstico da doença. No estágio em que o cân-
cer foi descoberto, não dava mais tempo para a cura. Por isso, filha
concorda que os médicos erraram.


                                 ***


      Como conceito, a quebra do tratamento exclusivamente para
a cura ganhou força no século XIX, com os “hóspices modernos”
que se caracterizaram por cuidar de forma humanizada. Nos anos
40, a ideia de humanização encontrada neles foi resgatada, sendo
que a disseminação do significado do cuidado de forma paliativa –



                                 [ 29 ]
Gláucia Franchini


humanizado e não clínico - é impulsionada a partir da fundação do
St. Chisthoper Hospice, espaço dedicado à “boa morte”.
       Alguns hospitais no Brasil reservam alas para a despedida,
sendo o único cuidado dispensado, o que prevê a paliação: ame-
nizar a dor, propiciar conforto e considerar a família. O HC da
Unicamp, Hospital do Câncer de Barretos e Hospital do Servidor
Público Municipal de São Paulo têm enfermarias para o doente
ficar antes do fim.
      Outros serviços fazem o cuidado no domicílio, como o
próprio SAID. Numa busca rápida pela Internet, é possível encon-
trar serviços similares, como o Home Care do Hospital Albert
Einstein e o Atendimento Domiciliar Unimed Campinas (ADUC)
que também oferecem o cuidado em casa. Nos Estados Unidos,
pelo menos cinco mil ambientes são voltados exclusivamente para
o cuidar de forma atenuante.
       Além de tornar a dor física do paciente mais suportável, o
cuidado paliativo procura amenizar a dor emocional do cuidador,
que sabe que logo vai ficar sem o ente querido. A consequência de
saber que a pessoa com quem se convive – e se ama! - não tem
mais chance de vida é a premissa para várias reações nos famili-
ares, que vão desde o medo e desespero, até a sensação de impo-
tência perante a finitude da vida.
      Prevendo tais ações reativas, a abrangência da família dentro
do cuidado paliativo se justifica, já que estar como “cuidador” po-
de ser uma função com consequências negativas para a qualidade
de vida deste familiar. Em um trabalho de análise qualitativa pu-
blicado na Revista de Ciência Médica de Campinas, Noeli Ferreira,




                                [30]
Eles não quiseram o hospital


Claudenice Souza e Zaiana Stuchi10 constataram que cuidar de alguém
muito doente no ambiente doméstico requer um equilíbrio constante
entre o peso da responsabilidade e a capacidade de superação. No
artigo intitulado “Cuidado Paliativo e Família” as autoras não
apresentam fórmulas de como lidar com a situação, mas alertam às
fragilidades dos cuidadores: “Se o cuidador terá ou não sucesso em
manter o melhor equilíbrio depende de vários fatores relacionados à
sua vulnerabilidade. A sobrecarga do cuidado restringe atividades, traz
preocupações, insegurança e isolamento, e coloca o cuidador diante da
morte e da falta de apoio emocional e prático. Esses fatores têm poten-
cial para aumentar o risco de cansaço e stress.”
     -Eu falava para ela, mãe vai ao médico. Ela ia e não
descobriam nada, lembra-se Juliana.
     Depois de nunca dar nada, o diagnóstico revelou que não ti-
nha mais tempo. Se no hospital não haveria meios de reverter o
quadro de Oscarina, a filha Juliana se conformou:
      -Pelo menos, é bom em casa porque eu estou perto dela. E
também, talvez se ela estivesse num hospital, não estaria tão bem
cuidada. O hospital às vezes está lotado, sempre lotado.




10
     FERREIRA, Noeli, et. al. “Cuidados Paliativos e Família.” Rev. Ciênc. Med., 2008.



                                            [ 31 ]
Gláucia Franchini




                  A Desospitalização

                   “Tudo mudou com os novos miraculosos avanços da
          medicina. Os médicos prolongavam vidas com transplantes de
       coração e de rins e com poderosas drogas. Aparelhos modernos
 ajudavam a diagnosticar mais cedo as doenças. Pacientes que seriam
considerados incuráveis um ano antes recebiam uma oportunidade de
  vida. Era emocionante. Ainda assim, existiam problemas. As pessoas
       iludiam-se pensando que a medicina podia curar tudo. Surgiram
     questões éticas, morais, legais e financeiras que não haviam sido
previstas. Vi médicos tomando decisões em conjunto com companhias
                              de seguros, e não com outros médicos.”

                                (Elisabeth Kubler-Ross, “Roda da Vida”).




      Sai de cena o hospital.


      - A Maria José trabalha e foi ela foi a primeira a falar: “não vai
ter condições dele ficar aqui.” Ela foi a primeiríssima a dizer isso.
      A fala é da Maria, que não é José, e gosta de ser chamada de
Nina. Quem não podia ficar lá era o senhor João, “juntado” com
Maria José. Depois da descoberta da neoplasia, a mulher do João
deixou claro que não cuidaria dele. Então, restou ao senhor, de 81
anos, a casa da filha, Nina.




                                   [32]
Eles não quiseram o hospital


       A primogênita assumiu o cuidado e abriu mão do espaço
central da sala de entrada de sua casa, na Vila Marieta. A cama hos-
pitalar do nostálgico pai fica de frente à porta principal da residên-
cia. Ele gosta de conversar e ser o centro das conversas, disputan-
do o lugar com a filha, que é tão simpática quanto o pai. João era
independente, mas depois dos problemas de saúde, apenas a filha
se dispôs ao cuidado:
      -A gente fez isso por amor, única e exclusivamente. Per-
gunta se ele gostou de estar no hospital. Ele já me disse que não
volta nem morto pro hospital, justifica a Nina.
       As primeiras experiências de “desospitalização” no Brasil
aconteceram dentro da Reforma Psiquiátrica, a partir da qual a rea-
bilitação do doente foi pensada através de meios que humanizem o
atendimento, começando um processo de migração, com serviços
extra-hospitalares e assistência interdisciplinar, bem como a inte-
gração com outros programas da área da saúde.
       A assistência no domicílio surge então, como alternativa hu-
manizadora neste contexto, sendo que se passa a olhar não mais a
partir de princípios biomédicos, mas sob a ótica de pacientes que
merecem ser tratados como seres singulares, considerando os es-
paços que os circulam, bem como as vontades que lhe são natas.
Há quem realmente queira deixar vida, no ambiente em que viveu,
com as lembranças que lhe são boas, ao lado de quem vivenciou
com ele. Todavia, é ainda importante que o ambiente tenha condições
estruturais adequadas bem como uma assistência profissional.
      Realizar a vontade de quem está enfermo, que na maioria
das vezes é a própria vontade de quem cuida, é uma decisão difícil,
já que significa também abrir mão de uma rotina, havendo a trans-



                                  [ 33 ]
Gláucia Franchini


formação do cotidiano da família, num processo que exige a adapta-
ção da casa, dos horários e mesmo das prioridades.
       Além da questão humanizadora deste cuidado ao lado dos
familiares e sob o aspecto do doente e não da doença, o processo
de “desospitalização” também é pertinente pelo lado econômico,
por conta da redução de custos que isso pode ocasionar. As su-
cessivas internações hospitalares e a longa permanência nos hos-
pitais fazem com que o paciente se torne dispendioso para si, para
a unidade médica e/ou para o sistema de saúde, o que reflete nega-
tivamente na verba disponível na área. Uma diária em uma UTI
chega a custar para um plano de saúde cerca de R$ 25 mil.
       A volta para a casa tem ainda como consequência, o aumento
no número de leitos disponíveis à sociedade, principalmente para os
casos em que há necessidade de cirurgias ou ainda quadros clínicos
agudos com possibilidade de reversão. Isto também impacta na
redução de custos dos hospitais, sem onerar tanto os cofres públicos,
permitindo ainda, no caso do SUS, o uso dos recursos para outras
atividades como o próprio atendimento em casa, aquisição de equi-
pamentos hospitalares e fornecimento de medicamentos.




                                 [34]
Eles não quiseram o hospital




            Não tem mais histórias?

                       "Enquanto o romancista tem que começar do
                  nada e empreender o terrível esforço de conceber
         um mundo, o escritor de não ficção recebe o dele já pronto."

                        (Janet Malcoln - “O jornalista e o assassino”).




      Conhecidos os casos de Juliana e Oscariana, Aparecida e
Marida e Nina e João, o limite pessoal chegou na casa do Jardim
do Trevo, com placa de candidato a prefeito pregada no muro, sala
grande, com bonecas espalhadas sobre o sofá, e no primeiro quar-
to à direita, dona Severina. A constatação naquele lugar foi de que
o sofrimento era muito, tanto pra quem está doente, como para a-
quele que convive com a enfermidade.
      Dentro da residência, houve o momento em que não deu
para ignorar o enfermo e olhar pro cuidador. O gravador não foi
ligado e nenhuma questão, levantada. Dona Severina, de 62 anos,
sentia dor e a expressava em gemidos altos. A falta de palavras da
familiar/cuidadora, a Rosa, perante a situação foi suficiente para a-
quietar qualquer pergunta sobre aquele caso.
      Com os outros familiares, até então, o misto de recepti-
vidade, de choro e nostalgia permitiu um diálogo, triste e indelica-




                                 [ 35 ]
Gláucia Franchini


do, mas consciente do objetivo que aquela troca de experiência te-
ria perante os leitores e a sociedade.
      -Ai, ai, ai!
      -Onde dói? , pedia a fisioterapeuta.
      -Ai, ai, ai, reclamava Severina.
      Naquela casa, onde só se ouvia gritos e nada podia ser feito,
qualquer objeção seria um ato de insensibilidade.


                                  ***


       Foram três famílias visitadas, numa amostragem científica
irrisória, todavia, exaustiva, física e emocionalmente. A pergunta
ingrata do jornalista naquela situação - “O que você está sentin-
do?” - fere o momento. A resposta seria óbvia: era a filha contra-
riando a lei natural da vida e deixando a mãe. O colo materno se
des-pedia na outra casa. Por fim, a filha que ficaria órfã de pai.
      Com outras palavras, a pergunta foi feita. Com a voz mais
baixa, quase inaudível, que a mãe do sorriso sem adjetivos revelou
o resquício de esperança:
      -Só Deus, né? Esperar... Esperar a vontade de Deus.
      Juliana, filha de Oscarina, se mostrou cansada:
     -Acho que é muito sofrimento, entende? Se não vai sarar,
melhor que Deus leve.
      A primogênita do senhor João fazia a ressalva:



                                  [36]
Eles não quiseram o hospital


      -Deus sabe que o que eu não quero é ver ele sofrer.
        Três casas, três doentes em estágio terminal, três cuidadoras
diferentes entre si: na faixa etária, no vínculo de parentesco, na classe
social, na religião e também nas reações. Estes casos serão narrados nas
próximas páginas, sendo as histórias contadas a partir dos aspectos que
o cuidado paliativo abrange: psicológico, social, físico e espiritual.




                                   [ 37 ]
Gláucia Franchini




   Parte II
Físico e Social




         [38]
Eles não quiseram o hospital




       “Tem que ter alguém pra cuidar”


     São Paulo, Campinas - Jardim do Lago. Acesso pela rodovia
Santos Dumont.
        O asfalto vai até bem próximo a rua da casa de Dona
Oscarina. Na verdade, acaba três casas antes da dela. A kombi que
já balança e faz barulho, ao pegar o caminho de terra exige que
quem está dentro do veículo se segure com mais força, tamanho o
impacto de uma rua sem pavimentação. O solo que dá acesso à-
quela residência tem pedras de construção, buracos e lombadas
naturais. A infra-estrutura – ou a falta dela – resume o local a uma
fileira de casas a direita e na frente delas, o mato alto margeia um
córrego, sobre o qual há uma pinguela.
        Pouco antes da hora do almoço, nenhuma criança brincava
na terra batida, todavia, a rua não desertava. Um adolescente de
chinelo, camiseta preta desbotada e bermuda jeans caminhava por
ali. Ele olhou para Kombi do SAID e seguiu indiferente. Também
um carro Corcel estava parado. A enfermeira do serviço Fernanda
logo explicou aquele ambiente:
        -Aqui é bem diferente. Os moradores não têm muitas con-
dições. Tem gente que mora nesse carro. Muito dos meninos que
passam por aqui atrás de drogas.
      A profissional tentava amenizar o impacto de estar em uma
favela, antecipando o cenário que seria encontrado. A casa da Os-
carina, mãe de Juliana, não tem número visível identificando-a,
porém é fácil de encontrar. Na fachada tem o portão enferrujado


                                 [ 39 ]
Gláucia Franchini


do carro. Atrás dele, além do fusca azul, uma banca de alumínio
permanece sem abrir. Sobre o carro dois tapetes pareciam procurar
o sol para secar. No chão umas cadeiras de plásticos – uma até,
virada de ponta cabeça -, latas de tinta sem o conteúdo e vasinhos
de flores aparentando não serem regados há algum tempo. Apesar
de toda carga visual daquela entrada, era o olfato que mais sentia:
em frente ao veículo e em torno dele, muitas fezes de cachorro
grande. Eram tantas, que o caminho do abrigo, para entrar na casa
tinha que ser feito olhando para o chão.
      Como não tinha campainha, o nome de Juliana foi chamado
e a enfermeira Fernanda, na falta de resposta, bateu palmas para
ser recebida. No portão ao lado do da garagem, um menino apa-
receu. Este portãozinho dava acesso a um corredor, que por sua
vez, era a entrada da casa de fundo. O garoto ameaçou abrir aquele
pequeno portão, mas foi interrompido por Juliana, que carregando
uma bebê no colo, fez a recepção no portão principal.
       Passando entre o fusca e a barraca, chega-se a porta da sala
da casa de tijolos semi-rebocados. Dentro, a parede é pintada na
cor clara, com demão fina. O piso é escuro puxando o vermelho.
Sobre ele, dois sofás: um à esquerda de quem entrava, outro já às
costas de quem entra. De frente, um rack com algumas fotos, uns
enfeites de flores artificiais e uma TV cinza 29 polegadas.
      Juliana carregava a filha Júlia de três meses que logo quis
mamar. Sentada, a filha de Oscarina amamentava. Moça bonita e
jovem, de cabelo preso feito coque, camiseta rosa e calça de mo-
leton vermelha, não usava maquiagem, sem brincos, de chinelos
com meia, sem que estivesse frio.
      Além da Júlia, a jovem de 28 anos, também é mãe de Adal-
berto. O menino que veio no portão não é filho, mas ficou sob a
responsabilidade de Juliana. Ezequiel é sobrinho, mas como a mãe




                                [40]
Eles não quiseram o hospital


dele foi embora e avó se adoentou, é a filha de Oscarina quem dá
de comer e tenta educá-lo melhor do que foi.
      -O Ezequiel dá um pouco de trabalho, porque ele sente sau-
dade da mãe. Ela mimava demais ele e depois foi cuidado pela avó
que também mimou muito, conta a jovem mulher.
        Além das crianças, Juliana tem ainda que cuidar do irmão u-
suário de drogas - de quem não quer falar -, do marido sensível perante
as dificuldades da família e do padrasto calado e ausente durante dia.
       -Tem que ter alguém forte. Tem que ter alguém para cuidar,
diz a filha de Oscarina.
      Esse alguém teve que ser Juliana, já que sua mãe enfraqueceu.


                                  ***


       Foi Oscarina que demorou a ir ao médico. Quando foi, de-
moraram para descobrir o que ela tinha. A aparente espinha próxi-
ma ao maxilar era algo bem mais grave do que essas marcas da a-
dolescência. Teve um médico que a encaminhou para um dentista,
suspeitando ser problema daquele profissional, porém, não era. Do
Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, mandaram a senhora para o
Complexo Hospitalar Ouro Verde, onde chegou a ser internada,
mas nada foi descoberto. Então, foi encaminhada para o Hospital
Celso Pierro da Puc-Campinas. Um especialista dizia que a respon-
sabilidade era do outro, até que o médico “cabeça e pescoço” assu-
miu o caso e resolveu investigar. Nesta altura, a “espinha” já tinha
estado maior e estourado.
      Juliana acompanhava a trajetória da mãe de longe, sabendo
das novidades apenas por telefone. Oscarina naquela época ainda



                                  [ 41 ]
Gláucia Franchini


era forte, ativa e alegre, mas começava a se preocupar com sua própria
saúde, ligando com frequência à filha para contar como estava.
      -Minha mãe me falou que o caroço andava para cima e para
baixo. Eu até brinquei porque ela estava fazendo outro tratamento,
já que estava com sangue na urina. O médico fez um ultrassom e
disse brincando que ela estava grávida. Então, eu também brinquei
e disse “vai ver o bebê subiu pra cima”. Ela virou para mim e fa-
lou assim “Juliana, para de besteira”.
      Depois da realização de alguns exames, com os resultados
veio o diagnóstico da doença: câncer. Era fevereiro de 2012.
       -A gente achou que era um furúnculo. Era mais grave, já es-
tava lá o tumor, lembra a filha.
       Juliana após receber a notícia resolveu que o acompanha-
mento do quadro clínico da mãe precisava ser mais próximo. Mo-
rando em Pederneiras, cidade próxima à Bauru, ela voltou com o
filho de dois anos e com o marido para Campinas.
      - Sempre morei aqui no fundo, mas fui embora porque o
meu marido arrumou um emprego lá. Como em Pederneiras tam-
bém não estava muito bom e queria ficar com minha mãe, volta-
mos, conta a cuidadora.
      Juliana estava grávida de Júlia ao voltar para a casa de Osca-
rina. Com a barriga já pesada, começou a acompanhar a mãe em
todo o tratamento – o pouco que podia ser feito. Antes de estar no
setor de oncologia, passavam juntas – e apenas elas –, boa parte dos
dias no hospital, onde Oscarina recebia aplicações de morfina. Antes da
radio e quimioterapia, Juliana levou a mãe para drenar o caroço, mas
encontraram “só um sangramento”. Com o avanço da doença, logo os
médicos desistiram de qualquer outro procedimento cirúrgico.
      Os tratamentos para a senhora vítima do câncer passariam a
ser apenas para atenuar a dor. A família, principalmente a filha,


                                  [42]
Eles não quiseram o hospital


num primeiro momento se revoltou quando os médicos disseram
que não tinha mais jeito. Sem conhecer o serviço voltado a palia-
ção, Juliana não se conformava que “só aquilo” seria feito por sua
mãe. Todavia, passada a fase de desconhecimento do tratamento, a
cuidadora diz que lhe faz bem poder proporcionar aqueles “últi-
mos cuidados”, amparados pela equipe especializada na paliação.
       Dado o aumento da expectativa de vida nacional e, como
consequência, a maior propensão a doenças como a de Oscarina,
um documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados
Paliativos (ANCP)11 aponta algumas projeções relacionadas a este
conceito. No que tange o cuidado, como o recebido na residência
do Jardim do Lago, estima-se que seria necessária a instituição de
um programa de saúde com capacidade de atender cerca de 180
mil pacientes por ano. O cenário atual brasileiro, ainda segundo o
documento, está longe desta realidade. Isso acontece porque os
sistemas de saúde para este fim não têm capacidade para suprir a
demanda, além do que os serviços especializados no cuidado de
alívio se restringem aos grandes centros como São Paulo, Rio de
Janeiro, Curitiba, Fortaleza, Manaus e a própria cidade de Campi-
nas. O município de Barretos também se destaca por conta do
hospital especializado no tratamento do câncer.
      O fato de Campinas estar entre essas regiões é algo positivo
para a família de Oscarina. A opção de Juliana de deixar Pedernei-
ras permitiu que a mãe recebesse o atendimento domiciliar. Em
cidades menores, serviços como o SAID são mais incomuns. Para
o médico urologista, Lísias Castilho12, só decisão de cuidar da mãe
em casa já é algo que impacta positivamente na evolução do qua-
dro clínico. Em seu livro “Doutor, é câncer?”, Castilho argumenta

11
  O documento está disponível no site da Academia: www.paliativo.org.br.
12
  Doutor, é câncer? Como enfrentar com conhecimento e esperança uma das doenças
que mais afeta a população mundial. São Paulo: Hagnos, 2010.




