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   As ruas do meu bairro são
meu berço. Vou me encontrar
	




Marquinhos falou à mãe que gostaria de ir à casa do primo Val-
tinho. Dona Egya disse não. O pequeno Marcos Valadão Rodolfo
não brigou. Foi à luta. O garoto de quatro para cinco anos abriu
a porta do apartamento na Rua 13 de Maio, no Bela Vista, zona
central de São Paulo, bairro onde nasceu às 16h45 de 23 de janei-
ro de 1962.
 	     Ninguém viu Marquinhos sair do apartamento, nem do
prédio que fica perto da escadaria que dá ao Teatro Ruth Escobar.
O pirralho resolveu visitar o primo, que morava na Rua João Pas-
saláqua, na Bela Vista. Uma distância de pouco mais de dois qui-
lômetros de sua rua. Levou um certo tempo para a família desco-
brir que o garoto não estava mais em casa. Não muito tempo para
imaginar todo azar de azares. Rádio patrulha alertada, vizinhos e
amigos feito loucos procurando pela Bela Vista. Barulho típico de
14   família italiana, como eram os Capuano Scarlato, o lado materno
     de Marquinhos. O lado calabrês do sangue quente.
     	Nasi: Os sicilianos têm medo dos calabreses. Eu tinha de
     ser do jeito que sou.
     	       A tradicional cantina Capuano era do segundo marido da
     bisavó materna de Nasi. O bisavô Scarlato havia casado com uma
     síria-libanesa.
     	Nasi: A família de origem italiana é sempre muito próxi-
     ma, agregada. Tive mais influência dela do que do meu pai, que
     era do Espírito Santo, mas que tinha muito parente no Rio de Ja-
     neiro. Só convivia com eles no Natal. Só os conheci melhor quan-
     do cresci.
     	       O pai de Marquinhos, seu Airton, é do Espírito Santo. Ce-
     lina, perto de Colatina. Veio cedo para São Paulo. Trabalhava em
     laboratório. Nas ruas do Bixiga conheceu a mãe. Ainda em 1961,
     pediu a mão e se casaram. Em nove meses nasceu Marquinhos. Na
     primeira semana, o menino passou em uma estufa na maternidade
     com icterícia. A primeira internação, de uma série de muitas em
     hospitais e clínicas. E outras interdições que foram parar na Justiça.
     	       Marquinhos era o bisneto e neto mais velho da família.
     Deixaria de ser a única voz, o centro do universo familiar quan-
     do, naquele mesmo ano de 1967 em que foi passear pelas ruas
     da capital, nasceu Airton Junior, o caçula da família. Cinco anos
     que sempre distanciariam os irmãos como se fossem décadas. Na
     casa, na rua e, depois, mesmo trabalhando juntos, na vida e na
     profissão, Marquinhos e Junior nunca foram muito íntimos.
     	       Os Scarlato do lado da mãe tinham feito fama e fortuna
     nos anos 40 fazendo móveis sofisticados e pesados para a elite
     paulistana. Camas, armários e mesas que já não cabiam nas casas
     menores da capital. Contas que já não fechavam muito bem na
     casa dos Valadão nos anos 60.
     	Nasi: Não tivemos tantas dificuldades assim, mas o di-
     nheiro era contado. A fábrica não se adaptou à virada Tok Stok.
     Aqueles móveis pesados, rococós, não se usava mais.
Se a família brigava e se amava como tragicomédia de ci-       15

nema italiano, como se fosse um reality-show dirigido por Ma-
rio Monicelli, o pequeno Marquinhos parecia um soldado da
L’Armata Brancaleone pelas ruas paulistanas naquela tarde de de-
sespero.
	       Ele não sabe quanto tempo levou até a casa do primo Val-
tinho. Não tinha a menor ideia de quantos quilômetros eram. Só
sabe que foi descoberto o paradeiro dele apenas quando chegou
lá, quando os pais de Valtinho ligaram para seu Airton e para
dona Egya avisando que Marquinhos estava na casa do primo. Foi
recebido com abraços tão fortes quanto os puxões de orelhas que
levou por dias.
	Nasi: Sempre fui um cara de ir atrás das coisas. De procu-
rar a informação, um lugar para ensaiar no começo da banda, os
lugares pra gente tocar... Sempre meti as caras. Até quando não
tinha idade para isso.
