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VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS
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Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000.
Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO LUIZ FUX, DO EGRÉGIO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
[...] Afinal, sendo obrigatório o reconhecimento do direito ao casamento civil
homoafetivo por força do efeito vinculante da decisão do STF no julgamento
da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, tem-se que o Conselho Nacional de
Justiça tem competência/legitimidade constitucional para expedir ato
regulamentar de âmbito nacional obrigando os Cartórios de Registro Civil e
os(as) Juízes(as) de Registros Públicos em geral a realizarem a conversão de
união estável homoafetiva em casamento civil e a celebrarem casamento civil
homoafetivo diretamente, sem prévia união estável. Este tema será retomado
no item 4.3, infra, que traz precedente do Supremo Tribunal Federal que
autoriza a elaboração de atos regulamentares pelo Conselho Nacional de Justiça
(STF, MS n.º 27.621/DF, DJe de 11.05.2012). [...] Em outras palavras: se a
possibilidade de conversão de união estável homoafetiva em casamento civil é
obrigatória, então torna-se desnecessária uma lei formal do Parlamento que
crie a norma jurídica autorizadora de dita conversão, pois a força de lei da
decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277 já
criou dita norma jurídica, o que torna o tema puramente administrativo e,
assim, passível de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça. Ora, se a
decisão desta Suprema Corte não pode ser descumprida e se dita decisão torna
obrigatória a conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, tem-
se que o Conselho Nacional de Justiça pode perfeitamente deixar expressa esta
obrigatoriedade claramente decorrente de puro silogismo da citada decisão
desta Suprema Corte [...] Logo, não houve nenhum abuso de poder do CNJ [...].
(trechos deste amicus curiae)
Mandado de Segurança n.º 32.077
PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL, agremiação
partidária com representação no Congresso Nacional, registrado no Tribunal Superior
Eleitoral por meio da Resolução 22.083, de 2005, pessoa jurídica inscrita no CNPJ sob o
n.º 06.954.942/0001-95, com endereço no SDS, Bloco D, Ed. Eldorado, sala 80,
Brasília/DF, CEP 70392-901, e ASSOCIAÇÃO DOS REGISTRADORES DE
PESSOAS NATURAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – ARPEN-RJ, entidade
de utilidade pública, nos termos da lei estadual 5462/2009, pessoa jurídica de Direito
Privado, inscrito no CNPJ sob o n.º 05.346.856/0001-37, com sede na Av. Erasmo
Braga, 227/1008, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20020-000, por seu advogado
signatário (procurações anexas), com fulcro no seu direito constitucional de petição
e/ou por analogia ao artigo 7º, §2º, da Lei n.º 9.868/99, vem, respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência, apresentar AMICUS CURIAE no presente mandado de
segurança, movido pelo PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC pelas razões a seguir
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Assinado por PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI:31510920803 em 24/05/2013 17:54:16.474 -0300
Signature Not Verified
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deduzidas, requerendo-se desde já seu regular recebimento, processamento,
conhecimento e o integral acolhimento das razões aqui expostas para que seja extinto
sem resolução de mérito ou, subsidiariamente, julgado improcedente este mandado de
segurança.
I. LEGITIMIDADE E CABIMENTO DO AMICUS CURIAE.
Inicialmente, esclareça-se que os Peticionários foram as
entidades que apresentaram o Pedido de Providências n.º 0001749-28.2013.2.00.0000
ao Conselho Nacional de Justiça, requerendo a regulamentação administrativa do
casamento civil homoafetivo, donde têm absoluta legitimidade e interesse de agir para a
defesa da Resolução CNJ n.º 175/2013, impugnada pelo presente mandado de
segurança. Muito embora tecnicamente a referida resolução sido fruto de iniciativa do
Ilustre Presidente daquele Egrégio Conselho, tem-se que o referido pedido de
providências demonstram a pertinência e necessidade de deferimento do ingresso de
referidas entidades como amicus curiae no presente caso. Ademais, sendo o Partido
peticionário um legitimado universal para propositura de ações direta de
inconstitucionalidade e arguições de descumprimento de preceitos fundamentais, tem-
se que essa legitimação universal o torna um amicus curiae igualmente universal para
as ações em geral perante esta Suprema Corte. Por fim, sendo a Associação
peticionaria representante de registradores públicos, que são diretamente afetados
pela citada Resolução n.º 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça, ela também tem
tanto pertinência temática quanto legitimidade e interesse jurídico para participar de
julgamentos relativos a tais resoluções, sem falar que a relevância jurídico-social do
tema mais do que justifica a oitiva de amici curiae, mesmo em mandados de segurança,
ainda que se entenda pela necessidade de analogia para tanto (pois não se pode dizer
que haveria interesse meramente do Impetrante e do CNJ, dada a notória relevância
jurídico-social, de repercussão nacional, da matéria em debate).
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Por essas razões, requer-se o deferimento do ingresso dos
Peticionários como amici curiae no presente caso.
2. PRELIMINARMENTE. Impropriedade da via eleita. Ausência de direito líquido e
certo. ADEMAIS, ausência de periculum in mora para liminar.
Primeiramente, não nos parece cabível a impetração de
mandado de segurança visando nulificar ato normativo, visto que doutrina e
jurisprudência são uníssonas no sentido de que não cabe mandado de segurança
contra lei em tese e, portanto, por identidade de razões, contra qualquer ato normativo
em tese, por isso ser tema passível de cognição por intermédio de Ação Direta de
Inconstitucionalidade ou de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
conforme o caso. Assim, requer-se o não-conhecimento deste mandamus por tal
circunstância, por falta de interesse de agir em razão da impropriedade da via eleita
e/ou por impossibilidade jurídica do pedido em razão de não se poder requerer a
nulificação de ato normativo em tese pela via mandamental.
Ademais, tem-se que não há direito líquido e certo a ser
amparado, pois, afinal de contas, que direito o partido-Impetrante acha que existiria no
caso concreto? Um pseudo “direito” a discriminar?! De que forma os filiados ao
partido-Impetrante estariam concretamente prejudicados pela Resolução n.º 175/2013
do Conselho Nacional de Justiça? Que direito é negado aos filiados do mesmo? Ora,
nenhum! Nada, absolutamente nada muda na vida dos filiados ao partido-
Impetrante ou na existência jurídica do mesmo, pois, como bem dito pelo Ministro
Ayres Britto no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, os heteroafetivos
nada perdem quando os homoafetivos ganham, razão pela qual requer-se a extinção
do feito, sem resolução de mérito, por ausência de direito líquido e certo a ser amparado.
Por outro lado, não convence a alegação de que teria sido
“violado” o direito do partido-Impetrante e/ou de seus afiliados pela Resolução não
ter sido objeto de devido processo legislativo. A uma porque o Conselho Nacional de
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Justiça tem efetiva competência para emitir a Resolução n.º 175/2013, como se verá
adiante, mas a outra (e agora refutando a alegação da petição inicial) porque o
Congresso Nacional não está impedido de deliberar sobre o tema, na medida em que
referida resolução não o proíbe de propor projetos de lei e/ou emendas
constitucionais e menos ainda de aprová-los(as). Logo, de todo improcedente a
alegação de “violação” de “direito líquido e certo” do Impetrante ou de seus
associados – até porque a petição inicial confessa que o partido-Impetrante não apoia
[sequer politicamente] o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo
sexo e que se oporá a toda e qualquer iniciativa favorável a ela, donde fácil concluir
que se insurgiria judicialmente inclusive contra leis ou emendas constitucionais que a
reconhecessem, criando alguma tese jurídica contra a mesma. A pré-compreensão
discriminatória do partido-Impetrante está, assim, confessa na petição inicial e isso deve
ser levado em conta por Vossas Excelências.
Outrossim, não há periculum in mora no presente caso, visto que
ninguém está sendo ou está em vias de ser prejudicado por conta da Resolução n.º
175/2013 do Conselho Nacional de Justiça. Assim, não está presente requisito
indispensável ao deferimento de medida liminar.
Mas, ultrapassadas as preliminares, tem-se que no mérito não
tem razão o Impetrante ao defender que o CNJ não teria legitimidade para expedir o
ato normativo em questão e, consequentemente, não tem razão ao defender que o CNJ
teria “usurpado a competência do Congresso Nacional”, senão vejamos:
3. DO MÉRITO.
3.1. Considerações Preliminares. STF, ADPF n.º 132 e ADI n.º 4277. Fundamento
principal e efeitos da decisão.
Como é notório, o Supremo Tribunal Federal julgou procedentes
a ADPF n.º 132 e a ADI n.º 4277 para o fim de reconhecer a união estável homoafetiva
como entidade familiar com igualdade de direitos relativamente à união estável
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heteroafetiva. Nas palavras da parte dispositiva da decisão de nossa Suprema Corte,
dotada de efeito vinculante e eficácia erga omnes (força de lei), trata-se de um
“Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e consequências da
união estável heteroafetiva”. Assim, sendo a possibilidade de conversão em
casamento uma das consequências da união estável heteroafetiva, tem-se que foi
reconhecido dito direito pela referida decisão e que o efeito vinculante da referida
decisão torna obrigatório o reconhecimento do direito ao casamento civil
homoafetivo, como se desenvolve pormenorizadamente adiante.
Sobre dita decisão, descabe discutir seu acerto, como faz o
Impetrante na petição inicial, até porque a decisão respeita a interpretação
sistemático-teleológica da Constituição Federal, como se demonstra no item 5 desta
manifestação – em apertadíssima síntese, pela ausência de proibição constitucional
(limites semânticos no texto) à união estável homoafetiva, o que caracteriza a
existência de uma lacuna normativa colmatável por interpretação extensiva ou analogia,
por força dos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da não-
discriminação e outros, trabalhados na citada decisão. Isso porque o fundamento
principal da decisão é o fato de a união duradoura, pública e contínua entre pessoas
do mesmo sexo formar uma família conjugal e ser esta o suporte fático, o fato
jurígeno, o elemento valorativamente protegido pelo regime jurídico da união
estável [e, acrescentamos, também do casamento civil], como muito bem
demonstrado, inclusive, no voto de Vossa Excelência, Ministro Fux, ao demonstrar o
enquadramento da união homoafetiva no conceito ontológico de família conjugal.
Assim, sendo a união estável homoafetiva uma família conjugal e inexistente
motivação lógico-racional que justifique sua discriminação relativamente à família
conjugal heteroafetiva, a interpretação sistemático-teleológica da Constituição
(princípios hermenêuticos da unidade, da concordância prática e da máxima
efetividade das normas constitucionais) demanda pelo reconhecimento da
possibilidade jurídica do reconhecimento da união estável homoafetiva, por
interpretação extensiva já que as situações são idênticas por ambas formarem uma
família conjugal, ou, no mínimo, por analogia caso se considere que haveria alguma
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“diferença” pelo simples fato de termos duas pessoas do mesmo sexo em um caso e
duas pessoas de sexos opostos em outro, já que equivalentes, por idênticas no
essencial, que é o fato de ambas formarem uma família conjugal (e não
vislumbramos “diferença” nisso da mesma forma que não vemos diferença nenhuma
em um casal de pessoas brancas relativamente a um casal de pessoas negras ou um
casal dito “inter-racial”, que era perseguido e discriminado décadas atrás, por
exemplo com a criminalização do casamento inter-racial nos EUA até o advento da
paradigmática decisão Loving vs. Virginia; cabendo destacar que entendimento em
sentido contrário geraria um conflito real entre normas constitucionais originárias, dada
a arbitrariedade da diferenciação entre uniões homoafetivas e heteroafetivas, donde
isto oporia o §3º do art. 226 da CF/88 aos princípios da igualdade e da dignidade da
pessoa humana, donde imperiosa a concordância prática dos dispositivos
constitucionais em questão para se estender a união estável a casais homoafetivos por
interpretação extensiva ou analogia, de sorte a se manter a harmonia sistêmica da
Constituição e, ainda, lhe garantir a maior efetividade possível, como exigem os
citados princípios hermenêuticos).
Desenvolvemos mais este tema no item 4.4 (páginas 41-45) desta
manifestação.
Pois bem.
Após a referida decisão, que tem, por assim dizer, força de lei
por conta de seu efeito vinculante e sua eficácia erga omnes, nenhum juiz ou tribunal
pode negar o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que,
salvo um absurdo caso de um juiz de Goiania que se negou a cumprir a decisão do
Supremo Tribunal Federal e que teve, corretamente, suas decisões cassadas pela
Corregedoria respectiva, não se tem notícia de nenhum caso de negativa de
reconhecimento de união estável a casais homoafetivos.
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Nesse contexto, após a referida decisão de nossa Suprema
Corte, diversos casais homoafetivos passaram a pleitear o reconhecimento de seu
direito de acessar o regime jurídico do casamento civil, tendo obtido êxito. Com
efeito, considerando que a parte final do artigo 226, §3º, da Constituição Federal
dispõe que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento civil, o que
foi reiterado pelo artigo 1.726 do Código Civil, e considerando que o Supremo
Tribunal Federal reconheceu que casais formados por pessoas do mesmo sexo
constituem uma união estável, referidos pleitos se baseiam em verdadeiro silogismo:
tendo-se como premissa maior a obrigatoriedade de o Estado possibilitar a conversão
da união estável em casamento civil e a afirmação do Supremo Tribunal Federal de
que as mesmas consequências da união estável heteroafetiva devem ser reconhecidas à
união estável homoafetiva; [tendo-se] como premissa menor o fato de a união
homoafetiva ter sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como união estável;
tais pleitos chegaram à conclusão de que a união estável homoafetiva deve poder ser
convertida em casamento civil.
Note-se, ainda, por oportuno, que a conclusão seria a mesma
ainda que se adotasse a (equivocada) posição de alguns de que o Supremo Tribunal
Federal teria reconhecido a “união contínua, pública e duradoura” entre pessoas do
mesmo sexo não como união estável, mas como uma entidade familiar autônoma com
igualdade de direitos relativamente à união estável heteroafetiva – ora, se à família
conjugal homoafetiva é garantida igualdade de direitos relativamente à união estável
heteroafetiva, sendo um direito desta a possibilidade de conversão em casamento civil,
esse direito deve, obrigatoriamente, ser garantido àquela por força do efeito vinculante
e da eficácia erga omnes da citada decisão do Supremo Tribunal Federal. Pelo mesmo
raciocínio, sendo um direito de casais heteroafetivos a possibilidade de casamento
civil direto, sem prévia união estável, referida igualdade demanda pelo
reconhecimento deste direito também a casais homoafetivos. Assim, sempre que se
falar em união estável homoafetiva, requer-se que se entenda por implícita a menção a
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esta tese subsidiária da entidade familiar autônoma com igualdade de direitos relativamente à
união estável heteroafetiva.
Ademais, como é igualmente notório, tivemos diversas decisões
proferidas por Juízes(as) de Direito, em sede administrativa na seara dos Registros
Públicos, tanto deferindo1 quanto indeferindo a conversão de uniões estáveis
homoafetivas em casamentos civis e mesmo de casamentos civis diretos, sem
necessidade de prévia união estável que lhes antecedesse. Pois bem. Nesse contexto
fático, fica evidente a verdadeira insegurança jurídica existente às cidadãs e aos
cidadãos em relações homoafetivas de nosso país, pois, na prática, o pedido tem se
encontrado dependente do entendimento pessoal de cada juiz e tribunal no
julgamento da questão administrativa aqui subjacente, relativa às Varas de Registros
Públicos que recebem procedimentos de dúvida sobre o tema. Tal situação tornava
realmente imperiosa a atuação do Conselho Nacional de Justiça para definir
definitivamente a questão, na medida em que a decisão do Supremo Tribunal
Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277 torna obrigatório o reconhecimento do
direito de casais homoafetivos ao casamento civil por ser esta uma das
consequências da união estável heteroafetiva (o que reconhece o direito de acesso ao
casamento civil a casais homoafetivos), o que transforma a questão em pura questão
administrativa, o que possibilita a atuação do Egrégio Conselho Nacional de Justiça
para disciplinar a questão e elaborar normatização geral e abstrata que torne
obrigatório aos Cartórios de Registro Civil a realização de casamentos civis
homoafetivos, tanto por conversão quanto, por instrumentalidade (cf. infra), de forma
direta, o que desde já se requer.
Ou seja, consoante a competência constitucionalmente atribuída
ao Conselho Nacional de Justiça pelo artigo 103-B, §4º e respectivos incisos
1 A pioneira, proferida pelo Juiz Fernando Henrique Pinto, da 02ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de
Jacareí/SP (disponível em http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1079.pdf), e a segunda, da Comarca de
Brasília/DF, proferida pela Juíza Junia de Souza Antunes, da 04ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de
Brasília/DF (disponível em http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1082.pdf), das quais se seguiram
diversas outras. Para estas e diversas outras, vide www.direitohomoafetivo.com.br (link
“Jurisprudência/Casamento”). Links citados acessados em 04.03.2013.
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(especialmente I e II), da Constituição Federal, tem-se que aquele Nobre Conselho
podia (e devia) elaborar normatização administrativa (ato regulamentar) determinando
a obrigatoriedade da conversão de união estável homoafetiva em casamento civil, bem
como de realização de casamento civil direto (sem necessidade de prévia união
estável). Afinal, sendo obrigatório o reconhecimento do direito ao casamento civil
homoafetivo por força do efeito vinculante da decisão do STF no julgamento da
ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, tem-se que o Conselho Nacional de Justiça tem
competência/legitimidade constitucional para expedir ato regulamentar de âmbito
nacional obrigando os Cartórios de Registro Civil e os(as) Juízes(as) de Registros
Públicos em geral a realizarem a conversão de união estável homoafetiva em
casamento civil e a celebrarem casamento civil homoafetivo diretamente, sem prévia
união estável. Este tema será retomado no item 4.3, infra, que traz precedente do
Supremo Tribunal Federal que autoriza a elaboração de atos regulamentares pelo
Conselho Nacional de Justiça (STF, MS n.º 27.621/DF, DJe de 11.05.2012).
Destaque-se que essa é a interpretação objetiva da parte
dispositiva da citada decisão, que tem força de lei. Assim, por força da conhecida
teoria objetiva da interpretação, interpretam-se textos, e não supostas “vontades” dos
elaboradores dos textos normativos. Ao menos desde Carlos Maximiliano isso deveria
ser inquestionável no Brasil. Logo, as mesmíssimas razões que justificam o
descabimento da busca de uma vontade subjetiva do legislador concreto igualmente
justificam o descabimento do que os Ministros desta Suprema Corte quiseram ou
deixaram de querer no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, visto que o
texto objetivamente considerado por interpretação da parte dispositiva da decisão
torna inquestionável, por verdadeiro silogismo (método lógico-dedutivo), que são
devidas as mesmas consequências da união estável heteroafetiva à união estável
homoafetiva, como o direito de acesso ao casamento civil.
Passemos, assim, a demonstrar pormenorizadamente as razões
que justificam legitimidade constitucional da Resolução n.º 175/2013 do Conselho
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Nacional de Justiça para garantir o direito ao casamento civil igualitário/casamento
civil homoafetivo.
4. DO DIREITO.
4.1. Casamento Civil Homoafetivo (Igualitário) como questão puramente
administrativa após a decisão da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277.
