1) O documento propõe a criação da rede colaborativa "Olhos do Bem" para combater a vulnerabilidade social em cidades inteligentes por meio do uso de tecnologias de informação e inteligência artificial.
2) As cidades inteligentes devem se preocupar com a qualidade de vida dos cidadãos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social como pessoas em situação de rua.
3) A rede "Olhos do Bem" usaria técnicas de inteligência artificial para facilitar tarefas de apoio social como a identificação de necessidades
O uso de tecnologias de big data na concepção e execução de estratégias de en...
Rede "Olhos do Bem"
1. Olhos do Bem - Inteligˆencia artificial e inteligˆencia social em
prol de uma cidade mais inteligente
Diego Antonio Lusa1
1Instituto de Ciˆencias Exatas e Geociˆencias – Universidade de Passo Fundo (UPF)
Campus 1 - BR 285 - Passo Fundo (RS) - Brasil
f83473g@upf.br
Abstract. Cities grow proportionally in size and problems. Besides contributing
to the declining quality of life, the problems experienced by cities accentuate
social inequalities situation, evidenced by the presence of individuals in extreme
social vulnerability. One possible means of contour difficulties experienced by
cities refers to the application of information and communication technologies
in order to make the cities smart in terms of infrastructure and services. In
this paper, we propose the construction of collaborative network “Good Eyes”,
based on the concept of smart cities and aimed specifically at combating social
vulnerability among individuals living on the streets.
Resumo. As cidades crescem proporcionalmente em tamanho e em problemas.
Al´em de contribuir para o decl´ınio da qualidade de vida, os problemas vivencia-dos
pelas cidades acentuam as desigualdades sociais, situac¸ ˜ao evidenciada pela
presenc¸a de indiv´ıduos em condic¸ ˜oes de extrema vulnerabilidade social. Um dos
meios poss´ıveis de contorno `as dificuldades vivenciadas pelas cidades refere-se
a aplicac¸ ˜ao das tecnologias de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao, visando tornar as
cidades mais inteligentes em termos de infraestrutura e servic¸os. Neste artigo,
prop˜oem-se a construc¸ ˜ao da rede colaborativa “Olhos do Bem”, embasada no
conceito de cidades inteligentes e voltada especificamente ao combate da vul-nerabilidade
social entre indiv´ıduos em situac¸ ˜ao de rua.
1. Introduc¸ ˜ao
O r´apido crescimento urbano vivenciado nas ´ultimas d´ecadas tem colocado a prova os
servic¸os e a infraestrutura das grandes cidades brasileiras. Problemas no transporte
p´ublico, sa´ude, educac¸ ˜ao e seguranc¸a s˜ao alguns exemplos dos efeitos observados em
raz˜ao deste crescimento desordenado. Como resultado, cria-se um ambiente ca´otico e
estressante que reduz a qualidade de vida dos cidad˜aos, tornando a cidade um local pouco
apraz´ıvel para se viver.
As dificuldades enfrentadas pelos grandes centros urbanos acabam tamb´em por
acentuar as desigualdades sociais. Criam-se locais de alta concentrac¸ ˜ao populacional,
com infra-estrutura prec´aria e alto ´ındice de violˆencia. Em decorrˆencia dos baixos ´ındices
de qualidade de vida observados, consolida-se um c´ırculo vicioso de pobreza e mis´eria,
dif´ıcil de ser superado sem uma quebra abrupta de realidade.
Neste contexto, enquadram-se tamb´em aqueles indiv´ıduos em situac¸ ˜ao de rua, que
vivem `a margem da sociedade e n˜ao usufruem de praticamente nenhum dos benef´ıcios da
vida urbana. Dentre estes indiv´ıduos que fazem da rua seu lar encontram-se in´umeras
2. crianc¸as e adolescentes, que devido a dura vida entregam-se muito cedo ao crime e aos
v´ıcios, tornando-se ref´ens da situac¸ ˜ao de mis´eria em que se encontram.
Uma das formas de tratar os grandes problemas vivenciados pelas cidades, de
sorte a oferecer `a populac¸ ˜ao maior qualidade de vida e trabalho, compreende aplicar tec-nologias
de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao (TIC) no meio urbano. Por meio da tecnologia,
as responsabilidades fundamentais da cidade s˜ao capacitadas em inteligencia e eficiˆencia,
atendendo a populac¸ ˜ao com maior velocidade e qualidade. Este ´e o princ´ıpio fundamental
no qual est´a embasado o conceito das cidades inteligentes.