	       O primogênito sobreviveu à primeira viagem solo pela
Bela Vista. Não foi a única. Muito menos a última que estará no
epílogo de um livro aberto com páginas coladas. Dobradas. Cor-
tadas. Dilaceradas. Cheiradas. Coloridas. Escuras. Ininteligíveis.
Intrigantes. Inteligentes. Burras. Ousadas. Usadas. Abusadas. Er-
radas. Errantes. Espirituais. Rascantes. Riscadas. Arriscadas.
	Nasi: Sou o avesso do avesso do avesso. Sou, agora, um
ex-impulsivo. Ou um impulsivo em recuperação. Um cara leal.
Mas teimoso. Que acertou na vida ao entrar na música. Mas que
cometeu o maior erro exatamente por ter entrado na música.
	       Remorso foi não ter curtido mais tempo com a mãe du-
rante a carreira. Alegrias foram muitas e maiores. Inclusive o re-
encontro com a namorada Elizabeth, no começo de 2012, cinco
anos depois da separação do casal.
	       Ele não fica rubro para falar de amor. De volta. De retorno.
Nasi vai e volta. Quando vai fundo acaba indo além do permitido
e recomendado. Mas quando volta, traz tudo que o dragou. Do
bom e do pior. Talvez nunca tenha trazido tanta coisa boa consigo
16   como nos últimos anos, quando redescobriu o amor com Eliza-
     beth; quando descobriu um amor maior com as filhas Carolina e
     Melody; quando tentou se reconciliar com os amigos perdidos e
     com a família partida; quando encontrou espiritualmente amigos
     de fé e de credo; quando parece fazer de propósito um final feliz
     para uma história de rock e horror, de amor e de dor.
     	       Nasi atravessou todos os sinais. Vai atravessar o final do
     livro aberto. Não tem como dar ponto final nesta história na qual
     não é reto o caminho mais fácil entre os pontos. Nem tem como
     não ficar vermelho de raiva e de amor com cada história deste
     Wolverine brasileiro. O carcaju.
     (Carcaju é o nome em português do animal oficial de Michigan,
     Estados Unidos. Onde se fala que aquele mamífero que mais parece
     um pequeno urso com cauda grande se chama Wolverine. Em por-
     tuguês, também se diz que o carcaju, o tal Wolverine, é um glutão.
     Porque come de tudo. Come tudo. Mas não para hibernar, ficar
     quieto no canto. Come porque precisa. Come porque quer.)

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A Ira de Nasi - primeiro capítulo

  • 1. 1 As ruas do meu bairro são meu berço. Vou me encontrar Marquinhos falou à mãe que gostaria de ir à casa do primo Val- tinho. Dona Egya disse não. O pequeno Marcos Valadão Rodolfo não brigou. Foi à luta. O garoto de quatro para cinco anos abriu a porta do apartamento na Rua 13 de Maio, no Bela Vista, zona central de São Paulo, bairro onde nasceu às 16h45 de 23 de janei- ro de 1962. Ninguém viu Marquinhos sair do apartamento, nem do prédio que fica perto da escadaria que dá ao Teatro Ruth Escobar. O pirralho resolveu visitar o primo, que morava na Rua João Pas- saláqua, na Bela Vista. Uma distância de pouco mais de dois qui- lômetros de sua rua. Levou um certo tempo para a família desco- brir que o garoto não estava mais em casa. Não muito tempo para imaginar todo azar de azares. Rádio patrulha alertada, vizinhos e amigos feito loucos procurando pela Bela Vista. Barulho típico de
  • 2. 14 família italiana, como eram os Capuano Scarlato, o lado materno de Marquinhos. O lado calabrês do sangue quente. Nasi: Os sicilianos têm medo dos calabreses. Eu tinha de ser do jeito que sou. A tradicional cantina Capuano era do segundo marido da bisavó materna de Nasi. O bisavô Scarlato havia casado com uma síria-libanesa. Nasi: A família de origem italiana é sempre muito próxi- ma, agregada. Tive mais influência dela do que do meu pai, que era do Espírito Santo, mas que tinha muito parente no Rio de Ja- neiro. Só convivia com eles no Natal. Só os conheci melhor quan- do cresci. O pai de Marquinhos, seu Airton, é do Espírito Santo. Ce- lina, perto de Colatina. Veio cedo para São Paulo. Trabalhava em laboratório. Nas ruas do Bixiga conheceu a mãe. Ainda em 1961, pediu a mão e se casaram. Em nove meses nasceu Marquinhos. Na primeira semana, o menino passou em uma estufa na maternidade com icterícia. A primeira internação, de uma série de muitas em hospitais e clínicas. E outras interdições que foram parar na Justiça. Marquinhos era o bisneto e neto mais velho da família. Deixaria de ser a única voz, o centro do universo familiar quan- do, naquele mesmo ano de 1967 em que foi passear pelas ruas da capital, nasceu Airton Junior, o caçula da família. Cinco anos que sempre distanciariam os irmãos como se fossem décadas. Na casa, na rua e, depois, mesmo trabalhando juntos, na vida e na profissão, Marquinhos e Junior nunca foram muito íntimos. Os Scarlato do lado da mãe tinham feito fama e fortuna nos anos 40 fazendo móveis sofisticados e pesados para a elite paulistana. Camas, armários e mesas que já não cabiam nas casas menores da capital. Contas que já não fechavam muito bem na casa dos Valadão nos anos 60. Nasi: Não tivemos tantas dificuldades assim, mas o di- nheiro era contado. A fábrica não se adaptou à virada Tok Stok. Aqueles móveis pesados, rococós, não se usava mais.