4.1.1. Conversão de União Estável Homoafetiva em Casamento Civil.
Como se sabe, nos termos do artigo 102, §2º, da Constituição
Federal, as decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de
constitucionalidade são dotadas de efeito vinculante e eficácia erga omnes, o que, na
prática, equivale a dizer que tais decisões possuem força de lei, não podendo ser
descumpridas por juízes e tribunais em geral (na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, tal previsão encontra-se no artigo 10º, §3º, da Lei n.º
9.882/1999, lei esta que regulamentou o respectivo artigo 102, §1º, da Constituição
Federal). Com isso em mente, analisemos o disposto na parte dispositiva da decisão
do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277:
Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do
Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica da
‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer
significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com
as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. [...] Os ministros desta Casa de
Justiça, ainda por votação unânime, acórdão em julgar procedentes as ações, com eficácia erga
omnes e efeito vinculante, com as mesmas regras e CONSEQUÊNCIAS da união estável
heteroafetiva, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questã,
independentemente da publicação do acórdão. [...] (grifos nossos)
Como se vê, a decisão determinou que a união estável
homoafetiva deve ter a si reconhecidas as mesmas consequências que se reconhece à
união estável heteroafetiva. Ora, sendo uma das consequências da união estável a
possibilidade de ser convertida em casamento civil, então é evidente que a união
estável homoafetiva deve poder ser convertida em casamento civil – afinal, trata-se
de uma união estável e/ou, enfim, uma família conjugal com igualdade de direitos
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com a união estável heteroafetiva, donde o direito à conversão da união em
casamento civil deve ser a ela reconhecido.
Sobre o tema, tem-se como paradigmáticas as decisões da 04ª e
da 05ª Varas de Famílias da Comarca de Brasília/DF, que aduziram que não existe
uma união estável homoafetiva e outra união estável heteroafetiva em termos de
regimes jurídicos distintos, pois a união estável é um regime jurídico uno que
abarca, igualmente, tanto a união homoafetiva quanto a união heteroafetiva. Vejamos
referidas decisões:
[...] Com a decisão prolatada o Supremo Tribunal Federal aboliu qualquer interpretação que
pretendesse diferenciar as relações homoafetivas das heteroafetivas, ressaltando que o instituto da
família abrange e protege ambas e, em consequência, concluiu que é possível a união estável
homoafetiva nos mesmos moldes em que ocorre a união estável heteroafetiva. [...] A união estável
não é um gênero que se subdividiria em união estável homoafetiva e união estável
heteroafetiva. Não existem espécies de união estável, seja a relação hetero ou homoafetiva
o instituto é uno, assim como seus requisitos são únicos, ou seja, uma vez configurada uma relação
duradoura, pública e contínua, com intuito de constituir família, é união estável, sem qualquer
distinção em relação à orientação sexual daqueles que a integram. Isso também importa
reconhecer que todos os efeitos e consequências previstos no instituto da união estável se
aplicam, indistintamente, a qualquer relação duradoura, pública e contínua, com intuito de
constituir família, entre duas pessoas. [...] Cediço que uma das consequências da união
estável é a sua conversão em casamento, conversão essa que deve ser facilitada, e é exatamente
isso que pretendem as requerentes através da presente ação. [...] Cumpre observar que, apesar da
proteção outorgada pela Constituição a esse novo conceito de família, ainda existem importantes
consequências a depender da espécie de entidade familiar formada. [...] Desse modo, há de se
reconhecer às requerentes o pleito de conversão em casamento, em obediência e prestígio à
decisão suprema, que deu uma interpretação conforme a Constituição ao artigo 1723 do Código
Civil, para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública
e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo
perfeito de ‘família’. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e mesmas
consequências da união estável heteroafetiva. [...] Desse modo, DECLARO a UNIÃO
ESTÁVEL existente entre [...] e, NA PRESENTE DATA, CONVERTO-A EM CASAMENTO [...]
(grifos nossos)
(TJDF/Brasília, Processo n.º 101695-7/2011, 04ª Vara de Famílias, Juíza Junia de Souza
Antunes, proferida em 28/06/2011 – decisão esta que, em outro trecho, citou artigo do
signatário sobre a ausência de fundamentação válida ante a isonomia a justificar a negativa
do casamento civil homoafetivo)
[...] Conforme lançado pela ilustre Juíza desta Corte, Dra. Junia de Souza Antunes, em julgamento
de caso idêntico (101.695-7/2011 – 4ª Vara de Família de Brasília), A união estável não é um gênero
que se subdividiria em união estável homoafetiva e união estável heteroafetiva. Não existem
espécies de união estável, seja a relação hetero ou homoafetiva o instituto é uno, assim como
seus requisitos são únicos, ou seja, uma vez configurada uma relação duradoura, pública e contínua,
com intuito de constituir família, é união estável, sem qualquer distinção em relação à orientação
sexual daqueles que a integram. Isso também importa reconhecer que todos os efeitos e consequências
previstos no instituto da união estável se aplicam, indistintamente, a qualquer relação duradoura,
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pública e contínua, com intuito de constituir família, entre duas pessoas’ Nos termos do
dispositivo da decisão do Supremo Tribunal Federal, o reconhecimento da união estável
homoafetiva ‘é de ser feito segundo as mesmas regras e mesmas consequências da união
estável heteroafetiva’. Logo, reconhecida a união estável homoafetiva, não há óbice à
conversão daquela em casamento, em conformidade com o disposto no art. 1.726 do Código
Civil, independentemente do ato de celebração (art. 232 do Provimento Geral da Corregedoria do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios). Essa conformação jurisprudencial exalta o
conceito contemporâneo de família assentado na afetividade entre os seus integrantes,
independentemente da formatação (heteroafetiva, homoafetiva, matrimonial, monoparental,
anaparental, pluriparental etc). Assim, mostrando-se legítimas as pretensões das requerentes,
na medida em que se apresentam conforme os preceitos constitucionais que vedam a
discriminação em razão do sexo e sobrelevam a dignidade da pessoa humana, e considerando
que, conforme exsurge das declarações das requerentes e das testemunhas, não estão presentes
nenhum dos impedimentos relacionados no art. 1.521 do Código Civil, bem como demonstrada a
convivência pública, contínua e duradoura desde 21 de julho de 2006, a procedência dos pedidos é
medida que se impõe. [...] Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos formulados na inicial
para: [...] CONVERTER, nesta data, a união estável das requerentes em casamento [...].
(grifos nossos)
(TJDF/Brasília, Processo n.º 2011.01.1.145424-4, 05ª Vara de Famílias, Juiz Josmar Gomes de
Oliveira, proferida em 28/06/2011)
Assim, percebe-se que a possibilidade de conversão da união
estável homoafetiva em casamento civil é obrigatória por ser uma decorrência lógica
do efeito vinculante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na
ADI n.º 4277 – e, se é obrigatória, não pode ser descumprida em hipótese alguma,
donde se caracteriza como uma questão puramente administrativa e afasta a
necessidade de uma lei em sentido estrito para autorizá-la2 (cf. item 4.3, infra).
Desnecessária lei em sentido estrito criando norma jurídica autorizadora do
casamento civil homoafetivo porque dita norma jurídica já foi criada pela força de
lei da decisão da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, que reconheceu o direito de casais
homoafetivos ao casamento civil por ser esta uma das consequências da união
estável heteroafetiva.
Em outras palavras: se a possibilidade de conversão de união
estável homoafetiva em casamento civil é obrigatória, então torna-se desnecessária
uma lei formal do Parlamento que crie a norma jurídica autorizadora de dita
conversão, pois a força de lei da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º
2 Cf. VECCHIATTI Paulo Roberto Iotti. Possibilidade de Conversão de União Estável Homoafetiva em
Casamento Civil. Elaborado em 26 set. 2011. Disponível em:
www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/29159 (último acesso em 04/04/13) e
http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/767 (último acesso em 03/03/2013).
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132 e na ADI n.º 4277 já criou dita norma jurídica, o que torna o tema puramente
administrativo e, assim, passível de regulamentação pelo Conselho Nacional de
Justiça. Ora, se a decisão desta Suprema Corte não pode ser descumprida e se dita
decisão torna obrigatória a conversão da união estável homoafetiva em casamento
civil, tem-se que o Conselho Nacional de Justiça pode perfeitamente deixar expressa
esta obrigatoriedade claramente decorrente de puro silogismo da citada decisão desta
Suprema Corte.
Afinal, nos termos de parecer elaborado pelo signatário e
publicado em setembro/2011 (poucos meses após a decisão do STF na ADPF n.º 132 e
na ADI n.º 4277), “do ponto de vista puramente formal, o art. 226, §3º, da CF/88
determina obrigatoriamente a possibilidade da conversão da união estável em casamento
civil, donde reconhecida a união homoafetiva como união estável, tem-se ORDEM
CONSTITUCIONAL obrigando a possibilidade de sua conversão em casamento civil.
Logo, devido ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da união homoafetiva como
união estável constitucionalmente protegida e merecedora de absoluta igualdade
relativamente à união estável heteroafetiva (consoante voto do Min. Ayres Britto), os
cartórios de registro civil são obrigados a permitir a conversão da união estável
homoafetiva em casamento civil a todos os casais homoafetivos que o desejarem”3 –
acrescentando-se adiante (no citado parecer) que, do ponto de vista material, não faz
sentido jurídico nenhum reconhecer a união homoafetiva como família conjugal para
fins de reconhecimento de sua união estável mas não reconhece-la como família
conjugal para fins de casamento civil, pois, sendo a família conjugal o fato
jurígeno/suporte fático/elemento valorativamente protegido por casamento civil e
união estável, tem-se que o reconhecimento da união homoafetiva como família
conjugal [como reconhecido pelo STF] implica necessariamente o reconhecimento de
seu direito de acesso tanto ao casamento civil quanto à união estável.
3
Cf. VECCHIATTI Paulo Roberto Iotti. Possibilidade de Conversão de União Estável Homoafetiva em
Casamento Civil. Elaborado em 26 set. 2011. Disponível em:
www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/29159 (último acesso em 04/04/13) e
http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/767 (último acesso em 03/03/2013).
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No mesmo sentido, a lição de Maria Berenice Dias, segundo a
qual “atendidos os requisitos legais para a configuração da união estável, não há como impedir
a sua conversão em casamento, sob pena de desrespeitar o efeito vinculante do decidido pela
Corte Suprema”4.
Nesse sentido, já têm decidido o Tribunal de Justiça de São
Paulo5 e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro6, ambos em decisões de natureza
administrativa, na seara dos Registros Públicos. Dessa forma, como bem dito pela
juíza Rafaela de Melo Rolemberg, da Comarca de Guarulhos/SP7, “perfeitamente
aplicável o art. 1.726 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual os conviventes podem
requerer a conversão da união estável em casamento, mediante pedido ao juiz para posterior
assento no Registro Civil da Circunscrição de seus domicílios”, especialmente porque
“conferir tratamento isonômico à união estável entre pessoas do mesmo sexo nada mais é do que
efetivar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade e da promoção
do bem de todos sem discriminação ou preconceito”, discriminação preconceituosa esta que
ocorreria caso se negasse o acesso ao casamento civil a casais homoafetivos, pela
flagrante arbitrariedade anti-isonômica de uma tal postura.
Ora, se a decisão do Supremo Tribunal Federal não pode ser
descumprida em hipótese alguma, então o Conselho Nacional de Justiça tem a
prerrogativa/possibilidade (PODER-DEVER) de determinar, por norma
administrativa, que juízes(as) e tribunais em geral não a descumpram.
Nesse sentido, a decisão do Conselho Superior da Magistratura
do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se acabou de citar:
4 DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva. O Preconceito & a Justiça, 5ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 139.
5 Cf. Apelações Cíveis n.º 0034412-55.2011.8.26.0071, 0001093-72.2011.8.26.0564, 0001545-82.2011.8.26.0564, 0004335-
34.2012.8.26.0037 e 0000050-38.2011.8.26.0326, julgadas conjuntamente no dia 31.05.2012.
6 Cf., v.g., Apelação Cível n.º 0007252-3535.2012.8.19.0000.
7 Processo n.º 224.01.2011.081916-6. Disponível em
http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1173__e7e3849c6597f3d112f3e71c44ff6efd.pdf (acesso em
04.03.2013).
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[...] A partir da sinalização das Cortes Superiores, inúmeras as decisões amparadas e
fundamentadas nesses julgados. Inclusive em São Paulo. Se, na via administrativa, fosse
alterada essa tendência, o Judiciário se veria invocado a decidir, agora na esfera
jurisdicional, matéria já sacramentada nos Tribunais com jurisdição para todo o
território nacional. Como servos da Constituição – interpretada por aquele Colegiado
que o pacto federativo encarregou guardá-la – os juízes e órgãos do Poder Judiciário não
podem se afastar da orientação emanada em caráter definitivo pelo STF. É por isso que,
doravante, os dispositivos legais e Constitucionais relativos ao casamento e à união
estável não podem mais ser interpretados à revelia da nova acepção jurídica que lhes
deram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. [...] (grifos nossos)
Sobre o tema, tanto é uma consequência lógica da decisão do
Supremo Tribunal Federal a possibilidade de conversão de união estável homoafetiva
em casamento civil quanto do próprio casamento civil direto que mesmo Lenio Luiz
Streck, que, equivocadamente, diz que não se poderia reconhecer a união homoafetiva
como união estável reconhece que a decisão do STF deve ser cumprida e que isso
significa reconhecer o direito de casais homoafetivos terem acesso ao casamento
civil, por ser isto uma decorrência lógica de tal decisão. Ou seja, mesmo discordando
da decisão do STF (no que se equivoca), Streck reconhece que a decisão confere o
direito à conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, que é justamente
a neutralidade possível que se exige do intérprete (concorde-se ou não com ela, deve-
se cumprir a decisão)8.
8 STRECK, Lenio Luiz. e LIMA, Rogério Montai de.
O direito de conversão da união estável em casamento nas relações homoafetivas. Disponível em
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI137382,41046-
O+direito+de+conversao+da+uniao+estavel+em+casamento+nas+relacoes (acesso em 15/09/2011). No trecho
essencial: “Analisando a parte dispositiva do voto matriz e de relatoria, os efeitos deste reconhecimento não se prestaram tão
somente ao exercício da nomenclatura união estável àqueles que se encontram nesta condição, mas também, óbvio, a eles se
garantiu os mais (e todos) fundamentais efeitos tais como recebimento de pensão e herança, partilha de bens, adoção,
mudança de nome e, em especial o direito da conversão ao casamento civil, objeto mais apurado de defesa deste artigo.
Mesmo que no voto relator não haja expressa menção sobre o detalhamento da extensão dos direitos garantidos
pelo reconhecimento mencionado, por uma interpretação mais acurada dos efeitos do que foi decidido é nítida a
possibilidade para a conversão do casamento civil entre homossexuais companheiros, segundo as mesmas regras e
com as mesmas consequências de uma relação heterossexual. [...] A tese vencedora que exsurgiu do plenário do STF
fundamentou-se, em especial, nos princípios da igualdade, liberdade, dignidade e privacidade. Uma leitura, mesmo
que superficial, aponta para a possibilidade da conversão da união estável em casamento igualitário. De toda sorte,
como já dissemos anteriormente, não se pretende discutir erros ou acertos do que decidiu o STF, mas, uma vez reconhecido
que a união estável também se aplica a casais de sexo idêntico, não seria lógico impor restrições aos direitos
provenientes do instituto. Logo, perfeitamente possível a aplicação do art. 1726 do CC, podendo os conviventes, de
comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz para posterior assento no Registro Civil da Circunscrição de seus domicílios, até porque a Constituição,
nos moldes construídos no interior daquilo que denominamos de Constitucionalismo Contemporâneo é a manifestação do grau
de autonomia do direito e a partir da hermenêutica filosófica, é perfeitamente possível alcançar uma resposta
constitucionalmente adequada – a partir do exame de cada caso”. Grifos nossos.
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Reitere-se, por oportuno, que mesmo que se entenda
(equivocadamente) que o Supremo Tribunal Federal não teria reconhecido a “união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo” como união estável, mas
como entidade familiar autônoma com igualdade de direitos relativamente à união
estável heteroafetiva, ainda assim a conclusão teria que ser a mesma, visto que, sendo
um direito das pessoas em união estável heteroafetiva a possibilidade de conversão de
tal união em casamento civil, a igualdade de direitos imposta pelo Supremo Tribunal
Federal demanda pelo reconhecimento deste direito da família conjugal heteroafetiva à
família conjugal homoafetiva. Se a regra de ouro é a igualdade, então casais formados
por pessoas do mesmo sexo devem ter a si reconhecido o direito de conversão de sua
união estável em casamento civil por este ser um direito de casais formados por
pessoas de sexos opostos. Não há outra conclusão possível.
Esclareça-se, de qualquer forma, que evidentemente o Supremo
Tribunal Federal reconheceu a “união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo” como união estável, pois, do contrário, não faria sentido o Tribunal falar,
na parte dispositiva da decisão, em união estável heteroafetiva. Ora, ao falar em união
estável heteroafetiva, evidentemente ele reconheceu a existência da união estável
homoafetiva (do contrário, não teria usado o adjetivo na parte dispositiva da decisão)
– e, por outro lado, “união contínua, pública e duradoura” é o conceito legal da união
estável, razão pela qual o enquadramento da união homoafetiva, pelo Supremo
Tribunal Federal, como uma tal união significa que ele a conceituou como união
estável. Nesse sentido, o artigo 1.723 do Código Civil, que teve a si interpretação
conforme à Constituição pelo STF no citado julgamento, regulamenta a união
estável, donde o afastamento de interpretações preconceituosas ou discriminatórias do
mesmo, como afirmado na parte dispositiva da decisão, evidentemente implica no
reconhecimento de que a união homoafetiva se enquadra no conceito de união
estável, que é passível de conversão em casamento (CC 1.726)9 (donde vencido o
9 Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento
Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, pp.
XLIV e 478. No mesmo sentido: BRANDELLI, Leonardo. Nome Civil da pessoa natural, 1ª Edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 2012, p. 190, segundo o qual “Entendeu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação direta de
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Ministro Lewandowski na parte em que, por originalismo interpretativo, entendeu
equivocadamente que não seria possível o reconhecimento de uma “união estável
homoafetiva”10, embora tenha reconhecido corretamente o caráter exemplificativo do
rol de famílias do artigo 226 da Constituição para, com base nisso, reconhecer a “união
homoafetiva estável” como família conjugal; vencido porque somente ele fez uma tal
ressalva; bem como vencidos ele e os Ministros Gilmar Mendes e Peluso nas reservas
que fizeram em seus votos relativamente ao tema do casamento civil homoafetivo, já
que os demais Ministros não fizeram tais ressalvas11). Essa é a posição aqui
defendida, embora, subsidiariamente, se defenda que, caso esta Suprema Corte
(equivocadamente) assim não pense, a outra possibilidade leva à mesma conclusão:
obrigatoriedade da possibilidade de conversão da “união contínua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo” ao regime jurídico do casamento civil. Logo,
sempre que se falar em união estável homoafetiva, entenda-se implícita a menção a
esta tese subsidiária da entidade familiar autônoma com igualdade de direitos
relativamente à união estável heteroafetiva.