                                     [ 43 ]
Gláucia Franchini


que, além da possibilidade da cura, a impossibilidade de estar sozi-
nho pode confortar o doente. A publicação é distribuída gratuita-
mente no consultório do médico, que também fica Campinas. Na obra
há a discussão em torno da relação do profissional e das famílias, sendo
que na parte dedicada ao pós-diagnóstico do câncer ele escreve: “A
pessoa que está morrendo de câncer tem medo do abandono, sofre
terríveis angústias e precisa de contatos fortes e próximos”.
       Quando Juliana retornou à Campinas para morar na casa de
fundo da de sua mãe, já nos primeiros dias, percebeu que Oscarina
“não era mais a mesma”, não ficava mais “para cima e para baixo”
como era de sua personalidade, abandonando o batom vermelho
queimado e não abrindo mais a banca de metal lá de fora, na qual,
vendia de tudo: salgadinho, coca, doce, cigarro. A mãe começava a
ter preferência pela cama.
       Aos poucos, a fadiga se tornou o principal sintoma de Os-
carina, até que um dia ela se deitou e não mais conseguiu se Le-
vantar sozinha, tornando-se uma paciente acamada. Situações se-
melhantes a esta foram analisadas por pesquisadores responsáveis
pelo documento da ANCP. Eles chegaram à conclusão de que esta
entrega do doente é algo característico da doença terminal. A fa-diga é
pontuada no estudo como um dos primeiros sintomas deste estágio,
que se intensifica conforme o cansaço al-cança um nível extremo. É
comum a tristeza acompanhar o ritmo da fadiga e atingir seu ápice.
       Todavia, antes desta ida definitiva para cama, Oscarina, em-
bora doente, ainda cozinhava e queria estar boa para ver o parto da
neta Júlia, da mesma forma que assistiu o do neto Adalberto. Não
conseguiu. As radioterapias começaram em maio, mas sucessivas
hemorragias fizeram com que o tratamento fosse suspenso. Em
menos de dois meses, a senhora de 58 anos estava com o diagnós-
tico de “incurável”.




                                  [44]
Eles não quiseram o hospital


      -Ela estava aqui em casa e de repente dava a hemorragia e eu
tinha que ir com ela para o hospital. Ela era internada num dia e saía
no outro... Era sempre um atrás do outro e eu ia acompanhando ela.
      Juliana não sabe precisar quantas vezes teve que levar a mãe
ao pronto-socorro, mas se lembra que foi logo após o nascimento
de Júlia, que a mãe voltou para ficar. Os médicos do hospital fize-
ram uma carta encaminhando Oscarina para os cuidados do Servi-
ço de Atendimento e Internação Domiciliar (SAID).
       -Minha mãe estava tendo muitas hemorragias e eu estava
quase para ter o bebê. Foi um momento muito difícil. Naquela ho-
ra, eu acho que minha mãe deveria ter ficado no hospital, mas ago-
ra, tem que cuidar aqui em casa mesmo.
      A mãe deixou de ir ao hospital e Juliana tinha em casa uma
recém nascida. A situação era tão atribulada, que o próprio
nascimento de Júlia foi rápido – uma hora de trabalho de parto -
sem comemorações e sem a presença da avó que tanto queria ver a
neta nascer. Não esteve na sala de parto, porém ao menos, conse-
guiu ajudar nos primeiros cuidados.
      -Quando a Júlia nasceu, minha mãe ainda conseguia andar
um pouco. Lembro um dia que a bebê estava com muita cólica. A
minha mãe ouvia a Júlia chorar, por isso foi lá na cozinha, fez um
chazinho e deu pra minha filha.
      Ao lembrar a ajuda, a filha cuidadora abaixa o tom de voz,
junto com a cabeça, olhando fixo para a Júlia sobre seu colo. A
menina mama e depois que se sacia fica quietinha no colo da mãe,
até voltar a sentir fome e procurar o outro seio. Juliana, visível-
mente exausta faz o que pode. Já próximo ao horário do almoço,
não há cheiro de comida naquela casa. Os meninos – filho e sobri-
nho – logo vão para a escolinha, onde há a merenda. A mãe se ali-
menta através da sonda.



                                  [ 45 ]
Gláucia Franchini


      Embora Oscarina não tenha forças para engolir, Juliana já
teve que se virar para preparar a alimentação daquela que tão bem
sabia cozinhar. Porém, preparar a comida não é a especialidade da
jovem. Quem a ajudou em várias ocasiões foi a vizinha da casa do
lado esquerdo. Este auxílio chama atenção numa sociedade cada
vez mais individualista. A jornalista da Revista Época, Eliane
Brum, reuniu no livro “O Olho da Rua”13 algumas de suas grandes
reportagens e em uma delas, a repórter constata uma peculiaridade
do mundo real: “Numa cidade em que as pessoas temem se envol-
ver com estranhos (e até com conhecidos), a periferia é um para-
digma de solidariedade.”
       O que a Brum pôde notar é reforçado com o exemplo de
Juliana. Nas classes mais altas, os muros das casas se fecham para
os assaltantes e como consequência também para os vizinhos. Nos
condomínios de luxo, os moradores saem de casa montados em
seus automóveis, dificultando o contato com a vizinhança. Até nos
prédios, vizinhos de porta, apenas trocam “bom dia” e “boa tarde”
no corredor ou dentro do elevador. A ausência de contato entre as
pessoas acontece não só pela falta de disponibilidade de quem
poderia ajudar, mas também por conta do orgulho de quem prefe-
re “se virar sozinho”, seja contratando um enfermeiro, uma babá
ou empregada doméstica. Todavia, quando essas opções são inviá-
veis financeiramente, resta a ajuda recíproca: o simples clichê de
que “uma mão lava a outra.”
     Em relação à vizinha, Juliana fala da importância de poder
“contar” com ela num momento como este:
       -Uma sopa que precisava pra mãe, minha vizinha pegava e
fazia. Às vezes, minha mãe não queria comer minha comida, por-

13
     BRUM, E. “O olho da rua.” São Paulo: Globo, 2008.




                                           [46]
Eles não quiseram o hospital


que eu não sou muito boa, então eu pedia ajuda e também hoje
quando eu preciso, sei que posso contar com ela.


                                  ***


     A mãe doente não sente mais os gostos e não consegue, de
forma autônoma, realizar suas necessidades.
     -De repente, a pessoa está ali numa fralda, comendo num
negócio que fica pingando o tempo todo. Muito magrinha, com
muito sofrimento, lamenta Juliana.
       De fato, a imagem de Oscarina é de uma magreza excessiva,
numa face enrugada, mas sem expressão. A boca murcha revela a
ausência dos dentes. Sobre a cabeça um gorro de tricô azul escon-
de a falta de cabelos. De olhos fechados e com uma respiração al-
ta, a senhora espera deitada em uma cama de hospital antiga que fica
encostada na parede sob a janela com cortina de renda. Do lado dela,
a cama de casal que dormia com marido. Agora, ele dorme só.
       No restante do cômodo há um armário grande de compen-
sado escuro, uma cômoda também espaçosa, com muitas coisas
sobre ela: perfume, desodorante, talco, cremes de corpo e de rosto,
bijuterias, batom, um espelho e remédios - morfina 30 mg, entre eles.
       Este medicamento, inclusive, causa certa repulsa. Ele signi-
fica exatamente o que aquela situação é: dor. Numa visita no mês
de julho de 2012 às obras do hospital Lo Tedhal – aquele que está
sendo construído em Campinas para cuidar de doentes terminais -,
um dos monitores que acompanhava os grupos de dez pessoas pa-
ra conhecerem as instalações do prédio, comparou o câncer a uma
guerra. Para ele, o que essas duas situações têm em comum é exa-
tamente a morfina: tratava soldados feridos e hoje serve para amenizar



                                  [ 47 ]
Gláucia Franchini


a dor de pacientes oncológicos. Ainda em torno deste remédio, dentro
dos “Critérios de Qualidade para os Cuidados Paliativos no Brasil” da
ANCP, o analgésico carrega a ideia de “agonia final”.
       De uma das gavetas da cômoda do quarto, a filha tira uma
foto de quando Oscarina estava bem. A imagem dela no churrasco
de família não condiz com a da mulher sobre a cama. O sorriso
naquele retrato, com aquela roupa justa e ousada para uma mulher
de mais de 50 anos, justifica a quantidade de cosméticos em cima
do móvel: Oscarina era muito vaidosa. Através da morfina, toda-
via, entende-se porque ela mudou tanto fisicamente.
       Com a voz bem baixa, quase falhando, de dentro do quarto,
a filha ameaça chorar, mas ao invés disso, desabafa:
      -É muito sofrimento ver a pessoa que fazia muitas coisas pra
gente estar nesta cama sem se mexer, praticamente. É outra pessoa.
       Oscarina abre os olhos ao ouvir a conversa. Não consegue
se virar para o lado das vozes e por isso, logo os fecha.


                                 ***


      De volta para sala, ainda com Júlia no colo, o filho Adal-
berto e o sobrinho Ezequiel correm por entre os móveis, parecen-
do que vão derrubar tudo, mas não derrubam. Um deles cai e cho-
ra. O outro também chora para não levar a culpa: Um berreiro!
      Juliana precisa ver se não se machucaram e tenta acalmar as
crianças. A Júlia de forma simultânea também começa a fazer ma-
nha. Com as crianças mais calmas, a filha de Oscarina ainda se
preocupa em mostrar que deu educação ao filho:
      -Adalberto, fala “oi” pra moça.



                                 [48]
Eles não quiseram o hospital


      Adalberto não fala e Juliana não insiste.
      -Desculpa, ele é tímido, justifica-se ela.
      Tímido, mas o garoto começa a ter algumas responsabili-
dades. Sozinha durante o dia, já que padrasto e marido trabalham,
Juliana tenta dar conta de tudo, dividindo as tarefas. Ezequiel que
já tem oito anos, junto com Adalberto, é o responsável por levar o
“lixinho” da casa da frente e da do fundo.
      Por falar na casa do fundo, Juliana prefere não mostrá-la.
      -A minha casa está muito bagunçada. Eu passo o dia aqui na
casa da frente então, só vou lá para dormir. Eu não vou te levar lá não.




                                  [ 49 ]
Gláucia Franchini




               “Você fica sem chão”


      - A gente fica o tempo todo ligada, já não dorme direito.
Cuidar de uma pessoa assim afeta sua vida de maneira geral. A inti-
midade não existe mais, muda tudo. Eu era de fazer as coisas, de
não ter nada sujo, mas agora não consigo, justifica-se Nina.
      Nina é filha do senhor João. A justificativa vem quando a
dona de casa mostra a extensa cozinha, que divide espaço com um
local para as refeições, com mesa de mármore. Sobre a pia, uma
pilha de louças ilustra a situação dentro da residência.
      -Eu estou com 58 anos e bem limitada. Um monte de servi-
ço pra fazer, eu não consigo fazer. A dor não me permite.
      A dor emocional de ter o pai com uma doença grave se
traduz e se intensifica em dor física, nos pés inchados e nas pernas
marcadas por varizes bem arroxeadas. O estresse de lidar com
senhor João,cinco meses antes tão ativo, afeta a saúde da filha que
já precisa de cuidados, por conta da pressão alta. A hipertensão
leva Nina a ir regularmente ao pronto socorro, onde é medicada
com remédio sob a língua. Quanto à limitação física, não consegue
cuidar em plenitude do pai, principalmente nas atividades que
exigem força, como um simples banho. Com muito amor e até
aparentando devoção, a dona de casa fala do marido, o Admir, que
a ajuda. É ele quem tira sogro da cama para levá-lo até a cadeira de
banho e prosseguir para o banheiro do primeiro piso da casa.


                                 [50]
Eles não quiseram o hospital


       O bairro é a Vila Marieta. Um portão branco cobre toda a
frente da residência, inclusive a garagem. Ao lado da saída dos
carros, uma porta mais estreita é aberta para receber visitas. Para
entrar na casa é preciso subir uma escada de ardósia com doze
degraus. Em cima, uma área que poderia abrigar uma piscina ou
um jardim, restringe-se ao cimento, servindo de cobertura para o
local onde é guardado o carro da família. Lá do alto, à direita, a
porta da casa é moldada com batentes de madeira e uma pintura
impecável. No teto do hall de entrada, o gesso abriga lâmpadas
embutidas. Também a janela leva a moldura de madeira, combi-
nando com sofá de canto num amarelado sutil.
       Fora da decoração, mas bem no centro desta sala de entrada,
fica a cama de hospital e o senhor João em cima dela. Ele fica de
frente pra porta e recebe o sol que vem de fora. No calor que fazia,
chegava a soar. Qualquer enfeite daquele ambiente de recepção era
ofuscado pela imagem daquele senhor de 81 anos no centro de tudo.
      Quem chega à casa é acomodado em volta do pai, já que, co-
mo o sofá amarelo fica bem atrás da cama de hospital, sentar ali
pode ser apertado, sendo a solução encontrada por Nina, usar as
cadeiras da sala de jantar para que as visitas sentem-se sob o esto-
fado azul, que contrasta com o marfim da estrutura.
       Os profissionais do SAID já haviam avisado sobre a perso-
nalidade daquele senhor: sistemático e agressivo com quem não
gosta. A filha cuidadora parece ter herdado este gênio forte. Tem a
fala firme, num timbre alto. Quando se sente indignada com algu-
ma situação não disfarça a aversão ao caso e aumenta ainda mais o
volume da voz. Nina falou mais alto quando comentou casos de fi-
lhos que abandonam os pais em clínicas e asilos.



                                 [ 51 ]
Gláucia Franchini


       - O meu pai só tem a mim e meu marido, senão ele seria jo-
gado em qualquer canto. Nós sabemos o que são essas clinicas de
repouso particulares. Paga-se R$ 2,5 mil por mês e ainda tem que
levar fralda, fruta, leite... Sem falar a falta de cuidado!
       Se a filha gosta de expressar suas indignações, o pai mantém
uma postura de quem já foi um homem galanteador, o que se ex-
plica quando filha lembra da época de “mulherengo” do pai. Ele,
aliás, pode ter conquistado as mulheres não só pela beleza que
deve ter tido, como também pelos poemas que escrevia. Apesar de
magro, ainda é um senhor afeiçoado e embora não componha co-
mo antes, lembra de cór algumas de suas poesias e as recita com
orgulho. Uma delas fala de flores, borboletas e de um grande amor.


                                ***


      Nina foi criada sem a mãe e desde pequena teve que fazer o
papel materno para o irmão dois anos mais jovem. O pai fez tudo
que pôde, sempre dando “do bom e do melhor” aos filhos.
      Pai e filha são mineiros, sendo que Campinas apareceu como
opção, após o octogenário receber uma proposta de trabalho na
capital. Ele não se adaptou a São Paulo e arriscou vir para a terra
das andorinhas, recomeçando a vida com os filhos, numa casa da
Avenida Salles de Oliveira. Na época, era mestre de obras em uma
grande empreiteira da cidade, como o próprio define.
     Assim como nas Gerais, João logo se tornou amigo de no-
mes influentes da cidade, principalmente advogados, médicos e
engenheiros. Todavia, suas lembranças sempre estiveram em Pas-



                                [52]
Eles não quiseram o hospital


sos de Minas onde, segundo ele, chegou a dividir mesa com o casal
Sara e Juscelino Kubistchek. A filha do ex-mestre de obras reforça
que a história relembrada pelo pai é real. Naquela época, Nina
conta que era natural para o senhor João, então com pouco mais
de 20 anos, sair com o casal de futuro presidente e primeira-dama
do Brasil em sessões de cinema, apresentações de circo e depois
delas, passavam na sorveteria Urca.
      O pai de Maria já foi o rapaz que rodava filme no cinema
mineiro, pedreiro e influente engenheiro em obras. Só em Campi-
nas ele diz ter participado de 112 construções. O dinheiro que ga-
nhava sempre proporcionou uma vida confortável aos filhos.
       - Nós tínhamos uma vida muito boa, principalmente no
tempo que eu era mestre de obra. Conhece o edifício Itatiaia que
foi tombado o ano passado? Pois é, eu fui o mestre de obra daque-
la firma, do Oscar Niemeyer. O maior arquiteto do mundo, relem-
bra o senhor sobre a cama.
      Ainda com sotaque mineiro, o idoso quando conversa faz
questão de olhar nos olhos de seu interlocutor, todavia, ao falar de
seu passado, fita o teto e parece reviver tudo o que fala. A filha ou-
ve as histórias do pai quieta, fazendo interrupções apenas quando
ela também compartilha da lembrança. João se recordava e então
Nina completava a cena do passado, trazendo mais detalhes, cor-
rigindo o pai em alguns dados e ou mudando o rumo da conversa,
falando mais de si: a cuidadora.