Mais do que simplesmente aplicar tecnologias de ponta, as cidades inteligentes
devem preocupar-se com seus cidad˜aos. Os benef´ıcios gerados pelo uso das ferramentas
tecnol´ogicas devem ser percebidos por todos os indiv´ıduos e n˜ao por apenas uma par-cela
da populac¸ ˜ao. Desta forma, ´e no m´ınimo imprescind´ıvel que uma cidade inteligente
preocupe-se com aqueles cidad˜aos que encontram-se em situac¸ ˜ao de vulnerabilidade so-cial,
em especial, com os que vivem em situac¸ ˜ao de rua.
Com intuito de propor uma ferramenta de aux´ılio no combate a vulnerabilidade
social, com ampla aplicabilidade no contexto de cidades inteligentes, este artigo objetiva
apresentar a rede colaborativa “Olhos do Bem”. Para tal, na Sec¸ ˜ao 2 apresentam-se os
conceitos fundamentais que definem as cidades inteligentes e, na Sec¸ ˜ao 3, descreve-se
a importˆancia do elemento humano dentro deste novos ambientes urbanos. Uma vez
apresentada a fundamentac¸ ˜ao te´orica, na Sec¸ ˜ao 4 s˜ao propostos os aspectos conceituais da
rede “Olhos do Bem”, ressaltando-se, em espec´ıfico, as t´ecnicas de inteligˆencia artificial
necess´arias a sua construc¸ ˜ao. Por fim, na Sec¸ ˜ao 5 apresentam-se as considerac¸ ˜oes finais
acerca da proposta apresentada.
2. Cidades Inteligentes
O termo “cidade inteligente” tem se tornado muito frequente no linguajar de pol´ıticos e
autoridades governamentais nos ´ultimos anos. Boa parte das vezes, o uso do termo est´a
muito mais atrelado `as estrat´egias de marketing, que buscam unicamente promover uma
melhor impress˜ao da cidade em investidores e nos pr´oprios cidad˜aos, do que propriamente
ao verdadeiro conceito de uma cidade inteligente.
A despeito da concepc¸ ˜ao pol´ıtica dada ao termo, observa-se que as origens do
conceito “cidade inteligente” remontam do final da d´ecada de 90, quando se discutia novas
pol´ıticas de planejamento urbano, baseadas na teoria do crescimento inteligente (Smart
Growth). A partir de 2005, grandes players da ind´ustria tecnol´ogica mundial, como IBM,
Cisco e Siemens passaram a fazer uso da express˜ao para designar um aglomerado de
tecnologias e sistemas de informac¸ ˜ao voltados `a interoperabilidade da infraestrutura e de
servic¸os urbanos [Harrison and Donnelly 2011].
´E
necess´ario ter em mente, contudo, que o conceito de cidade inteligente n˜ao est´a
restrito `a aplicac¸ ˜ao de tecnologias de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao em determinado meio
urbano. De fato, as TICs apresentam-se como meios e n˜ao como fim neste contexto. Uma
cidade inteligente ´e um local onde as TICs elevam as condic¸ ˜oes de vida, de trabalho e de
sustentabilidade [Berst 2013]. Desta forma, a cidade inteligente faz uso da informac¸ ˜ao e
da tecnologia para tornar sua infraestrutura cr´ıtica, componentes e utilidades mais atrati-vos
e eficientes, visando proporcionar uma melhor percepc¸ ˜ao dos mesmos aos cidad˜aos
[Committee of Digital and Knowledge-based Cities 2014].
3. Basicamente, uma cidade inteligente deve prezar pela obtenc¸ ˜ao de melhores
´ındices de qualidade de vida, de trabalho e de sustentabilidade. A qualidade de vida
est´a relacionada com um estilo de vida direcionado ao conforto, `a sa´ude e ao comprome-timento
com o meio onde vive-se. Enquadram-se neste cen´ario, por exemplo, a presenc¸a
de escolas de boa qualidade, ar e ´agua sem poluentes, servic¸os de emergˆencia de r´apida
atuac¸ ˜ao, entretenimento e baixos ´ındices de violˆencia. Por sua vez, as melhores condic¸ ˜oes
de trabalho referem-se a uma maior oferta de empregos de melhor qualidade dentro do
ambiente urbano. J´a a quest˜ao da sustentabilidade direciona esforc¸os para o uso mais
consciente dos recursos naturais de toda ordem, buscando garantir que as gerac¸ ˜oes futu-ras
tenham condic¸ ˜oes de usufru´ı-los [Berst 2013].