Assim, deverá ser reconhecida a obrigatoriedade do deferimento
de pedidos de conversão em casamento civil de união estável homoafetiva ou,
subsidiariamente, de união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo
sexo, o que desde já se requer.
inconstitucionalidade n. 4277 e da arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 132, pela possibilidade jurídica da
união estável homoafetiva diante da impossibilidade constitucional de discriminação ou desigualação em razão do sexo, na
qual implicaria uma interpretação de que o art. 226 da Carta Maior somente permit[iria] a união estável entre homem e
mulher”.
10 Ademais, com a devida venia ao Ministro Lewandowski, equivocado ele ao falar em limites objetivos do Direito
posto para se opor ao cabimento da analogia para reconhecer a união estável homoafetiva pois não existem limites
“objetivos” no Direito “posto” neste caso concreto – ele vislumbrou uma espécie de “limite constante da vontade do
legislador constituinte”, não um limite objetivo do Direito posto, que só existe quando a letra do texto normativo
traz expressamente tal limite, que notoriamente inexiste pelo fato de não estar escrito na Constituição que é
reconhecida a união estável “apenas” entre homem e mulher, o que caracteriza uma lacuna normativa colmatável
por interpretação extensiva ou analogia, como defendido nesta peça e naquele julgamento.
11 Desenvolvemos estas críticas em nosso VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da
Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição,
São Paulo: Editora Método, 2013, Capítulo 13, item “6. ADPF 132 e ADI 4.277. O histórico reconhecimento do status
jurídico-familiar da união homoafetiva”, que analisa todos os votos da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, ao tratarmos
dos votos dos Ministros Lewandowski, Gilmar Mendes e Peluso relativamente a tais ressalvas, afirmando que
ficaram vencidos neste ponto pelo fato dos demais Ministros não terem feito tais ressalvas.
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4.1.2. Casamento Civil Direto, sem prévia necessidade de união estável que lhe
anteceda.
Como visto, a possibilidade de conversão de união estável
homoafetiva em casamento civil é uma decorrência obrigatória do efeito vinculante da
decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277, já que esta é
uma das consequências da união estável heteroafetiva e ter a parte dispositiva de dita
decisão, que tem força de lei, determinado que todas as consequências de tal união
sejam possibilitadas à união estável homoafetiva, o que, por silogismo, leva à
conclusão da possibilidade de conversão da união estável homoafetiva em casamento
civil.
Logo, o direito de casais homoafetivos ao casamento civil é
uma decorrência lógica da citada decisão do Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, seria um profundo contrassenso não se permitir
o casamento civil direto, sem prévia necessidade de união estável que lhe
antecedesse, ao mesmo tempo em que o casamento civil por conversão de prévia
união estável é obrigatório. Ora, isso implicaria dizer que a união homoafetiva
necessitaria de uma espécie de “estágio probatório” para poder ser merecedora de
ser consagrada pelo casamento civil sem que isso fosse exigido da união
heteroafetiva, já que àquela só se permitiria tal consagração caso caracterizada como
união estável enquanto tal não seria exigido desta...
Como salta aos olhos, uma tal posição anacrônica violaria
frontalmente o princípio da isonomia, dada a absoluta ausência de qualquer
motivação lógico-racional que justificasse uma tal diferenciação com base no critério
diferenciador erigido – e, como se sabe, as diferenciações juridicamente válidas são
somente aquelas pautadas em um tal fundamento lógico-racional que lhes justifica
com base no critério diferenciador erigido.
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Nesse sentido12:
[...] não há fundamento válido ante a isonomia para justificar o tratamento desigual da
união estável homoafetiva relativamente à união estável heteroafetiva, ante a ausência de
fundamentação lógico-racional que justifique a discriminação pretendida (negativa de
conversão em casamento civil) com base no critério diferenciador erigido
(homogeneidade/diversidade de sexos do casal)13. Com efeito, no mundo inteiro, são
apresentadas sempre as mesmas “razões” para se negar o direito de casais homoafetivos de
acesso ao casamento civil: capacidade procriativa, vontade da maioria e religião. Contudo:
(i) a capacidade procriativa não é critério diferenciador, na medida em que casais
heteroafetivos estéreis, que não a possuem, não são impedidos de se casar e não deixam de
ser reconhecidos enquanto família conjugal por sua mera esterilidade, razão pela qual a
invocação da capacidade procriativa para impedir o acesso de casais homoafetivos ao
casamento civil implica na adoção de dois pesos e duas medidas para a mesma situação
(casais estéreis nos dois casos, sendo irrelevante a esterilidade ser decorrente da
homogeneidade de sexos ou de problemas genético-biológicos de um ou ambos os
integrantes do casal heteroafetivo, pois se o critério for a “capacidade procriativa”, então
não é relevante a origem da incapacidade procriativa, sendo relevante apenas a sua
existência no caso concreto). Logo, ante a não-proibição do casamento civil entre casais
heteroafetivos estéreis, tem-se que a capacidade procriativa não é critério diferenciador
(mesmo porque tal “critério” seria inconstitucional por afronta aos princípios da dignidade
da pessoa humana e da isonomia, visto que estaria negando igual dignidade, respeito e
consideração jurídica a famílias conjugais por sua mera esterilidade, que é irrelevante por
ser a família conjugal formada pelo amor romântico que vise a uma comunhão plena de
vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura/amor familiar, não pela
capacidade procriativa do casal);
(ii) voluntarismo majoritário não é critério válido de discriminação, ante ser basilar na
teoria constitucional que mesmo a maioria deve se submeter às normas constitucionais
12 Cf. VECCHIATTI Paulo Roberto Iotti. Possibilidade de Conversão de União Estável Homoafetiva em
Casamento Civil. Elaborado em 26 set. 2011. Disponível em:
www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/29159 (último acesso em 04/04/13) e
http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/767 (último acesso em 03/03/2013). Notas da transcrição
constantes do original.
13 Como se sabe, a discriminação juridicamente válida existe apenas quando leis diferenciadoras abranjam pessoas
indeterminadas e indetermináveis no momento da eleição do critério desigualador, que a desigualação seja uma
decorrência lógico-racional do critério diferenciador erigido e que dita discriminação, por mais lógico-racional que
seja, seja decorrente dos valores constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, a clássica lição de Celso Antonio
Bandeira de Mello em MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª
Edição, 11ª Tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003. Ademais, sabe-se igualmente que há um ônus
argumentativo para aquele que pretende o tratamento diferenciado, cabendo a tal pessoa comprovar a pertinência
lógico-racional do tratamento diferenciado e sua coerência com os valores constitucionalmente consagrados. Nesse
sentido: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva, 5a Edição
Alemã, 1a Edição Brasileira, São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 407-409; RIOS, Roger Raupp. O Princípio da
Igualdade e a Discriminação por Orientação Sexual: a Homossexualidade no Direito brasileiro e Norte-Americano,
Porto Alegre: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 53-54, que bem sintetiza a lição de Alexy na obra citada com
a seguinte lição: “Somente diante de uma razão suficiente para a justificação do tratamento desigual, portanto, é que não
haverá violação do princípio da igualdade. Ora, a suficiência ou não da motivação da diferenciação é exatamente um problema
de valoração. Neste quadro, ante a inexistência de uma razão suficiente, a máxima da igualdade ordena um tratamento igual;
para tanto expressar, Alexy assim formula, de modo mais preciso, a máxima de igualdade: ‘Se não há nenhuma razão
suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento igual’. Inexiste razão
suficiente sempre que não for alcançada fundamentação racional para a instituição da diferenciação; este dever de
fundamentação impõe uma carga de argumentação para que se justifiquem tratamentos desiguais. [...]” (grifos nossos)
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enquanto não alterá-las ou convocar nova constituinte para suprimi-las caso se tratem de
cláusulas pétreas, bem como que os direitos fundamentais têm a função de proteger as
minorias dos desmandos despóticos da maioria, donde a maioria não tem o direito de
negar direitos fundamentais a uma minoria, como bem ressaltado nos votos dos Ministros
Celso de Mello14 e Marco Aurélio15 no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADIn n.º 4277, o
primeiro destacando a proteção das minorias por intermédio dos direitos fundamentais
contra voluntarismos majoritários como condição indispensável para o respeito a uma
concepção material de democracia constitucional ante o necessário coeficiente de
legitimidade jurídico-democrática. Mesmo porque, como bem decidido pela Suprema
Corte dos EUA nos casos Romer vs. Evans e Lawrence vs. Texas, o mero moralismo
majoritário não constitui uma base racional para justificar discriminações jurídicas, visto
que a mera antipatia contra determinado grupo ou o mero desejo (“animus”) de prejudicá-
lo não constitui fundamento lógico-racional que justifique o tratamento diferenciado, visto
não estar relacionado com nenhum bem constitucionalmente reconhecido. Assim,
considerando que a união homoafetiva constitui uma família conjugal, que ela foi assim
14 Ministro Celso de Mello: “É evidente que o princípio majoritário desempenha importante papel no processo decisório
que se desenvolve no âmbito das instâncias governamentais, mas não pode legitimar, na perspectiva de uma concepção
material de democracia constitucional, a supressão, a frustração e a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre
exercício da igualdade e da liberdade, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o Estado democrático
de direito. Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição
constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de
que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos
mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que identificam os grupos minoritários
expostos a situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição, tornam-se
objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão. Na realidade, o tema da preservação e do
reconhecimento dos direitos das minorias deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais alto relevo, a agenda
desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e de
zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram fundamento legitimador no próprio
estatuto constitucional. Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico, proteção às minorias e aos
grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado
Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte, quando grupos majoritários, por
exemplo, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a frustrar o exercício, por
organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional (MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO
– MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 26.441/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). [...] A opção do
legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação
retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa
organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma
teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos
majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. Desse modo, e para que o regime
democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente conceitual ou simplesmente formal, torna-se
necessário assegurar, às minorias, notadamente em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que
lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos fundamentais que a todos, sem distinção, são assegurados. Isso
significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo compatível com os fundamentos estruturantes da própria
ordem democrática (CF, art. 1º, V), que se impõe a organização de um sistema de efetiva proteção, especialmente no plano da
jurisdição, aos direitos, liberdades e garantias fundamentais em favor das minorias, quaisquer que sejam, para que tais
prerrogativas essenciais não se convertam em fórmula destituída de significação, o que subtrairia – consoante adverte a
doutrina (SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA, “Fundamentos de Direito Constitucional”, p. 161/162, item n. 602.73,
2004, Saraiva) – o necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática ao regime político vigente em nosso País”
(grifos do original).
15 Ministro Marco Aurélio: “No mais, ressalto o caráter tipicamente contramajoritário dos direitos fundamentais. De nada
serviria a positivação de direitos na Constituição, se eles fossem lidos em conformidade com a opinião pública
dominante. Ao assentar a prevalência de direitos, mesmo contra a visão da maioria, o Supremo afirma o papel crucial de
guardião da Carta da República, como o fez no julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703, relatado pelo Ministro
Gilmar Mendes, quando declarou a inconstitucionalidade da aplicação da ‘Lei da Ficha Limpa’ às eleições de 2010, por
desarmonia com o disposto no artigo 16 da Carta Federal. Assim já havia procedido em outras oportunidades, tal como na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.351/DF, de minha relatoria, relativamente aos pequenos partidos políticos, no célebre caso
‘Cláusula de Barreira’” (grifo nosso).
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reconhecida pelo STF16 e considerando que a família conjugal constitui o objeto de
proteção valorativamente protegido pelo regime jurídico do casamento civil, tem-se que
a vontade homofóbica de uma eventual maioria que venha a se opor ao casamento civil
homoafetivo não configura critério válido de discriminação, donde o argumento é
inaceitável para tal fim. A opinião da maioria da população torna-se irrelevante a partir do
momento em que se conclui que a interpretação do ordenamento jurídico-constitucional
demanda pela aplicação da interpretação extensiva ou da analogia para estender os
regimes jurídicos do casamento civil e da união estável aos casais homoafetivos, pois, como
se sabe, o princípio do Estado de Direito significa que vivemos em um governo de leis e não
de Homens – para usar a expressão consagrada (ainda que sejam leis interpretadas por
Homens) –, o que significa que o ordenamento jurídico se aplica a todos indistintamente,
mesmo às maiorias, que a ele tem que se submeter. Isso não afronta a democracia porque
esta é atualmente entendida como o regime jurídico de defesa dos direitos fundamentais,
não como despotismo das maiorias. Se estas não mais concordam com o ordenamento
jurídico, que o alterem ou convoquem uma nova Constituinte se a questão versar sobre
cláusulas pétreas – assumindo os riscos e consequências dessa atitude. Mas o governo de leis
significa que não é a conveniência e/ou a arbitrariedade da maioria que vai determinar as
regras de convivência social: isso é determinado pelas normas jurídicas, donde estas se
aplicam mesmo contra a vontade majoritária17. Logo, a partir do momento em que a família
16 Sobre o tema, é paradigmático o voto do Ministro Luiz Fux, senão vejamos: “O que faz uma família é, sobretudo, o
amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e
suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo,
permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à
existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a
sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional. [...] Pois
bem. O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas?
Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que
criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como
integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: Nada as distingue. Assim
como companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e apoiam-se emocional e financeiramente; vivem
juntos as alegrias e dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum. Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e
união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés,
entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família,
merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos. [...] É certo que o ser
humano se identifica no agrupamento social em que vive, desde a sua célula mais elementar: a família. Permitir ao indivíduo
identificar-se publicamente, se assim o quiser, como integrante da família que ele mesmo, no exercício da sua autonomia, logrou
constituir, é atender ao princípio da dignidade da pessoa humana; permitir ao homossexual que o faça nas mesmas condições
que o heterossexual é observar o mesmo respeito e a mesma consideração – é atender à igualdade material consagrada na
Constituição. [...] A aplicação da política de reconhecimento dos direitos dos parceiros homoafetivos é imperiosa, por admitir a
diferença entre os indivíduos e trazer para a luz relações pessoais básicas de um segmento da sociedade que vive
parte importantíssima de sua vida na sombra. Ao invés de forçar os homossexuais a viver de modo incompatível com sua
personalidade, há que se acolher a existência ordinária de orientações sexuais diversas e acolher uma pretensão legítima
de que suas relações familiares mereçam o tratamento que o ordenamento jurídico confere aos atos da vida civil praticados de
boa-fé, voluntariamente e sem qualquer potencial de causar dano às partes envolvidas ou a terceiros. Ressalte-se este último
ponto: uma união estável homoafetiva, por si só, não tem o condão de lesar a ninguém, pelo que não se justifica qualquer
restrição ou, como é ainda pior, a limitação velada, disfarçada de indiferença”. (grifos do original)
17 Ou seja, se a interpretação jurídica aponta para uma solução e a vontade majoritária para outra, há de prevalecer
a interpretação jurídica, sob pena de afronta ao princípio do Estado de Direito, o que significa ser irrelevante a
inexistência de consenso popular sobre a conclusão da decisão judicial. Esta deve se pautar exclusivamente na
interpretação dos enunciados normativos constantes do ordenamento jurídico (às normas a eles explícitas ou
implícitas) e em nada mais. Aliás, essa é a lógica do princípio da separação dos poderes, que desde Montesquieu se
pauta na lógica dos freios e contrapesos, no sentido de que um Poder deve controlar eficazmente o outro;
cumprindo lembrar que o próprio Montesquieu já falava que “Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela
disposição das coisas, o poder freie o poder” (MONTESQUIEU. O Espírito das Leis, Tradução de Edson Bini, 1a Edição,
São Paulo: Editora Edipro, 2004, p. 189). “E mesmo Montesquieu não entendia esta separação como um fim em si mesma,
mas como algo útil à sua concepção de separar para limitar” (PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de
Injunção, 1a Edição, São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 107). Nesse sentido, o Judiciário controla o Legislativo por ser
ele quem dá a palavra final sobre a interpretação dos enunciados normativos vigentes no país; por sua vez, o
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conjugal contemporânea forma-se pelo amor familiar (amor romântico que vise a uma
comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura18), que é o
elemento valorativamente protegido pelas leis do casamento civil e da união estável, assim
como considerando que as uniões homoafetivas são pautadas por este amor familiar que
justifica a proteção do Direito das Famílias às uniões heteroafetivas, então a isonomia
impõe a aplicação da interpretação extensiva ou analogia19 para possibilitar o casamento
civil e a união estável a casais homoafetivos, ante a ausência de motivação lógico-racional
que justifique entendimento contrário (interpretação extensiva por considerarmos as
situações idênticas, por ambas formarem família conjugal, mas caso se considere que o fato
de termos duas pessoas do mesmo sexo em um caso e duas pessoas de sexos diversos em
outro uma “diferença”, cabível então a analogia por ser a família conjugal o fato
valorativamente protegido também pelo casamento civil – ou seja, por ser aquilo que é
essencial ao mesmo). Goste ou não a maioria, isto é o que o Direito pátrio impõe20 através
Legislativo controla o Judiciário mediante a alteração dos enunciados normativos quando a interpretação do
Judiciário não lhe agrade – e, se o dispositivo constitucional for uma cláusula pétrea, a maioria pode perfeitamente
convocar uma nova Constituinte para que a nova Constituição seja elaborada da forma que melhor lhe convenha,
assumindo os riscos inerentes à elaboração de uma nova Constituição, como a ausência de limites para alterações
(risco este que não resta afastado, mas agravado, com a admissão da alteração das próprias cláusulas pétreas pela
inaceitável tese da dupla reforma, que acaba por permitir o mesmo risco de ausência de limites para alterações ao
propugnar pela possibilidade de se alterar o artigo que estabelece as cláusulas pétreas para, posteriormente, alterá-
las, o que claramente afronta a ratio constitucional de eternidade das cláusulas pétreas, pois a imutabilidade do
dispositivo que enuncia o caráter pétreo de outras cláusulas constitucionais é uma norma claramente implícita ao
mesmo, pela obviedade segundo a qual, do contrário, de imutáveis as cláusulas pétreas nada terão. É uma questão
de pura lógica). Essa é a lógica do princípio da separação dos poderes, que é relevante para este caso justamente para
demonstrar que a vontade majoritária deve ser irrelevante à interpretação jurídica, pois a vontade majoritária
encontra-se representada pelo Legislativo, que pode controlar a interpretação atribuída aos enunciados normativos
pelo Judiciário pela forma supra exposta, razão pela qual afigura-se absolutamente descabido afirmar que as
decisões judiciais deveriam ser precedidas de consenso popular.
18 O elemento formador da família contemporânea é o amor familiar, a saber, o amor que vise a uma comunhão
plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura (amor romântico-familiar, no caso da família
conjugal), conforme VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do
Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 1ª Edição, São Paulo: Editora Método,
2008, pp. 196-211 (“2.4.1. O Amor Familiar como o Elemento formador da Família Contemporânea”). Sobre o tema, vide a
excelente lição de RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado, 2001, pp. 103-105, que explica a superação da opressora família hierárquico-patriarcal [na qual o homem
mandava despoticamente na sociedade conjugal heteroafetiva], sua evolução para a família fusional [que se forma e
se mantém apenas se houver afeto romântico na relação conjugal] e a chegada da família pós-moderna, do século
XXI, na qual as relações se pautam muito mais na solidariedade e no afeto do que na mera função procriativa da
família [família eudemonista, a que se forma e se mantém unicamente se isto trouxer felicidade aos seus membros].
