Este documento discute a importância da atuação de gerentes na implementação de estratégias organizacionais. Aponta que gerentes precisam estimular comportamentos alinhados à estratégia entre funcionários e direcionar processos de alocação e uso de recursos. Relata experiências de empresas participantes do CREST que ilustram desafios quando a corrente de ações gerenciais é quebrada ou há contradições entre estratégias de inovação e modelos financeiros rígidos.
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
Atuação de gerentes na implementação de estratégias
1. Atuação de gerentes na
implementação de estratégias
por Samir Lótfi, Ângela França Versiani
e C a r o l i n a G o yatá D i a s
A implementação de estratégias nas organi- dos papéis gerenciais. A partir do embasamento
zações depende de processos complexos de inte- teórico e das evidências observadas nas empresas
ração entre gerentes e funcionários (Skivington; participantes do CREST, discutiremos a impor-
Daft, 1991; Neilson et al, 2011). Essa constata- tância da atuação dos gerentes nos processos de
ção nos levou a uma análise mais profunda dos implementação de estratégias, considerando sua
papéis gerenciais no processo de implementação capacidade de: estimular nos colaboradores com-
das estratégias – tema central de pesquisa e portamentos estrategicamente alinhados; direcio-
reflexão do Centro de Referência em Estratégia nar o processo de alocação e utilização de recursos
(CREST), da Fundação Dom Cabral. Trata-se de das empresas.
uma rede de empresas orientada para a geração e
sistematização de conhecimento, que alia experi- Estimulando comportamentos estrategi-
ências acadêmicas e empresariais num esforço de camente alinhados Um comportamento ali-
melhoria dos processos estratégicos. nhado com as estratégias ocorre quando pessoas
A escolha do tema se deve ao reconhecimen- de diferentes níveis hierárquicos realizam ações
to das dificuldades que as empresas enfrentam condizentes com as diretrizes da empresa. Ele
quando tentam realizar suas estratégias e à carên- pode ser avaliado pela maneira como os indivíduos
cia de estudos sobre as etapas de implementação. ajudam seus pares e subordinados a executarem a
Por mais que sejam bem formuladas, as estraté- estratégia no dia a dia – por exemplo, explicando,
gias somente geram retornos acima da média para dando significado e discutindo os objetivos da
as organizações bem-sucedidas em sua implemen- estratégia, ou apoiando iniciativas importantes
tação (Bonoma, 1984). para sua execução.
Com o objetivo de melhorar a compreensão Embora aspectos culturais, incentivos, recom-
sobre como os objetivos estratégicos se transfor- pensas e a própria estrutura organizacional exer-
mam em resultados organizacionais, o CREST tem çam influência sobre o nível em que as pesso-
realizado pesquisas (quantitativas e qualitativas) as demonstram esse comportamento, diversos
junto a mais de 300 executivos das empresas estudos indicam que ele depende, sobretudo,
participantes da rede. As conclusões preliminares da atuação da alta e média gerência (Mantere,
revelam questões críticas na implementação de 2008; Nutt, 1987; Floyd; Wooldridge, 1992). Os
estratégias, agrupadas nas dimensões: pessoas; gerentes são figuras centrais nesse processo, em
coordenação entre processos, funções e áreas; especial quando conseguem garantir motivação
processo decisório e alocação de recursos; ges- constante nos funcionários, desenvolvendo suas
tão de desempenho da implementação; papéis competências individuais e esclarecendo suas
gerenciais. São fatores que afetam o desempenho funções para o alcance dos objetivos da estratégia
das estratégias e que, muitas vezes, ocorrem em (Riel et al, 2009).
conjunto e se influenciam mutuamente. Esse argumento, desenvolvido em estudos
Este artigo se propõe a analisar a dimensão prévios, encontra forte embasamento quando ana-
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2. lisado juntamente com as experiências do CREST.