Segundo Azkuna [2012], as cidades inteligentes re´unem seis importantes campos
de atuac¸ ˜ao, os quais podem ser observados tamb´em pela perspectiva de fatores de de-sempenho.
Estes campos-chave referem-se a economia, mobilidade, ambiente, cidad˜aos,
qualidade de vida e gest˜ao. J´a na vis˜ao de Berst [2013], uma cidade inteligente ´e vista
como uma relac¸ ˜ao entre responsabilidades e aspectos habilitadores. As responsabilidades
referem-se aos servic¸os fundamentais providos pela cidade a seus cidad˜aos e os aspectos
habilitadores s˜ao tecnologias e outras forc¸as transformadoras que tem a incumbˆencia de
tornar as responsabilidades essenciais da cidade mais inteligentes.
As cidades inteligentes, al´em de eficientes, precisam preservar as oportunidades
para a espontaneidade, serendipidade (descobrir coisas agrad´aveis por acaso) e sociabi-lidade.
Os cidad˜aos que vivem na cidade n˜ao podem tornar-se meros fantoches, direcio-nados
e controlados pelos elementos tecnol´ogicos [Townsend 2013]. Em vista disso, as
cidades inteligentes devem sempre considerar como pilar fundamental de sua construc¸ ˜ao
o elemento humano.
3. A importˆancia do elemento humano nas cidades inteligentes
Independentemente do modelo conceitual associado a uma cidade inteligente, para todos
eles o cidad˜ao, tanto na sua forma individual quanto coletiva, representa o elo funda-mental.
Uma cidade inteligente ´e constru´ıda por pessoas para pessoas. Por isso, qual-quer
iniciativa promovida deve contar com o engajamento dos cidad˜aos, que precisam ser
considerados e consultados em todos os momentos [Berst 2013, Townsend 2013]. Al´em
disso, os benef´ıcios diretos ou indiretos da construc¸ ˜ao de uma cidade inteligente devem
estar direcionados `a elevac¸ ˜ao da qualidade de vida dos cidad˜aos em todos os aspectos
poss´ıveis.
Cada cidade apresenta uma realidade distinta. Quando considera-se pa´ıses desen-volvidos,
as cidades em sua grande maioria naturalmente apresentam melhores condic¸ ˜oes
de vida se comparadas a cidades de pa´ıses em desenvolvimento. Isso pressup˜oe que o
processo de implantac¸ ˜ao de uma cidade inteligente est´a diretamente relacionado com as
necessidades locais, n˜ao sendo poss´ıvel aplicar uma ´unica estrat´egia para toda e qualquer
cidade.
No caso espec´ıfico de cidades brasileiras, um dos grandes desafios vivenciados
refere-se `a vulnerabilidade social. Segundo Atlas Brasil [2014], no ano de 2010, 11,61%
dos indiv´ıduos entre 15 e 24 anos n˜ao estudavam nem trabalhavam e encontravam-se vul-ner
´aveis a pobreza. Outro dado preocupante demonstrou que neste mesmo ano, 35,24%
dos indiv´ıduos maiores de 18 anos n˜ao tinham ensino fundamental completo e sobrevi-
4. viam de ocupac¸ ˜ao informal. Al´em destes, existem tamb´em os indiv´ıduos em situac¸ ˜ao de
rua, os quais, conforme estudo realizado pelo Minist´erio do Desenvolvimento Social e
Combate `a Fome entre os anos de 2007 e 2008, em 71 cidades brasileiras, somavam um
total de 31.922 adultos [MDS 2008].
Para o Minist´erio do Trabalho e Emprego [2014], o termo vulnerabilidade social ´e
definido como “uma zona intermedi´aria inst´avel que conjuga a precariedade do trabalho
e a fragilidade dos suportes de proximidade”. Isso significa dizer que um cidad˜ao soci-almente
vulner´avel ´e altamente suscet´ıvel e predisposto a ter respostas negativas e sofrer
consequˆencias negativas quando eventos de risco ocorrem (desemprego, inflac¸ ˜ao, epide-mias,
entre outros). Conforme observa-se pelos dados anteriormente apresentados, este ´e
o caso de uma parcela significativa da populac¸ ˜ao brasileira.