Evidentemente, Maria Berenice Dias merece especial menção, que consagrou a concepção de família afetiva no
Direito Brasileiro mediante a cunhagem do termo homoafetividade para destacar o status jurídico-familiar da união
homoafetiva em sua obra atualmente nominada DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva. O Preconceito & a
Justiça, 4ª Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2009.
19 Quanto à definição da interpretação extensiva e sua diferença da analogia, cite-se a saudosa lição de Miguel
Reale: “[...] o pressuposto do processo analógico é a existência reconhecida de uma lacuna na lei [ao passo que] Na
interpretação extensiva, ao contrário, parte-se da admissão de que a norma existe, sendo suscetível de ser aplicada ao caso,
desde que estendido o seu entendimento além do que usualmente se faz. É a razão pela qual se diz que entre uma e outra há um
grau a mais na amplitude do processo integrativo”. (REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, 27ª Edição, 4ª
tiragem, São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 298 – grifos nossos). Considera-se aqui que união homoafetiva e união
heteroafetiva são idênticas, por serem ambas famílias conjugais por pautadas pelo amor familiar; mas, caso se
considere que haveria alguma “diferença” entre ambas, então cabível analogia por serem idênticas no essencial,
justamente por serem ambas famílias conjugais por pautadas pelo amor familiar.
20 Como demonstrado, o princípio do Estado de Direito significa que vivemos sob a égide de um governo de leis e não
de Homens, donde a vontade majoritária não deve ter nenhuma influência na interpretação jurídica. Se a evolução
da racionalidade humana enseja uma drástica mutação normativa (mudança na interpretação do mesmo enunciado
normativo, amplamente reconhecido na teoria constitucionalista pela aceitação uníssona do fenômeno da mutação
constitucional), isso não significa que a maioria da sociedade tenha que isto aceitar. Quando a doutrina
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dos direitos fundamentais à igualdade e ao respeito de sua dignidade conferidos a todos
os cidadãos brasileiros, inclusive aos cidadãos homossexuais. Trata-se de uma questão de
direitos fundamentais que, enquanto vigentes em nosso ordenamento jurídico-
constitucional, encontra-se fora do alcance de deliberações majoritárias21;
(iii) motivos religiosos igualmente não são argumentos juridicamente aceitáveis por força
do princípio da laicidade estatal, que veda a utilização de argumentos religiosos para
fundamentar decisões jurídicas, pois tal utilização caracterizaria “aliança” com a religião
em questão, algo vedado expressamente pelo art. 19, inc. I, da CF/88 – cumprindo lembrar
que nenhuma instituição religiosa será obrigada a celebrar casamentos homoafetivos por
estarmos tratando aqui de casamento civil, não de casamento religioso – cabendo anotar
que o STF, no julgamento da ADIn n.º 2.076, deixou expresso que a expressão “sob a
proteção de Deus”, do preâmbulo constitucional, não constitui norma jurídica, ao passo que,
mesmo que o fosse, sua concordância prática com a laicidade estatal do art. 19, inc. I, da
CF/88 demandaria que não fosse aceita a influência da religião sobre o Direito, que
estadunidense mudou seu pensamento segregacionista do separados mas iguais (que permitia a segregação de negros
em relação a brancos) para admitir a completa igualmente entre negros e brancos e mesmo para permitir ações
afirmativas (como quotas sociais) em favor de negros a partir de uma nova interpretação do mesmíssimo dispositivo
constitucional (o enunciado normativo da isonomia estadunidense não se alterou; mudou apenas a valoração da
situação fática pelos julgadores quando confrontada com a igualdade do Direito Estadunidense), isso não se deu
com a aceitação da maioria da sociedade – que ainda possuía uma enormidade de pessoas que ainda achavam
correto discriminar negros por sua mera cor de pele. Isso mostra que a interpretação jurídica, mesmo quanto a
mutações normativas (sem alteração de texto), independe da concordância da maioria da população. Ademais, o
Judiciário possui plena legitimidade democrática, consubstanciada na aplicação dos enunciados normativos
aprovados pela maioria. É a legitimidade tecnocrática do Judiciário, que tem legitimidade democrática oriunda do
fato de pautar suas decisões nos enunciados normativos aprovados pelo povo, por intermédio de seus
representantes eleitos pelo voto direto – veja-se definição da legitimidade tecnocrática do Judiciário em TAVARES,
André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional, 1a Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 507, segundo a qual
“O caráter técnico, ao proporcionar uma neutralidade axiológica, garante que o órgão possa fazer atuar o Direito positivado”.
Cabe aqui apontar que a neutralidade judicial não supõe que o juiz não tenha ideologias próprias, mas apenas que,
entre a sua ideologia e a ideologia positivada no ordenamento jurídico, ele deva dar prevalência a esta.
21 Nesse sentido, vide a lição de José Afonso da Silva, para quem “democracia é o regime de garantia geral para a
realização dos direitos fundamentais do homem” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo, 25a Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 132). Essa concepção decorre da correta noção segundo
a qual o Estado Democrático visa a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais
da pessoa humana (Ibidem, p. 117) – ou seja, a democracia existe para garantir a prevalência dos direitos
fundamentais, donde ainda que a maioria queira desrespeitar os direitos fundamentais de quem quer que seja, a
vontade majoritária será inválida por inconstitucional, encontrando-se a maioria condicionada pelos termos da
Constituição, o que só pode ser superado por uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Afinal, como bem diz
André Ramos Tavares: “A democracia só será plena quando estiver presente (não como suficiente) o modelo
majoritário e, além dele, estiverem assegurados os direitos e liberdades fundamentais, o princípio da
subordinação de todos à lei (governo de leis e não de homens), e desde que existam mecanismos que assegurem
que a maioria não sufocará os correlatos direitos da minoria, alcançados após uma longa evolução história de
conquistas. ‘Ora, o princípio da que o Direito é o que a maioria disser que é Direito não cumpre integralmente o
princípio democrático, tal como é atualmente compreendido. Daí se saca a legitimidade do Tribunal Constitucional
[e, portanto, do Judiciário em geral], amoldado a essa nova perspectiva democrática, sem a qual o Direito se
afastaria da igualdade, da liberdade, da justiça e do conceito de dignidade da pessoa humana, que justificam a sua
própria existência (Tavares, 1998: 84)” (Ibidem, p. 509). Para finalizar o tema da democracia, cabe aqui o espirituoso
(e preciso/perfeito) exemplo auto-explicativo de Luís Roberto Barroso, que justifica o acerto de todo o exposto
sobre o conteúdo jurídico do princípio democrático: “A Constituição de um Estado democrático deve desempenhar
dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a participação política
ampla e o governo da maioria. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e
dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples
fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos
fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos” (BARROSO, Luís Roberto. O
Judiciário entrou na política, in Migalhas de Peso. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=19490. Acesso em 19.04.2009).
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ocorreria caso se aceitassem fundamentações religiosas para pautar decisões jurídicas (o
que configuraria, no mínimo, a aliança expressamente vedada por tal dispositivo
constitucional – a compatibilização demanda pelo respeito à liberdade de religiosa e de
culto das religiões, sem permitir que qualquer religião, mesmo majoritária, dite os rumos
do Direito pátrio, mesmo porque liberdade religiosa garante o direito de não ter sua vida
regida pela religião alheia, como bem destacam Canotilho e Vital Moreira22 em sua
Constituição da República Portuguesa Anotada). Anote-se, ainda, que teorias de Direito Natural,
teológicas ou racionalistas, não têm substrato jurídico-constitucional em um sistema de
Constituição Rígida que não o reconheça, consoante reconhecido pelo STF no julgamento
da ADIn n.º 815, que disse que teorias de supremacia de normas supra-positivas são
incompatíveis com o ordenamento jurídico de uma Constituição Rígida – mesmo porque o
subjetivismo inerente a teorias de Direito Natural afronta o princípio da segurança jurídica,
ante a ausência de um critério seguro de definição sobre o que configuraria o Direito
Natural Supra-Positivo, donde considerações a esse respeito não devem ser levadas em
consideração, devendo-se discutir apenas aquilo que reste reconhecido expressa ou
implicitamente pela Constituição Federal.
Ademais, embora o casamento civil independa de capacidade
procriativa e mesmo de adoção/filiação (parentalidade) para poder ser usufruído
pelas pessoas, vale destacar que diversas pesquisas psicológico-sociais já
comprovaram que a simples criação de crianças e adolescentes por casais
homoafetivos não lhes traz nenhum prejuízo relativamente àquelas(es) criadas(os)
por casais heteroafetivos, não havendo sequer maior incidência de homossexuais
naquelas(es) criadas(os) por aqueles (até porque homossexuais são filhos de casais
heteroafetivos). Tanto isso é verdade que a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, no paradigmático caso Atalla Riffo y niñas vs. Chile, atestou
peremptoriamente que não se pode retirar a guarda de filhos de uma pessoa por sua
mera orientação sexual [nem por identidade de gênero, acrescente-se] com base em
estereótipos preconceituosos sobre o tema, por não se poder presumir que a mera
homossexualidade da pessoa seria “prejudicial” a crianças e adolescentes [o mesmo
valendo, acrescente-se, para a bissexualidade e, ainda, a travestilidade, a
transexualidade e a orientação sexual e identidade de gênero em geral], decisão
absolutamente correta, devido à inexistência de motivação lógico-racional que o
justifique. Associações de Psicologia, Pediatria e Psiquiatria brasileiras e
22 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição Portuguesa Anotada, Volume I, 1a Edição
Brasileira, 4a Edição Portuguesa, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 609.
No original: “[...] A liberdade de religião é a liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher uma determinada
religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou anti-
religiosa. (...)” (grifo nosso).
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estrangeiras atestam isso à saciedade e, no Brasil, as diversas adoções deferidas a
homossexuais e casais homoafetivos se pautam em laudos psicológicos e sociais que
atestam não haver prejuízo nenhum a crianças e adolescentes sua criação pelas
pessoas homossexuais em questão (cf., v.g., STJ, REsp n.º 1.281.093/SP e REsp n.º
889.852/RS, que ficam aqui inteiramente reiterados/prequestionados, bem como a
citada decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos).
A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis
heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como
corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos
companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de
adoção por casal homoafetivo, legalmente viável. [...] Estudos feitos no âmbito da
Psicologia afirmam que pesquisas ‘(...) têm demonstrado que os filhos de pais ou
mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu
desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães
heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para
o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo’. (FARIAS, Mariana
de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família
homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, pp.75/76)”. [STJ,
REsp n.º 1.281.093/SP. Grifos nossos]
“Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em
fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade
de Valência, na Academia Americana de Pediatria), ‘não indicam qualquer
inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais
importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que
serão inseridas e que as liga a seus cuidadores’. [...] A adoção, antes de mais nada,
representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender
aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além,
pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do
Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de
Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma
criança” [STJ, REsp n.º 889.852/RS. Grifo nosso]
Segundo a CIDH, ‘o objetivo geral de proteger o princípio do interesse superior da criança
é, em si mesmo, um fim legítimo e é, ademais, imperioso (...) [para] propiciar o
desenvolvimento dela’, contudo, ‘a Corte constata que a determinação do interesse
superior da criança, em casos de cuidado e custódia de menores de idade deve ser buscado a
partir da avaliação dos comportamentos parentais específicos e seu impacto negativo no
bem-estar e no desenvolvimento da criança segundo o caso [concreto], os danos ou riscos
reais e provados, e não especulativos ou imaginários. Portanto, não podem ser admissíveis
as especulações, presunções, estereótipos ou considerações generalizadas sobre
características pessoais dos pais ou preferências culturais sobre certos conceitos tradicionais
da família’, razão pela qual ‘a Corte Interamericana observa que embora o ‘interesse
superior da criança’ seja, em abstrato, um fim legítimo, a mera referência ao mesmo sem
provar, concretamente, os riscos ou danos que poderiam decorrer da orientação sexual da
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mãe para as filhas não pode servir de medida idônea para a restrição de um direito protegido
como o de poder exercer todos os direitos humanos sem discriminação alguma pela
orientação sexual da pessoa’, pois ‘O interesse superior da criança não pode ser
utilizado para amparar a discriminação contra a mãe ou o pai pela orientação
sexual de qualquer deles. Desse modo, o julgador não pode tomar em consideração esta
condição social como elemento para decidir sobre a guarda ou custódia” [CIDH, caso
Atalla y niñas vs. Chile, itens 108 a 110, apud VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti.
Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da
União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo:
Editora Método, 2012, pp. 521-522].
Destaque-se, ainda, ser absolutamente descabido invocar-se a
chamada teoria da inexistência do ato jurídico, tradicionalmente utilizada por quem
deseja negar juridicidade à união homoafetiva. Primeiramente porque a decisão do
Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277, ao reconhecer a família
conjugal homoafetiva como merecedora do regime jurídico da união estável, afastou
qualquer possibilidade de se entender que a diversidade de sexos configuraria uma
das (supostas) condições de existência do casamento civil e da união estável23 – ora, ao
enquadrar a união homoafetiva no conceito constitucional de união estável e, de
qualquer forma, entendê-la como uma família conjugal, torna-se incontestável que a
diversidade de sexos não é essencial ao enquadramento de uma união conjugal no
casamento civil e na união estável. Em segundo lugar, porque, se for aceita a
validade/juridicidade desta absurda teoria, há de se concluir que o suporte fático, o fato
jurígeno, enfim, a “condição de existência” do casamento civil e da união estável é a
família conjugal, razão pela qual é juridicamente possível e procedente o pedido de
casamento civil formulado por casal homoafetivo por este formar uma família conjugal
de forma idêntica ou, no mínimo, análoga àquela formada por um casal heteroafetivo,
já que ambas são pautadas no amor familiar, o amor romântico/conjugal que vise a
uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura,
23 No mesmo sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias,
Volume 6, 4ª Edição, Salvador: Editora JusPodvm, 2012, p. 247, que aduzem que, buscando embasamento no
entendimento predominante na doutrina e vislumbrando a nova orientação da jurisprudência dominante [STF,
ADPF 4277 e STF, REsp n.º 1.183.378/RS], não pode ser tratada a diversidade de sexos como pressuposto de existência
do casamento civil, pois, considerando que, da mesma forma que as famílias em geral, o casamento civil está
assentado na comunhão de vida afetiva de seus integrantes e tendo em vista o fato de que não se pode vislumbrar o
casamento civil como mero núcleo de perpetuação biológica da espécie, só resta reconhecer a possibilidade jurídica
do casamento civil homoafetivo.
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que é o elemento formador da família contemporânea24. Por fim, consoante igualmente
desenvolvido amplamente em sede doutrinária25, a teoria da inexistência de atos que
existiram no mundo fático é uma teoria flagrantemente ilegal e inconstitucional,
visto que visa atribuir ao ato taxado de inexistente a mesma pena atribuída ao ato nulo,
que é a destruição dos efeitos eventualmente produzidos pelo mesmo com eficácia ex
tunc (retroativa), donde, se o Direito determina que não há nulidade sem texto, ou seja,
que só se pode destruir os efeitos jurídicos produzidos por um ato (mediante a
declaração de nulidade) se ela for determinada pela literalidade normativa (“letra da
lei”), como forma de se resguardar a segurança jurídica para que as nulidades não
dependam do subjetivismo (decisionismo) do intérprete, então é incoerente admitir-se
que uma teoria não-referendada por texto normativo nenhum possa atribuir ao ato
taxado de inexistente a mesma pena que o Direito exige que seja prevista por texto
normativo (expresso) para que ele possa ser declarado nulo. Logo, tem-se que a teoria
da inexistência de atos que existiram no mundo fático é ilegal, por violadora da
taxatividade do rol de impedimentos matrimoniais do artigo 1.521 do Código Civil (se
o rol é taxativo, atribuir a mesma consequência da nulidade daí decorrente a fato não
citado no seu rol viola referida taxatividade legal), bem como inconstitucional, por
violadora do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que aduz que ninguém será
obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de lei, logo, de texto normativo
expresso, o que significa que não se pode impedir alguém de se casar civilmente ou de
ter sua união estável reconhecida sem que texto normativo (expresso) isto determine
(texto normativo este que, para ser constitucional, teria, ainda, que respeitar o aspecto
24 Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento
Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, pp.
169-285 (item “2.4.1. O Amor Familiar como o elemento formador da família contemporânea. STF, ADPF 132 e ADI
4277”).
25 Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. A Família Juridicamente Protegida, a Lei Maria da Penha e a Proteção
Constitucional da Família Homoafetiva – Equívocos dos Julgamentos do TJRS que Negaram o Direito ao
Casamento Civil Homoafetivo. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Ano XII, n.º 15, Jun-Jul
2010, pp. 93-116 – especificamente nas páginas 108-110. Desenvolvendo o tema de forma mais ampla:
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil,
da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 1ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2008, pp. 416-430.
Na segunda edição (2013), constou apenas a síntese do capítulo constante da primeira edição (pp. 411-421,
especialmente pp. 415-416) a íntegra deste trecho foi disponibilizado na internet, no seguinte link:
http://pauloriv71.wordpress.com/2012/10/02/manual-da-homoafetividade-segunda-edicao-capitulos-online/
(selecionar o link relativo ao título “Homoafetividade 11” e, nele, verificar o item 7.1, pp. 67-82; item 8, PP. 107-115,
para a inconstitucionalidade da teoria do silêncio eloquente, mencionada no parágrafo seguinte do corpo do texto).
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material da isonomia e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
evidentemente).
Pelos mesmos fundamentos, inconstitucional também a teoria do
silêncio eloquente porque proibições só existem quando expressas em textos normativos,
à luz do disposto no artigo 5º, II, da Constituição Federal (e, de qualquer forma, como
se trata de teoria que tem aplicabilidade apenas quando isto não implique em afronta
a direitos fundamentais, ela é inaplicável para prejudicar o reconhecimento e a
proteção da união estável homoafetiva pelo direito fundamental a ter sua família
protegida pelo Estado decorrente do caput do artigo 226 da Constituição Federal26, ao
passo que o reconhecimento da família conjugal como o suporte fático do casamento
civil e da união estável afasta a possibilidade de se entender que teria havido um
silêncio eloquente neste caso, já que, se família conjugal é, então a isonomia impõe a
proteção da união estável homoafetiva, por interpretação extensiva ou analogia).