                                  ***




                                  [ 53 ]
Gláucia Franchini


      Casada, mudou da casa do pai, mas continuou tendo uma vi-
da confortável e abastada. O marido, Admir, ganhava na empresa
Singer o suficiente para que a esposa não precisasse trabalhar e
ainda tivesse algumas regalias.
      - Ele deu tudo pra gente, as roupinhas da Pakalolo, tênis da
Nike, o clube, os passeios, colégio particular... O “Docinho” com-
seguiu manter as crianças num bom nível e a casa tranquilamente.
Tudo sozinho, orgulha-se a filha do ex-mestre de obras.
      Nina,que apelidou o marido carinhosamente de “doce de
coco”, não tinha responsabilidades financeiras, mas era dela a
função de educar as filhas dentro de casa. Viviane, a mais nova,
ainda mora com os pais. A outra, já foi casada e teve um filho, que
mora com os avós, já que Vanessa foi para Boston aprimorar os
estudos, após se separar do pai de Rafael.
        Por isso, além de cuidadora do pai, Nina cuida da filha
solteira e do neto Rafael de oito anos, para o qual precisa passar o
uniforme da escola e preparar o lanche do recreio. O pai da dona de
casa sabe que a filha tem essas responsabilidades. A forma como ele
lembra o passado e faz questão de esquecer o presente mostra que o
amigo de Juscelino jamais havia cogitado estar tão depende.
      Antes da doença, ele era “amigado” com Maria José. Ela, no
entanto, após o diagnóstico da enfermidade disse que não poderia
cuidar dele, porque trabalhava e deixá-lo sozinho em casa poderia
ser perigoso. Por isso, o mineiro de Passos foi para a casa da filha.
Embora ele não reclame, demonstra lucidez:
      - Acontece o seguinte, a Nina e o Admir têm muito serviço.
Eles têm que cuidar de tudo nessa casa. Tem que levar o neto pros
lugares. Então, eu fico aqui. Depois de faltar quatro, cinco meses


                                 [54]
Eles não quiseram o hospital


pra fazer 82 anos, eu ficar imprestável? Não é fácil minha filha,
não é fácil. A cabeça não sai do cérebro, não sai...
      Nina corta o assunto ao ver que o pai se entristece. Ela não
chama de doença o que o pai tem, dizendo ser apenas um “pro-
bleminha”. Não fala em gravidade perto dele, só diz que se ele
andar pode cair e agravar o quadro – que já é bem grave. O senhor
João tem neoplazia, com um tumor ósseo maligno, descoberto
após ele ter tido um mau jeito.
       - Meu pai estava ótimo, mas um dia ele sentou na bacia do
banheiro e pronto, deu o problema. Ele perdeu as forças nas pernas e
sentiu dor. Foi fazer o exame e descobriu que tem os ossos frágeis.
       Por achar que de fato é “só um probleminha”, o senhor de
81 anos, não se conforma em estar numa cama e por muitas vezes
faz esforço para se levantar. Diferente de Oscarina, filha de Ju-
liana, que foi tomada pela fadiga, o ex-funcionário da construção civil
apresenta reações de ansiedade e agitação. O próprio conta que até
pegar no sono ele “vira, vira e vira na cama” e para dormir mais
rápido, fica “contando até dez, até o cansaço vir”. O que ele tem é o
distúrbio do sono, sintoma também considerado pelos pesquisadores
que definiram o cansaço como algo comum em doentes graves.


                                  ***


       Era primeiro de maio – Nina, João, Admir e até o neto Ra-
fael lembram-se da data. A constatação do exame exigiu que o ex-
mestre de obras ficasse internado. Mais do que frágeis, os ossos da
perna estavam trincados, sendo necessária a colocação de uma



                                  [ 55 ]
Gláucia Franchini


prótese. Os procedimentos médicos foram feitos pela equipe do
Hospital Municipal Dr. Mário Gatti a quem toda a família dispensa
elogios. Enquanto estrutura, Nina lembra a precariedade dos quar-
tos e instalações, mas não se esquece do lado humano do atendi-
mento, o qual ela adjetiva com um “excelente”.
       Foram 17 dias de hospitalização na ala de ortopedia. Com a
cirurgia feita, outro exame constatou irregularidade no líquido da
medula, sendo o paciente encaminhado para outro setor. Nina não
fala qual a especialidade deste, mas se tratava da oncologia.
     -Quando aparece uma situação assim de doença, você fica
sem chão, diz a filha.


                                ***


      O chão da casa em que morava João com Maria José era de
muita descida, o que também dificultaria a locomoção do então
recém operado. Não poderia ficar sozinho e a mulher não podia
deixar o emprego para cuidar dele. Assim, após a alta do hospital,
João foi direto morar com a filha, o que exigiu adaptações.
      Admir conseguia prover toda a família enquanto trabalhava,
porém com a aposentadoria, para manter o padrão de vida foi o-
brigado a continuar trabalhando. Conseguiu um emprego na loja
do Guarani, mas não deu certo. Ele começou a fazer bicos como
“marido de aluguel”, também sem sucesso. Conseguiu voltar ao
emprego na loja do bugre, mas voltou a ficar desemprego cinco
dias após a internação do sogro, o que complicou a situação fi-
nanceira da família.



                                [56]
Eles não quiseram o hospital


       Nina diz que o marido é muito quieto, não fala de ninguém
– nem bem, muito menos mal. Nunca brigou, não tem inimigos e
pensa muito na família. Na hora que seria de desespero –
desemprego e com o sogro doente em casa – foi o Admir quem
resolveu buscar ajuda na assistência social do Mário Gatti. Através
disto, conseguiu o encaminhamento para o SAID.
       -A gente não sabia do serviço e de repente essa turma linda
começou a vir em casa. Eles se apresentaram e explicaram que o
meu pai está numa internação domiciliar. Então eles vêm: é o
fisioterapeuta, o enfermeiro, médico, a nutricionista, psicóloga... É
tudo, conta Nina com entusiasmo.
       Recebendo a assistência profissional em casa só faltava um
lugar para o pai ficar. Espaço não seria o problema. Além do hall
que foi o lugar escolhido, no piso de baixo tem ainda a sala de
estar, sala de jantar, um banheiro, área de serviço e a cozinha, onde
fica a escada que dá acesso ao piso de cima. No andas superior
estão os quartos.
       Pela dificuldade de subir com o pai, manteve-se ele no hall:
de faço acesso e bem arejado. A cama hospitalar que fica no centro
desta entrada é, inclusive, uma conquista para a família. Uma cama
convencional não daria conta das necessidades de alguém debilitado e
por isso, precisando de ajuda, Nina ligou para o sobrinho, gerente de
uma empresa de assistência técnica de materiais hospitalares.
       -Eu liguei chorando pra ele e eu falei que o meu pai não es-
tava bom e se ele podia nos ajudar arrumando uma cama de hospital.
     O sobrinho conseguiu sem esforços. No pátio da empresa
em que trabalha, uma cama hospitalar moderna, grande e de fácil




                                 [ 57 ]
Gláucia Franchini


manuseio estava abandonada, mas funcionando bem. Para Nina,
aquilo foi um “achado”, já que uma compatível passa dos R$ 1 mil.


                                 ***


       Cuidar do senhor João exige bastante cautela dada vulne-
rabilidade da parte óssea dele. Essa atenção com pessoas mais
idosas deve ser levada em consideração afinal, a sociedade que está
envelhecendo. Uma estimativa da Organização Mundial da Saúde é
de que até 2025, o Brasil alcance a posição de sexto país com
maior número de idosos. Dados do IBGE 2010 mostram que em
duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos dobrou,
chegando a cerca de 20 milhões.
      O pai de Nina já usa fraldas e quem as troca é o genro. A quês-
tão da privacidade e intimidade do doente e dos familiares é algo que
encabula as pessoas envolvidas nesta situação de enfermidade. Este já
foi um dos temas de um dos “Encontros de Cuidadores” do SAID.
O principal ponto abordado é o receio dos doentes de serem ex-
postos, por exemplo, em suas necessidades fisiológicas. É cons-
trangedor para muitos ter a fralda trocada por alguém da família ou o
banho dado por este cuidador. O mesmo constrangimento passa
àquele que cuida. A relação fica ainda mais difícil quando os envol-
vidos não são do mesmo sexo, envolvendo um tabu em torno desta
exposição da intimidade. No encontro, especialistas ajudam os cui-
dadores a superar esse obstáculo, sempre recomendando alguém do
mesmo sexo para os cuidados mais íntimos.




                                 [58]
Eles não quiseram o hospital


      Ainda nestes encontros, os profissionais do serviço de Assis-
tência domiciliar costumam levar temas que apresentem os direitos
dos cuidadores e dos enfermos.
       Os medicamentos do pai de Nina estão na lista dos dispo-
níveis pelo Sistema Único de Saúde, assim como os remédios para
as dores e para a pressão da filha. O problema é que constan-
temente alguns deles estão em falta nos postos do município. Na
atualização feita pela prefeitura de Campinas - que pode ser aces-
sada através do portal do Executivo -, no dia 24 de setembro de
2012, aproximadamente 25% dos remédios que deveriam estar nas
unidades de saúde estavam sinalizados como “Medicamentos em
Falta”. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a disponibilidade
de remédios na rede pública é um dos três pontos essenciais para se ter
um programa eficiente de cuidados paliativos, seja nos hospitais ou nos
domicílios. Os outros dois envolvem ações e medidas governamentais,
além de uma política educativa.
      A família de senhor João não consegue pagar um convênio
médico para ele. Admir e Nina têm a assistência, já que embora
aposentado, “Docinho” continuou pagando o plano feito pela fir-
ma há mais de 20 anos, e por conta disso, paga um preço bem
abaixo do que se tivesse que contratar um novo convênio. Numa
cotação feita para um casal com mais de 60 anos, um plano básico
em um convênio intermediário sai por mais de R$ 1300.
      Em um dos textos da sala de imprensa do Instituto de Estu-
dos de Saúde Suplementar (IESS), números da Agência Nacional
de Saúde (ANS) mostram que no segundo semestre de 2011 cerca
de 46,6 milhões de pessoas tinham plano de saúde no Brasil, o que
representa menos de 25% de toda população, considerando o Cen-
so 2010 - mais de 190 milhões de habitantes. O impacto de uma


                                  [ 59 ]
Gláucia Franchini


política voltada ao atendimento domiciliar pode contribuir para a
redução dos preços dos planos de saúde, tendo como consequên-
cia o aumento de segurados. Tratar de um doente em casa custa de
20% a 60% menos que mantê-lo hospitalizado, desonerando o
plano de saúde dos gastos com a manutenção do paciente na uni-
dade médica. Estes números foram levantados no trabalho de Foto-
reportagem do fotógrafo André Francois, “De volta pra Casa”14, no
qual o profissional retrata situações de doentes que recebem o serviço
de atendimento em casa, em várias cidades do país.
      Apesar das dificuldades financeiras, Nina conseguiu um
benefício da Previdência Social, através do qual seu pai passou a
ter o direito de receber mensalmente um salário mínimo. Este di-
nheiro ajuda, por exemplo, na compra das fraldas descartáveis.
       Nina não chegou a ler, mas este benefício está previsto na
Constituição Federal, em seu artigo 201, que estabelece ser respon-
sabilidade da Previdência contribuir na cobertura financeira em ca-
sos de “doença, invalidez, morte e idade avançada”. Caso a filha
fosse dependente financeiramente do pai - que fosse um segurado
de baixa renda –, a família teria o direito de receber o “salário-
família e auxílio-reclusão”, por conta dos incisos acrescentados à
Carta através de emendas de 1998.
      No que diz respeito à assistência do serviço domiciliar, este
também é previsto em lei. “A assistência social será prestada a
quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Segu-
ridade Social”, sendo o objetivo dar “proteção à família, à materni-


14
     FRANÇOIS, André. “De volta pra casa”. ImageMagica, 1ª.Ed, São Paulo, 2010.




                                          [60]
Eles não quiseram o hospital


dade, à infância, à adolescência e à velhice”. Tais direitos assisten-
ciais estão previstos no inciso primeiro do artigo 203.
      No entanto, apesar da garantia constitucional, um levanta-
mento feito em 2010 pela consultoria da Economist Intelligence
Unit (Reino Unido) coloca o Brasil na posição 38, numa lista de 40
países, em relação à qualidade dos serviços de atendimento médico
domiciliar e dos voltados à paliação. O país do futebol fica à frente
apenas da Uganda e da Índia.
      Na casa de Nina, a família conseguiu a garantia das assis-
tências previdenciária e social, todavia, ainda assim a família tem
algumas dificuldades financeiras.
      -Somos nós dois na luta. O “Doce” é aposentado só que vi-
ver de aposentadoria nesse país não dá. É muito difícil mesmo,
porque quando a gente vai envelhecendo, precisa de remédios, às
vezes caros. No nosso caso ainda, temos que manter a família, o
neto na escola... Os gastos só aumentam.
      Mesmo com a preocupação de manter sua família com uma
boa condição de vida, Nina reconheceu que naquele momento ser
papel era um só, o de cuidadora. A própria define a sua função:
      - O cuidador é muito importante. Somos nós que cuidamos,
que temos a responsabilidade de cuidar, manter o doente limpo. A
gente que dá o remédio e segue as orientações que os médicos pas-
sam. Eu faço o que SAID me passa. Eles nos ensinam, explicam,
orientam tudo direitinho. Então, a gente faz.
      Enquanto cuidadora, Nina não vai mais ao cabeleireiro para
esconder os fios brancos, todavia pouco se importa. Para ela, o im-
portante é fazer direito aquilo que os profissionais do serviço reco-
mendam e ajudam quando necessário.


                                  [ 61 ]
Gláucia Franchini




                 “Como é essa vida”


       O relógio sobre o criado mudo do quarto estava parado às
três horas. Junto dele, uma garrafa com água, caixas de medica-
mentos e um papel escrito a caneta azul, com linhas e tabelas feitas
à mão. As divisões foram organizadas por horário, começando
pelas cinco horas da manhã. Na frente desta coluna com os núme-
ros, estão escritos os nomes dos medicamentos que Marisa deveria
tomar, sendo as doses controladas por sua mãe, dona Aparecida.
      -Tem que marcar senão a gente se perde, explica a Marisa.
      A filha prefere ter tudo escrito, até para ajudar a mãe que se
divide entre os afazeres da casa, o marido já de idade, a neta ado-
lescente, o filho alcoólatra e a própria Marisa que de tantos medi-
camentos precisa. Só no horário das nove da manhã o papel
indicava: clozapina e omeprazol.
      - O omeprazol a Marisa não tomava, mas o Julimar falou pra
ela tomar, porque senão ela podia ter uma úlcera. Ela também to-
ma um que é diurético, conta a mãe.
      Julimar é um dos enfermeiros do SAID que visita a casa da
família. A residência fica no Jardim Nova Europa, bem próximo à
avenida principal, Baden Powell. É grande, mas com uma fachada
antiga. No abrigo não há carro e logo que se passa o portão, à es-
querda uma horta tira o cinza do chão. Entrando na casa, dois so-
fás formam a letra “l”, sendo que na frente do estofado de três
lugares fica a estante com uma TV e várias imagens que remetem a



                                [62]
Eles não quiseram o hospital


religião. Tem duas bíblias e alguns porta-retratos. Na parede, ou-
tros enfeites religiosos estão pregados, destacando-se duas cruzes.


                                 ***


      Assim que Aparecida acaba de dar o remédio, compartilha a
recordação de quando começou a notar a filha com sinais de aba-
timento. Foi a mãe quem pediu para Marisa procurar um médico,
pois desconfiava que a filha tinha algum problema neurológico. Além
da fraqueza, ela começava a perder a sensibilidade nas mãos. Aos 39
anos, Marisa descobriu que aquela tontura não era uma simples
anemia, causada pela automedicação de um remédio para emagrecer.
       Atendida no Hospital Mário Gatti, foi internada para a
realização de exames mais sofisticados. A principal suspeita era de
que se tratasse de esclerose múltipla, e por isso a encaminharam
para um tratamento no HC da Unicamp, onde os médicos desco-
briram que a filha de Aparecida tinha “outra doença”. Mais uma
vez, como aconteceu com Oscarina, o diagnóstico tardio compro-
meteu um tratamento com melhores resultados.
      -O tumor já estava grande, lembra-se a mãe com voz baixa e
olhos claros que se avermelham.
       Marisa, já com sistema tátil comprometido, não foi capaz de
sentir o que a mamografia, solicitada depois de um ano de trata-
mento neurológico, constatou. O diagnóstico de câncer de mama
veio em 2010. A lembrança desta data faz com que os olhos de A-
parecida fiquem menores, cheios de lágrimas, ainda vermelhos.
       Desde a notícia, vários procedimentos médicos foram rea-
lizados, conforme a doença se espalhava pelo corpo: retirou a ma-
ma e o ovário. A sensibilidade nas mãos foi praticamente perdida,



                                 [ 63 ]
Gláucia Franchini


junto aos movimentos das pernas. As intervenções cirúrgicas
foram descartadas e o tratamento de Marisa resumiu-se à medica-
ção para aliviar a dor.
      Os principais sintomas físicos da paciente coincidem com
outras características citadas no documento que apontou a fadiga
de Oscarina e a agitação do senhor João como consequência das
doenças em estágio avançado. Marisa não tem apetite e sofre de
constipação – dificuldade para evacuar. Além disso, em março de
2012, Aparecida viu a filha ter um Acidente Vascular Cerebral.
      -Ela tem uns pontinhos na cabeça. Quando a minha filha te-
ve o AVC, ela disse que todos eles sangraram ao mesmo tempo.
Teve que nem um sangramento, eu até pensei ser uma convulsão,
recorda com tristeza, Aparecida.
      Os “pontinhos” são as metástases da paciente, que de forma
simplista, é quando o câncer se espalha para outras partes do cor-
po. A gravidade no quadro clínico deixou Marisa internada por
aproximadamente dez dias após o derrame. Em quatro deles, ela
ficou desacordada. Depois da estadia no hospital, voltou pra casa,
passando a receber o atendimento do serviço domiciliar.


                                 ***


       O cuidado de Marisa é feito no quarto do relógio sem pilha,
onde dorme a paciente, a mãe e o pai. O cômodo é bem grande,
comportando a cama de casal, com lençol fino simulando ser feito de
retalhos e o guarda-roupa de mogno cobrindo cobre toda a parede
atrás da cama. No canto direito, fica o criado-mudo dos remédios e
atrás dele, a cama hospitalar com vários lençóis brancos sobre a
enferma. Uma porta de metal e vidro jateado dá acesso ao fundo da
casa, sendo que ao lado, a porta de madeira separa o quarto da suíte.