Um dos fatores necess´arios para alavancar a qualidade de vida nas cidades
brasileiras ´e a erradicac¸ ˜ao dos espac¸os de alta vulnerabilidade social nas cidades
[Macroplan 2013]. O compromisso por esta tarefa passa por todas as instˆancias soci-ais,
n˜ao estando restrito somente a iniciativas do governo municipal. Sabe-se que numa
cidade inteligente, a qualidade das interac¸ ˜oes sociais entre os cidad˜aos ´e um elemento-chave
[Azkuna 2012] e neste sentido, atitudes assistencialistas que objetivam auxiliar os
cidad˜aos em situac¸ ˜ao de vulnerabilidade social s˜ao de extrema valia. Al´em de prestar
apoio ao indiv´ıduo, tais atitudes poderiam auxiliar o cidad˜ao no processo de ascens˜ao
social, tirando-o da zona de instabilidade em que se encontra.
As tecnologias de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao podem ser largamente utilizadas
no apoio `as ac¸ ˜oes assistenciais, provendo um meio eficiente de compartilhamento de
informac¸ ˜oes entre os indiv´ıduos engajados e as organizac¸ ˜oes de apoio social. Conjun-tamente,
a aplicac¸ ˜ao de t´ecnicas de inteligˆencia artificial poderiam facilitar importantes
tarefas, como a identificac¸ ˜ao dos indiv´ıduos, cruzamento de informac¸ ˜oes ou identificac¸ ˜ao
de perfis, por exemplo.
4. Rede colaborativa “Olhos do Bem”
Voltada especificamente ao combate da vulnerabilidade social, a rede colaborativa “Olhos
do Bem”, descrita na sequˆencia simplesmente por Rede, busca fazer uso das tecnologias
de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao, bem como de avanc¸adas t´ecnicas de inteligˆencia artificial
para auxiliar cidad˜aos e governantes na dif´ıcil tarefa de retirar indiv´ıduos da zona de
vulnerabilidade social extrema.
Dentre todas as categorias de indiv´ıduos em situac¸ ˜ao de vulnerabilidade social, a
Rede buscar´a atender especificamente aqueles que encontram-se `a margem da sociedade,
ou seja, crianc¸as e adultos em situac¸ ˜ao de rua. Os principais motivos que levam tais in-div
´ıduos a viver pelas ruas s˜ao em geral o uso de ´alcool, drogas, desemprego e desavenc¸as
familiares [MDS 2008]. Entende-se que, com o devido apoio, muito provavelmente boa
parte destes indiv´ıduos possam ser reintegrados a sociedade.
Em termos de infraestrutura, a Rede ser´a composta por um portal web e por um
aplicativo para dispositivos m´oveis. O aplicativo ter´a como principal incumbˆencia ali-mentar
o portal com informac¸ ˜oes sobre os indiv´ıduos que encontram-se em situac¸ ˜ao de
risco, fazendo registros dos eventos in loco. Por sua vez, o portal tecer´a a rede colabora-tiva
entre cidad˜aos, governo e entidades assistenciais, oferecendo importantes ferramentas
para aux´ılio nas ac¸ ˜oes de ajuda (Figura 1).
5. Figura 1. Descric¸ ˜ao dos elementos integrantes da rede “Olhos do Bem”
O aplicativo para dispositivos m´oveis ser´a direcionado especificamente `a
populac¸ ˜ao, com intuito de que o cidad˜ao o use para realizar registros dos indiv´ıduos em
situac¸ ˜ao de vulnerabilidade, seja por meio de fotografias ou descritivamente, no local em
que os indiv´ıduos vulner´aveis encontram-se situados. No momento em que os dados fo-rem
confirmados, o aplicativo ir´a envi´a-los para a base de dados da Rede, tornando-os
dispon´ıveis para processamento e visualizac¸ ˜ao no portal. Tanto a pr´opria Rede quando as
entidades assistenciais far˜ao uso destes dados para tomada de decis˜ao.