Posição em sentido contrário à aqui defendida seria
absolutamente contraditória tanto com a letra quanto, especialmente, com o espírito
da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277, na
26 Tal se extrai, inclusive, do voto do Ministro Lewandowski na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277. Com efeito, ao
justificar o cabimento da analogia para se reconhecer uma união homoafetiva estável neste caso, Sua Excelência
invocou a lição de Canotilho, no sentido de que cabe a integração analógica quando determinadas situações que
devem se considerar reguladas pelo texto constitucional não estão previstas e não possam ser cobertas pela
interpretação, mesmo extensiva, de preceitos constitucionais considerados em sua letra e sua ratio, hipótese na
qual a lacuna constitucional somente existe quando contrária ao plano regulativo e a teleologia da ordenação
constitucional [Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição,
Coimbra: Almedina, 2003, PP. 1234-1235 (nota do original)]. Sobre o tema, considerando que a interpretação
sistemático-teleológica da Constituição demanda pela compreensão segundo a qual a família conjugal
homoafetiva deva ser considerada como regulada pelo texto constitucional por força da arbitrariedade da
discriminação jurídica decorrente de entendimento em sentido contrário (e, portanto, inconstitucionalidade por
afronta à isonomia e à dignidade da pessoa humana oriunda da negativa de direitos e do menosprezo ao valor [à
dignidade] de tais uniões relativamente àquele[a] atribuído[a] à união heteroafetiva), entendo que a mesma deva se
considerar regulada pelo texto constitucional, ainda que implicitamente – até porque, segundo Álvaro Villaça
Azevedo, “ao legislador, ainda que constituinte, não cabe dizer ao povo como deve ele constituir sua família. O importante é
proteger todas as formas de constituição familiar, sem dizer o que é melhor” [cf. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da
Família de Fato, de acordo com o atual Código Civil, Lei 10.406, de 10/1/2002. 3ª Edição, São Paulo: Editora Atlas, 2011, p.
240 (nota do original)], o que evidentemente também se aplica para fins de proteção da família conjugal
homoafetiva. Afinal, sendo uma família conjugal e sendo a família conjugal o objeto de proteção do regime jurídico
da união estável (bem como do casamento civil), deve a família conjugal homoafetiva ser protegida da mesma
forma que a família conjugal heteroafetiva, por interpretação extensiva ou analogia (visto a ausência de proibição
da legislação a tanto), sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana (entre
outros, citados nas ações e na decisão, sendo que, se houvesse uma tal proibição na legislação ordinária ou oriunda
de emenda constitucional, seria ela, portanto, inconstitucional).
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Regulamentação do casamento civil homoafetivo pelo CNJ

  • 1. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 1 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO LUIZ FUX, DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [...] Afinal, sendo obrigatório o reconhecimento do direito ao casamento civil homoafetivo por força do efeito vinculante da decisão do STF no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, tem-se que o Conselho Nacional de Justiça tem competência/legitimidade constitucional para expedir ato regulamentar de âmbito nacional obrigando os Cartórios de Registro Civil e os(as) Juízes(as) de Registros Públicos em geral a realizarem a conversão de união estável homoafetiva em casamento civil e a celebrarem casamento civil homoafetivo diretamente, sem prévia união estável. Este tema será retomado no item 4.3, infra, que traz precedente do Supremo Tribunal Federal que autoriza a elaboração de atos regulamentares pelo Conselho Nacional de Justiça (STF, MS n.º 27.621/DF, DJe de 11.05.2012). [...] Em outras palavras: se a possibilidade de conversão de união estável homoafetiva em casamento civil é obrigatória, então torna-se desnecessária uma lei formal do Parlamento que crie a norma jurídica autorizadora de dita conversão, pois a força de lei da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277 já criou dita norma jurídica, o que torna o tema puramente administrativo e, assim, passível de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça. Ora, se a decisão desta Suprema Corte não pode ser descumprida e se dita decisão torna obrigatória a conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, tem- se que o Conselho Nacional de Justiça pode perfeitamente deixar expressa esta obrigatoriedade claramente decorrente de puro silogismo da citada decisão desta Suprema Corte [...] Logo, não houve nenhum abuso de poder do CNJ [...]. (trechos deste amicus curiae) Mandado de Segurança n.º 32.077 PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL, agremiação partidária com representação no Congresso Nacional, registrado no Tribunal Superior Eleitoral por meio da Resolução 22.083, de 2005, pessoa jurídica inscrita no CNPJ sob o n.º 06.954.942/0001-95, com endereço no SDS, Bloco D, Ed. Eldorado, sala 80, Brasília/DF, CEP 70392-901, e ASSOCIAÇÃO DOS REGISTRADORES DE PESSOAS NATURAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – ARPEN-RJ, entidade de utilidade pública, nos termos da lei estadual 5462/2009, pessoa jurídica de Direito Privado, inscrito no CNPJ sob o n.º 05.346.856/0001-37, com sede na Av. Erasmo Braga, 227/1008, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20020-000, por seu advogado signatário (procurações anexas), com fulcro no seu direito constitucional de petição e/ou por analogia ao artigo 7º, §2º, da Lei n.º 9.868/99, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar AMICUS CURIAE no presente mandado de segurança, movido pelo PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC pelas razões a seguir COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04 Assinado por PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI:31510920803 em 24/05/2013 17:54:16.474 -0300 Signature Not Verified
  • 2. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 2 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br deduzidas, requerendo-se desde já seu regular recebimento, processamento, conhecimento e o integral acolhimento das razões aqui expostas para que seja extinto sem resolução de mérito ou, subsidiariamente, julgado improcedente este mandado de segurança. I. LEGITIMIDADE E CABIMENTO DO AMICUS CURIAE. Inicialmente, esclareça-se que os Peticionários foram as entidades que apresentaram o Pedido de Providências n.º 0001749-28.2013.2.00.0000 ao Conselho Nacional de Justiça, requerendo a regulamentação administrativa do casamento civil homoafetivo, donde têm absoluta legitimidade e interesse de agir para a defesa da Resolução CNJ n.º 175/2013, impugnada pelo presente mandado de segurança. Muito embora tecnicamente a referida resolução sido fruto de iniciativa do Ilustre Presidente daquele Egrégio Conselho, tem-se que o referido pedido de providências demonstram a pertinência e necessidade de deferimento do ingresso de referidas entidades como amicus curiae no presente caso. Ademais, sendo o Partido peticionário um legitimado universal para propositura de ações direta de inconstitucionalidade e arguições de descumprimento de preceitos fundamentais, tem- se que essa legitimação universal o torna um amicus curiae igualmente universal para as ações em geral perante esta Suprema Corte. Por fim, sendo a Associação peticionaria representante de registradores públicos, que são diretamente afetados pela citada Resolução n.º 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça, ela também tem tanto pertinência temática quanto legitimidade e interesse jurídico para participar de julgamentos relativos a tais resoluções, sem falar que a relevância jurídico-social do tema mais do que justifica a oitiva de amici curiae, mesmo em mandados de segurança, ainda que se entenda pela necessidade de analogia para tanto (pois não se pode dizer que haveria interesse meramente do Impetrante e do CNJ, dada a notória relevância jurídico-social, de repercussão nacional, da matéria em debate). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 3. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 3 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Por essas razões, requer-se o deferimento do ingresso dos Peticionários como amici curiae no presente caso. 2. PRELIMINARMENTE. Impropriedade da via eleita. Ausência de direito líquido e certo. ADEMAIS, ausência de periculum in mora para liminar. Primeiramente, não nos parece cabível a impetração de mandado de segurança visando nulificar ato normativo, visto que doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que não cabe mandado de segurança contra lei em tese e, portanto, por identidade de razões, contra qualquer ato normativo em tese, por isso ser tema passível de cognição por intermédio de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, conforme o caso. Assim, requer-se o não-conhecimento deste mandamus por tal circunstância, por falta de interesse de agir em razão da impropriedade da via eleita e/ou por impossibilidade jurídica do pedido em razão de não se poder requerer a nulificação de ato normativo em tese pela via mandamental. Ademais, tem-se que não há direito líquido e certo a ser amparado, pois, afinal de contas, que direito o partido-Impetrante acha que existiria no caso concreto? Um pseudo “direito” a discriminar?! De que forma os filiados ao partido-Impetrante estariam concretamente prejudicados pela Resolução n.º 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça? Que direito é negado aos filiados do mesmo? Ora, nenhum! Nada, absolutamente nada muda na vida dos filiados ao partido- Impetrante ou na existência jurídica do mesmo, pois, como bem dito pelo Ministro Ayres Britto no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, os heteroafetivos nada perdem quando os homoafetivos ganham, razão pela qual requer-se a extinção do feito, sem resolução de mérito, por ausência de direito líquido e certo a ser amparado. Por outro lado, não convence a alegação de que teria sido “violado” o direito do partido-Impetrante e/ou de seus afiliados pela Resolução não ter sido objeto de devido processo legislativo. A uma porque o Conselho Nacional de COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 4. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 4 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Justiça tem efetiva competência para emitir a Resolução n.º 175/2013, como se verá adiante, mas a outra (e agora refutando a alegação da petição inicial) porque o Congresso Nacional não está impedido de deliberar sobre o tema, na medida em que referida resolução não o proíbe de propor projetos de lei e/ou emendas constitucionais e menos ainda de aprová-los(as). Logo, de todo improcedente a alegação de “violação” de “direito líquido e certo” do Impetrante ou de seus associados – até porque a petição inicial confessa que o partido-Impetrante não apoia [sequer politicamente] o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo e que se oporá a toda e qualquer iniciativa favorável a ela, donde fácil concluir que se insurgiria judicialmente inclusive contra leis ou emendas constitucionais que a reconhecessem, criando alguma tese jurídica contra a mesma. A pré-compreensão discriminatória do partido-Impetrante está, assim, confessa na petição inicial e isso deve ser levado em conta por Vossas Excelências. Outrossim, não há periculum in mora no presente caso, visto que ninguém está sendo ou está em vias de ser prejudicado por conta da Resolução n.º 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça. Assim, não está presente requisito indispensável ao deferimento de medida liminar. Mas, ultrapassadas as preliminares, tem-se que no mérito não tem razão o Impetrante ao defender que o CNJ não teria legitimidade para expedir o ato normativo em questão e, consequentemente, não tem razão ao defender que o CNJ teria “usurpado a competência do Congresso Nacional”, senão vejamos: 3. DO MÉRITO. 3.1. Considerações Preliminares. STF, ADPF n.º 132 e ADI n.º 4277. Fundamento principal e efeitos da decisão. Como é notório, o Supremo Tribunal Federal julgou procedentes a ADPF n.º 132 e a ADI n.º 4277 para o fim de reconhecer a união estável homoafetiva como entidade familiar com igualdade de direitos relativamente à união estável COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 5. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 5 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br heteroafetiva. Nas palavras da parte dispositiva da decisão de nossa Suprema Corte, dotada de efeito vinculante e eficácia erga omnes (força de lei), trata-se de um “Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva”. Assim, sendo a possibilidade de conversão em casamento uma das consequências da união estável heteroafetiva, tem-se que foi reconhecido dito direito pela referida decisão e que o efeito vinculante da referida decisão torna obrigatório o reconhecimento do direito ao casamento civil homoafetivo, como se desenvolve pormenorizadamente adiante. Sobre dita decisão, descabe discutir seu acerto, como faz o Impetrante na petição inicial, até porque a decisão respeita a interpretação sistemático-teleológica da Constituição Federal, como se demonstra no item 5 desta manifestação – em apertadíssima síntese, pela ausência de proibição constitucional (limites semânticos no texto) à união estável homoafetiva, o que caracteriza a existência de uma lacuna normativa colmatável por interpretação extensiva ou analogia, por força dos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da não- discriminação e outros, trabalhados na citada decisão. Isso porque o fundamento principal da decisão é o fato de a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo formar uma família conjugal e ser esta o suporte fático, o fato jurígeno, o elemento valorativamente protegido pelo regime jurídico da união estável [e, acrescentamos, também do casamento civil], como muito bem demonstrado, inclusive, no voto de Vossa Excelência, Ministro Fux, ao demonstrar o enquadramento da união homoafetiva no conceito ontológico de família conjugal. Assim, sendo a união estável homoafetiva uma família conjugal e inexistente motivação lógico-racional que justifique sua discriminação relativamente à família conjugal heteroafetiva, a interpretação sistemático-teleológica da Constituição (princípios hermenêuticos da unidade, da concordância prática e da máxima efetividade das normas constitucionais) demanda pelo reconhecimento da possibilidade jurídica do reconhecimento da união estável homoafetiva, por interpretação extensiva já que as situações são idênticas por ambas formarem uma família conjugal, ou, no mínimo, por analogia caso se considere que haveria alguma COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 6. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 6 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br “diferença” pelo simples fato de termos duas pessoas do mesmo sexo em um caso e duas pessoas de sexos opostos em outro, já que equivalentes, por idênticas no essencial, que é o fato de ambas formarem uma família conjugal (e não vislumbramos “diferença” nisso da mesma forma que não vemos diferença nenhuma em um casal de pessoas brancas relativamente a um casal de pessoas negras ou um casal dito “inter-racial”, que era perseguido e discriminado décadas atrás, por exemplo com a criminalização do casamento inter-racial nos EUA até o advento da paradigmática decisão Loving vs. Virginia; cabendo destacar que entendimento em sentido contrário geraria um conflito real entre normas constitucionais originárias, dada a arbitrariedade da diferenciação entre uniões homoafetivas e heteroafetivas, donde isto oporia o §3º do art. 226 da CF/88 aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, donde imperiosa a concordância prática dos dispositivos constitucionais em questão para se estender a união estável a casais homoafetivos por interpretação extensiva ou analogia, de sorte a se manter a harmonia sistêmica da Constituição e, ainda, lhe garantir a maior efetividade possível, como exigem os citados princípios hermenêuticos). Desenvolvemos mais este tema no item 4.4 (páginas 41-45) desta manifestação. Pois bem. Após a referida decisão, que tem, por assim dizer, força de lei por conta de seu efeito vinculante e sua eficácia erga omnes, nenhum juiz ou tribunal pode negar o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que, salvo um absurdo caso de um juiz de Goiania que se negou a cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal e que teve, corretamente, suas decisões cassadas pela Corregedoria respectiva, não se tem notícia de nenhum caso de negativa de reconhecimento de união estável a casais homoafetivos. COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 7. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 7 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Nesse contexto, após a referida decisão de nossa Suprema Corte, diversos casais homoafetivos passaram a pleitear o reconhecimento de seu direito de acessar o regime jurídico do casamento civil, tendo obtido êxito. Com efeito, considerando que a parte final do artigo 226, §3º, da Constituição Federal dispõe que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento civil, o que foi reiterado pelo artigo 1.726 do Código Civil, e considerando que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que casais formados por pessoas do mesmo sexo constituem uma união estável, referidos pleitos se baseiam em verdadeiro silogismo: tendo-se como premissa maior a obrigatoriedade de o Estado possibilitar a conversão da união estável em casamento civil e a afirmação do Supremo Tribunal Federal de que as mesmas consequências da união estável heteroafetiva devem ser reconhecidas à união estável homoafetiva; [tendo-se] como premissa menor o fato de a união homoafetiva ter sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como união estável; tais pleitos chegaram à conclusão de que a união estável homoafetiva deve poder ser convertida em casamento civil. Note-se, ainda, por oportuno, que a conclusão seria a mesma ainda que se adotasse a (equivocada) posição de alguns de que o Supremo Tribunal Federal teria reconhecido a “união contínua, pública e duradoura” entre pessoas do mesmo sexo não como união estável, mas como uma entidade familiar autônoma com igualdade de direitos relativamente à união estável heteroafetiva – ora, se à família conjugal homoafetiva é garantida igualdade de direitos relativamente à união estável heteroafetiva, sendo um direito desta a possibilidade de conversão em casamento civil, esse direito deve, obrigatoriamente, ser garantido àquela por força do efeito vinculante e da eficácia erga omnes da citada decisão do Supremo Tribunal Federal. Pelo mesmo raciocínio, sendo um direito de casais heteroafetivos a possibilidade de casamento civil direto, sem prévia união estável, referida igualdade demanda pelo reconhecimento deste direito também a casais homoafetivos. Assim, sempre que se falar em união estável homoafetiva, requer-se que se entenda por implícita a menção a COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 8. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 8 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br esta tese subsidiária da entidade familiar autônoma com igualdade de direitos relativamente à união estável heteroafetiva. Ademais, como é igualmente notório, tivemos diversas decisões proferidas por Juízes(as) de Direito, em sede administrativa na seara dos Registros Públicos, tanto deferindo1 quanto indeferindo a conversão de uniões estáveis homoafetivas em casamentos civis e mesmo de casamentos civis diretos, sem necessidade de prévia união estável que lhes antecedesse. Pois bem. Nesse contexto fático, fica evidente a verdadeira insegurança jurídica existente às cidadãs e aos cidadãos em relações homoafetivas de nosso país, pois, na prática, o pedido tem se encontrado dependente do entendimento pessoal de cada juiz e tribunal no julgamento da questão administrativa aqui subjacente, relativa às Varas de Registros Públicos que recebem procedimentos de dúvida sobre o tema. Tal situação tornava realmente imperiosa a atuação do Conselho Nacional de Justiça para definir definitivamente a questão, na medida em que a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277 torna obrigatório o reconhecimento do direito de casais homoafetivos ao casamento civil por ser esta uma das consequências da união estável heteroafetiva (o que reconhece o direito de acesso ao casamento civil a casais homoafetivos), o que transforma a questão em pura questão administrativa, o que possibilita a atuação do Egrégio Conselho Nacional de Justiça para disciplinar a questão e elaborar normatização geral e abstrata que torne obrigatório aos Cartórios de Registro Civil a realização de casamentos civis homoafetivos, tanto por conversão quanto, por instrumentalidade (cf. infra), de forma direta, o que desde já se requer. Ou seja, consoante a competência constitucionalmente atribuída ao Conselho Nacional de Justiça pelo artigo 103-B, §4º e respectivos incisos 1 A pioneira, proferida pelo Juiz Fernando Henrique Pinto, da 02ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de Jacareí/SP (disponível em http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1079.pdf), e a segunda, da Comarca de Brasília/DF, proferida pela Juíza Junia de Souza Antunes, da 04ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de Brasília/DF (disponível em http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1082.pdf), das quais se seguiram diversas outras. Para estas e diversas outras, vide www.direitohomoafetivo.com.br (link “Jurisprudência/Casamento”). Links citados acessados em 04.03.2013. COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 9. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 9 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br (especialmente I e II), da Constituição Federal, tem-se que aquele Nobre Conselho podia (e devia) elaborar normatização administrativa (ato regulamentar) determinando a obrigatoriedade da conversão de união estável homoafetiva em casamento civil, bem como de realização de casamento civil direto (sem necessidade de prévia união estável). Afinal, sendo obrigatório o reconhecimento do direito ao casamento civil homoafetivo por força do efeito vinculante da decisão do STF no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, tem-se que o Conselho Nacional de Justiça tem competência/legitimidade constitucional para expedir ato regulamentar de âmbito nacional obrigando os Cartórios de Registro Civil e os(as) Juízes(as) de Registros Públicos em geral a realizarem a conversão de união estável homoafetiva em casamento civil e a celebrarem casamento civil homoafetivo diretamente, sem prévia união estável. Este tema será retomado no item 4.3, infra, que traz precedente do Supremo Tribunal Federal que autoriza a elaboração de atos regulamentares pelo Conselho Nacional de Justiça (STF, MS n.