                                 [64]
Eles não quiseram o hospital


      - Eu durmo aqui com ela, pra cuidar dela, diz a mãe.
     - De noite eu sempre sinto algumas umas coisinhas e então
minha mãe está aqui pra me ajudar, completa a filha.
      Antes desta adaptação no quarto, Marisa ficava no dormi-
tório menor da casa, junto com a filha, todavia, a inquietude doen-
te, por conta das dores e a respiração alta - o ronco – incomoda-
vam Luana, que tinha que acordar cedo para ir ao trabalho.
       Agora com a paciente no quarto maior, a filha Luana já não
precisa acordar pelo início da manhã, pois conforme a doença foi se
agravando, Marisa ficou debilitada, precisando de ajuda até para se
mexer. Aparecida com 73 anos, também começa a ter dificuldades
para dar este auxílio à filha, pois “a idade não ajuda”. Até então, o
marido a ajudava, mas ao ver tanto sofrimento da filha, ele desistiu e
se entregou, mantendo-se deitado sobre o sofá durante todo o dia.
      - Meu marido se sente mal, não tem muita força, está meio
surdo, não enxerga de um olho. Ele se sente meio impotente pra
ajudar ela, Aparecida define o esposo.
      Na falta de alguém capas de ajudar Marisa, restou a Luana
compartilhar o papel de cuidadora com a avó. Saiu do emprego e
aos 19 anos não se conforma com estado da mãe. A jovem ajuda,
mas mantém a face do rosto bem fechada, com um olhar solto
demonstrando total repúdio àquela situação. Ela não quer conver-
sar e Marisa compreende a filha:
       -A Luana é adolescente. Ela teve que fazer muitas coisas
sozinha, porque eu fiquei muito tempo parada, andando de anda-
dor, sem poder ajudar minha filha, participar da vida dela. Então,
eu sei que ela se compara com as amigas que tem a mãe sempre
presente. Um dia, ela me disse que a minha situação fez com que
ela crescesse muito, mas eu sei que é difícil.




                                  [ 65 ]
Gláucia Franchini


       O que tange o relacionamento entre paciente e família tam-
bém foi abordado no trabalho da Academia Nacional de Cuidados
Paliativos. O “afrouxamento” dos laços de afeto entre os envolvi-
dos em situações de onipresença da morte é, de acordo com o
documento, uma constante, se apresentando como um “problema
social” dentro das famílias. Por conta disso, deve ser uma das
vertentes tratadas pelas equipes multidisciplinares de paliação e de
assistência social.
      Apesar de a filha não querer um diálogo com a mãe, tanto
Aparecida como Luana não deixam de cuidar. A mais jovem não
troca palavras, mas faz o que tem que ser feito.


                                ***


       A mãe de Marisa insiste para que a filha coma, oferecendo
café, leite e já anunciando o cardápio do almoço. Na falta de ape-
tite da paciente, a senhora não desiste e oferece uma vitamina com
banana, maçã, mamão e suco de laranja, de um jeito quase apelati-
vo, mas carinhoso que faz Marisa aceitar. A insistência da senhora
de 73 anos não é o procedimento recomendado pelo documento
nacional da Academia já citada, que orienta nos casos de falta de
apetite a respeitar a decisão do paciente. Aparecida não se importa,
até porque é do instinto materno a preocupação para que o filho
sempre se alimente bem.
       A mãe vai à cozinha e do quarto se ouve o barulho do liqui-
dificador preparando a vitamina. Passados alguns minutos, um co-
po de vidro grosso de tamanho americano é levado à boca da mu-
lher de 39 anos. Logo, ela pede que seja colocado de lado. A rea-
ção de Marisa após ingerir pouco menos de um dedo da bebida foi
de que aquilo estava azedo, mas não estava.



                                [66]
Eles não quiseram o hospital
Eles não quiseram o hospital
Eles não quiseram o hospital
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Eles não quiseram o hospital