Em uma das empresas da rede, mesmo havendo
consenso sobre os objetivos da estratégia deline-
ada, ocorreram divergências no entendimento dos
caminhos para a sua implementação. Enquanto
a alta gerência não percebia seu papel de acom-
panhar a execução da estratégia, os gerentes
intermediários não assumiam sua função de trans-
formar os processos internos da organização. Seria
fundamental que os gerentes mais próximos da
cúpula estratégica transmitissem confiança aos
colaboradores, encorajando novas ideias e prati-
cando uma comunicação aberta em relação aos
sucessos e fracassos da implementação. Já os
gerentes intermediários poderiam ser facilitadores
que experimentam e desenvolvem, de maneira
criativa, novas atividades no trabalho. Apesar da
alta competitividade estrutural da empresa – que
se refletia em níveis de desempenho no mercado
continuamente satisfatórios –, na percepção dos
executivos envolvidos os resultados da estratégia
poderiam ter sido melhores.
A partir dessas constatações teóricas e empí-
ricas, podemos tirar duas importantes conclusões
sobre a atuação dos gerentes e sua influência
nos processos estratégicos. Primeiramente, para
que os colaboradores tenham um comportamento
estrategicamente alinhado é necessário haver uma
corrente de ações gerenciais, que se reforce de
cima para baixo na hierarquia formal da organi-
zação. Em segundo lugar, caso essa corrente seja
quebrada, a tendência é de queda no desempenho
das estratégias realizadas.
Direcionando o processo de alocação e
utilização de recursos Outra questão crítica
na implementação de estratégias diz respeito ao
processo de alocação e utilização de recursos nas
empresas. Embora seja uma dimensão complexa,
influenciada por variáveis como a ação de clientes
e oscilações do mercado de capitais, a alocação
e utilização de recursos representa um processo
fragmentado, no qual gerentes de todos os níveis
da empresa assumem o controle de seu direciona-
mento (Bower; Gilbert, 2007).
Uma das empresas participantes do CREST
atua no ramo de comunicação e executa estra-
tégia que visa oferecer soluções totais aos seus
clientes, por diversas mídias (celular, televisão,
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3. internet, jornais, revistas, rádio e eventos). A
implementação dessa estratégia merece atenção,
devido à rigidez na gestão financeira imposta
pela matriz da empresa e a forma como sua
gerência tem respondido a esse modelo, com
adaptações em seus processos de alocação e
utilização de recursos.
Os recursos disponibilizados são definidos
pela matriz da empresa, a partir de um Business
Plan (BP) de cinco anos, que estipula metas anu-
ais de acordo com os resultados obtidos pela filial
no ano anterior. Embora os principais gestores
tenham autonomia para alocar esses recursos, as
metas de cumprimento do BP são inegociáveis.
Para haver disponibilização de recursos adicio-
nais, a alta gerência deve desenvolver um plano
de negócios detalhado, com informações sobre a
relevância e viabilidade de novos projetos. Esse
modelo de gestão financeira estaria impactando
o desempenho da estratégia em execução e exi-
gindo uma adaptação dos processos de alocação
e utilização de recursos. Um novo membro da alta
gerência propôs, então, e conduziu uma série de
mudanças. Os projetos desenvolvidos, envolvendo
conteúdo, passaram a depender da assinatura pré-
via de clientes parceiros que cobririam os custos
da operação. Projetos novos que não demonstras-
sem o retorno financeiro projetado foram abando-
nados. Além disso, houve contratação de pessoas
por RPA (Recibo de Profissional Autônomo) e
freelancers, para atuarem em novos projetos.
Finalmente, para cumprir com o BP planejado, a
empresa se empenhou em cortar despesas, inclu-
sive na folha de pagamento.
Mesmo permitindo a melhoria dos resultados,
essa adaptação coordenada pela gerência vem
limitando desempenhos ainda melhores. A empre-
sa tem a difícil tarefa de executar uma estratégia
de novos negócios operando recursos escassos,
sem verbas de contingência para o lançamento
de novos produtos e serviços, e dependendo de
conceitos inovadores previamente financiados pelo
mercado. Existe, assim, a contradição de imple-
mentar uma estratégia de inovação no contexto de
um rígido modelo financeiro de disponibilização
de recursos.