O fluxo de informac¸ ˜oes na Rede ter´a inicio com o usu´ario registrando um evento
do cotidiano, por meio de uma fotografia e/ou descric¸ ˜ao de algum indiv´ıduo em situac¸ ˜ao
de vulnerabilidade. Para tal tarefa, o usu´ario poder´a utilizar tanto o pr´oprio portal quanto
o aplicativo para dispositivos m´oveis. A partir disso, a imagem e demais informac¸ ˜oes
relevantes, como a localizac¸ ˜ao geogr´afica do indiv´ıduo vulner´avel, ser˜ao enviadas por
meio de um canal de comunicac¸ ˜ao at´e o servidor central, alimentando a base de dados da
Rede. Toda a comunicac¸ ˜ao estabelecida com a Rede ser´a feita via web services, utilizando
o protocolo SOAP1 no transporte aos dados.
Ao ser recepcionada na base de dados da Rede, a imagem ´e processada e uma
c´opia de menor dimensionalidade ´e criada. A criac¸ ˜ao da c´opia da imagem servir´a de
gatilho para iniciar o processo de identificac¸ ˜ao do perfil e de busca nas bases de pes-soas
desaparecidas. Ambos os processos ser˜ao executados em background e far˜ao uso de
t´ecnicas de inteligˆencia artificial.
Para construc¸ ˜ao da Rede ser˜ao empregadas t´ecnicas de inteligˆencia artificial na
identificac¸ ˜ao do perfil dos indiv´ıduos combinadas a t´ecnicas de identificac¸ ˜ao biom´etrica.
O reconhecimento facial ser´a desenvolvido com uso de uma rede neural artificial e ter´a
por objetivo identificar, nas imagens enviadas, a presenc¸a de uma face. Uma vez asse-gurada
a presenc¸a da face, ser˜ao extra´ıdos e gravados na base de dados os elementos de
identificac¸ ˜ao biom´etrica presentes na imagem. A Figura 2 ilustra funcionalmente a Rede.
1Simple Object Access Protocol
6. Figura 2. Diagrama funcional da rede “Olhos do Bem”
Os dados de identificac¸ ˜ao biom´etrica extra´ıdos, al´em de servirem ao processo de
identificac¸ ˜ao do perfil dos indiv´ıduos, ser˜ao aplicados nas buscas sistem´aticas em bases de
pessoas desaparecidas, a fim de localizar e notificar os ´org˜aos e familiares que procuram
por tais pessoas. Na sequˆencia, os processos de identificac¸ ˜ao do perfil e de busca por
pessoas desaparecidas ser˜ao descritos em maiores detalhes.
4.1. Identificac¸ ˜ao de perfil
Dentro da Rede, todo indiv´ıduo em situac¸ ˜ao de vulnerabilidade ter´a um perfil ´unico. Este
perfil ser´a constru´ıdo automaticamente com base nas informac¸ ˜oes enviadas pelos usu´arios
que fazem uso do aplicativo e do portal. Para identificar de forma ´unica cada indiv´ıduo, e
por conseguinte construir o seu perfil, ser˜ao utilizadas apenas as imagens de face enviadas.
No processo classificat´orio das imagens ser´a aplicada uma rede neural artificial
(RNA), adequadamente constru´ıda e treinada para identificar apenas as imagens que pos-suam
registro de uma face. O grau de certeza emitido como respostas pela rede ser´a de
fundamental importˆancia para a decis˜ao pela escolha ou descarte da imagem. Este grau
dever´a estar contido numa escala real variando de 0 a 1, onde 0 indica que a imagem n˜ao
cont´em uma face e 1 indica a presenc¸a inequ´ıvoca de uma face. Desta forma, o papel
realizado pela RNA ser´a filtrar apenas imagens que possuam grau de certeza igual ou
superior a 0:9.
A seguir, as caracter´ısticas da RNA a ser constru´ıda para reconhecimento facial
ser˜ao descritas detalhadamente.
4.1.1. Redes Neurais Artificais
Uma rede neural artificial ´e um processador macic¸amente paralelamente distribu´ıdo, cons-titu
´ıdo de unidades simples, denominadas neurˆonios, que tˆem por objetivo armazenar
conhecimento experimental e torn´a-lo dispon´ıvel para uso. Assemelham-se ao c´erebro
7. humano pelo fato de adquirirem conhecimento a partir de um processo de aprendiza-gem
e por armazenar o conhecimento por meio da forc¸a de ligac¸ ˜ao entre os neurˆonios
[HAYKIN 2001].