  • 1. Eles não quiseram o Hospital Gláucia Franchini Revisão: Regiane Mateus e Bruna Moreno Orientação: Carlos Alberto Zanotti Puc-Campinas
  • 2. [2]
  • 3. [3]
  • 4. [4]
  • 5. Índice Sobre este livro..................................................08 Parte I – Conceitos.............................................19 O SAID.......................................................20 Cuidado Paliativo.........................................27 A Desospitalização.......................................32 Não tem mais histórias?...............................35 Parte II – Social e Físico.....................................38 “Tem que ter alguém para cuidar”................39 “Você fica sem chão”...................................50 “Como é essa vida”......................................62 Parte III – Psicológico e Espiritual.......................72 “Eu tenho o sangue frio”..............................73 “Não tem jeito de se adaptar a isso”.............82 “Não pode desanimar”.................................90 Foi bom vê-lo sorrir............................................96
  • 6. Gláucia Franchini À minha avó, por ter me ensinado o que é cuidar. [6]
  • 7. Eles não quiseram o hospital [7]
  • 8. Gláucia Franchini Sobre este livro “O livro-reportagem, como produto da comunicação de massa, só consegue atrair à medida que propõe ao leitor uma viagem aos valores, às realidades de outros seres e de outras circunstâncias, de modo que, encontre, naqueles, traços que são universais à humanidade como espécie.” (Edvaldo Pereira Lima – “Páginas Ampliadas”) Elaborado enquanto trabalho de conclusão de curso para a Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, este livro-reportagem não se propõe a contar histórias com finais felizes. Ao contrário, ele narra episódios de dores, tristezas e perdas. Menos em função de o tema agradar à autora ou aos potenciais leitores; e mais pela simples razão de que nenhuma existência é coroada de felicidade plena. E é para amparar nos momentos de infelicidade que este trabalho se coloca para partilhar experiências vividas por pessoas que se dispuseram a cuidar de avós, pais, mães, filhos, tios ou mesmo amigos aos quais a medicina costuma se referir como “pacientes terminais”. De um modo geral, os cuidadores destes pacientes são seus parentes mais próximos que, de uma hora para outra, se veem na contingência de assumir funções de auxiliares de enfermagem em suas próprias residências. Em Campinas, eles são amparados por visitas diárias de um órgão do sistema público de saúde. Os pa- [8]
  • 9. Eles não quiseram o hospital cientes, por sua vez, encontram-se desospitalizados por razões que são tão distintas quanto a falta de leitos, o receio de infecção hos- pitalar ou mesmo o desejo de terminar os dias em casa, ao lado de parentes, amigos ou vizinhos. Essa convivência, contudo, não ocorre sem traumas e danos que se estendem da condição física às dimensões psicológica e, para os mais crédulos, espiritual. Con- viver com o lamento, a iminência da morte e a dor de um ente querido contida somente à custa de medicamentos com tarja preta é uma experiência que, uma vez socializada, tende a funcionar como um instrumento a reduzir o peso de uma responsabilidade tão profundamente humana como esta vivida pelos cuidadores. O tema “pacientes terminais e sua decorrência” – os cuida- dos paliativos– não chega a ser uma novidade em termos de pro- dução editorial. Em livrarias ou sítios de internet, são facilmente encontradas publicações de cunho científico, voltadas principal- mente a médicos e pesquisadores, a respeito do assunto, bem co- mo obras de autoajuda que se propõem a oferecer um ombro ami- go aos que passam pela etapa da perda. De um modo geral, são produções de especialistas na área médica ou de espiritualistas dedicados aos aspectos transcendentais da vida. Até o momento, o jornalismo – o campo que oferece o método de abordagem aqui empregado– ainda não havia se apresentado para contribuir com sua parcela de responsabilidade em tema de tamanha relevância. Como bem nos lembra o pesquisador Eduardo Meditsch1, o jornalismo é também uma forma de conhecimento, tão importante e válido quanto aquele produzido pelas chamadas ciências naturais, 1 MEDISTSCH, Eduardo. “O Jornalismo é uma forma de conhecimento?” Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Catarina. Setembro de 1997. [9]
  • 10. Gláucia Franchini das quais retiramos as leis que governam a física, a química, as engenharias, a medicina... E que papel se reservaria ao jornalismo na abordagem deste tema? A nosso ver, aproximando-se dos cuidadores, junto aos quais se deveria recolher toda experiência adquirida no trato de pa- rentes em estágio terminal de vida para, de forma ética e conse- quente, repassar à sociedade o aprendizado que se obtém de uma experiência tão dilacerante. Uma vez formulado o tema de pauta, a etapa seguinte foi definir que o suporte livro seria o mais adequado para socializar o aprendizado construído pelos cuidadores. Afinal, como bem apon- ta o estudioso Felipe Pena2, as páginas de jornal ou revistas são muitas vezes insuficientes para conter determinados temas e dar- lhes amplitude contextual necessária. Por isso, o formato de um livro-reportagem se apresentou como o suporte mais apropriado aos objetivos aqui propostos. Além de atender aos pressupostos de universalidade, um dos eixos do interesse jornalístico, este trabalho ancora-se ainda nas proposituras do pesquisador Edvaldo Pereira Lima3, estudioso que caracteriza as produções jornalísticas como aquelas em que há a apresentação dos assuntos a partir de visões conflitantes, como a de cuidar em casa versus a da hospitalização do paciente. Neste sentido, o esforço na execução do livro não se deteve apenas à elaboração da pauta e produção, mas também à escolha de uma me- todologia para que os casos revelados nas narrativas fossem passíveis de produzir ressonância junto a diversas camadas de leitores. 2 PENA, Felipe. “O Jornalismo Literário como Gênero e Conceito.” Portal de Livre Acesso à Produção em Ciência de Comunicação, Intercom, 2006. 3 LIMA, Edvaldo Pereira. “Páginas Ampliadas: O Livro-Reportagem Como Extensão do Jornalismo e da Literatura.” São Paulo: Editora Manole, 2009. [10]
  • 11. Eles não quiseram o hospital Desta forma, o alicerce é a pesquisa social, através do méto- do qualitativo que propõe o aprofundamento no assunto através de sujeitos típicos daquele universo, optando-se por familiares que representassem grupos da sociedade. Para tanto, foi necessário que os casos fossem distintos entre si no que diz respeito aos aspectos econômicos e vínculos de parentesco entre o familiar e o doente, buscando-se uma abordagem o mais universalizante possível. Embora a amostragem reunida nesta publicação possa ser considerada pequena, através dela é possível retratar situações va- riadas. O primeiro caso narrado é o de Juliana, que se despede da mãe em uma casa de periferia onde sequer existem ruas asfaltadas. Na sequência, é a situação de dona Aparecida que é contada nas páginas deste livro; aqui, o diferencial fica por conta de a cui- dadora se tratar de uma mãe que se vê compelida a não só cuidar da filha, como também manter arrumados os oito cômodos da casa de aparência antiga num bairro de classe média. Por fim, é apresentada a condição da familiar Nina, que tenta convencer o pai de que ele pode vencer a metástase, e talvez deixar o andar de bai- xo do sobrado e subir as escadas rumo ao quarto. A partir do método de amostragem por conveniência4 dos casos, o trabalho de campo permitiu a vivência nas realidades que se julgou adequadas aos objetivos do livro. Através da técnica de imersão, proposta nas chamadas pesquisas qualitativas, se chegou ao que se pretendia: uma abordagem mais aprofundada que a per- mitida no jornalismo diário, possibilitando inserir a temática em 4 Este método de seleção é muito semelhante ao praticado na pesquisa jornalística, na qual o repórter escolhe quais fontes deseja entrevistar em seu trabalho de campo, admitindo que, de alguma forma, elas representem o universo pretendido. Para aprofundamentos, sugerimos GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1999. [ 11 ]
  • 12. Gláucia Franchini um amplo contexto. Esta estratégia permite o estabelecimento de uma relação mais duradoura entre fonte e entrevistado, pois envol- ve discussões em várias esferas, como as áreas médicas, sociais, pessoais, éticas e jurídicas. Em relação à sua temporalidade, o suporte livro-reportagem se sustenta no que pondera Lima, por não tratar necessariamente de um fato momentâneo, mas também abranger os assuntos que permeiam como tendências na atualidade: cuidado paliativo e “desospitalização”5. O primeiro é voltado aos pacientes que não respondem mais às intervenções clínicas, tendo o objetivo de ame- nizar a dor do doente e assisti-lo em suas necessidades básicas, as- sim como à sua família. A outra característica que justifica a existência de uma re- portagem em livro visa remeter o leitor aos antecedentes do tema que se pretende mostrar. No caso deste, há de se considerar os as- pectos históricos já que, embora no mundo contemporâneo haja uma tendência ao cuidado no domicílio, o conceito de “desos- pitalização” está inserido no passado. Foi com a partir Reforma Psiquiátrica que ele se popularizou. Todavia, antes mesmo desta iniciativa que recentemente se tornou política nacional para casos de psiquiatria, era costume o ritual de transição vida-morte ser fei- to no ambiente domiciliar. Os hospitais, em um determinado pe- ríodo da história, sequer serviam para um tratamento intensivo de reversão de quadros clínicos graves, estando muito mais ligados a questões de cunho religioso. 5 O tema também é tratado em obras como: “Por um fio” (Drauzio Varella); “A Culpa é das Estrelas” (John Green) e “O incrível dom de Oscar” (David Dosa). [12]
  • 13. Eles não quiseram o hospital A discussão em torno da “desinstitucionalização” do aten- dimento é complexa, não se restringindo apenas à decisão de levar o doente para terminar seu ciclo em casa. No cenário atual, há de se considerar os aspectos relacionados à bioética, que vêm com novas resoluções que tendem para um viés humanizado do cuidar. No dia 31 de agosto de 2012, por exemplo, o Conselho Federal de Medicina estabeleceu que os pacientes com doenças em estágio terminal podem decidir se vão querer ser submetidos ou não a tra- tamentos que prolonguem suas vidas6. Neste cenário, o estar pró- ximo da família surge como uma vertente positiva para uma quali- dade de vida melhor na hora da partida. Por sua vez, o familiar que perde o ente querido passa pelo sofrimento, que é carregado de questões antropológicas, culturais e espirituais. Na Antropologia, a autora Raquel Aisengart Menezes7 discute as diferentes formas com que o fim da vida foi tratado ao logo dos séculos – ora ritualizada, ora tratado com aversão. A antropóloga apresenta ainda o conceito da “morte moderna”, através do qual revela o lado paliativo do cuidar, que estaria ligado à “boa morte”. No olhar espiritual, o teólogo José Trasferetti8 estabelece em um de seus trabalhos uma discussão que envolve não só as cren- ças, mas também as fases pelas quais as famílias passam, quando há uma perda, diferenciando os tipos de dores e suas intensidades. Para fazê-lo, o estudioso leva em consideração a idade da pessoa que morreu, o grau de parentesco com o cuidador e a forma pela 6 Estas orientações estão contidas no documento do próprio Conselho de Federal de Medicina, na resolução 1995/2012. 7 MENEZES, Raquel Aisengart. “Em busca da boa morte – Antropologia dos Cuidados Paliativos.” Rio de Janeiro, Garamond. 8 TRASFERETTI, José. “A morte e o morrer: Desafio para a Teologia Moral no contexto atual.” Goiânia. Fragmentos de Cultura. [ 13 ]
  • 14. Gláucia Franchini qual a morte se deu: acidente, violência ou doença. No caso das enfermidades graves, Trasferetti aponta o momento do diagnós- tico como o mais difícil para a família, com graves conseqüências psicológicas aos cuidadores. O abalo emocional do pós-diagnóstico de uma doença que avança para o estágio terminal foi também objeto de estudo da médica sueca Elisabeth Kubler9, no livro “Sobre a Morte e Morrer”. Através desta obra, as reações dos familiares e dos pacientes perante as fases da doença foram monitoradas e conceituadas, a fim de se compreender melhor o impacto de se estar frente ao irreversível. Em relação à necessidade de se debater o tema, por mais desconfortável que seja, cabe ponderar que a expectativa de vida no Brasil vem aumentando nos últimos anos, o que surge como a- lerta, à medida que, com passar dos anos, a propensão para do- enças também aumenta. Neste cenário, os avanços da medicina aparecem como grandes responsáveis por as pessoas estarem vivendo mais, graças aos medicamentos e às tecnologias que pro- longam a existência, como no caso das utilizadas em próteses, res- piradouros e UTIs. O que se coloca em questão, no entanto, são pontos divergentes: a quantidade do viver versus a qualidade da vi- da que ainda se tem pela frente. Com os casos retratados neste livro, o intuito é oferecer aos leitores informações sobre o cuidado paliativo e domiciliar, através dos aspectos humanos e salutares deste tipo de atendimento. No emtanto, pensando na atividade jornalística – sempre buscar o ou- tro lado para oferecer ao leitor o maior número possível de infor- mações – também houve a preocupação de se apresentar os argu- 9 KLUBER, Elisabeth. [14]
  • 15. Eles não quiseram o hospital mentos contrários a esta opção. Desta forma, deseja-se que os in- teressados na temática consigam desenvolver um olhar crítico em relação aos conceitos; e que, caso se deparem, com uma situação semelhante aos das famílias aqui apresentadas, possam optar ou não, com mais convicção, pelo cuidado em casa. Apesar da atenção aos argumentos favoráveis à hospita- lização, o que se percebeu nas histórias foi que o ambiente hos- pitalar é reprovado pelas famílias. De forma unânime, elas recla- mam da falta de flexibilidade dos horários para visitações no ambi- ente hospitalar, das acomodações na área de internação, dos gastos com transporte para ir até hospital e até mesmo da falta de sen- sibilidade de alguns profissionais da saúde. Ao buscar inces- santemente a cura, corre-se o risco de desumanizar o cuidado, o- lhando-se apenas para a doença e se esquecendo do doente e de quem sofre junto com ele. Em hospitais e faculdades de medicina, a cultura de que perder um paciente é uma derrota ainda prevalece. Para os profissionais da área médica, o livro tem por objetivo mostrar a importância de se considerar não só o doente, mas também a família na hora de uma abordagem. Através dos ar- gumentos apresentados neste trabalho, espera-se que os profissio- nais se conscientizem de que, em alguns casos, apenas deixar paci- ente sem dor e preparar a família para o inevitável podem ser os melhores procedimentos a serem feitos. Para chegar às famílias apresentadas neste livro-reportagem, foi necessário subir na kombi do Serviço de Atendimento e Inter- nação Domiciliar (SAID), da Prefeitura de Campinas, junto aos profissionais da equipe multidisciplinar. [ 15 ]
  • 16. Gláucia Franchini O acompanhamento foi autorizado pela Secretaria de Saúde do Município, tendo o consentimento da coordenação do serviço e a posterior autorização das famílias. Apesar do apoio destes servidores da Prefeitura de Campi- nas, o serviço municipal de atendimento domiciliar é mostrado da forma como ele foi visto e avaliado pelos familiares que têm este apoio. O que é bom dentro SAID assim é narrado e, no caso de impasses, estes também são mostrados. Embora o livro não tenha o foco no serviço, as situações apresentadas estão inseridas neste cuidado domiciliar, que por isso, não poderia ser ignorando. A ressalva é válida para demarcar o compromisso jornalístico com a isenção. Também se faz importante esclarecer a questão ética que Le- vou a preservar os envolvidos nas situações aqui narradas. Apesar de os familiares terem autorizado a publicação do que foi conver- sado e visto dentro das residências, por uma escolha pessoal op- tou-se por manter o sigilo em relação aos nomes completos dos doentes e dos cuidadores, apresentando-se apenas o primeiro no- me de cada um deles. A escolha se deu por se considerar o fato de que as famílias, no momento da abordagem, estavam em um mo- mento de vulnerabilidade, com preocupações mais prementes do que avaliar as consequências de expor a própria privacidade em uma obra de circulação pública. A própria atividade de fazer jorna- lismo prescreve a possibilidade do sigilo das fontes, e no aspecto ético da área médica a não revelação da identidade dos pacientes e seus familiares é um dever. Feitas as ressalvas, além de pretender mostrar as experiên- cias dos cuidadores, a publicação tem objetivos outros no âmbito institucional. Pretende-se com este livro levar ao debate público te- mas como a conveniência da “desospitalização” em casos de doen- [16]
  • 17. Eles não quiseram o hospital tes em estágio terminal, levantando, por exemplo, a relação dos custos de uma internação e a economia ao se investir em um serviço paliativo doméstico. Sendo isso alcançado, pretende-se ainda que legisladores, au- toridades públicas e representantes de ONGs da área de saúde se sensibilizem e percebam a necessidade de se pensar em atividades voltadas para o cuidado paliativo e o atendimento domiciliar, ser- vindo inclusive, como incentivo para que atividades deste fim pos- sam ser regulamentadas onde houver tal necessidade. O livro não tem a pretensão de ser um guia, mas, aos leitores que estejam cuidando de algum doente, espera-se que sirva para dar um suporte para enfrentarem esta situação tão difícil, todavia inevitável. Aos que estão deixando de viver, deseja-se que, ao le- rem o livro, sejam gratos por terem recebido cuidado por parte de seu parente ou perdoem os dias que não foram tão confortáveis. Aos que o lerem apenas por curiosidade, espera-se que, mais que saciá-la, o trabalho sirva de incentivo para buscar mais informa- ções sobre os assuntos abordados. Aos colegas jornalistas, talvez os casos aqui narrados sirvam para elucidar a importância de se ver as notícias através das pessoas envolvidas nelas. A produção jornalística aqui desenvolvida teve suas limita- ções, como não poderia deixar de ser diante de uma realidade tão complexa. O tempo que se passou com as famílias foi de aproxi- madamente seis horas em cada residência, conversando-se princi- palmente com o cuidador, mas também através de diálogos com os profissionais da saúde, os próprios doentes e outros parentes. Sobre a parte teórica e conceitual, as fontes ouvidas foram especialistas nos assuntos, com o suporte de obras, artigos e trabalhos escritos. [ 17 ]
  • 18. Gláucia Franchini Através desta pesquisa de campo, das entrevistas e do supor- te bibliográfico estamos convictos da contribuição deste livro para que outras pessoas possam ter acesso a serviços como o SAID, permitindo que os últimos dias de suas vidas sejam o menos dolo- roso possível, com dignidade e ao lado dos quem amam. Quem tem o poder de criar políticas públicas neste sentido, que faça a sua parte. [18]
  • 19. Eles não quiseram o hospital Parte I Conceitos [ 19 ]
  • 20. Gláucia Franchini O SAID “É possível conseguir bons ou maus cuidados em qualquer lugar. O que faz a diferença é o envolvimento da família.” (David Dosa). - A kombi já vem te buscar. - Tudo bem, eu espero... – Kombi! É assim, de Kombi, que os profissionais do Serviço de Aten- dimento e Internação Domiciliar chegam às residências de famílias que precisam de ajuda para cuidar de pacientes que aguardam o fim de seus dias em residências onde também moram seus paren- tes mais próximos. Em setembro de 2012, na unidade Sul do servi- ço, ao menos 90 necessitavam deste auxílio. Para chegar ao SAID, sigla pela qual o serviço é conhecido, o ponto de referência é o Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, na Avenida Prefeito Faria Lima, em Campinas. Seguindo duas entra- das acima à do acesso ao Pronto-Socorro público, chega-se ao vi- gilante que, de dentro da guarita, pede a identificação do visitante. - Preciso ir ao SAID. - Aqui não tem isso não... Se bem que tem o SAD. Siga por ali. [20]
  • 21. Eles não quiseram o hospital Indicado o local e liberado o acesso, mais à frente uma placa com a seta apontada para a direita sinaliza que naquele rumo fica o SAD. A confusão de siglas se explica pelo fato de que, em 1993, quando o serviço começou a funcionar, levava apenas o nome “Atendimento Domiciliar”. Só depois se acrescentou a letra “i”, de “Internação”, já que, passados alguns anos, os atendimentos em casa começaram a suprir também os procedimentos que trans- cendem à mera visita médica. A desatualização da placa é justifi- cada pela idade que a tabuleta aparenta ter: descascada, desbotada, mas ainda legível. O segurança também já não é tão jovem. Passada a cancela da guarda, é só virar à direita e cruzar o portãozinho que dá acesso à rua onde os médicos e profissionais de saúde estacionam seus carros. É nessa rua íngreme que, lá em cima, antes da escada de corrimão amarelo, fica a sede do serviço de saúde domiciliar. Do lado esquerdo, um portão de ferro, pinta- do de cinza e já com ferrugem, fica constantemente aberto. Do lado de dentro fica o lugar das kombis: um corredor comprido o suficiente para acomodar enfileirados os três veículos que da frota. Pela garagem, a primeira porta à esquerda é a entrada do SAID, ex-SAD. As salas que compõem o edifício térreo são organizadas com divisórias, onde mesas de madeira bem tradicionais e cadeiras pretas, simples e básicas, lembram um antigo laboratório de infor- mática, em função da presença de computadores amarelados e monitores produzidos antes que a tecnologia LCD dominasse o mercado. O mais espaçoso dos ambientes tem uma mesa de reu- nião, um televisor e uma mesa menor, redonda, na qual várias bol- sas se acomodam. Cadeiras espalhadas, um filtro com galão de água pequeno, poucos copos plásticos soltos sobre o galão e uma lousa grande, com muito pó de giz, completam a decoração. Em [ 21 ]