  • 3. Se a família brigava e se amava como tragicomédia de ci- 15 nema italiano, como se fosse um reality-show dirigido por Ma- rio Monicelli, o pequeno Marquinhos parecia um soldado da L’Armata Brancaleone pelas ruas paulistanas naquela tarde de de- sespero. Ele não sabe quanto tempo levou até a casa do primo Val- tinho. Não tinha a menor ideia de quantos quilômetros eram. Só sabe que foi descoberto o paradeiro dele apenas quando chegou lá, quando os pais de Valtinho ligaram para seu Airton e para dona Egya avisando que Marquinhos estava na casa do primo. Foi recebido com abraços tão fortes quanto os puxões de orelhas que levou por dias. Nasi: Sempre fui um cara de ir atrás das coisas. De procu- rar a informação, um lugar para ensaiar no começo da banda, os lugares pra gente tocar... Sempre meti as caras. Até quando não tinha idade para isso. O primogênito sobreviveu à primeira viagem solo pela Bela Vista. Não foi a única. Muito menos a última que estará no epílogo de um livro aberto com páginas coladas. Dobradas. Cor- tadas. Dilaceradas. Cheiradas. Coloridas. Escuras. Ininteligíveis. Intrigantes. Inteligentes. Burras. Ousadas. Usadas. Abusadas. Er- radas. Errantes. Espirituais. Rascantes. Riscadas. Arriscadas. Nasi: Sou o avesso do avesso do avesso. Sou, agora, um ex-impulsivo. Ou um impulsivo em recuperação. Um cara leal. Mas teimoso. Que acertou na vida ao entrar na música. Mas que cometeu o maior erro exatamente por ter entrado na música. Remorso foi não ter curtido mais tempo com a mãe du- rante a carreira. Alegrias foram muitas e maiores. Inclusive o re- encontro com a namorada Elizabeth, no começo de 2012, cinco anos depois da separação do casal. Ele não fica rubro para falar de amor. De volta. De retorno. Nasi vai e volta. Quando vai fundo acaba indo além do permitido e recomendado. Mas quando volta, traz tudo que o dragou. Do bom e do pior. Talvez nunca tenha trazido tanta coisa boa consigo
  • 4. 16 como nos últimos anos, quando redescobriu o amor com Eliza- beth; quando descobriu um amor maior com as filhas Carolina e Melody; quando tentou se reconciliar com os amigos perdidos e com a família partida; quando encontrou espiritualmente amigos de fé e de credo; quando parece fazer de propósito um final feliz para uma história de rock e horror, de amor e de dor. Nasi atravessou todos os sinais. Vai atravessar o final do livro aberto. Não tem como dar ponto final nesta história na qual não é reto o caminho mais fácil entre os pontos. Nem tem como não ficar vermelho de raiva e de amor com cada história deste Wolverine brasileiro. O carcaju. (Carcaju é o nome em português do animal oficial de Michigan, Estados Unidos. Onde se fala que aquele mamífero que mais parece um pequeno urso com cauda grande se chama Wolverine. Em por- tuguês, também se diz que o carcaju, o tal Wolverine, é um glutão. Porque come de tudo. Come tudo. Mas não para hibernar, ficar quieto no canto. Come porque precisa. Come porque quer.)