Os modelos neurais fazem parte de um paradigma de inteligˆencia artificial cha-mado
conexionista. Este paradigma entende que o comportamento inteligente emerge
em um sistema a partir da interconex˜ao entre os componentes simples, conex˜oes estas
ajustadas pelo uso de um processo de aprendizagem [LUGER 2004].
Os principais usos das redes neurais s˜ao classificac¸ ˜ao, reconhecimento de
padr˜oes, evocac¸ ˜ao de mem´oria, predic¸ ˜ao, otimizac¸ ˜ao e filtragem de ru´ıdos. Seu uso na
resoluc¸ ˜ao destes problemas deve-se `as suas caracter´ısticas peculiares, como capacidade
de generalizac¸ ˜ao, adaptabilidade e n˜ao-linearidade [HAYKIN 2001].
Uma rede neural artificial ´e composta por neurˆonios artificiais. Assim como a
RNA ´e uma met´afora para a forma de funcionamento do c´erebro humano, o neurˆonio
artificial ´e uma met´afora para o funcionamento do neurˆonio natural. Os elementos que
comp˜oem um neurˆonio artificial s˜ao [HAYKIN 2001]:
Sinais de entrada: S˜ao dados enviados do ambiente ou de outros neurˆonios. Po-dem
ser valores discretos como (1, -1), (0, 1) ou mesmo n´umeros reais, depen-dendo
do modelo;
Conjunto de pesos com valor real: Os pesos determinam a forc¸a da conex˜ao.
Est˜ao associados a cada uma das entradas que o neurˆonio recebe;
N´ıvel de ativac¸ ˜ao: Corresponde a soma de todas as entradas multiplicadas pelo
peso da conex˜ao correspondente.
Func¸ ˜ao de limiar: Func¸ ˜ao que calcula a sa´ıda do neurˆonio. Seu objetivo ´e gerar
uma sa´ıda do tipo ligado/desligado nos neurˆonios reais;
A Figura 3 apresenta o modelo esquem´atico de um neurˆonio artificial. Nele,
os elementos x1; x2; x3; :::; xn representam as entradas do neurˆonio. Os elementos
w1;w2;w3; :::;wn referem-se aos pesos das conex˜oes. J´a a func¸ ˜ao f corresponde a func¸ ˜ao
de limiar.
Figura 3. Modelo esquem´atico de um neur ˆ onio artificial segundo [LUGER 2004]
Assim como os neurˆonios artificiais, as redes neurais caracterizam-se por propri-edades
como topologia, algoritmo de aprendizagem e esquema de codificac¸ ˜ao utilizado.
8. A topologia da rede ´e uma propriedade decorrente da forma como os neurˆonios se in-terconectam
para form´a-la e pode ser do tipo alimentac¸ ˜ao direta (feedforward) ou redes
recorrentes (feedback). Os algoritmos de aprendizagem s˜ao utilizados no treinamento da
rede para calibrar os pesos sin´apticos entre as conex˜oes, tornando-a apta a identificar os
padr˜oes desejados sobre os dados de entrada. Por sua vez, o esquema de codificac¸ ˜ao cor-responde
`as interpretac¸ ˜oes atribu´ıdas aos dados fornecidos como entrada e obtidos como
sa´ıda [LUGER 2004].
Em vista da sua capacidade de generalizac¸ ˜ao, as redes neurais artificiais apresen-tam
excelentes resultados no processo de reconhecimento facial. Dentre os diversos tipos
de redes existentes, a Back Propagation Multi-Layer Perceptron ´e uma das redes que
apresenta bons resultados nesta tarefa [Latha et al. 2009].
A Multi-Layer Perceptron (MLP) ´e um tipo de rede feedforward que apresenta
um camada de entrada com um ou mais n´os, uma ou mais camadas intermedi´arias de
neurˆonios artificiais escondidas e uma camada de neurˆonios de sa´ıda. A rede MLP ´e
considerada do tipo feedforward porque os sinais de entrada s˜ao propagados de camada
em camada, de forma que as sa´ıdas da camada anterior s˜ao conectadas diretamente `as
entradas da pr´oxima camada de modo n˜ao c´ıclico. O algoritmo de aprendizagem Back
Propagation ´e o mais conhecido e utilizado para treinamento de redes do tipo MLP
[Latha et al. 2009, HAYKIN 2001].