A análise desse caso nos leva ainda a duas
importantes considerações. Conforme Bower e
Gilbert (2007), observamos que, muito além do
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4. planejamento na matriz das corporações, a manei- reforçam mutuamente, e podem ser fundamentais
ra pela qual a estratégia é executada depende no gerenciamento empresarial.
diretamente da ação dos gerentes intermediários
nos processos de alocação e utilização de recur-
sos. São implementadores que desempenham a Samir Lótfi é professor assistente do Núcleo de Estratégia e Gestão
Empresarial da Fundação Dom Cabral, mestre em Administração pela
importante função de revisar, ajustar e motivar as Universidade de São Paulo e administrador pela UFMG.
pessoas a executarem estratégias. Nesse sentido,
a atenção dos executivos seniores deveria estar Ângela França Versiani é professora do mestrado profissional da
Fundação Dom Cabral e do doutorado da PUC-Minas, e membro do Núcleo
voltada para os processos de alocação e utilização de Estratégia e Gestão Empresarial da FDC. Doutora em Administração
dos recursos da empresa, identificando e influen- pela USP e socióloga pela UFMG.
ciando os gerentes que determinam o futuro da
organização (Bower; Gilbert, 2007). Carolina Goyatá Dias é gerente de projetos e membro do Núcleo de
Estratégia e Gestão Empresarial da Fundação Dom Cabral, mestre em
Administração pela UFMG e economista pela PUC-Minas.
Desenvolvendo competências gerenciais
Toda essa discussão mostra a importância de
desenvolver a capacidade dos gestores em lidar
com a complexidade e a incerteza inerentes à
implementação de estratégias – especialmente
na tomada de decisões, muitas vezes rotineiras,
embora importantes –, de modo a garantir o suces-
Para se aprofundar no tema
so ao colocá-las em prática.
Qual a base de conhecimentos dos gestores BOWER, J. L., & GILBERT, C. G. (2007).
envolvidos? Até que ponto eles estão familiariza- How Managers' Everyday Decisions Create
dos com as complexidades de suas decisões no or Destroy Your Company's Strategy,
dia a dia? São capazes de avaliar os resultados Harvard Business Review, 85(2), 72-79.
desejados de suas decisões? Conseguem manter
apoio para a decisão tomada junto aos stakehol- FLOYD, S. W. and WOOLDRIDGE B. W.
ders? Utilizam recursos humanos ou financeiros 1992. Middle Management Involvement
de maneira adequada? in Strategy and Its Association with
Segundo Miller et al (2004), essas são per- Strategic Type: A Research Note, Strategic
guntas relevantes, pois as competências e a base Management Journal, Special Issue, 13:
das experiências gerenciais sobre o que deve ser 153-167.
feito – em resposta às contingências e incertezas
MANTERE, S. (2008), Role Expectations and
do processo estratégico – permitem que os geren-
Middle Manager Strategic Agency, Journal of
tes avaliem melhor os objetivos e especifiquem
Management Studies, 45: 294–316.
tarefas e recursos, levando os responsáveis pela
execução a se comprometerem com a estratégia. MILLER, S., WILSON, D. and HICKSON,
O projeto desenvolvido junto às empresas D. (2004). Beyond Planning Strategies
participantes do CREST tem permitido o comparti- for Successfully Implementing Strategic
lhamento de conhecimentos e a geração de ideias Decisions, Long Range Planning, 37,
sobre os processos estratégicos. Assim, incentiva p210-218.
a reflexão sobre as práticas de trabalho ligadas à
execução das estratégias, buscando, de alguma RIEL, C.B.M. van, BERENS, G. &
maneira, efeitos sobre essas práticas. Nas apre- DIJKSTRA, M. (2009). Stimulating
sentações dos resultados nas empresas, os execu- Strategically Aligned Behaviour Among
tivos participantes fizeram diversas propostas para Employees. Journal of Management
incrementar a aprendizagem organizacional. Studies, 46 (7), 1197–1226.
A reflexão sistematizada, proporcionada pelo
CREST, vem demonstrando que teoria e prática se
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