  • 22. Gláucia Franchini outra sala, que também tem lousa, o giz foi usado para escrever “Internações, Alta, Óbito e Materiais”. Além dos móveis típicos de escritório, duas outras salas re- servam espaço para pastas, prontuários, medicamentos, maletas de médico, fraldas descartáveis e alimentos – estes últimos des- tinados às famílias para as quais o auxílio médico é insuficiente para aplacar o volume de dificuldades que passaram a ter desde que resolveram cuidar de seus próprios enfermos. Bem próximo a outro filtro d’água, a cor verde da folhagem de um vaso no chão ajuda a quebrar a monotonia do tom pastel que reveste aquele prédio. Próxima a ela, uma paisagem pintada num quadro vertical leva ao ambiente um pouco de azul, vermelho e amarelo. Pela manhã, a agitação dos profissionais que chegam para trabalhar às 8 horas, também ajuda a quebrar o visual monótono. São dois ba- nheiros bem limpos – um para os homens e outro para as mulhe- res – e uma cozinha confortável. A simplicidade do ambiente não compromete o serviço, que na verdade nem é realizado naquele local. O objetivo dos profissi- onais é cuidar de pacientes sem possibilidades de cura, que se encontram acamados em suas residências. A eles, restam os cuida- dos paliativos como último recurso ao alcance da medicina. A missão da equipe é amenizar a dor do enfermo em fase terminal, dar- lhe o mínimo de qualidade de vida e, olhar também para quem cuida do doente – o familiar/cuidador – que se vê na contingência de acompanhar, em casa, os últimos dias de vida de um parente próximo. Quando o problema do doente é a dor que se intensifica, a falta de ar que preocupa ou a dificuldade ao fazer as necessidades básicas – ingerir, e sim, expelir – um dos dois clínicos gerais do serviço vai até a casa avaliar o paciente e tranquilizar quem o a- [22]
  • 23. Eles não quiseram o hospital companha. Os mais velhos contam com um geriatra e, no caso das crianças, a assistência também é especializada, com o auxílio de um profissional da pediatria. Nas visitas de rotina, quando o quadro do paciente não se al- tera, o acompanhamento é feito por um dos três enfermeiros. Se for só para levar um remédio, fazer curativo ou aplicar soro, um dos oito técnicos de enfermagem pode atender. Toda assistência destes vários profissionais é feita em volta da cama do doente. O enfermo, sempre deitado, sofre com escoriações e os movimentos, já comprometidos, em alguns casos se agravam, com os nervos se atrofiando. Neste estágio, dois fisioterapeutas do SAID levam exercícios para serem feitos pelo doente acamado. Ainda na equipe de jaleco branco, que tem bordados o símbolo da prefeitura na manga esquerda e o nome e a função do profissional no bolso da frente ao lado direito, uma nutricionista orienta os familiares que cuidam, na preparação de uma alimentação mais adequada e barata, principalmente para as famílias de baixa renda. Quando se usa sonda para comer, o alimento pronto custa cerca de R$ 15, o litro. A profissional ensina a fazer com o que se tem na geladeira. Se o problema atinge a fala do doente, o fonoaudiólogo pas- sa a fazer avaliações regulares. O “TO” que é desconhecido por muitos, se apresenta como terapeuta ocupacional, propondo o re- laxamento durante as visitas. Cuida-se também do sorriso, pois a iminência da morte, ao contrário, não o retira da face de quem a- doece tampouco de quem vê adoecer. A experiência e o contato com essas pessoas provam que o dentista do serviço domiciliar ainda tem utilidade. [ 23 ]
  • 24. Gláucia Franchini Nas casas, estes profissionais fazem avaliações médicas, aplicação de medicamentos, realização de exames e, se precisar, até o cuidador pode esticar o braço e pedir para que lhe meçam a pressão ou solicitar um comprimido para alguma dorzinha chata que vem lhe incomodando nos últimos dias. A equipe está ali para atender, cuidar ou simplesmente conversar e encorajar a família. No aspecto psicológico, inclusive, tanto o paciente como o fami- liar podem contar com alunos de faculdades de psicologia que es- tagiam no local e abrem sessões de terapia. Há ainda os médicos residentes que buscam experiência e acabam se agregando à equipe. Para os cuidadores, além da terapia e das visitas domiciliares, nas últimas terças-feiras de cada mês, um encontro, com duração de duas horas, abre espaço para conversarem com os profissionais e trocarem experiências. A reunião é marcada sempre às 14h, na sala maior do prédio do SAID. Mais que um encontro de familiares de pacientes terminais, o bate-papo é temático e o cuidador é, neste momento, o protago- nista da história. No arquivo dos encontros, um caderno de ca-pa dura e azul marinho guarda, em letras manuscritas, o que foi con- versado em cada encontro, quais foram os palestrantes que parti- ciparam e quantos cuidadores estiveram presentes. Num dia mais cheio, a lista de chamada confirmou vinte nomes. A média, no entanto, foi de doze familiares por encontro. Houve o dia em que falaram da morte e do preparo psicológico; num outro, a sexua- lidade foi o tema em questão. Os direitos jurídicos do doente e do cuidador também já estiveram em pauta, bem como técnicas para dar banho e trocar o doente acamado, de forma a ser mais su-til o impacto físico sob quem cuida. [24]
  • 25. Eles não quiseram o hospital *** -A kombi chegou. Você pode ir com eles, orienta a coor- denadora do serviço. Lá de dentro do veículo, o motorista avisa: -Cuidado pra não bater a cabeça na hora de entrar. Tarde demais. 8h17 a Kombi sai. Sempre uns minutos de atraso. É difícil ficar confortável em uma Kombi. Embora novas, de cor branca e com estofados impecáveis, não são tão silenciosas como os veículos de hoje em dia e nem a porta de trás é de fácil manuseio, devido ao peso e ao macete que é preciso ter para abrir. Nesta parte traseira, são três fileiras de bancos e logo atrás da última ficam as maletas e uns pacotes de fralda. Na cabine dian- teira, o motorista e um profissional da saúde seguem a viagem menos desconfortáveis. No veículo multiuso tem rádio, mas ouvir o que está tocan- do é difícil: a kombi chacoalha e, conforme balança, alguma coisa deve bater em outra e o que se ouve é um toc-toc constante. De fábrica, o motor vem com um barulhinho típico e, se não bastasse, os dias de calor ficam ainda mais quentes dentro do veículo, o que obriga a abertura das janelas, sendo a consequência, mais barulho - o do vento. Neste ritmo orquestrado, a Kombi segue e, quando para em frente à residência do Jardim Nova Europa que vai receber a visita dos profissionais do serviço, a chave é desligada e o silêncio alivia. [ 25 ]
  • 26. Gláucia Franchini O motorista fica na kombi, os profissionais descem, um de- les bate palma e não demora para Dona Aparecida sair, sorrir e si- nalizar com a mão para que esperem. Enquanto se espera, ela mantém o sorriso sem adjetivos, que apenas revela que esta cuida- dora tenta ser forte, ou ao menos parecer assim. Talvez ela seja. É o filho alcoólatra quem traz a chave para ela. A mãe desce pela garagem sem carro, da casa antiga, mas confortável e abre o portão. Dona Aparecida é a cuidadora da filha Marisa, que teve câncer de mama e, depois do tratamento clínico, foi encaminhada para receber o atendimento paliativo em casa, já com metástases. Marisa também é mãe, da Luana que tem vinte anos. São três gera- ções de mulheres: a do sorriso sem adjetivos, da filha que sorri cansada e da neta que resisti sorrir. No estágio de Marisa, a presença dos profissionais é impor- tante mesmo que só pela conversa que distrai e a segurança que reconforta dona Aparecida: -Eu acho bom né, bem... Pra mim é bom. A fala simples na voz mansa da mulher que sorri e não se adjetiva, resume o que ela sente ao receber o cuidado de profissionais em casa. Cozinheira, empregada e babá durante um bom tempo de sua vida, dona Aparecida mantém a esperança com a casa cheia de imagens de santos e com um relógio parado sobre o criado mudo. [26]
  • 27. Eles não quiseram o hospital Cuidado Paliativo “Busca-se, ainda, assegurar a dignidade do homem no momento de sua morte, evitando serem-lhe ministrado tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, que possam prolongar artificialmente a vida, sem afastar-lhe de sofrimento intransponível e extensivo aos que, com ele, mantém vínculos afetivos.” (Osvaldo Henrique Duek Marques, Procurador de Justiça). Se em Campinas o cuidar de doentes terminais dentro de casa só chegou ao serviço público de saúde em 1993, foi apenas três anos que antes a Organização Mundial da Saúde (OMS) com- ceituou o tipo de atendimento médico ao qual se dedicam as equipes do SAID: o cuidado paliativo. Quando ele é desencadeado é porque, pelo paciente, a medicina já não tem muito o que fazer. -Eu falo para meu marido: “Valmir, esse pessoal que apa- receu aqui são anjos que Deus mandou pra mim”. É Juliana quem chama os profissionais do serviço de “anjos”, já que para ela, eles representam amparo e ainda proporcionam maior conforto para a mãe que adoeceu, sempre levando o remédio que falta ou a fralda descartável que a família não tem condição de comprar. [ 27 ]
  • 28. Gláucia Franchini Também com essa pretensão de amparar e dar conforto, an- tes mesmo de Cristo, na Índia, o imperador Ashoka resolveu se dedicar ao bem-estar dos enfermos. Com ele, serviços de saúde fo- ram instituídos e a hora da partida também foi considerada. A fim de oferecer um lugar digno e confortável para a transcendência fí- sica, o Império criou os “muktibhavanas”, que eram locais onde as pessoas muito doentes poderiam aguardar o fim. A enfermeira Fernanda é um dos anjos a quem se refere Ju- liana. A profissional de enfermagem também optou por cuidar de quem até então sequer conhecia, e de repete passou a ter tamanha consideração. Na casa de Juliana, Fernanda vai há cerca de três meses. Pouco tempo antes, a dona da residência, Oscarina, recebeu o diagnóstico de que ela era uma paciente oncológica. De- pois de um tratamento clínico sem sucesso, voltou pra casa. - Do jeito que está, não dá, reclama Juliana. A reclamação vem porque depois de ver a mãe em momen- tos tão felizes como o da foto guardada na gaveta do quarto, a jovem de 26 anos não se acostuma com a imagem de Oscarina na cama. A desistência de lutar ou a aceitação do limite remete à fragi- lidade de quem tentou trilhar o caminho de Santiago de Compos- tela e não conseguiu completá-lo, entregando-se. Não se trata de metáfora, mas sim da referência ao que os ocidentais fizeram. A i- deia surgiu na Idade Média, com a criação das “casas de hóspe- des”, já prevendo que muitos peregrinos não conseguiriam com- pletar a trilha, com risco de adoecerem durante as viagens. Nestas casas, eles podiam parar e morrer. Nos anos de 1800, pelo menos três lugares para a morte sem dor foram criados na Europa, sendo que um deles, idealizado por [28]
  • 29. Eles não quiseram o hospital Jeanne Garnier, é ainda o maior espaço de todo continente euro- peu criado para este fim. -Eu não sei quem mandou ela para o serviço. Esta dúvida vem da própria filha Juliana, para quem, in- clusive, isso é o de menos. *** -Você pode se assustar com o que eu vou falar. O alerta é feito pelo estudante de medicina Rodrigo Serrano: -Infelizmente, quando se chega ao tratamento paliativo é porque houve falha da medicina, concorda? A Juliana já nem se lembra por quantos médicos a mãe pas- sou até receber o diagnóstico da doença. No estágio em que o cân- cer foi descoberto, não dava mais tempo para a cura. Por isso, filha concorda que os médicos erraram. *** Como conceito, a quebra do tratamento exclusivamente para a cura ganhou força no século XIX, com os “hóspices modernos” que se caracterizaram por cuidar de forma humanizada. Nos anos 40, a ideia de humanização encontrada neles foi resgatada, sendo que a disseminação do significado do cuidado de forma paliativa – [ 29 ]
  • 30. Gláucia Franchini humanizado e não clínico - é impulsionada a partir da fundação do St. Chisthoper Hospice, espaço dedicado à “boa morte”. Alguns hospitais no Brasil reservam alas para a despedida, sendo o único cuidado dispensado, o que prevê a paliação: ame- nizar a dor, propiciar conforto e considerar a família. O HC da Unicamp, Hospital do Câncer de Barretos e Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo têm enfermarias para o doente ficar antes do fim. Outros serviços fazem o cuidado no domicílio, como o próprio SAID. Numa busca rápida pela Internet, é possível encon- trar serviços similares, como o Home Care do Hospital Albert Einstein e o Atendimento Domiciliar Unimed Campinas (ADUC) que também oferecem o cuidado em casa. Nos Estados Unidos, pelo menos cinco mil ambientes são voltados exclusivamente para o cuidar de forma atenuante. Além de tornar a dor física do paciente mais suportável, o cuidado paliativo procura amenizar a dor emocional do cuidador, que sabe que logo vai ficar sem o ente querido. A consequência de saber que a pessoa com quem se convive – e se ama! - não tem mais chance de vida é a premissa para várias reações nos famili- ares, que vão desde o medo e desespero, até a sensação de impo- tência perante a finitude da vida. Prevendo tais ações reativas, a abrangência da família dentro do cuidado paliativo se justifica, já que estar como “cuidador” po- de ser uma função com consequências negativas para a qualidade de vida deste familiar. Em um trabalho de análise qualitativa pu- blicado na Revista de Ciência Médica de Campinas, Noeli Ferreira, [30]
  • 31. Eles não quiseram o hospital Claudenice Souza e Zaiana Stuchi10 constataram que cuidar de alguém muito doente no ambiente doméstico requer um equilíbrio constante entre o peso da responsabilidade e a capacidade de superação. No artigo intitulado “Cuidado Paliativo e Família” as autoras não apresentam fórmulas de como lidar com a situação, mas alertam às fragilidades dos cuidadores: “Se o cuidador terá ou não sucesso em manter o melhor equilíbrio depende de vários fatores relacionados à sua vulnerabilidade. A sobrecarga do cuidado restringe atividades, traz preocupações, insegurança e isolamento, e coloca o cuidador diante da morte e da falta de apoio emocional e prático. Esses fatores têm poten- cial para aumentar o risco de cansaço e stress.” -Eu falava para ela, mãe vai ao médico. Ela ia e não descobriam nada, lembra-se Juliana. Depois de nunca dar nada, o diagnóstico revelou que não ti- nha mais tempo. Se no hospital não haveria meios de reverter o quadro de Oscarina, a filha Juliana se conformou: -Pelo menos, é bom em casa porque eu estou perto dela. E também, talvez se ela estivesse num hospital, não estaria tão bem cuidada. O hospital às vezes está lotado, sempre lotado. 10 FERREIRA, Noeli, et. al. “Cuidados Paliativos e Família.” Rev. Ciênc. Med., 2008. [ 31 ]
  • 32. Gláucia Franchini A Desospitalização “Tudo mudou com os novos miraculosos avanços da medicina. Os médicos prolongavam vidas com transplantes de coração e de rins e com poderosas drogas. Aparelhos modernos ajudavam a diagnosticar mais cedo as doenças. Pacientes que seriam considerados incuráveis um ano antes recebiam uma oportunidade de vida. Era emocionante. Ainda assim, existiam problemas. As pessoas iludiam-se pensando que a medicina podia curar tudo. Surgiram questões éticas, morais, legais e financeiras que não haviam sido previstas. Vi médicos tomando decisões em conjunto com companhias de seguros, e não com outros médicos.” (Elisabeth Kubler-Ross, “Roda da Vida”). Sai de cena o hospital. - A Maria José trabalha e foi ela foi a primeira a falar: “não vai ter condições dele ficar aqui.” Ela foi a primeiríssima a dizer isso. A fala é da Maria, que não é José, e gosta de ser chamada de Nina. Quem não podia ficar lá era o senhor João, “juntado” com Maria José. Depois da descoberta da neoplasia, a mulher do João deixou claro que não cuidaria dele. Então, restou ao senhor, de 81 anos, a casa da filha, Nina. [32]
  • 33. Eles não quiseram o hospital A primogênita assumiu o cuidado e abriu mão do espaço central da sala de entrada de sua casa, na Vila Marieta. A cama hos- pitalar do nostálgico pai fica de frente à porta principal da residên- cia. Ele gosta de conversar e ser o centro das conversas, disputan- do o lugar com a filha, que é tão simpática quanto o pai. João era independente, mas depois dos problemas de saúde, apenas a filha se dispôs ao cuidado: -A gente fez isso por amor, única e exclusivamente. Per- gunta se ele gostou de estar no hospital. Ele já me disse que não volta nem morto pro hospital, justifica a Nina. As primeiras experiências de “desospitalização” no Brasil aconteceram dentro da Reforma Psiquiátrica, a partir da qual a rea- bilitação do doente foi pensada através de meios que humanizem o atendimento, começando um processo de migração, com serviços extra-hospitalares e assistência interdisciplinar, bem como a inte- gração com outros programas da área da saúde. A assistência no domicílio surge então, como alternativa hu- manizadora neste contexto, sendo que se passa a olhar não mais a partir de princípios biomédicos, mas sob a ótica de pacientes que merecem ser tratados como seres singulares, considerando os es- paços que os circulam, bem como as vontades que lhe são natas. Há quem realmente queira deixar vida, no ambiente em que viveu, com as lembranças que lhe são boas, ao lado de quem vivenciou com ele. Todavia, é ainda importante que o ambiente tenha condições estruturais adequadas bem como uma assistência profissional. Realizar a vontade de quem está enfermo, que na maioria das vezes é a própria vontade de quem cuida, é uma decisão difícil, já que significa também abrir mão de uma rotina, havendo a trans- [ 33 ]
  • 34. Gláucia Franchini formação do cotidiano da família, num processo que exige a adapta- ção da casa, dos horários e mesmo das prioridades. Além da questão humanizadora deste cuidado ao lado dos familiares e sob o aspecto do doente e não da doença, o processo de “desospitalização” também é pertinente pelo lado econômico, por conta da redução de custos que isso pode ocasionar. As su- cessivas internações hospitalares e a longa permanência nos hos- pitais fazem com que o paciente se torne dispendioso para si, para a unidade médica e/ou para o sistema de saúde, o que reflete nega- tivamente na verba disponível na área. Uma diária em uma UTI chega a custar para um plano de saúde cerca de R$ 25 mil. A volta para a casa tem ainda como consequência, o aumento no número de leitos disponíveis à sociedade, principalmente para os casos em que há necessidade de cirurgias ou ainda quadros clínicos agudos com possibilidade de reversão. Isto também impacta na redução de custos dos hospitais, sem onerar tanto os cofres públicos, permitindo ainda, no caso do SUS, o uso dos recursos para outras atividades como o próprio atendimento em casa, aquisição de equi- pamentos hospitalares e fornecimento de medicamentos. [34]
  • 35. Eles não quiseram o hospital Não tem mais histórias? "Enquanto o romancista tem que começar do nada e empreender o terrível esforço de conceber um mundo, o escritor de não ficção recebe o dele já pronto." (Janet Malcoln - “O jornalista e o assassino”). Conhecidos os casos de Juliana e Oscariana, Aparecida e Marida e Nina e João, o limite pessoal chegou na casa do Jardim do Trevo, com placa de candidato a prefeito pregada no muro, sala grande, com bonecas espalhadas sobre o sofá, e no primeiro quar- to à direita, dona Severina. A constatação naquele lugar foi de que o sofrimento era muito, tanto pra quem está doente, como para a- quele que convive com a enfermidade. Dentro da residência, houve o momento em que não deu para ignorar o enfermo e olhar pro cuidador. O gravador não foi ligado e nenhuma questão, levantada. Dona Severina, de 62 anos, sentia dor e a expressava em gemidos altos. A falta de palavras da familiar/cuidadora, a Rosa, perante a situação foi suficiente para a- quietar qualquer pergunta sobre aquele caso. Com os outros familiares, até então, o misto de recepti- vidade, de choro e nostalgia permitiu um diálogo, triste e indelica- [ 35 ]
  • 36. Gláucia Franchini do, mas consciente do objetivo que aquela troca de experiência te- ria perante os leitores e a sociedade. -Ai, ai, ai! -Onde dói? , pedia a fisioterapeuta. -Ai, ai, ai, reclamava Severina. Naquela casa, onde só se ouvia gritos e nada podia ser feito, qualquer objeção seria um ato de insensibilidade. *** Foram três famílias visitadas, numa amostragem científica irrisória, todavia, exaustiva, física e emocionalmente. A pergunta ingrata do jornalista naquela situação - “O que você está sentin- do?” - fere o momento. A resposta seria óbvia: era a filha contra- riando a lei natural da vida e deixando a mãe. O colo materno se des-pedia na outra casa. Por fim, a filha que ficaria órfã de pai. Com outras palavras, a pergunta foi feita. Com a voz mais baixa, quase inaudível, que a mãe do sorriso sem adjetivos revelou o resquício de esperança: -Só Deus, né? Esperar... Esperar a vontade de Deus. Juliana, filha de Oscarina, se mostrou cansada: -Acho que é muito sofrimento, entende? Se não vai sarar, melhor que Deus leve. A primogênita do senhor João fazia a ressalva: [36]
  • 37. Eles não quiseram o hospital -Deus sabe que o que eu não quero é ver ele sofrer. Três casas, três doentes em estágio terminal, três cuidadoras diferentes entre si: na faixa etária, no vínculo de parentesco, na classe social, na religião e também nas reações. Estes casos serão narrados nas próximas páginas, sendo as histórias contadas a partir dos aspectos que o cuidado paliativo abrange: psicológico, social, físico e espiritual. [ 37 ]
  • 38. Gláucia Franchini Parte II Físico e Social [38]