O aprendizado de uma rede MLP utilizando o algoritmo Back Propagation ocorre
de maneira supervisionada. Isso significa que na fase de treinamento da rede s˜ao apre-sentadas
as entradas e as respectivas sa´ıdas esperadas. Em vista da rede possuir mul-ticamadas,
o erro (diferenc¸a entre o resultado esperado e o resultado obtido) gerado no
processamento dos sinais pode espalhar-se entre as camadas, evoluindo em complexidade
e imprevisibilidade. Como forma de resolver este problema, o algoritmo Back Propaga-tion
atribui a cada neurˆonio da rede sua parcela de culpa pelo erro gerado, tomando por
ac¸ ˜ao o ajuste dos pesos sin´apticos [LUGER 2004].
4.1.2. Caracter´ısticas da rede neural artificial de reconhecimento facial
O processo de reconhecimento facial a ser implementado para a rede “Olhos do Bem”
far´a uso de uma rede neural do tipo MLP devido ao seu bom desempenho neste tipo de
tarefa. O n´umero adequado de camadas escondidas, bem como de neurˆonios por camadas
n˜ao poder´a ser previamente definido, visto que ser´a necess´ario realizar diversos testes at´e
ser obtida a melhor relac¸ ˜ao.
Antes de propriamente definir a estrutura da rede neural de reconhecimento ser´a
necess´ario definir o formato dos valores de entrada da mesma. Originalmente, a imagem
de uma face cont´em um vasto conjunto de informac¸ ˜oes na forma de pixeis. Por´em, boa
parte destas informac¸ ˜oes n˜ao tem relevˆancia para o processo de reconhecimento facial,
sendo necess´ario apenas um subconjunto de caracter´ısticas. Em vista disso, ser´a preciso
reduzir a dimensionalidade da imagem para uma proporc¸ ˜ao que permita tanto manter as
caracter´ısticas essenciais da imagem quanto permita o adequado processamento da mesma
pela rede neural [Silva et al. 2005].
Considerando-se que a captura das imagens poder´a ser feita por meio de dispo-
9. sitivos port´ateis, como smartphones e tablets, as imagens enviadas `a Rede ser˜ao prova-velmente
coloridas e apresentar˜ao resoluc¸ ˜ao elevada. Para o processo de reconhecimento
facial, contudo, as imagens dever˜ao ser convertidas para escala de cinza, com resoluc¸ ˜ao
de 32 x 32 pixels. Uma vez reduzida a dimensionalidade das imagens, cria-se um vetor
de 1024 posic¸ ˜oes que representar´a a entrada da rede neural. Essa mesma abordagem foi
utilizada com sucesso no trabalho intitulado “Reconhecimento de Faces Neutras Usando
Redes Neurais em Paralelo”, de Silva et. al [Silva et al. 2005].
Para a fase de treinamento da rede, ser˜ao utilizados um conjunto de 500 imagens,
todas com resoluc¸ ˜ao 32 x 32 pixels e em escala de cinza. Deste total, 250 ser˜ao utilizadas
para a fase de treinamento e as demais, para a fase de testes. Espera-se com isso obter um
grau de certeza de cerca de 95% nas sa´ıdas da RNA.
A rede neural MLP estar´a localizada numa camada imediatamente anterior ao
extrator de informac¸ ˜oes biom´etricas faciais e ir´a atuar especificamente como filtro das
imagens enviadas `a Rede. A filtragem das imagens pela RNA visa basicamente garantir a
criac¸ ˜ao de um banco de dados biom´etrico de alta qualidade.
4.2. Busca por desaparecidos
Muitos dos indiv´ıduos em situac¸ ˜ao de rua encontram-se afastados de seus familiares e
amigos. N˜ao raramente, s˜ao parte do grupo de pessoas desaparecidas, apresentando ca-dastro
em bancos de dados como o do Cadastro Nacional de Crianc¸as e Adolescentes De-saparecidos2
e do Desaparecidos do Brasil.org 3. Em vista disso, t˜ao importante quanto
identific´a-los ´e prover mecanismos para aproxim´a-los dos familiares e amigos que os bus-cam.
Para promover esses encontros, a Rede far´a uso dos dados de identificac¸ ˜ao
biom´etrica armazenados para realizar buscas sistem´aticas nos bancos de dados de pes-soas
desaparecidas. Basicamente o processo ser´a dividido em trˆes etapas: aquisic¸ ˜ao,
sincronizac¸ ˜ao e comparac¸ ˜ao.