º 27.621/DF, DJe de 11.05.2012). Destaque-se que essa é a interpretação objetiva da parte dispositiva da citada decisão, que tem força de lei. Assim, por força da conhecida teoria objetiva da interpretação, interpretam-se textos, e não supostas “vontades” dos elaboradores dos textos normativos. Ao menos desde Carlos Maximiliano isso deveria ser inquestionável no Brasil. Logo, as mesmíssimas razões que justificam o descabimento da busca de uma vontade subjetiva do legislador concreto igualmente justificam o descabimento do que os Ministros desta Suprema Corte quiseram ou deixaram de querer no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, visto que o texto objetivamente considerado por interpretação da parte dispositiva da decisão torna inquestionável, por verdadeiro silogismo (método lógico-dedutivo), que são devidas as mesmas consequências da união estável heteroafetiva à união estável homoafetiva, como o direito de acesso ao casamento civil. Passemos, assim, a demonstrar pormenorizadamente as razões que justificam legitimidade constitucional da Resolução n.º 175/2013 do Conselho COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 10. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 10 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Nacional de Justiça para garantir o direito ao casamento civil igualitário/casamento civil homoafetivo. 4. DO DIREITO. 4.1. Casamento Civil Homoafetivo (Igualitário) como questão puramente administrativa após a decisão da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277. 4.1.1. Conversão de União Estável Homoafetiva em Casamento Civil. Como se sabe, nos termos do artigo 102, §2º, da Constituição Federal, as decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade são dotadas de efeito vinculante e eficácia erga omnes, o que, na prática, equivale a dizer que tais decisões possuem força de lei, não podendo ser descumpridas por juízes e tribunais em geral (na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, tal previsão encontra-se no artigo 10º, §3º, da Lei n.º 9.882/1999, lei esta que regulamentou o respectivo artigo 102, §1º, da Constituição Federal). Com isso em mente, analisemos o disposto na parte dispositiva da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277: Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica da ‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. [...] Os ministros desta Casa de Justiça, ainda por votação unânime, acórdão em julgar procedentes as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, com as mesmas regras e CONSEQUÊNCIAS da união estável heteroafetiva, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questã, independentemente da publicação do acórdão. [...] (grifos nossos) Como se vê, a decisão determinou que a união estável homoafetiva deve ter a si reconhecidas as mesmas consequências que se reconhece à união estável heteroafetiva. Ora, sendo uma das consequências da união estável a possibilidade de ser convertida em casamento civil, então é evidente que a união estável homoafetiva deve poder ser convertida em casamento civil – afinal, trata-se de uma união estável e/ou, enfim, uma família conjugal com igualdade de direitos COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 11. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 11 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br com a união estável heteroafetiva, donde o direito à conversão da união em casamento civil deve ser a ela reconhecido. Sobre o tema, tem-se como paradigmáticas as decisões da 04ª e da 05ª Varas de Famílias da Comarca de Brasília/DF, que aduziram que não existe uma união estável homoafetiva e outra união estável heteroafetiva em termos de regimes jurídicos distintos, pois a união estável é um regime jurídico uno que abarca, igualmente, tanto a união homoafetiva quanto a união heteroafetiva. Vejamos referidas decisões: [...] Com a decisão prolatada o Supremo Tribunal Federal aboliu qualquer interpretação que pretendesse diferenciar as relações homoafetivas das heteroafetivas, ressaltando que o instituto da família abrange e protege ambas e, em consequência, concluiu que é possível a união estável homoafetiva nos mesmos moldes em que ocorre a união estável heteroafetiva. [...] A união estável não é um gênero que se subdividiria em união estável homoafetiva e união estável heteroafetiva. Não existem espécies de união estável, seja a relação hetero ou homoafetiva o instituto é uno, assim como seus requisitos são únicos, ou seja, uma vez configurada uma relação duradoura, pública e contínua, com intuito de constituir família, é união estável, sem qualquer distinção em relação à orientação sexual daqueles que a integram. Isso também importa reconhecer que todos os efeitos e consequências previstos no instituto da união estável se aplicam, indistintamente, a qualquer relação duradoura, pública e contínua, com intuito de constituir família, entre duas pessoas. [...] Cediço que uma das consequências da união estável é a sua conversão em casamento, conversão essa que deve ser facilitada, e é exatamente isso que pretendem as requerentes através da presente ação. [...] Cumpre observar que, apesar da proteção outorgada pela Constituição a esse novo conceito de família, ainda existem importantes consequências a depender da espécie de entidade familiar formada. [...] Desse modo, há de se reconhecer às requerentes o pleito de conversão em casamento, em obediência e prestígio à decisão suprema, que deu uma interpretação conforme a Constituição ao artigo 1723 do Código Civil, para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva. [...] Desse modo, DECLARO a UNIÃO ESTÁVEL existente entre [...] e, NA PRESENTE DATA, CONVERTO-A EM CASAMENTO [...] (grifos nossos) (TJDF/Brasília, Processo n.º 101695-7/2011, 04ª Vara de Famílias, Juíza Junia de Souza Antunes, proferida em 28/06/2011 – decisão esta que, em outro trecho, citou artigo do signatário sobre a ausência de fundamentação válida ante a isonomia a justificar a negativa do casamento civil homoafetivo) [...] Conforme lançado pela ilustre Juíza desta Corte, Dra. Junia de Souza Antunes, em julgamento de caso idêntico (101.695-7/2011 – 4ª Vara de Família de Brasília), A união estável não é um gênero que se subdividiria em união estável homoafetiva e união estável heteroafetiva. Não existem espécies de união estável, seja a relação hetero ou homoafetiva o instituto é uno, assim como seus requisitos são únicos, ou seja, uma vez configurada uma relação duradoura, pública e contínua, com intuito de constituir família, é união estável, sem qualquer distinção em relação à orientação sexual daqueles que a integram. Isso também importa reconhecer que todos os efeitos e consequências previstos no instituto da união estável se aplicam, indistintamente, a qualquer relação duradoura, COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 12. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 12 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br pública e contínua, com intuito de constituir família, entre duas pessoas’ Nos termos do dispositivo da decisão do Supremo Tribunal Federal, o reconhecimento da união estável homoafetiva ‘é de ser feito segundo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva’. Logo, reconhecida a união estável homoafetiva, não há óbice à conversão daquela em casamento, em conformidade com o disposto no art. 1.726 do Código Civil, independentemente do ato de celebração (art. 232 do Provimento Geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios). Essa conformação jurisprudencial exalta o conceito contemporâneo de família assentado na afetividade entre os seus integrantes, independentemente da formatação (heteroafetiva, homoafetiva, matrimonial, monoparental, anaparental, pluriparental etc). Assim, mostrando-se legítimas as pretensões das requerentes, na medida em que se apresentam conforme os preceitos constitucionais que vedam a discriminação em razão do sexo e sobrelevam a dignidade da pessoa humana, e considerando que, conforme exsurge das declarações das requerentes e das testemunhas, não estão presentes nenhum dos impedimentos relacionados no art. 1.521 do Código Civil, bem como demonstrada a convivência pública, contínua e duradoura desde 21 de julho de 2006, a procedência dos pedidos é medida que se impõe. [...] Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos formulados na inicial para: [...] CONVERTER, nesta data, a união estável das requerentes em casamento [...]. (grifos nossos) (TJDF/Brasília, Processo n.º 2011.01.1.145424-4, 05ª Vara de Famílias, Juiz Josmar Gomes de Oliveira, proferida em 28/06/2011) Assim, percebe-se que a possibilidade de conversão da união estável homoafetiva em casamento civil é obrigatória por ser uma decorrência lógica do efeito vinculante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277 – e, se é obrigatória, não pode ser descumprida em hipótese alguma, donde se caracteriza como uma questão puramente administrativa e afasta a necessidade de uma lei em sentido estrito para autorizá-la2 (cf. item 4.3, infra). Desnecessária lei em sentido estrito criando norma jurídica autorizadora do casamento civil homoafetivo porque dita norma jurídica já foi criada pela força de lei da decisão da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, que reconheceu o direito de casais homoafetivos ao casamento civil por ser esta uma das consequências da união estável heteroafetiva. Em outras palavras: se a possibilidade de conversão de união estável homoafetiva em casamento civil é obrigatória, então torna-se desnecessária uma lei formal do Parlamento que crie a norma jurídica autorizadora de dita conversão, pois a força de lei da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 2 Cf. VECCHIATTI Paulo Roberto Iotti. Possibilidade de Conversão de União Estável Homoafetiva em Casamento Civil. Elaborado em 26 set. 2011. Disponível em: www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/29159 (último acesso em 04/04/13) e http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/767 (último acesso em 03/03/2013). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 13. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 13 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br 132 e na ADI n.º 4277 já criou dita norma jurídica, o que torna o tema puramente administrativo e, assim, passível de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça. Ora, se a decisão desta Suprema Corte não pode ser descumprida e se dita decisão torna obrigatória a conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, tem-se que o Conselho Nacional de Justiça pode perfeitamente deixar expressa esta obrigatoriedade claramente decorrente de puro silogismo da citada decisão desta Suprema Corte. Afinal, nos termos de parecer elaborado pelo signatário e publicado em setembro/2011 (poucos meses após a decisão do STF na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277), “do ponto de vista puramente formal, o art. 226, §3º, da CF/88 determina obrigatoriamente a possibilidade da conversão da união estável em casamento civil, donde reconhecida a união homoafetiva como união estável, tem-se ORDEM CONSTITUCIONAL obrigando a possibilidade de sua conversão em casamento civil. Logo, devido ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da união homoafetiva como união estável constitucionalmente protegida e merecedora de absoluta igualdade relativamente à união estável heteroafetiva (consoante voto do Min. Ayres Britto), os cartórios de registro civil são obrigados a permitir a conversão da união estável homoafetiva em casamento civil a todos os casais homoafetivos que o desejarem”3 – acrescentando-se adiante (no citado parecer) que, do ponto de vista material, não faz sentido jurídico nenhum reconhecer a união homoafetiva como família conjugal para fins de reconhecimento de sua união estável mas não reconhece-la como família conjugal para fins de casamento civil, pois, sendo a família conjugal o fato jurígeno/suporte fático/elemento valorativamente protegido por casamento civil e união estável, tem-se que o reconhecimento da união homoafetiva como família conjugal [como reconhecido pelo STF] implica necessariamente o reconhecimento de seu direito de acesso tanto ao casamento civil quanto à união estável. 3 Cf. VECCHIATTI Paulo Roberto Iotti. Possibilidade de Conversão de União Estável Homoafetiva em Casamento Civil. Elaborado em 26 set. 2011. Disponível em: www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/29159 (último acesso em 04/04/13) e http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/767 (último acesso em 03/03/2013). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 14. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 14 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br No mesmo sentido, a lição de Maria Berenice Dias, segundo a qual “atendidos os requisitos legais para a configuração da união estável, não há como impedir a sua conversão em casamento, sob pena de desrespeitar o efeito vinculante do decidido pela Corte Suprema”4. Nesse sentido, já têm decidido o Tribunal de Justiça de São Paulo5 e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro6, ambos em decisões de natureza administrativa, na seara dos Registros Públicos. Dessa forma, como bem dito pela juíza Rafaela de Melo Rolemberg, da Comarca de Guarulhos/SP7, “perfeitamente aplicável o art. 1.726 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual os conviventes podem requerer a conversão da união estável em casamento, mediante pedido ao juiz para posterior assento no Registro Civil da Circunscrição de seus domicílios”, especialmente porque “conferir tratamento isonômico à união estável entre pessoas do mesmo sexo nada mais é do que efetivar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade e da promoção do bem de todos sem discriminação ou preconceito”, discriminação preconceituosa esta que ocorreria caso se negasse o acesso ao casamento civil a casais homoafetivos, pela flagrante arbitrariedade anti-isonômica de uma tal postura. Ora, se a decisão do Supremo Tribunal Federal não pode ser descumprida em hipótese alguma, então o Conselho Nacional de Justiça tem a prerrogativa/possibilidade (PODER-DEVER) de determinar, por norma administrativa, que juízes(as) e tribunais em geral não a descumpram. Nesse sentido, a decisão do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se acabou de citar: 4 DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva. O Preconceito & a Justiça, 5ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 139. 5 Cf. Apelações Cíveis n.º 0034412-55.2011.8.26.0071, 0001093-72.2011.8.26.0564, 0001545-82.2011.8.26.0564, 0004335- 34.2012.8.26.0037 e 0000050-38.2011.8.26.0326, julgadas conjuntamente no dia 31.05.2012. 6 Cf., v.g., Apelação Cível n.º 0007252-3535.2012.8.19.0000. 7 Processo n.º 224.01.2011.081916-6. Disponível em http://direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1173__e7e3849c6597f3d112f3e71c44ff6efd.pdf (acesso em 04.03.2013). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 15. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 15 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br [...] A partir da sinalização das Cortes Superiores, inúmeras as decisões amparadas e fundamentadas nesses julgados. Inclusive em São Paulo. Se, na via administrativa, fosse alterada essa tendência, o Judiciário se veria invocado a decidir, agora na esfera jurisdicional, matéria já sacramentada nos Tribunais com jurisdição para todo o território nacional. Como servos da Constituição – interpretada por aquele Colegiado que o pacto federativo encarregou guardá-la – os juízes e órgãos do Poder Judiciário não podem se afastar da orientação emanada em caráter definitivo pelo STF. É por isso que, doravante, os dispositivos legais e Constitucionais relativos ao casamento e à união estável não podem mais ser interpretados à revelia da nova acepção jurídica que lhes deram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. [...] (grifos nossos) Sobre o tema, tanto é uma consequência lógica da decisão do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de conversão de união estável homoafetiva em casamento civil quanto do próprio casamento civil direto que mesmo Lenio Luiz Streck, que, equivocadamente, diz que não se poderia reconhecer a união homoafetiva como união estável reconhece que a decisão do STF deve ser cumprida e que isso significa reconhecer o direito de casais homoafetivos terem acesso ao casamento civil, por ser isto uma decorrência lógica de tal decisão. Ou seja, mesmo discordando da decisão do STF (no que se equivoca), Streck reconhece que a decisão confere o direito à conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, que é justamente a neutralidade possível que se exige do intérprete (concorde-se ou não com ela, deve- se cumprir a decisão)8. 8 STRECK, Lenio Luiz. e LIMA, Rogério Montai de. O direito de conversão da união estável em casamento nas relações homoafetivas. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI137382,41046- O+direito+de+conversao+da+uniao+estavel+em+casamento+nas+relacoes (acesso em 15/09/2011). No trecho essencial: “Analisando a parte dispositiva do voto matriz e de relatoria, os efeitos deste reconhecimento não se prestaram tão somente ao exercício da nomenclatura união estável àqueles que se encontram nesta condição, mas também, óbvio, a eles se garantiu os mais (e todos) fundamentais efeitos tais como recebimento de pensão e herança, partilha de bens, adoção, mudança de nome e, em especial o direito da conversão ao casamento civil, objeto mais apurado de defesa deste artigo. Mesmo que no voto relator não haja expressa menção sobre o detalhamento da extensão dos direitos garantidos pelo reconhecimento mencionado, por uma interpretação mais acurada dos efeitos do que foi decidido é nítida a possibilidade para a conversão do casamento civil entre homossexuais companheiros, segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências de uma relação heterossexual. [...] A tese vencedora que exsurgiu do plenário do STF fundamentou-se, em especial, nos princípios da igualdade, liberdade, dignidade e privacidade. Uma leitura, mesmo que superficial, aponta para a possibilidade da conversão da união estável em casamento igualitário. De toda sorte, como já dissemos anteriormente, não se pretende discutir erros ou acertos do que decidiu o STF, mas, uma vez reconhecido que a união estável também se aplica a casais de sexo idêntico, não seria lógico impor restrições aos direitos provenientes do instituto. Logo, perfeitamente possível a aplicação do art. 1726 do CC, podendo os conviventes, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz para posterior assento no Registro Civil da Circunscrição de seus domicílios, até porque a Constituição, nos moldes construídos no interior daquilo que denominamos de Constitucionalismo Contemporâneo é a manifestação do grau de autonomia do direito e a partir da hermenêutica filosófica, é perfeitamente possível alcançar uma resposta constitucionalmente adequada – a partir do exame de cada caso”. Grifos nossos. COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 16. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 16 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Reitere-se, por oportuno, que mesmo que se entenda (equivocadamente) que o Supremo Tribunal Federal não teria reconhecido a “união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo” como união estável, mas como entidade familiar autônoma com igualdade de direitos relativamente à união estável heteroafetiva, ainda assim a conclusão teria que ser a mesma, visto que, sendo um direito das pessoas em união estável heteroafetiva a possibilidade de conversão de tal união em casamento civil, a igualdade de direitos imposta pelo Supremo Tribunal Federal demanda pelo reconhecimento deste direito da família conjugal heteroafetiva à família conjugal homoafetiva. Se a regra de ouro é a igualdade, então casais formados por pessoas do mesmo sexo devem ter a si reconhecido o direito de conversão de sua união estável em casamento civil por este ser um direito de casais formados por pessoas de sexos opostos. Não há outra conclusão possível. Esclareça-se, de qualquer forma, que evidentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu a “união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo” como união estável, pois, do contrário, não faria sentido o Tribunal falar, na parte dispositiva da decisão, em união estável heteroafetiva. Ora, ao falar em união estável heteroafetiva, evidentemente ele reconheceu a existência da união estável homoafetiva (do contrário, não teria usado o adjetivo na parte dispositiva da decisão) – e, por outro lado, “união contínua, pública e duradoura” é o conceito legal da união estável, razão pela qual o enquadramento da união homoafetiva, pelo Supremo Tribunal Federal, como uma tal união significa que ele a conceituou como união estável. Nesse sentido, o artigo 1.723 do Código Civil, que teve a si interpretação conforme à Constituição pelo STF no citado julgamento, regulamenta a união estável, donde o afastamento de interpretações preconceituosas ou discriminatórias do mesmo, como afirmado na parte dispositiva da decisão, evidentemente implica no reconhecimento de que a união homoafetiva se enquadra no conceito de união estável, que é passível de conversão em casamento (CC 1.726)9 (donde vencido o 9 Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, pp. XLIV e 478. No mesmo sentido: BRANDELLI, Leonardo. Nome Civil da pessoa natural, 1ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 190, segundo o qual “Entendeu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação direta de COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 17. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 17 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Ministro Lewandowski na parte em que, por originalismo interpretativo, entendeu equivocadamente que não seria possível o reconhecimento de uma “união estável homoafetiva”10, embora tenha reconhecido corretamente o caráter exemplificativo do rol de famílias do artigo 226 da Constituição para, com base nisso, reconhecer a “união homoafetiva estável” como família conjugal; vencido porque somente ele fez uma tal ressalva; bem como vencidos ele e os Ministros Gilmar Mendes e Peluso nas reservas que fizeram em seus votos relativamente ao tema do casamento civil homoafetivo, já que os demais Ministros não fizeram tais ressalvas11). Essa é a posição aqui defendida, embora, subsidiariamente, se defenda que, caso esta Suprema Corte (equivocadamente) assim não pense, a outra possibilidade leva à mesma conclusão: obrigatoriedade da possibilidade de conversão da “união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo” ao regime jurídico do casamento civil. Logo, sempre que se falar em união estável homoafetiva, entenda-se implícita a menção a esta tese subsidiária da entidade familiar autônoma com igualdade de direitos relativamente à união estável heteroafetiva. Assim, deverá ser reconhecida a obrigatoriedade do deferimento de pedidos de conversão em casamento civil de união estável homoafetiva ou, subsidiariamente, de união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo, o que desde já se requer. inconstitucionalidade n. 4277 e da arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 132, pela possibilidade jurídica da união estável homoafetiva diante da impossibilidade constitucional de discriminação ou desigualação em razão do sexo, na qual implicaria uma interpretação de que o art. 226 da Carta Maior somente permit[iria] a união estável entre homem e mulher”. 10 Ademais, com a devida venia ao Ministro Lewandowski, equivocado ele ao falar em limites objetivos do Direito posto para se opor ao cabimento da analogia para reconhecer a união estável homoafetiva pois não existem limites “objetivos” no Direito “posto” neste caso concreto – ele vislumbrou uma espécie de “limite constante da vontade do legislador constituinte”, não um limite objetivo do Direito posto, que só existe quando a letra do texto normativo traz expressamente tal limite, que notoriamente inexiste pelo fato de não estar escrito na Constituição que é reconhecida a união estável “apenas” entre homem e mulher, o que caracteriza uma lacuna normativa colmatável por interpretação extensiva ou analogia, como defendido nesta peça e naquele julgamento. 11 Desenvolvemos estas críticas em nosso VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, Capítulo 13, item “6. ADPF 132 e ADI 4.277. O histórico reconhecimento do status jurídico-familiar da união homoafetiva”, que analisa todos os votos da ADPF n.º 132 e da ADI n.º 4277, ao tratarmos dos votos dos Ministros Lewandowski, Gilmar Mendes e Peluso relativamente a tais ressalvas, afirmando que ficaram vencidos neste ponto pelo fato dos demais Ministros não terem feito tais ressalvas. COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 18. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 18 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br 4.1.2. Casamento Civil Direto, sem prévia necessidade de união estável que lhe anteceda. Como visto, a possibilidade de conversão de união estável homoafetiva em casamento civil é uma decorrência obrigatória do efeito vinculante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277, já que esta é uma das consequências da união estável heteroafetiva e ter a parte dispositiva de dita decisão, que tem força de lei, determinado que todas as consequências de tal união sejam possibilitadas à união estável homoafetiva, o que, por silogismo, leva à conclusão da possibilidade de conversão da união estável homoafetiva em casamento civil. Logo, o direito de casais homoafetivos ao casamento civil é uma decorrência lógica da citada decisão do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, seria um profundo contrassenso não se permitir o casamento civil direto, sem prévia necessidade de união estável que lhe antecedesse, ao mesmo tempo em que o casamento civil por conversão de prévia união estável é obrigatório. Ora, isso implicaria dizer que a união homoafetiva necessitaria de uma espécie de “estágio probatório” para poder ser merecedora de ser consagrada pelo casamento civil sem que isso fosse exigido da união heteroafetiva, já que àquela só se permitiria tal consagração caso caracterizada como união estável enquanto tal não seria exigido desta... Como salta aos olhos, uma tal posição anacrônica violaria frontalmente o princípio da isonomia, dada a absoluta ausência de qualquer motivação lógico-racional que justificasse uma tal diferenciação com base no critério diferenciador erigido – e, como se sabe, as diferenciações juridicamente válidas são somente aquelas pautadas em um tal fundamento lógico-racional que lhes justifica com base no critério diferenciador erigido. COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 19. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 19 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Nesse sentido12: [...] não há fundamento válido ante a isonomia para justificar o tratamento desigual da união estável homoafetiva relativamente à união estável heteroafetiva, ante a ausência de fundamentação lógico-racional que justifique a discriminação pretendida (negativa de conversão em casamento civil) com base no critério diferenciador erigido (homogeneidade/diversidade de sexos do casal)13. Com efeito, no mundo inteiro, são apresentadas sempre as mesmas “razões” para se negar o direito de casais homoafetivos de acesso ao casamento civil: capacidade procriativa, vontade da maioria e religião. Contudo: (i) a capacidade procriativa não é critério diferenciador, na medida em que casais heteroafetivos estéreis, que não a possuem, não são impedidos de se casar e não deixam de ser reconhecidos enquanto família conjugal por sua mera esterilidade, razão pela qual a invocação da capacidade procriativa para impedir o acesso de casais homoafetivos ao casamento civil implica na adoção de dois pesos e duas medidas para a mesma situação (casais estéreis nos dois casos, sendo irrelevante a esterilidade ser decorrente da homogeneidade de sexos ou de problemas genético-biológicos de um ou ambos os integrantes do casal heteroafetivo, pois se o critério for a “capacidade procriativa”, então não é relevante a origem da incapacidade procriativa, sendo relevante apenas a sua existência no caso concreto). Logo, ante a não-proibição do casamento civil entre casais heteroafetivos estéreis, tem-se que a capacidade procriativa não é critério diferenciador (mesmo porque tal “critério” seria inconstitucional por afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, visto que estaria negando igual dignidade, respeito e consideração jurídica a famílias conjugais por sua mera esterilidade, que é irrelevante por ser a família conjugal formada pelo amor romântico que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura/amor familiar, não pela capacidade procriativa do casal); (ii) voluntarismo majoritário não é critério válido de discriminação, ante ser basilar na teoria constitucional que mesmo a maioria deve se submeter às normas constitucionais 12 Cf. VECCHIATTI Paulo Roberto Iotti. Possibilidade de Conversão de União Estável Homoafetiva em Casamento Civil. Elaborado em 26 set. 2011. Disponível em: www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/29159 (último acesso em 04/04/13) e http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/767 (último acesso em 03/03/2013). Notas da transcrição constantes do original. 13 Como se sabe, a discriminação juridicamente válida existe apenas quando leis diferenciadoras abranjam pessoas indeterminadas e indetermináveis no momento da eleição do critério desigualador, que a desigualação seja uma decorrência lógico-racional do critério diferenciador erigido e que dita discriminação, por mais lógico-racional que seja, seja decorrente dos valores constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, a clássica lição de Celso Antonio Bandeira de Mello em MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª Edição, 11ª Tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003. Ademais, sabe-se igualmente que há um ônus argumentativo para aquele que pretende o tratamento diferenciado, cabendo a tal pessoa comprovar a pertinência lógico-racional do tratamento diferenciado e sua coerência com os valores constitucionalmente consagrados. Nesse sentido: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva, 5a Edição Alemã, 1a Edição Brasileira, São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 407-409; RIOS, Roger Raupp. O Princípio da Igualdade e a Discriminação por Orientação Sexual: a Homossexualidade no Direito brasileiro e Norte-Americano, Porto Alegre: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 53-54, que bem sintetiza a lição de Alexy na obra citada com a seguinte lição: “Somente diante de uma razão suficiente para a justificação do tratamento desigual, portanto, é que não haverá violação do princípio da igualdade. Ora, a suficiência ou não da motivação da diferenciação é exatamente um problema de valoração. Neste quadro, ante a inexistência de uma razão suficiente, a máxima da igualdade ordena um tratamento igual; para tanto expressar, Alexy assim formula, de modo mais preciso, a máxima de igualdade: ‘Se não há nenhuma razão suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento igual’. Inexiste razão suficiente sempre que não for alcançada fundamentação racional para a instituição da diferenciação; este dever de fundamentação impõe uma carga de argumentação para que se justifiquem tratamentos desiguais. [...]” (grifos nossos) COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 20. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 20 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br enquanto não alterá-las ou convocar nova constituinte para suprimi-las caso se tratem de cláusulas pétreas, bem como que os direitos fundamentais têm a função de proteger as minorias dos desmandos despóticos da maioria, donde a maioria não tem o direito de negar direitos fundamentais a uma minoria, como bem ressaltado nos votos dos Ministros Celso de Mello14 e Marco Aurélio15 no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADIn n.º 4277, o primeiro destacando a proteção das minorias por intermédio dos direitos fundamentais contra voluntarismos majoritários como condição indispensável para o respeito a uma concepção material de democracia constitucional ante o necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática. Mesmo porque, como bem decidido pela Suprema Corte dos EUA nos casos Romer vs. Evans e Lawrence vs. Texas, o mero moralismo majoritário não constitui uma base racional para justificar discriminações jurídicas, visto que a mera antipatia contra determinado grupo ou o mero desejo (“animus”) de prejudicá- lo não constitui fundamento lógico-racional que justifique o tratamento diferenciado, visto não estar relacionado com nenhum bem constitucionalmente reconhecido. Assim, considerando que a união homoafetiva constitui uma família conjugal, que ela foi assim 14 Ministro Celso de Mello: “É evidente que o princípio majoritário desempenha importante papel no processo decisório que se desenvolve no âmbito das instâncias governamentais, mas não pode legitimar, na perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional, a supressão, a frustração e a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício da igualdade e da liberdade, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o Estado democrático de direito. Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que identificam os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão. Na realidade, o tema da preservação e do reconhecimento dos direitos das minorias deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais alto relevo, a agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional. Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte, quando grupos majoritários, por exemplo, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional (MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 26.441/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). [...] A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. Desse modo, e para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente conceitual ou simplesmente formal, torna-se necessário assegurar, às minorias, notadamente em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos fundamentais que a todos, sem distinção, são assegurados. Isso significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo compatível com os fundamentos estruturantes da própria ordem democrática (CF, art. 1º, V), que se impõe a organização de um sistema de efetiva proteção, especialmente no plano da jurisdição, aos direitos, liberdades e garantias fundamentais em favor das minorias, quaisquer que sejam, para que tais prerrogativas essenciais não se convertam em fórmula destituída de significação, o que subtrairia – consoante adverte a doutrina (SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA, “Fundamentos de Direito Constitucional”, p. 161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática ao regime político vigente em nosso País” (grifos do original). 15 Ministro Marco Aurélio: “No mais, ressalto o caráter tipicamente contramajoritário dos direitos fundamentais. De nada serviria a positivação de direitos na Constituição, se eles fossem lidos em conformidade com a opinião pública dominante. Ao assentar a prevalência de direitos, mesmo contra a visão da maioria, o Supremo afirma o papel crucial de guardião da Carta da República, como o fez no julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, quando declarou a inconstitucionalidade da aplicação da ‘Lei da Ficha Limpa’ às eleições de 2010, por desarmonia com o disposto no artigo 16 da Carta Federal. Assim já havia procedido em outras oportunidades, tal como na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.351/DF, de minha relatoria, relativamente aos pequenos partidos políticos, no célebre caso ‘Cláusula de Barreira’” (grifo nosso). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 21. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 21 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br reconhecida pelo STF16 e considerando que a família conjugal constitui o objeto de proteção valorativamente protegido pelo regime jurídico do casamento civil, tem-se que a vontade homofóbica de uma eventual maioria que venha a se opor ao casamento civil homoafetivo não configura critério válido de discriminação, donde o argumento é inaceitável para tal fim. A opinião da maioria da população torna-se irrelevante a partir do momento em que se conclui que a interpretação do ordenamento jurídico-constitucional demanda pela aplicação da interpretação extensiva ou da analogia para estender os regimes jurídicos do casamento civil e da união estável aos casais homoafetivos, pois, como se sabe, o princípio do Estado de Direito significa que vivemos em um governo de leis e não de Homens – para usar a expressão consagrada (ainda que sejam leis interpretadas por Homens) –, o que significa que o ordenamento jurídico se aplica a todos indistintamente, mesmo às maiorias, que a ele tem que se submeter. Isso não afronta a democracia porque esta é atualmente entendida como o regime jurídico de defesa dos direitos fundamentais, não como despotismo das maiorias. Se estas não mais concordam com o ordenamento jurídico, que o alterem ou convoquem uma nova Constituinte se a questão versar sobre cláusulas pétreas – assumindo os riscos e consequências dessa atitude. Mas o governo de leis significa que não é a conveniência e/ou a arbitrariedade da maioria que vai determinar as regras de convivência social: isso é determinado pelas normas jurídicas, donde estas se aplicam mesmo contra a vontade majoritária17. Logo, a partir do momento em que a família 16 Sobre o tema, é paradigmático o voto do Ministro Luiz Fux, senão vejamos: “O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional. [...] Pois bem. O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: Nada as distingue. Assim como companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e apoiam-se emocional e financeiramente; vivem juntos as alegrias e dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum. Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos. [...] É certo que o ser humano se identifica no agrupamento social em que vive, desde a sua célula mais elementar: a família. Permitir ao indivíduo identificar-se publicamente, se assim o quiser, como integrante da família que ele mesmo, no exercício da sua autonomia, logrou constituir, é atender ao princípio da dignidade da pessoa humana; permitir ao homossexual que o faça nas mesmas condições que o heterossexual é observar o mesmo respeito e a mesma consideração – é atender à igualdade material consagrada na Constituição. [...] A aplicação da política de reconhecimento dos direitos dos parceiros homoafetivos é imperiosa, por admitir a diferença entre os indivíduos e trazer para a luz relações pessoais básicas de um segmento da sociedade que vive parte importantíssima de sua vida na sombra. Ao invés de forçar os homossexuais a viver de modo incompatível com sua personalidade, há que se acolher a existência ordinária de orientações sexuais diversas e acolher uma pretensão legítima de que suas relações familiares mereçam o tratamento que o ordenamento jurídico confere aos atos da vida civil praticados de boa-fé, voluntariamente e sem qualquer potencial de causar dano às partes envolvidas ou a terceiros. Ressalte-se este último ponto: uma união estável homoafetiva, por si só, não tem o condão de lesar a ninguém, pelo que não se justifica qualquer restrição ou, como é ainda pior, a limitação velada, disfarçada de indiferença”. (grifos do original) 17 Ou seja, se a interpretação jurídica aponta para uma solução e a vontade majoritária para outra, há de prevalecer a interpretação jurídica, sob pena de afronta ao princípio do Estado de Direito, o que significa ser irrelevante a inexistência de consenso popular sobre a conclusão da decisão judicial. Esta deve se pautar exclusivamente na interpretação dos enunciados normativos constantes do ordenamento jurídico (às normas a eles explícitas ou implícitas) e em nada mais. Aliás, essa é a lógica do princípio da separação dos poderes, que desde Montesquieu se pauta na lógica dos freios e contrapesos, no sentido de que um Poder deve controlar eficazmente o outro; cumprindo lembrar que o próprio Montesquieu já falava que “Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder” (MONTESQUIEU. O Espírito das Leis, Tradução de Edson Bini, 1a Edição, São Paulo: Editora Edipro, 2004, p. 189). “E mesmo Montesquieu não entendia esta separação como um fim em si mesma, mas como algo útil à sua concepção de separar para limitar” (PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de Injunção, 1a Edição, São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 107). Nesse sentido, o Judiciário controla o Legislativo por ser ele quem dá a palavra final sobre a interpretação dos enunciados normativos vigentes no país; por sua vez, o COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 22. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 22 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br conjugal contemporânea forma-se pelo amor familiar (amor romântico que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura18), que é o elemento valorativamente protegido pelas leis do casamento civil e da união estável, assim como considerando que as uniões homoafetivas são pautadas por este amor familiar que justifica a proteção do Direito das Famílias às uniões heteroafetivas, então a isonomia impõe a aplicação da interpretação extensiva ou analogia19 para possibilitar o casamento civil e a união estável a casais homoafetivos, ante a ausência de motivação lógico-racional que justifique entendimento contrário (interpretação extensiva por considerarmos as situações idênticas, por ambas formarem família conjugal, mas caso se considere que o fato de termos duas pessoas do mesmo sexo em um caso e duas pessoas de sexos diversos em outro uma “diferença”, cabível então a analogia por ser a família conjugal o fato valorativamente protegido também pelo casamento civil – ou seja, por ser aquilo que é essencial ao mesmo). Goste ou não a maioria, isto é o que o Direito pátrio impõe20 através Legislativo controla o Judiciário mediante a alteração dos enunciados normativos quando a interpretação do Judiciário não lhe agrade – e, se o dispositivo constitucional for uma cláusula pétrea, a maioria pode perfeitamente convocar uma nova Constituinte para que a nova Constituição seja elaborada da forma que melhor lhe convenha, assumindo os riscos inerentes à elaboração de uma nova Constituição, como a ausência de limites para alterações (risco este que não resta afastado, mas agravado, com a admissão da alteração das próprias cláusulas pétreas pela inaceitável tese da dupla reforma, que acaba por permitir o mesmo risco de ausência de limites para alterações ao propugnar pela possibilidade de se alterar o artigo que estabelece as cláusulas pétreas para, posteriormente, alterá- las, o que claramente afronta a ratio constitucional de eternidade das cláusulas pétreas, pois a imutabilidade do dispositivo que enuncia o caráter pétreo de outras cláusulas constitucionais é uma norma claramente implícita ao mesmo, pela obviedade segundo a qual, do contrário, de imutáveis as cláusulas pétreas nada terão. É uma questão de pura lógica). Essa é a lógica do princípio da separação dos poderes, que é relevante para este caso justamente para demonstrar que a vontade majoritária deve ser irrelevante à interpretação jurídica, pois a vontade majoritária encontra-se representada pelo Legislativo, que pode controlar a interpretação atribuída aos enunciados normativos pelo Judiciário pela forma supra exposta, razão pela qual afigura-se absolutamente descabido afirmar que as decisões judiciais deveriam ser precedidas de consenso popular. 18 O elemento formador da família contemporânea é o amor familiar, a saber, o amor que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura (amor romântico-familiar, no caso da família conjugal), conforme VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 1ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2008, pp. 196-211 (“2.4.1. O Amor Familiar como o Elemento formador da Família Contemporânea”). Sobre o tema, vide a excelente lição de RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2001, pp. 103-105, que explica a superação da opressora família hierárquico-patriarcal [na qual o homem mandava despoticamente na sociedade conjugal heteroafetiva], sua evolução para a família fusional [que se forma e se mantém apenas se houver afeto romântico na relação conjugal] e a chegada da família pós-moderna, do século XXI, na qual as relações se pautam muito mais na solidariedade e no afeto do que na mera função procriativa da família [família eudemonista, a que se forma e se mantém unicamente se isto trouxer felicidade aos seus membros]. Evidentemente, Maria Berenice Dias merece especial menção, que consagrou a concepção de família afetiva no Direito Brasileiro mediante a cunhagem do termo homoafetividade para destacar o status jurídico-familiar da união homoafetiva em sua obra atualmente nominada DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva. O Preconceito & a Justiça, 4ª Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2009. 