  • 39. Eles não quiseram o hospital “Tem que ter alguém pra cuidar” São Paulo, Campinas - Jardim do Lago. Acesso pela rodovia Santos Dumont. O asfalto vai até bem próximo a rua da casa de Dona Oscarina. Na verdade, acaba três casas antes da dela. A kombi que já balança e faz barulho, ao pegar o caminho de terra exige que quem está dentro do veículo se segure com mais força, tamanho o impacto de uma rua sem pavimentação. O solo que dá acesso à- quela residência tem pedras de construção, buracos e lombadas naturais. A infra-estrutura – ou a falta dela – resume o local a uma fileira de casas a direita e na frente delas, o mato alto margeia um córrego, sobre o qual há uma pinguela. Pouco antes da hora do almoço, nenhuma criança brincava na terra batida, todavia, a rua não desertava. Um adolescente de chinelo, camiseta preta desbotada e bermuda jeans caminhava por ali. Ele olhou para Kombi do SAID e seguiu indiferente. Também um carro Corcel estava parado. A enfermeira do serviço Fernanda logo explicou aquele ambiente: -Aqui é bem diferente. Os moradores não têm muitas con- dições. Tem gente que mora nesse carro. Muito dos meninos que passam por aqui atrás de drogas. A profissional tentava amenizar o impacto de estar em uma favela, antecipando o cenário que seria encontrado. A casa da Os- carina, mãe de Juliana, não tem número visível identificando-a, porém é fácil de encontrar. Na fachada tem o portão enferrujado [ 39 ]
  • 40. Gláucia Franchini do carro. Atrás dele, além do fusca azul, uma banca de alumínio permanece sem abrir. Sobre o carro dois tapetes pareciam procurar o sol para secar. No chão umas cadeiras de plásticos – uma até, virada de ponta cabeça -, latas de tinta sem o conteúdo e vasinhos de flores aparentando não serem regados há algum tempo. Apesar de toda carga visual daquela entrada, era o olfato que mais sentia: em frente ao veículo e em torno dele, muitas fezes de cachorro grande. Eram tantas, que o caminho do abrigo, para entrar na casa tinha que ser feito olhando para o chão. Como não tinha campainha, o nome de Juliana foi chamado e a enfermeira Fernanda, na falta de resposta, bateu palmas para ser recebida. No portão ao lado do da garagem, um menino apa- receu. Este portãozinho dava acesso a um corredor, que por sua vez, era a entrada da casa de fundo. O garoto ameaçou abrir aquele pequeno portão, mas foi interrompido por Juliana, que carregando uma bebê no colo, fez a recepção no portão principal. Passando entre o fusca e a barraca, chega-se a porta da sala da casa de tijolos semi-rebocados. Dentro, a parede é pintada na cor clara, com demão fina. O piso é escuro puxando o vermelho. Sobre ele, dois sofás: um à esquerda de quem entrava, outro já às costas de quem entra. De frente, um rack com algumas fotos, uns enfeites de flores artificiais e uma TV cinza 29 polegadas. Juliana carregava a filha Júlia de três meses que logo quis mamar. Sentada, a filha de Oscarina amamentava. Moça bonita e jovem, de cabelo preso feito coque, camiseta rosa e calça de mo- leton vermelha, não usava maquiagem, sem brincos, de chinelos com meia, sem que estivesse frio. Além da Júlia, a jovem de 28 anos, também é mãe de Adal- berto. O menino que veio no portão não é filho, mas ficou sob a responsabilidade de Juliana. Ezequiel é sobrinho, mas como a mãe [40]
  • 41. Eles não quiseram o hospital dele foi embora e avó se adoentou, é a filha de Oscarina quem dá de comer e tenta educá-lo melhor do que foi. -O Ezequiel dá um pouco de trabalho, porque ele sente sau- dade da mãe. Ela mimava demais ele e depois foi cuidado pela avó que também mimou muito, conta a jovem mulher. Além das crianças, Juliana tem ainda que cuidar do irmão u- suário de drogas - de quem não quer falar -, do marido sensível perante as dificuldades da família e do padrasto calado e ausente durante dia. -Tem que ter alguém forte. Tem que ter alguém para cuidar, diz a filha de Oscarina. Esse alguém teve que ser Juliana, já que sua mãe enfraqueceu. *** Foi Oscarina que demorou a ir ao médico. Quando foi, de- moraram para descobrir o que ela tinha. A aparente espinha próxi- ma ao maxilar era algo bem mais grave do que essas marcas da a- dolescência. Teve um médico que a encaminhou para um dentista, suspeitando ser problema daquele profissional, porém, não era. Do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, mandaram a senhora para o Complexo Hospitalar Ouro Verde, onde chegou a ser internada, mas nada foi descoberto. Então, foi encaminhada para o Hospital Celso Pierro da Puc-Campinas. Um especialista dizia que a respon- sabilidade era do outro, até que o médico “cabeça e pescoço” assu- miu o caso e resolveu investigar. Nesta altura, a “espinha” já tinha estado maior e estourado. Juliana acompanhava a trajetória da mãe de longe, sabendo das novidades apenas por telefone. Oscarina naquela época ainda [ 41 ]
  • 42. Gláucia Franchini era forte, ativa e alegre, mas começava a se preocupar com sua própria saúde, ligando com frequência à filha para contar como estava. -Minha mãe me falou que o caroço andava para cima e para baixo. Eu até brinquei porque ela estava fazendo outro tratamento, já que estava com sangue na urina. O médico fez um ultrassom e disse brincando que ela estava grávida. Então, eu também brinquei e disse “vai ver o bebê subiu pra cima”. Ela virou para mim e fa- lou assim “Juliana, para de besteira”. Depois da realização de alguns exames, com os resultados veio o diagnóstico da doença: câncer. Era fevereiro de 2012. -A gente achou que era um furúnculo. Era mais grave, já es- tava lá o tumor, lembra a filha. Juliana após receber a notícia resolveu que o acompanha- mento do quadro clínico da mãe precisava ser mais próximo. Mo- rando em Pederneiras, cidade próxima à Bauru, ela voltou com o filho de dois anos e com o marido para Campinas. - Sempre morei aqui no fundo, mas fui embora porque o meu marido arrumou um emprego lá. Como em Pederneiras tam- bém não estava muito bom e queria ficar com minha mãe, volta- mos, conta a cuidadora. Juliana estava grávida de Júlia ao voltar para a casa de Osca- rina. Com a barriga já pesada, começou a acompanhar a mãe em todo o tratamento – o pouco que podia ser feito. Antes de estar no setor de oncologia, passavam juntas – e apenas elas –, boa parte dos dias no hospital, onde Oscarina recebia aplicações de morfina. Antes da radio e quimioterapia, Juliana levou a mãe para drenar o caroço, mas encontraram “só um sangramento”. Com o avanço da doença, logo os médicos desistiram de qualquer outro procedimento cirúrgico. Os tratamentos para a senhora vítima do câncer passariam a ser apenas para atenuar a dor. A família, principalmente a filha, [42]
  • 43. Eles não quiseram o hospital num primeiro momento se revoltou quando os médicos disseram que não tinha mais jeito. Sem conhecer o serviço voltado a palia- ção, Juliana não se conformava que “só aquilo” seria feito por sua mãe. Todavia, passada a fase de desconhecimento do tratamento, a cuidadora diz que lhe faz bem poder proporcionar aqueles “últi- mos cuidados”, amparados pela equipe especializada na paliação. Dado o aumento da expectativa de vida nacional e, como consequência, a maior propensão a doenças como a de Oscarina, um documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP)11 aponta algumas projeções relacionadas a este conceito. No que tange o cuidado, como o recebido na residência do Jardim do Lago, estima-se que seria necessária a instituição de um programa de saúde com capacidade de atender cerca de 180 mil pacientes por ano. O cenário atual brasileiro, ainda segundo o documento, está longe desta realidade. Isso acontece porque os sistemas de saúde para este fim não têm capacidade para suprir a demanda, além do que os serviços especializados no cuidado de alívio se restringem aos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, Manaus e a própria cidade de Campi- nas. O município de Barretos também se destaca por conta do hospital especializado no tratamento do câncer. O fato de Campinas estar entre essas regiões é algo positivo para a família de Oscarina. A opção de Juliana de deixar Pedernei- ras permitiu que a mãe recebesse o atendimento domiciliar. Em cidades menores, serviços como o SAID são mais incomuns. Para o médico urologista, Lísias Castilho12, só decisão de cuidar da mãe em casa já é algo que impacta positivamente na evolução do qua- dro clínico. Em seu livro “Doutor, é câncer?”, Castilho argumenta 11 O documento está disponível no site da Academia: www.paliativo.org.br. 12 Doutor, é câncer? Como enfrentar com conhecimento e esperança uma das doenças que mais afeta a população mundial. São Paulo: Hagnos, 2010. [ 43 ]
  • 44. Gláucia Franchini que, além da possibilidade da cura, a impossibilidade de estar sozi- nho pode confortar o doente. A publicação é distribuída gratuita- mente no consultório do médico, que também fica Campinas. Na obra há a discussão em torno da relação do profissional e das famílias, sendo que na parte dedicada ao pós-diagnóstico do câncer ele escreve: “A pessoa que está morrendo de câncer tem medo do abandono, sofre terríveis angústias e precisa de contatos fortes e próximos”. Quando Juliana retornou à Campinas para morar na casa de fundo da de sua mãe, já nos primeiros dias, percebeu que Oscarina “não era mais a mesma”, não ficava mais “para cima e para baixo” como era de sua personalidade, abandonando o batom vermelho queimado e não abrindo mais a banca de metal lá de fora, na qual, vendia de tudo: salgadinho, coca, doce, cigarro. A mãe começava a ter preferência pela cama. Aos poucos, a fadiga se tornou o principal sintoma de Os- carina, até que um dia ela se deitou e não mais conseguiu se Le- vantar sozinha, tornando-se uma paciente acamada. Situações se- melhantes a esta foram analisadas por pesquisadores responsáveis pelo documento da ANCP. Eles chegaram à conclusão de que esta entrega do doente é algo característico da doença terminal. A fa-diga é pontuada no estudo como um dos primeiros sintomas deste estágio, que se intensifica conforme o cansaço al-cança um nível extremo. É comum a tristeza acompanhar o ritmo da fadiga e atingir seu ápice. Todavia, antes desta ida definitiva para cama, Oscarina, em- bora doente, ainda cozinhava e queria estar boa para ver o parto da neta Júlia, da mesma forma que assistiu o do neto Adalberto. Não conseguiu. As radioterapias começaram em maio, mas sucessivas hemorragias fizeram com que o tratamento fosse suspenso. Em menos de dois meses, a senhora de 58 anos estava com o diagnós- tico de “incurável”. [44]
  • 45. Eles não quiseram o hospital -Ela estava aqui em casa e de repente dava a hemorragia e eu tinha que ir com ela para o hospital. Ela era internada num dia e saía no outro... Era sempre um atrás do outro e eu ia acompanhando ela. Juliana não sabe precisar quantas vezes teve que levar a mãe ao pronto-socorro, mas se lembra que foi logo após o nascimento de Júlia, que a mãe voltou para ficar. Os médicos do hospital fize- ram uma carta encaminhando Oscarina para os cuidados do Servi- ço de Atendimento e Internação Domiciliar (SAID). -Minha mãe estava tendo muitas hemorragias e eu estava quase para ter o bebê. Foi um momento muito difícil. Naquela ho- ra, eu acho que minha mãe deveria ter ficado no hospital, mas ago- ra, tem que cuidar aqui em casa mesmo. A mãe deixou de ir ao hospital e Juliana tinha em casa uma recém nascida. A situação era tão atribulada, que o próprio nascimento de Júlia foi rápido – uma hora de trabalho de parto - sem comemorações e sem a presença da avó que tanto queria ver a neta nascer. Não esteve na sala de parto, porém ao menos, conse- guiu ajudar nos primeiros cuidados. -Quando a Júlia nasceu, minha mãe ainda conseguia andar um pouco. Lembro um dia que a bebê estava com muita cólica. A minha mãe ouvia a Júlia chorar, por isso foi lá na cozinha, fez um chazinho e deu pra minha filha. Ao lembrar a ajuda, a filha cuidadora abaixa o tom de voz, junto com a cabeça, olhando fixo para a Júlia sobre seu colo. A menina mama e depois que se sacia fica quietinha no colo da mãe, até voltar a sentir fome e procurar o outro seio. Juliana, visível- mente exausta faz o que pode. Já próximo ao horário do almoço, não há cheiro de comida naquela casa. Os meninos – filho e sobri- nho – logo vão para a escolinha, onde há a merenda. A mãe se ali- menta através da sonda. [ 45 ]
  • 46. Gláucia Franchini Embora Oscarina não tenha forças para engolir, Juliana já teve que se virar para preparar a alimentação daquela que tão bem sabia cozinhar. Porém, preparar a comida não é a especialidade da jovem. Quem a ajudou em várias ocasiões foi a vizinha da casa do lado esquerdo. Este auxílio chama atenção numa sociedade cada vez mais individualista. A jornalista da Revista Época, Eliane Brum, reuniu no livro “O Olho da Rua”13 algumas de suas grandes reportagens e em uma delas, a repórter constata uma peculiaridade do mundo real: “Numa cidade em que as pessoas temem se envol- ver com estranhos (e até com conhecidos), a periferia é um para- digma de solidariedade.” O que a Brum pôde notar é reforçado com o exemplo de Juliana. Nas classes mais altas, os muros das casas se fecham para os assaltantes e como consequência também para os vizinhos. Nos condomínios de luxo, os moradores saem de casa montados em seus automóveis, dificultando o contato com a vizinhança. Até nos prédios, vizinhos de porta, apenas trocam “bom dia” e “boa tarde” no corredor ou dentro do elevador. A ausência de contato entre as pessoas acontece não só pela falta de disponibilidade de quem poderia ajudar, mas também por conta do orgulho de quem prefe- re “se virar sozinho”, seja contratando um enfermeiro, uma babá ou empregada doméstica. Todavia, quando essas opções são inviá- veis financeiramente, resta a ajuda recíproca: o simples clichê de que “uma mão lava a outra.” Em relação à vizinha, Juliana fala da importância de poder “contar” com ela num momento como este: -Uma sopa que precisava pra mãe, minha vizinha pegava e fazia. Às vezes, minha mãe não queria comer minha comida, por- 13 BRUM, E. “O olho da rua.” São Paulo: Globo, 2008. [46]
  • 47. Eles não quiseram o hospital que eu não sou muito boa, então eu pedia ajuda e também hoje quando eu preciso, sei que posso contar com ela. *** A mãe doente não sente mais os gostos e não consegue, de forma autônoma, realizar suas necessidades. -De repente, a pessoa está ali numa fralda, comendo num negócio que fica pingando o tempo todo. Muito magrinha, com muito sofrimento, lamenta Juliana. De fato, a imagem de Oscarina é de uma magreza excessiva, numa face enrugada, mas sem expressão. A boca murcha revela a ausência dos dentes. Sobre a cabeça um gorro de tricô azul escon- de a falta de cabelos. De olhos fechados e com uma respiração al- ta, a senhora espera deitada em uma cama de hospital antiga que fica encostada na parede sob a janela com cortina de renda. Do lado dela, a cama de casal que dormia com marido. Agora, ele dorme só. No restante do cômodo há um armário grande de compen- sado escuro, uma cômoda também espaçosa, com muitas coisas sobre ela: perfume, desodorante, talco, cremes de corpo e de rosto, bijuterias, batom, um espelho e remédios - morfina 30 mg, entre eles. Este medicamento, inclusive, causa certa repulsa. Ele signi- fica exatamente o que aquela situação é: dor. Numa visita no mês de julho de 2012 às obras do hospital Lo Tedhal – aquele que está sendo construído em Campinas para cuidar de doentes terminais -, um dos monitores que acompanhava os grupos de dez pessoas pa- ra conhecerem as instalações do prédio, comparou o câncer a uma guerra. Para ele, o que essas duas situações têm em comum é exa- tamente a morfina: tratava soldados feridos e hoje serve para amenizar [ 47 ]
  • 48. Gláucia Franchini a dor de pacientes oncológicos. Ainda em torno deste remédio, dentro dos “Critérios de Qualidade para os Cuidados Paliativos no Brasil” da ANCP, o analgésico carrega a ideia de “agonia final”. De uma das gavetas da cômoda do quarto, a filha tira uma foto de quando Oscarina estava bem. A imagem dela no churrasco de família não condiz com a da mulher sobre a cama. O sorriso naquele retrato, com aquela roupa justa e ousada para uma mulher de mais de 50 anos, justifica a quantidade de cosméticos em cima do móvel: Oscarina era muito vaidosa. Através da morfina, toda- via, entende-se porque ela mudou tanto fisicamente. Com a voz bem baixa, quase falhando, de dentro do quarto, a filha ameaça chorar, mas ao invés disso, desabafa: -É muito sofrimento ver a pessoa que fazia muitas coisas pra gente estar nesta cama sem se mexer, praticamente. É outra pessoa. Oscarina abre os olhos ao ouvir a conversa. Não consegue se virar para o lado das vozes e por isso, logo os fecha. *** De volta para sala, ainda com Júlia no colo, o filho Adal- berto e o sobrinho Ezequiel correm por entre os móveis, parecen- do que vão derrubar tudo, mas não derrubam. Um deles cai e cho- ra. O outro também chora para não levar a culpa: Um berreiro! Juliana precisa ver se não se machucaram e tenta acalmar as crianças. A Júlia de forma simultânea também começa a fazer ma- nha. Com as crianças mais calmas, a filha de Oscarina ainda se preocupa em mostrar que deu educação ao filho: -Adalberto, fala “oi” pra moça. [48]
  • 49. Eles não quiseram o hospital Adalberto não fala e Juliana não insiste. -Desculpa, ele é tímido, justifica-se ela. Tímido, mas o garoto começa a ter algumas responsabili- dades. Sozinha durante o dia, já que padrasto e marido trabalham, Juliana tenta dar conta de tudo, dividindo as tarefas. Ezequiel que já tem oito anos, junto com Adalberto, é o responsável por levar o “lixinho” da casa da frente e da do fundo. Por falar na casa do fundo, Juliana prefere não mostrá-la. -A minha casa está muito bagunçada. Eu passo o dia aqui na casa da frente então, só vou lá para dormir. Eu não vou te levar lá não. [ 49 ]
  • 50. Gláucia Franchini “Você fica sem chão” - A gente fica o tempo todo ligada, já não dorme direito. Cuidar de uma pessoa assim afeta sua vida de maneira geral. A inti- midade não existe mais, muda tudo. Eu era de fazer as coisas, de não ter nada sujo, mas agora não consigo, justifica-se Nina. Nina é filha do senhor João. A justificativa vem quando a dona de casa mostra a extensa cozinha, que divide espaço com um local para as refeições, com mesa de mármore. Sobre a pia, uma pilha de louças ilustra a situação dentro da residência. -Eu estou com 58 anos e bem limitada. Um monte de servi- ço pra fazer, eu não consigo fazer. A dor não me permite. A dor emocional de ter o pai com uma doença grave se traduz e se intensifica em dor física, nos pés inchados e nas pernas marcadas por varizes bem arroxeadas. O estresse de lidar com senhor João,cinco meses antes tão ativo, afeta a saúde da filha que já precisa de cuidados, por conta da pressão alta. A hipertensão leva Nina a ir regularmente ao pronto socorro, onde é medicada com remédio sob a língua. Quanto à limitação física, não consegue cuidar em plenitude do pai, principalmente nas atividades que exigem força, como um simples banho. Com muito amor e até aparentando devoção, a dona de casa fala do marido, o Admir, que a ajuda. É ele quem tira sogro da cama para levá-lo até a cadeira de banho e prosseguir para o banheiro do primeiro piso da casa. [50]
  • 51. Eles não quiseram o hospital O bairro é a Vila Marieta. Um portão branco cobre toda a frente da residência, inclusive a garagem. Ao lado da saída dos carros, uma porta mais estreita é aberta para receber visitas. Para entrar na casa é preciso subir uma escada de ardósia com doze degraus. Em cima, uma área que poderia abrigar uma piscina ou um jardim, restringe-se ao cimento, servindo de cobertura para o local onde é guardado o carro da família. Lá do alto, à direita, a porta da casa é moldada com batentes de madeira e uma pintura impecável. No teto do hall de entrada, o gesso abriga lâmpadas embutidas. Também a janela leva a moldura de madeira, combi- nando com sofá de canto num amarelado sutil. Fora da decoração, mas bem no centro desta sala de entrada, fica a cama de hospital e o senhor João em cima dela. Ele fica de frente pra porta e recebe o sol que vem de fora. No calor que fazia, chegava a soar. Qualquer enfeite daquele ambiente de recepção era ofuscado pela imagem daquele senhor de 81 anos no centro de tudo. Quem chega à casa é acomodado em volta do pai, já que, co- mo o sofá amarelo fica bem atrás da cama de hospital, sentar ali pode ser apertado, sendo a solução encontrada por Nina, usar as cadeiras da sala de jantar para que as visitas sentem-se sob o esto- fado azul, que contrasta com o marfim da estrutura. Os profissionais do SAID já haviam avisado sobre a perso- nalidade daquele senhor: sistemático e agressivo com quem não gosta. A filha cuidadora parece ter herdado este gênio forte. Tem a fala firme, num timbre alto. Quando se sente indignada com algu- ma situação não disfarça a aversão ao caso e aumenta ainda mais o volume da voz. Nina falou mais alto quando comentou casos de fi- lhos que abandonam os pais em clínicas e asilos. [ 51 ]
  • 52. Gláucia Franchini - O meu pai só tem a mim e meu marido, senão ele seria jo- gado em qualquer canto. Nós sabemos o que são essas clinicas de repouso particulares. Paga-se R$ 2,5 mil por mês e ainda tem que levar fralda, fruta, leite... Sem falar a falta de cuidado! Se a filha gosta de expressar suas indignações, o pai mantém uma postura de quem já foi um homem galanteador, o que se ex- plica quando filha lembra da época de “mulherengo” do pai. Ele, aliás, pode ter conquistado as mulheres não só pela beleza que deve ter tido, como também pelos poemas que escrevia. Apesar de magro, ainda é um senhor afeiçoado e embora não componha co- mo antes, lembra de cór algumas de suas poesias e as recita com orgulho. Uma delas fala de flores, borboletas e de um grande amor. *** Nina foi criada sem a mãe e desde pequena teve que fazer o papel materno para o irmão dois anos mais jovem. O pai fez tudo que pôde, sempre dando “do bom e do melhor” aos filhos. Pai e filha são mineiros, sendo que Campinas apareceu como opção, após o octogenário receber uma proposta de trabalho na capital. Ele não se adaptou a São Paulo e arriscou vir para a terra das andorinhas, recomeçando a vida com os filhos, numa casa da Avenida Salles de Oliveira. Na época, era mestre de obras em uma grande empreiteira da cidade, como o próprio define. Assim como nas Gerais, João logo se tornou amigo de no- mes influentes da cidade, principalmente advogados, médicos e engenheiros. Todavia, suas lembranças sempre estiveram em Pas- [52]