Na etapa de aquisic¸ ˜ao, a imagem da pessoa desaparecida, conjuntamente com
os dados de identificac¸ ˜ao, ser˜ao capturados pela Rede do banco de dados de pessoas
desaparecidas (parceiro). A imagem obtida ser´a ent˜ao processada e submetida `a RNA para
validac¸ ˜ao da qualidade dos elementos faciais. Se obtida a qualidade esperada, a imagem
passa para a etapa de sincronizac¸ ˜ao, onde ser´a equalizada temporalmente pela aplicac¸ ˜ao
de uma t´ecnica de morphing4. Finalmente, na etapa de comparac¸ ˜ao, os dados biom´etricos
da imagem sincronizada temporalmente ser˜ao extra´ıdos e comparados ao banco de dados
da Rede. Se alguma similaridade for identificada, a Rede imediatamente comunicar´a o
parceiro que disponibilizou a imagem.
A Figura 4 ilustra as etapas do processo de busca por pessoas desaparecidas.
2http://www.desaparecidos.gov.br/
3http://www.desaparecidosdobrasil.org/
4T´ecnica de metamorfose de imagens digitais com aplicabilidade na simulac¸ ˜ao do envelhecimento do
rosto humano
10. Figura 4. Etapas do processo de busca de pessoas desaparecidas
5. Considerac¸ ˜oes Finais
Muito al´em de uma nova forma de se pensar o meio urbano, as cidades inteligentes s˜ao
a tendˆencia de como ser˜ao as cidades no futuro. Utilizando como meio o uso massivo
das tecnologias de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao, as cidades inteligentes buscam aumentar a
qualidade de vida, de trabalho e a sustentabilidade.
Contudo, a aplicac¸ ˜ao das tecnologias de informac¸ ˜ao e comunicac¸ ˜ao no ambiente
urbano n˜ao deve representar o objetivo fundamental de uma cidade inteligente. De fato, o
foco das ac¸ ˜oes deve estar sempre direcionado ao elemento humano, ou seja, os cidad˜aos.
Uma cidade somente pode ser considerada inteligente se valoriza seus indiv´ıduos e preza
pela melhoria de suas condic¸ ˜oes de vida.
Em vista disso, a rede “Olhos do Bem” se prop˜oe a ser uma ferramenta de impacto
no combate a vulnerabilidade social extrema, situac¸ ˜ao na qual os indiv´ıduos encontram-se
desamparados de todas as formas, sem abrigo nem expectativas para a vida. Espera-se
com a aplicac¸ ˜ao da Rede obter um maior engajamento da populac¸ ˜ao no combate a este
tipo de situac¸ ˜ao, tornando os cidad˜aos mais comprometidos com o bem estar do pr´oximo.
Tamb´em ´e objetivo da Rede colaborar com as organizac¸ ˜oes que buscam por pes-soas
desaparecidas, provendo mecanismos automatizados de identificac¸ ˜ao e notificac¸ ˜ao.
Com isso almeja-se aproximar os indiv´ıduos desaparecidos de seus familiares e amigos,
recolocando-os em seu local de origem e por conseguinte, devolvendo-lhes a dignidade e
esperanc¸a de vida.
De fato, a grande contribuic¸ ˜ao da Rede no meio urbano ser´a uma transformac¸ ˜ao
de pensamento. Sabe-se que a vida em sociedade prevˆe a todos uma parcela de respon-sabilidade
sobre a realidade vivida. Assim, a Rede busca reviver essa responsabilidade
impl´ıcita que todo o cidad˜ao possui de contribuir com a sociedade em que vive. No caso
11. da Rede, entende-se que essa responsabilidade refere-se ao apoio e aux´ılio aos menos
favorecidos.
Como trabalhos futuros, existe a intenc¸ ˜ao de agregar novos servic¸os `a Rede, como
por exemplo, a integrac¸ ˜ao com redes sociais de amplo espectro, tais como Facebook, Twit-ter,
Google+ e Instagran. O objetivo principal desta integrac¸ ˜ao ´e agregar um n´umero cada
vez maior de indiv´ıduos no movimento em prol da erradicac¸ ˜ao da vulnerabilidade social
extrema. Al´em disso, ´e esperado que o aplicativo para dispositivos m´oveis receba novas
funcionalidades, sendo a primeira delas referente ao pr´e-processamento das imagens de
face.
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