19 Quanto à definição da interpretação extensiva e sua diferença da analogia, cite-se a saudosa lição de Miguel Reale: “[...] o pressuposto do processo analógico é a existência reconhecida de uma lacuna na lei [ao passo que] Na interpretação extensiva, ao contrário, parte-se da admissão de que a norma existe, sendo suscetível de ser aplicada ao caso, desde que estendido o seu entendimento além do que usualmente se faz. É a razão pela qual se diz que entre uma e outra há um grau a mais na amplitude do processo integrativo”. (REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, 27ª Edição, 4ª tiragem, São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 298 – grifos nossos). Considera-se aqui que união homoafetiva e união heteroafetiva são idênticas, por serem ambas famílias conjugais por pautadas pelo amor familiar; mas, caso se considere que haveria alguma “diferença” entre ambas, então cabível analogia por serem idênticas no essencial, justamente por serem ambas famílias conjugais por pautadas pelo amor familiar. 20 Como demonstrado, o princípio do Estado de Direito significa que vivemos sob a égide de um governo de leis e não de Homens, donde a vontade majoritária não deve ter nenhuma influência na interpretação jurídica. Se a evolução da racionalidade humana enseja uma drástica mutação normativa (mudança na interpretação do mesmo enunciado normativo, amplamente reconhecido na teoria constitucionalista pela aceitação uníssona do fenômeno da mutação constitucional), isso não significa que a maioria da sociedade tenha que isto aceitar. Quando a doutrina COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 23. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 23 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br dos direitos fundamentais à igualdade e ao respeito de sua dignidade conferidos a todos os cidadãos brasileiros, inclusive aos cidadãos homossexuais. Trata-se de uma questão de direitos fundamentais que, enquanto vigentes em nosso ordenamento jurídico- constitucional, encontra-se fora do alcance de deliberações majoritárias21; (iii) motivos religiosos igualmente não são argumentos juridicamente aceitáveis por força do princípio da laicidade estatal, que veda a utilização de argumentos religiosos para fundamentar decisões jurídicas, pois tal utilização caracterizaria “aliança” com a religião em questão, algo vedado expressamente pelo art. 19, inc. I, da CF/88 – cumprindo lembrar que nenhuma instituição religiosa será obrigada a celebrar casamentos homoafetivos por estarmos tratando aqui de casamento civil, não de casamento religioso – cabendo anotar que o STF, no julgamento da ADIn n.º 2.076, deixou expresso que a expressão “sob a proteção de Deus”, do preâmbulo constitucional, não constitui norma jurídica, ao passo que, mesmo que o fosse, sua concordância prática com a laicidade estatal do art. 19, inc. I, da CF/88 demandaria que não fosse aceita a influência da religião sobre o Direito, que estadunidense mudou seu pensamento segregacionista do separados mas iguais (que permitia a segregação de negros em relação a brancos) para admitir a completa igualmente entre negros e brancos e mesmo para permitir ações afirmativas (como quotas sociais) em favor de negros a partir de uma nova interpretação do mesmíssimo dispositivo constitucional (o enunciado normativo da isonomia estadunidense não se alterou; mudou apenas a valoração da situação fática pelos julgadores quando confrontada com a igualdade do Direito Estadunidense), isso não se deu com a aceitação da maioria da sociedade – que ainda possuía uma enormidade de pessoas que ainda achavam correto discriminar negros por sua mera cor de pele. Isso mostra que a interpretação jurídica, mesmo quanto a mutações normativas (sem alteração de texto), independe da concordância da maioria da população. Ademais, o Judiciário possui plena legitimidade democrática, consubstanciada na aplicação dos enunciados normativos aprovados pela maioria. É a legitimidade tecnocrática do Judiciário, que tem legitimidade democrática oriunda do fato de pautar suas decisões nos enunciados normativos aprovados pelo povo, por intermédio de seus representantes eleitos pelo voto direto – veja-se definição da legitimidade tecnocrática do Judiciário em TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional, 1a Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 507, segundo a qual “O caráter técnico, ao proporcionar uma neutralidade axiológica, garante que o órgão possa fazer atuar o Direito positivado”. Cabe aqui apontar que a neutralidade judicial não supõe que o juiz não tenha ideologias próprias, mas apenas que, entre a sua ideologia e a ideologia positivada no ordenamento jurídico, ele deva dar prevalência a esta. 21 Nesse sentido, vide a lição de José Afonso da Silva, para quem “democracia é o regime de garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 25a Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 132). Essa concepção decorre da correta noção segundo a qual o Estado Democrático visa a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana (Ibidem, p. 117) – ou seja, a democracia existe para garantir a prevalência dos direitos fundamentais, donde ainda que a maioria queira desrespeitar os direitos fundamentais de quem quer que seja, a vontade majoritária será inválida por inconstitucional, encontrando-se a maioria condicionada pelos termos da Constituição, o que só pode ser superado por uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Afinal, como bem diz André Ramos Tavares: “A democracia só será plena quando estiver presente (não como suficiente) o modelo majoritário e, além dele, estiverem assegurados os direitos e liberdades fundamentais, o princípio da subordinação de todos à lei (governo de leis e não de homens), e desde que existam mecanismos que assegurem que a maioria não sufocará os correlatos direitos da minoria, alcançados após uma longa evolução história de conquistas. ‘Ora, o princípio da que o Direito é o que a maioria disser que é Direito não cumpre integralmente o princípio democrático, tal como é atualmente compreendido. Daí se saca a legitimidade do Tribunal Constitucional [e, portanto, do Judiciário em geral], amoldado a essa nova perspectiva democrática, sem a qual o Direito se afastaria da igualdade, da liberdade, da justiça e do conceito de dignidade da pessoa humana, que justificam a sua própria existência (Tavares, 1998: 84)” (Ibidem, p. 509). Para finalizar o tema da democracia, cabe aqui o espirituoso (e preciso/perfeito) exemplo auto-explicativo de Luís Roberto Barroso, que justifica o acerto de todo o exposto sobre o conteúdo jurídico do princípio democrático: “A Constituição de um Estado democrático deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla e o governo da maioria. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos” (BARROSO, Luís Roberto. O Judiciário entrou na política, in Migalhas de Peso. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=19490. Acesso em 19.04.2009). 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  • 24. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 24 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br ocorreria caso se aceitassem fundamentações religiosas para pautar decisões jurídicas (o que configuraria, no mínimo, a aliança expressamente vedada por tal dispositivo constitucional – a compatibilização demanda pelo respeito à liberdade de religiosa e de culto das religiões, sem permitir que qualquer religião, mesmo majoritária, dite os rumos do Direito pátrio, mesmo porque liberdade religiosa garante o direito de não ter sua vida regida pela religião alheia, como bem destacam Canotilho e Vital Moreira22 em sua Constituição da República Portuguesa Anotada). Anote-se, ainda, que teorias de Direito Natural, teológicas ou racionalistas, não têm substrato jurídico-constitucional em um sistema de Constituição Rígida que não o reconheça, consoante reconhecido pelo STF no julgamento da ADIn n.º 815, que disse que teorias de supremacia de normas supra-positivas são incompatíveis com o ordenamento jurídico de uma Constituição Rígida – mesmo porque o subjetivismo inerente a teorias de Direito Natural afronta o princípio da segurança jurídica, ante a ausência de um critério seguro de definição sobre o que configuraria o Direito Natural Supra-Positivo, donde considerações a esse respeito não devem ser levadas em consideração, devendo-se discutir apenas aquilo que reste reconhecido expressa ou implicitamente pela Constituição Federal. Ademais, embora o casamento civil independa de capacidade procriativa e mesmo de adoção/filiação (parentalidade) para poder ser usufruído pelas pessoas, vale destacar que diversas pesquisas psicológico-sociais já comprovaram que a simples criação de crianças e adolescentes por casais homoafetivos não lhes traz nenhum prejuízo relativamente àquelas(es) criadas(os) por casais heteroafetivos, não havendo sequer maior incidência de homossexuais naquelas(es) criadas(os) por aqueles (até porque homossexuais são filhos de casais heteroafetivos). Tanto isso é verdade que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no paradigmático caso Atalla Riffo y niñas vs. Chile, atestou peremptoriamente que não se pode retirar a guarda de filhos de uma pessoa por sua mera orientação sexual [nem por identidade de gênero, acrescente-se] com base em estereótipos preconceituosos sobre o tema, por não se poder presumir que a mera homossexualidade da pessoa seria “prejudicial” a crianças e adolescentes [o mesmo valendo, acrescente-se, para a bissexualidade e, ainda, a travestilidade, a transexualidade e a orientação sexual e identidade de gênero em geral], decisão absolutamente correta, devido à inexistência de motivação lógico-racional que o justifique. Associações de Psicologia, Pediatria e Psiquiatria brasileiras e 22 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição Portuguesa Anotada, Volume I, 1a Edição Brasileira, 4a Edição Portuguesa, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 609. No original: “[...] A liberdade de religião é a liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou anti- religiosa. (...)” (grifo nosso). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 25. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 25 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br estrangeiras atestam isso à saciedade e, no Brasil, as diversas adoções deferidas a homossexuais e casais homoafetivos se pautam em laudos psicológicos e sociais que atestam não haver prejuízo nenhum a crianças e adolescentes sua criação pelas pessoas homossexuais em questão (cf., v.g., STJ, REsp n.º 1.281.093/SP e REsp n.º 889.852/RS, que ficam aqui inteiramente reiterados/prequestionados, bem como a citada decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos). A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável. [...] Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas ‘(...) têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo’. (FARIAS, Mariana de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, pp.75/76)”. [STJ, REsp n.º 1.281.093/SP. Grifos nossos] “Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), ‘não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores’. [...] A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança” [STJ, REsp n.º 889.852/RS. Grifo nosso] Segundo a CIDH, ‘o objetivo geral de proteger o princípio do interesse superior da criança é, em si mesmo, um fim legítimo e é, ademais, imperioso (...) [para] propiciar o desenvolvimento dela’, contudo, ‘a Corte constata que a determinação do interesse superior da criança, em casos de cuidado e custódia de menores de idade deve ser buscado a partir da avaliação dos comportamentos parentais específicos e seu impacto negativo no bem-estar e no desenvolvimento da criança segundo o caso [concreto], os danos ou riscos reais e provados, e não especulativos ou imaginários. Portanto, não podem ser admissíveis as especulações, presunções, estereótipos ou considerações generalizadas sobre características pessoais dos pais ou preferências culturais sobre certos conceitos tradicionais da família’, razão pela qual ‘a Corte Interamericana observa que embora o ‘interesse superior da criança’ seja, em abstrato, um fim legítimo, a mera referência ao mesmo sem provar, concretamente, os riscos ou danos que poderiam decorrer da orientação sexual da COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 26. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 26 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br mãe para as filhas não pode servir de medida idônea para a restrição de um direito protegido como o de poder exercer todos os direitos humanos sem discriminação alguma pela orientação sexual da pessoa’, pois ‘O interesse superior da criança não pode ser utilizado para amparar a discriminação contra a mãe ou o pai pela orientação sexual de qualquer deles. Desse modo, o julgador não pode tomar em consideração esta condição social como elemento para decidir sobre a guarda ou custódia” [CIDH, caso Atalla y niñas vs. Chile, itens 108 a 110, apud VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2012, pp. 521-522]. Destaque-se, ainda, ser absolutamente descabido invocar-se a chamada teoria da inexistência do ato jurídico, tradicionalmente utilizada por quem deseja negar juridicidade à união homoafetiva. Primeiramente porque a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277, ao reconhecer a família conjugal homoafetiva como merecedora do regime jurídico da união estável, afastou qualquer possibilidade de se entender que a diversidade de sexos configuraria uma das (supostas) condições de existência do casamento civil e da união estável23 – ora, ao enquadrar a união homoafetiva no conceito constitucional de união estável e, de qualquer forma, entendê-la como uma família conjugal, torna-se incontestável que a diversidade de sexos não é essencial ao enquadramento de uma união conjugal no casamento civil e na união estável. Em segundo lugar, porque, se for aceita a validade/juridicidade desta absurda teoria, há de se concluir que o suporte fático, o fato jurígeno, enfim, a “condição de existência” do casamento civil e da união estável é a família conjugal, razão pela qual é juridicamente possível e procedente o pedido de casamento civil formulado por casal homoafetivo por este formar uma família conjugal de forma idêntica ou, no mínimo, análoga àquela formada por um casal heteroafetivo, já que ambas são pautadas no amor familiar, o amor romântico/conjugal que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, 23 No mesmo sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias, Volume 6, 4ª Edição, Salvador: Editora JusPodvm, 2012, p. 247, que aduzem que, buscando embasamento no entendimento predominante na doutrina e vislumbrando a nova orientação da jurisprudência dominante [STF, ADPF 4277 e STF, REsp n.º 1.183.378/RS], não pode ser tratada a diversidade de sexos como pressuposto de existência do casamento civil, pois, considerando que, da mesma forma que as famílias em geral, o casamento civil está assentado na comunhão de vida afetiva de seus integrantes e tendo em vista o fato de que não se pode vislumbrar o casamento civil como mero núcleo de perpetuação biológica da espécie, só resta reconhecer a possibilidade jurídica do casamento civil homoafetivo. COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 27. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 27 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br que é o elemento formador da família contemporânea24. Por fim, consoante igualmente desenvolvido amplamente em sede doutrinária25, a teoria da inexistência de atos que existiram no mundo fático é uma teoria flagrantemente ilegal e inconstitucional, visto que visa atribuir ao ato taxado de inexistente a mesma pena atribuída ao ato nulo, que é a destruição dos efeitos eventualmente produzidos pelo mesmo com eficácia ex tunc (retroativa), donde, se o Direito determina que não há nulidade sem texto, ou seja, que só se pode destruir os efeitos jurídicos produzidos por um ato (mediante a declaração de nulidade) se ela for determinada pela literalidade normativa (“letra da lei”), como forma de se resguardar a segurança jurídica para que as nulidades não dependam do subjetivismo (decisionismo) do intérprete, então é incoerente admitir-se que uma teoria não-referendada por texto normativo nenhum possa atribuir ao ato taxado de inexistente a mesma pena que o Direito exige que seja prevista por texto normativo (expresso) para que ele possa ser declarado nulo. Logo, tem-se que a teoria da inexistência de atos que existiram no mundo fático é ilegal, por violadora da taxatividade do rol de impedimentos matrimoniais do artigo 1.521 do Código Civil (se o rol é taxativo, atribuir a mesma consequência da nulidade daí decorrente a fato não citado no seu rol viola referida taxatividade legal), bem como inconstitucional, por violadora do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que aduz que ninguém será obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de lei, logo, de texto normativo expresso, o que significa que não se pode impedir alguém de se casar civilmente ou de ter sua união estável reconhecida sem que texto normativo (expresso) isto determine (texto normativo este que, para ser constitucional, teria, ainda, que respeitar o aspecto 24 Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2013, pp. 169-285 (item “2.4.1. O Amor Familiar como o elemento formador da família contemporânea. STF, ADPF 132 e ADI 4277”). 25 Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. A Família Juridicamente Protegida, a Lei Maria da Penha e a Proteção Constitucional da Família Homoafetiva – Equívocos dos Julgamentos do TJRS que Negaram o Direito ao Casamento Civil Homoafetivo. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Ano XII, n.º 15, Jun-Jul 2010, pp. 93-116 – especificamente nas páginas 108-110. Desenvolvendo o tema de forma mais ampla: VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 1ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2008, pp. 416-430. Na segunda edição (2013), constou apenas a síntese do capítulo constante da primeira edição (pp. 411-421, especialmente pp. 415-416) a íntegra deste trecho foi disponibilizado na internet, no seguinte link: http://pauloriv71.wordpress.com/2012/10/02/manual-da-homoafetividade-segunda-edicao-capitulos-online/ (selecionar o link relativo ao título “Homoafetividade 11” e, nele, verificar o item 7.1, pp. 67-82; item 8, PP. 107-115, para a inconstitucionalidade da teoria do silêncio eloquente, mencionada no parágrafo seguinte do corpo do texto). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04
  • 28. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 28 Alameda Campinas, n.º 433, 13º andar, cj. 132, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 01404-000. Telefone: (11) 3253-5400; E-mail: pauloriv71@aasp.org.br material da isonomia e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evidentemente). Pelos mesmos fundamentos, inconstitucional também a teoria do silêncio eloquente porque proibições só existem quando expressas em textos normativos, à luz do disposto no artigo 5º, II, da Constituição Federal (e, de qualquer forma, como se trata de teoria que tem aplicabilidade apenas quando isto não implique em afronta a direitos fundamentais, ela é inaplicável para prejudicar o reconhecimento e a proteção da união estável homoafetiva pelo direito fundamental a ter sua família protegida pelo Estado decorrente do caput do artigo 226 da Constituição Federal26, ao passo que o reconhecimento da família conjugal como o suporte fático do casamento civil e da união estável afasta a possibilidade de se entender que teria havido um silêncio eloquente neste caso, já que, se família conjugal é, então a isonomia impõe a proteção da união estável homoafetiva, por interpretação extensiva ou analogia). Posição em sentido contrário à aqui defendida seria absolutamente contraditória tanto com a letra quanto, especialmente, com o espírito da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277, na 26 Tal se extrai, inclusive, do voto do Ministro Lewandowski na ADPF n.º 132 e na ADI n.º 4277. Com efeito, ao justificar o cabimento da analogia para se reconhecer uma união homoafetiva estável neste caso, Sua Excelência invocou a lição de Canotilho, no sentido de que cabe a integração analógica quando determinadas situações que devem se considerar reguladas pelo texto constitucional não estão previstas e não possam ser cobertas pela interpretação, mesmo extensiva, de preceitos constitucionais considerados em sua letra e sua ratio, hipótese na qual a lacuna constitucional somente existe quando contrária ao plano regulativo e a teleologia da ordenação constitucional [Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Coimbra: Almedina, 2003, PP. 1234-1235 (nota do original)]. Sobre o tema, considerando que a interpretação sistemático-teleológica da Constituição demanda pela compreensão segundo a qual a família conjugal homoafetiva deva ser considerada como regulada pelo texto constitucional por força da arbitrariedade da discriminação jurídica decorrente de entendimento em sentido contrário (e, portanto, inconstitucionalidade por afronta à isonomia e à dignidade da pessoa humana oriunda da negativa de direitos e do menosprezo ao valor [à dignidade] de tais uniões relativamente àquele[a] atribuído[a] à união heteroafetiva), entendo que a mesma deva se considerar regulada pelo texto constitucional, ainda que implicitamente – até porque, segundo Álvaro Villaça Azevedo, “ao legislador, ainda que constituinte, não cabe dizer ao povo como deve ele constituir sua família. O importante é proteger todas as formas de constituição familiar, sem dizer o que é melhor” [cf. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato, de acordo com o atual Código Civil, Lei 10.406, de 10/1/2002. 3ª Edição, São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 240 (nota do original)], o que evidentemente também se aplica para fins de proteção da família conjugal homoafetiva. Afinal, sendo uma família conjugal e sendo a família conjugal o objeto de proteção do regime jurídico da união estável (bem como do casamento civil), deve a família conjugal homoafetiva ser protegida da mesma forma que a família conjugal heteroafetiva, por interpretação extensiva ou analogia (visto a ausência de proibição da legislação a tanto), sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana (entre outros, citados nas ações e na decisão, sendo que, se houvesse uma tal proibição na legislação ordinária ou oriunda de emenda constitucional, seria ela, portanto, inconstitucional). COPIA -STF MS 32077-CPF 24641778817-28/05/201307:50:04