  • 53. Eles não quiseram o hospital sos de Minas onde, segundo ele, chegou a dividir mesa com o casal Sara e Juscelino Kubistchek. A filha do ex-mestre de obras reforça que a história relembrada pelo pai é real. Naquela época, Nina conta que era natural para o senhor João, então com pouco mais de 20 anos, sair com o casal de futuro presidente e primeira-dama do Brasil em sessões de cinema, apresentações de circo e depois delas, passavam na sorveteria Urca. O pai de Maria já foi o rapaz que rodava filme no cinema mineiro, pedreiro e influente engenheiro em obras. Só em Campi- nas ele diz ter participado de 112 construções. O dinheiro que ga- nhava sempre proporcionou uma vida confortável aos filhos. - Nós tínhamos uma vida muito boa, principalmente no tempo que eu era mestre de obra. Conhece o edifício Itatiaia que foi tombado o ano passado? Pois é, eu fui o mestre de obra daque- la firma, do Oscar Niemeyer. O maior arquiteto do mundo, relem- bra o senhor sobre a cama. Ainda com sotaque mineiro, o idoso quando conversa faz questão de olhar nos olhos de seu interlocutor, todavia, ao falar de seu passado, fita o teto e parece reviver tudo o que fala. A filha ou- ve as histórias do pai quieta, fazendo interrupções apenas quando ela também compartilha da lembrança. João se recordava e então Nina completava a cena do passado, trazendo mais detalhes, cor- rigindo o pai em alguns dados e ou mudando o rumo da conversa, falando mais de si: a cuidadora. *** [ 53 ]
  • 54. Gláucia Franchini Casada, mudou da casa do pai, mas continuou tendo uma vi- da confortável e abastada. O marido, Admir, ganhava na empresa Singer o suficiente para que a esposa não precisasse trabalhar e ainda tivesse algumas regalias. - Ele deu tudo pra gente, as roupinhas da Pakalolo, tênis da Nike, o clube, os passeios, colégio particular... O “Docinho” com- seguiu manter as crianças num bom nível e a casa tranquilamente. Tudo sozinho, orgulha-se a filha do ex-mestre de obras. Nina,que apelidou o marido carinhosamente de “doce de coco”, não tinha responsabilidades financeiras, mas era dela a função de educar as filhas dentro de casa. Viviane, a mais nova, ainda mora com os pais. A outra, já foi casada e teve um filho, que mora com os avós, já que Vanessa foi para Boston aprimorar os estudos, após se separar do pai de Rafael. Por isso, além de cuidadora do pai, Nina cuida da filha solteira e do neto Rafael de oito anos, para o qual precisa passar o uniforme da escola e preparar o lanche do recreio. O pai da dona de casa sabe que a filha tem essas responsabilidades. A forma como ele lembra o passado e faz questão de esquecer o presente mostra que o amigo de Juscelino jamais havia cogitado estar tão depende. Antes da doença, ele era “amigado” com Maria José. Ela, no entanto, após o diagnóstico da enfermidade disse que não poderia cuidar dele, porque trabalhava e deixá-lo sozinho em casa poderia ser perigoso. Por isso, o mineiro de Passos foi para a casa da filha. Embora ele não reclame, demonstra lucidez: - Acontece o seguinte, a Nina e o Admir têm muito serviço. Eles têm que cuidar de tudo nessa casa. Tem que levar o neto pros lugares. Então, eu fico aqui. Depois de faltar quatro, cinco meses [54]
  • 55. Eles não quiseram o hospital pra fazer 82 anos, eu ficar imprestável? Não é fácil minha filha, não é fácil. A cabeça não sai do cérebro, não sai... Nina corta o assunto ao ver que o pai se entristece. Ela não chama de doença o que o pai tem, dizendo ser apenas um “pro- bleminha”. Não fala em gravidade perto dele, só diz que se ele andar pode cair e agravar o quadro – que já é bem grave. O senhor João tem neoplazia, com um tumor ósseo maligno, descoberto após ele ter tido um mau jeito. - Meu pai estava ótimo, mas um dia ele sentou na bacia do banheiro e pronto, deu o problema. Ele perdeu as forças nas pernas e sentiu dor. Foi fazer o exame e descobriu que tem os ossos frágeis. Por achar que de fato é “só um probleminha”, o senhor de 81 anos, não se conforma em estar numa cama e por muitas vezes faz esforço para se levantar. Diferente de Oscarina, filha de Ju- liana, que foi tomada pela fadiga, o ex-funcionário da construção civil apresenta reações de ansiedade e agitação. O próprio conta que até pegar no sono ele “vira, vira e vira na cama” e para dormir mais rápido, fica “contando até dez, até o cansaço vir”. O que ele tem é o distúrbio do sono, sintoma também considerado pelos pesquisadores que definiram o cansaço como algo comum em doentes graves. *** Era primeiro de maio – Nina, João, Admir e até o neto Ra- fael lembram-se da data. A constatação do exame exigiu que o ex- mestre de obras ficasse internado. Mais do que frágeis, os ossos da perna estavam trincados, sendo necessária a colocação de uma [ 55 ]
  • 56. Gláucia Franchini prótese. Os procedimentos médicos foram feitos pela equipe do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti a quem toda a família dispensa elogios. Enquanto estrutura, Nina lembra a precariedade dos quar- tos e instalações, mas não se esquece do lado humano do atendi- mento, o qual ela adjetiva com um “excelente”. Foram 17 dias de hospitalização na ala de ortopedia. Com a cirurgia feita, outro exame constatou irregularidade no líquido da medula, sendo o paciente encaminhado para outro setor. Nina não fala qual a especialidade deste, mas se tratava da oncologia. -Quando aparece uma situação assim de doença, você fica sem chão, diz a filha. *** O chão da casa em que morava João com Maria José era de muita descida, o que também dificultaria a locomoção do então recém operado. Não poderia ficar sozinho e a mulher não podia deixar o emprego para cuidar dele. Assim, após a alta do hospital, João foi direto morar com a filha, o que exigiu adaptações. Admir conseguia prover toda a família enquanto trabalhava, porém com a aposentadoria, para manter o padrão de vida foi o- brigado a continuar trabalhando. Conseguiu um emprego na loja do Guarani, mas não deu certo. Ele começou a fazer bicos como “marido de aluguel”, também sem sucesso. Conseguiu voltar ao emprego na loja do bugre, mas voltou a ficar desemprego cinco dias após a internação do sogro, o que complicou a situação fi- nanceira da família. [56]
  • 57. Eles não quiseram o hospital Nina diz que o marido é muito quieto, não fala de ninguém – nem bem, muito menos mal. Nunca brigou, não tem inimigos e pensa muito na família. Na hora que seria de desespero – desemprego e com o sogro doente em casa – foi o Admir quem resolveu buscar ajuda na assistência social do Mário Gatti. Através disto, conseguiu o encaminhamento para o SAID. -A gente não sabia do serviço e de repente essa turma linda começou a vir em casa. Eles se apresentaram e explicaram que o meu pai está numa internação domiciliar. Então eles vêm: é o fisioterapeuta, o enfermeiro, médico, a nutricionista, psicóloga... É tudo, conta Nina com entusiasmo. Recebendo a assistência profissional em casa só faltava um lugar para o pai ficar. Espaço não seria o problema. Além do hall que foi o lugar escolhido, no piso de baixo tem ainda a sala de estar, sala de jantar, um banheiro, área de serviço e a cozinha, onde fica a escada que dá acesso ao piso de cima. No andas superior estão os quartos. Pela dificuldade de subir com o pai, manteve-se ele no hall: de faço acesso e bem arejado. A cama hospitalar que fica no centro desta entrada é, inclusive, uma conquista para a família. Uma cama convencional não daria conta das necessidades de alguém debilitado e por isso, precisando de ajuda, Nina ligou para o sobrinho, gerente de uma empresa de assistência técnica de materiais hospitalares. -Eu liguei chorando pra ele e eu falei que o meu pai não es- tava bom e se ele podia nos ajudar arrumando uma cama de hospital. O sobrinho conseguiu sem esforços. No pátio da empresa em que trabalha, uma cama hospitalar moderna, grande e de fácil [ 57 ]
  • 58. Gláucia Franchini manuseio estava abandonada, mas funcionando bem. Para Nina, aquilo foi um “achado”, já que uma compatível passa dos R$ 1 mil. *** Cuidar do senhor João exige bastante cautela dada vulne- rabilidade da parte óssea dele. Essa atenção com pessoas mais idosas deve ser levada em consideração afinal, a sociedade que está envelhecendo. Uma estimativa da Organização Mundial da Saúde é de que até 2025, o Brasil alcance a posição de sexto país com maior número de idosos. Dados do IBGE 2010 mostram que em duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos dobrou, chegando a cerca de 20 milhões. O pai de Nina já usa fraldas e quem as troca é o genro. A quês- tão da privacidade e intimidade do doente e dos familiares é algo que encabula as pessoas envolvidas nesta situação de enfermidade. Este já foi um dos temas de um dos “Encontros de Cuidadores” do SAID. O principal ponto abordado é o receio dos doentes de serem ex- postos, por exemplo, em suas necessidades fisiológicas. É cons- trangedor para muitos ter a fralda trocada por alguém da família ou o banho dado por este cuidador. O mesmo constrangimento passa àquele que cuida. A relação fica ainda mais difícil quando os envol- vidos não são do mesmo sexo, envolvendo um tabu em torno desta exposição da intimidade. No encontro, especialistas ajudam os cui- dadores a superar esse obstáculo, sempre recomendando alguém do mesmo sexo para os cuidados mais íntimos. [58]
  • 59. Eles não quiseram o hospital Ainda nestes encontros, os profissionais do serviço de Assis- tência domiciliar costumam levar temas que apresentem os direitos dos cuidadores e dos enfermos. Os medicamentos do pai de Nina estão na lista dos dispo- níveis pelo Sistema Único de Saúde, assim como os remédios para as dores e para a pressão da filha. O problema é que constan- temente alguns deles estão em falta nos postos do município. Na atualização feita pela prefeitura de Campinas - que pode ser aces- sada através do portal do Executivo -, no dia 24 de setembro de 2012, aproximadamente 25% dos remédios que deveriam estar nas unidades de saúde estavam sinalizados como “Medicamentos em Falta”. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a disponibilidade de remédios na rede pública é um dos três pontos essenciais para se ter um programa eficiente de cuidados paliativos, seja nos hospitais ou nos domicílios. Os outros dois envolvem ações e medidas governamentais, além de uma política educativa. A família de senhor João não consegue pagar um convênio médico para ele. Admir e Nina têm a assistência, já que embora aposentado, “Docinho” continuou pagando o plano feito pela fir- ma há mais de 20 anos, e por conta disso, paga um preço bem abaixo do que se tivesse que contratar um novo convênio. Numa cotação feita para um casal com mais de 60 anos, um plano básico em um convênio intermediário sai por mais de R$ 1300. Em um dos textos da sala de imprensa do Instituto de Estu- dos de Saúde Suplementar (IESS), números da Agência Nacional de Saúde (ANS) mostram que no segundo semestre de 2011 cerca de 46,6 milhões de pessoas tinham plano de saúde no Brasil, o que representa menos de 25% de toda população, considerando o Cen- so 2010 - mais de 190 milhões de habitantes. O impacto de uma [ 59 ]
  • 60. Gláucia Franchini política voltada ao atendimento domiciliar pode contribuir para a redução dos preços dos planos de saúde, tendo como consequên- cia o aumento de segurados. Tratar de um doente em casa custa de 20% a 60% menos que mantê-lo hospitalizado, desonerando o plano de saúde dos gastos com a manutenção do paciente na uni- dade médica. Estes números foram levantados no trabalho de Foto- reportagem do fotógrafo André Francois, “De volta pra Casa”14, no qual o profissional retrata situações de doentes que recebem o serviço de atendimento em casa, em várias cidades do país. Apesar das dificuldades financeiras, Nina conseguiu um benefício da Previdência Social, através do qual seu pai passou a ter o direito de receber mensalmente um salário mínimo. Este di- nheiro ajuda, por exemplo, na compra das fraldas descartáveis. Nina não chegou a ler, mas este benefício está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 201, que estabelece ser respon- sabilidade da Previdência contribuir na cobertura financeira em ca- sos de “doença, invalidez, morte e idade avançada”. Caso a filha fosse dependente financeiramente do pai - que fosse um segurado de baixa renda –, a família teria o direito de receber o “salário- família e auxílio-reclusão”, por conta dos incisos acrescentados à Carta através de emendas de 1998. No que diz respeito à assistência do serviço domiciliar, este também é previsto em lei. “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Segu- ridade Social”, sendo o objetivo dar “proteção à família, à materni- 14 FRANÇOIS, André. “De volta pra casa”. ImageMagica, 1ª.Ed, São Paulo, 2010. [60]
  • 61. Eles não quiseram o hospital dade, à infância, à adolescência e à velhice”. Tais direitos assisten- ciais estão previstos no inciso primeiro do artigo 203. No entanto, apesar da garantia constitucional, um levanta- mento feito em 2010 pela consultoria da Economist Intelligence Unit (Reino Unido) coloca o Brasil na posição 38, numa lista de 40 países, em relação à qualidade dos serviços de atendimento médico domiciliar e dos voltados à paliação. O país do futebol fica à frente apenas da Uganda e da Índia. Na casa de Nina, a família conseguiu a garantia das assis- tências previdenciária e social, todavia, ainda assim a família tem algumas dificuldades financeiras. -Somos nós dois na luta. O “Doce” é aposentado só que vi- ver de aposentadoria nesse país não dá. É muito difícil mesmo, porque quando a gente vai envelhecendo, precisa de remédios, às vezes caros. No nosso caso ainda, temos que manter a família, o neto na escola... Os gastos só aumentam. Mesmo com a preocupação de manter sua família com uma boa condição de vida, Nina reconheceu que naquele momento ser papel era um só, o de cuidadora. A própria define a sua função: - O cuidador é muito importante. Somos nós que cuidamos, que temos a responsabilidade de cuidar, manter o doente limpo. A gente que dá o remédio e segue as orientações que os médicos pas- sam. Eu faço o que SAID me passa. Eles nos ensinam, explicam, orientam tudo direitinho. Então, a gente faz. Enquanto cuidadora, Nina não vai mais ao cabeleireiro para esconder os fios brancos, todavia pouco se importa. Para ela, o im- portante é fazer direito aquilo que os profissionais do serviço reco- mendam e ajudam quando necessário. [ 61 ]
  • 62. Gláucia Franchini “Como é essa vida” O relógio sobre o criado mudo do quarto estava parado às três horas. Junto dele, uma garrafa com água, caixas de medica- mentos e um papel escrito a caneta azul, com linhas e tabelas feitas à mão. As divisões foram organizadas por horário, começando pelas cinco horas da manhã. Na frente desta coluna com os núme- ros, estão escritos os nomes dos medicamentos que Marisa deveria tomar, sendo as doses controladas por sua mãe, dona Aparecida. -Tem que marcar senão a gente se perde, explica a Marisa. A filha prefere ter tudo escrito, até para ajudar a mãe que se divide entre os afazeres da casa, o marido já de idade, a neta ado- lescente, o filho alcoólatra e a própria Marisa que de tantos medi- camentos precisa. Só no horário das nove da manhã o papel indicava: clozapina e omeprazol. - O omeprazol a Marisa não tomava, mas o Julimar falou pra ela tomar, porque senão ela podia ter uma úlcera. Ela também to- ma um que é diurético, conta a mãe. Julimar é um dos enfermeiros do SAID que visita a casa da família. A residência fica no Jardim Nova Europa, bem próximo à avenida principal, Baden Powell. É grande, mas com uma fachada antiga. No abrigo não há carro e logo que se passa o portão, à es- querda uma horta tira o cinza do chão. Entrando na casa, dois so- fás formam a letra “l”, sendo que na frente do estofado de três lugares fica a estante com uma TV e várias imagens que remetem a [62]
  • 63. Eles não quiseram o hospital religião. Tem duas bíblias e alguns porta-retratos. Na parede, ou- tros enfeites religiosos estão pregados, destacando-se duas cruzes. *** Assim que Aparecida acaba de dar o remédio, compartilha a recordação de quando começou a notar a filha com sinais de aba- timento. Foi a mãe quem pediu para Marisa procurar um médico, pois desconfiava que a filha tinha algum problema neurológico. Além da fraqueza, ela começava a perder a sensibilidade nas mãos. Aos 39 anos, Marisa descobriu que aquela tontura não era uma simples anemia, causada pela automedicação de um remédio para emagrecer. Atendida no Hospital Mário Gatti, foi internada para a realização de exames mais sofisticados. A principal suspeita era de que se tratasse de esclerose múltipla, e por isso a encaminharam para um tratamento no HC da Unicamp, onde os médicos desco- briram que a filha de Aparecida tinha “outra doença”. Mais uma vez, como aconteceu com Oscarina, o diagnóstico tardio compro- meteu um tratamento com melhores resultados. -O tumor já estava grande, lembra-se a mãe com voz baixa e olhos claros que se avermelham. Marisa, já com sistema tátil comprometido, não foi capaz de sentir o que a mamografia, solicitada depois de um ano de trata- mento neurológico, constatou. O diagnóstico de câncer de mama veio em 2010. A lembrança desta data faz com que os olhos de A- parecida fiquem menores, cheios de lágrimas, ainda vermelhos. Desde a notícia, vários procedimentos médicos foram rea- lizados, conforme a doença se espalhava pelo corpo: retirou a ma- ma e o ovário. A sensibilidade nas mãos foi praticamente perdida, [ 63 ]
  • 64. Gláucia Franchini junto aos movimentos das pernas. As intervenções cirúrgicas foram descartadas e o tratamento de Marisa resumiu-se à medica- ção para aliviar a dor. Os principais sintomas físicos da paciente coincidem com outras características citadas no documento que apontou a fadiga de Oscarina e a agitação do senhor João como consequência das doenças em estágio avançado. Marisa não tem apetite e sofre de constipação – dificuldade para evacuar. Além disso, em março de 2012, Aparecida viu a filha ter um Acidente Vascular Cerebral. -Ela tem uns pontinhos na cabeça. Quando a minha filha te- ve o AVC, ela disse que todos eles sangraram ao mesmo tempo. Teve que nem um sangramento, eu até pensei ser uma convulsão, recorda com tristeza, Aparecida. Os “pontinhos” são as metástases da paciente, que de forma simplista, é quando o câncer se espalha para outras partes do cor- po. A gravidade no quadro clínico deixou Marisa internada por aproximadamente dez dias após o derrame. Em quatro deles, ela ficou desacordada. Depois da estadia no hospital, voltou pra casa, passando a receber o atendimento do serviço domiciliar. *** O cuidado de Marisa é feito no quarto do relógio sem pilha, onde dorme a paciente, a mãe e o pai. O cômodo é bem grande, comportando a cama de casal, com lençol fino simulando ser feito de retalhos e o guarda-roupa de mogno cobrindo cobre toda a parede atrás da cama. No canto direito, fica o criado-mudo dos remédios e atrás dele, a cama hospitalar com vários lençóis brancos sobre a enferma. Uma porta de metal e vidro jateado dá acesso ao fundo da casa, sendo que ao lado, a porta de madeira separa o quarto da suíte. [64]
  • 65. Eles não quiseram o hospital - Eu durmo aqui com ela, pra cuidar dela, diz a mãe. - De noite eu sempre sinto algumas umas coisinhas e então minha mãe está aqui pra me ajudar, completa a filha. Antes desta adaptação no quarto, Marisa ficava no dormi- tório menor da casa, junto com a filha, todavia, a inquietude doen- te, por conta das dores e a respiração alta - o ronco – incomoda- vam Luana, que tinha que acordar cedo para ir ao trabalho. Agora com a paciente no quarto maior, a filha Luana já não precisa acordar pelo início da manhã, pois conforme a doença foi se agravando, Marisa ficou debilitada, precisando de ajuda até para se mexer. Aparecida com 73 anos, também começa a ter dificuldades para dar este auxílio à filha, pois “a idade não ajuda”. Até então, o marido a ajudava, mas ao ver tanto sofrimento da filha, ele desistiu e se entregou, mantendo-se deitado sobre o sofá durante todo o dia. - Meu marido se sente mal, não tem muita força, está meio surdo, não enxerga de um olho. Ele se sente meio impotente pra ajudar ela, Aparecida define o esposo. Na falta de alguém capas de ajudar Marisa, restou a Luana compartilhar o papel de cuidadora com a avó. Saiu do emprego e aos 19 anos não se conforma com estado da mãe. A jovem ajuda, mas mantém a face do rosto bem fechada, com um olhar solto demonstrando total repúdio àquela situação. Ela não quer conver- sar e Marisa compreende a filha: -A Luana é adolescente. Ela teve que fazer muitas coisas sozinha, porque eu fiquei muito tempo parada, andando de anda- dor, sem poder ajudar minha filha, participar da vida dela. Então, eu sei que ela se compara com as amigas que tem a mãe sempre presente. Um dia, ela me disse que a minha situação fez com que ela crescesse muito, mas eu sei que é difícil. [ 65 ]
  • 66. Gláucia Franchini O que tange o relacionamento entre paciente e família tam- bém foi abordado no trabalho da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. O “afrouxamento” dos laços de afeto entre os envolvi- dos em situações de onipresença da morte é, de acordo com o documento, uma constante, se apresentando como um “problema social” dentro das famílias. Por conta disso, deve ser uma das vertentes tratadas pelas equipes multidisciplinares de paliação e de assistência social. Apesar de a filha não querer um diálogo com a mãe, tanto Aparecida como Luana não deixam de cuidar. A mais jovem não troca palavras, mas faz o que tem que ser feito. *** A mãe de Marisa insiste para que a filha coma, oferecendo café, leite e já anunciando o cardápio do almoço. Na falta de ape- tite da paciente, a senhora não desiste e oferece uma vitamina com banana, maçã, mamão e suco de laranja, de um jeito quase apelati- vo, mas carinhoso que faz Marisa aceitar. A insistência da senhora de 73 anos não é o procedimento recomendado pelo documento nacional da Academia já citada, que orienta nos casos de falta de apetite a respeitar a decisão do paciente. Aparecida não se importa, até porque é do instinto materno a preocupação para que o filho sempre se alimente bem. A mãe vai à cozinha e do quarto se ouve o barulho do liqui- dificador preparando a vitamina. Passados alguns minutos, um co- po de vidro grosso de tamanho americano é levado à boca da mu- lher de 39 anos. Logo, ela pede que seja colocado de lado. A rea- ção de Marisa após ingerir pouco menos de um dedo da bebida foi de que aquilo estava azedo, mas não estava. [66]