1. GESTÃO LEAN E ÁGIL DE PROJECTOS
Do modelo tradicional (waterfall) à estrutura Scrum
Christiane Tscharf e João Paulo Pinto, CLT VALUEBASE SERVICES
Abstract
Lean Thinking main focus is reducing waste, while creating value and satisfying customer's needs,
through processes that may guarantee the organisation sustainability. As well as other types of projects,
Lean Projects are subject to change, risk and other kinds of constraints.
The emphasis of the traditional project management model, usually named Waterfall, lies in the initial
planning of the project, on setting the scope, cost and schedule, and managing these parameters.
The Scrum framework focus on deliver the greatest amount of value in the shortest possible time,
encourages iterative decision making, based on data, and the delivery of results in small, iterative
increments that are usable.
This paper aims to analyze both methods, considering the principles of Lean Thinking.
Keywords
Lean, Scrum, Project Management, Sustainability, Value.
1. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO MAGRO
Existem muitos trabalhos publicados sobre a filosofia Lean. Em 1991 é publicada a obra “A máquina
que mudou o mundo”, escrita por Womack et al. Nesta é apresentado um estudo sobre a indústria
automóvel realizado durante a década de 1980. Neste estudo, o Sistema Toyota de Produção (TPS) é
evidenciado como um paradigma de liderança e gestão, comparando a gestão japonesa com métodos
europeus e norte-americanos (Pinto, 2009).
Em 1996, o livro “Lean Thinking”, dos mesmos autores, aprofunda as diferenças entre a abordagem
tradicional de produção e a abordagem lean (magra). Nele é relatado o desenvolvimento histórico,
vantagens e benefı́cios, descrição e definições dos princı́pios e abordagens da filosofia lean thinking
(pensamento magro).
Outros trabalhos importantes, como Rother et al. (1999), Womack et al. (2005), Lee et al. (2006) e
Mann (2005), continuam estudando as vantagens dessa filosofia e práticas associadas e reforçam as
vantagens que ela traz. Em 2004, Liker, com o livro “The Toyota Way”, marcou um ponto de viragem e
trouxe o foco dessa filosofia para o factor humano, algo que é reforçado com o trabalho “Toyota
Talent”, da Liker e Meier, em 2007.
Os cinco princı́pios, identificados por Womack e Jones (1996), resumem as principais diretrizes da
Filosofia Lean:
1. Definir valor;
2. Mapear a cadeia de valor;
3. Criar o fluxo;
4. Estabelecer o sistema pull;
5. Procurar a perfeição.
No entanto, Pinto (2009) considera que os cinco princı́pios apresentados podem ter algumas
deficiências: eles consideram apenas a cadeia de valor do cliente, mas na verdade, numa Organização,
existem várias cadeias de valor, uma para cada parte interessada. Outra limitação é que eles tendem
a levar as Organizações a ciclos intermináveis de redução de desperdı́cio, ignorando a actividade
crucial de criação de valor por meio da inovação de produtos, serviços e processos.
2. Todos os trabalhos acima mencionados contribuem para apoiar, teoricamente, os princı́pios e
conceitos que norteiam essa filosofia e também conhecer e compreender suas práticas,
materializadas em métodos e ferramentas, devidamente estruturadas e cuja aplicação deve respeitar
sempre dois conceitos básicos associados ao lean thinking: elimine o desperdı́cio e crie valor.
1.1. Desperdício
“Muda” é daquelas palavras (japonesas) que todos numa Organização devem saber. “Muda” significa
“desperdı́cio”, especificamente qualquer actividade humana que absorva recursos, mas não cria valor
algum” (Womack et al., 1996). Não agrega valor e tornando os produtos e serviços que
disponibilizamos no mercado mais caros do que deveriam. A vantagem que as Organizações criam é
medida pelo valor que elas oferecem, comparado com o preço que elas pedem em troca (Pinto, 2009).
As sete categorias de muda mais conhecidas foram identificadas por Taiichi Ohno (1912-1990) e
Shigeo Shingo (1909-1990). Essa é a classificação mais popular, embora os autores afirmem que
podem ser consideradas mais categorias além daquelas apresentadas. A estes sete muda foi
acrescentado um oitavo desperdı́cio (desperdı́cio do talento das pessoas) ver figura 1.
Figura 1. Os oitos muda críticos do pensamento lean.
1.2. Valor
Quando nos referimos a um produto ou serviço que adquirimos ou usamos, tendemos a usar o termo
"valor" para classificá-lo. Pode-se dizer que “valor é a compensação pelo que recebemos em troca do
que pagamos”. No entanto, não classificamos as coisas de acordo com seu valor, apenas quando
pagamos um preço por elas. Por exemplo, para um programa de TV ou teatro, também é possı́vel ter
uma noção de valor associado. Pode, neste caso, estar relacionado com o tempo dedicado a ele, ou
com a atenção que prestamos a ele. "Valor é tudo que justifica o tempo, atenção e esforço que
colocamos em algo. Quando sentimos que não vale a pena, não vamos, não compramos, não
dedicamos tempo ou atenção" (Pinto, 2009).
Então, como podemos ter certeza de que, numa Organização, o valor é criado para todas as partes
interessadas? Em primeiro lugar, esta questão destaca a necessidade de saber quem são as partes
interessadas e de conhecer as suas necessidades e expectativas. Em segundo lugar, precisamos
identificar todas as actividades que não atendem a essas necessidades e expectativas. Nesse caso, elas
devem ser classificadas como muda. Num ambiente de melhoria contı́nua, todos os desperdı́cios
identificados devem ser vistos não apenas como um problema, mas como uma oportunidade de
melhoria e para tornar os nossos processos lean (magros, isentos de gordura).
3. 1.3. Lean e Agilidade
Os princı́pios do Lean dão enfase à importância de saber quem são os stakeholders (as partes
interessadas) e qual é a sua noção de valor, para que os processos possam ser aprimorados, reduzindo
possı́veis desperdı́cios. Hoje, com a velocidade com que todas as mudanças ocorrem, à escala global,
a noção de valor, ou seja, as necessidades e expectativas dos clientes, muda quase frequentemente. EN,
portanto, cada vez mais necessário que as Organizações implementem não apenas princı́pios e
ferramentas lean para melhorar continuamente, mas também considerem o conceito de Agilidade.
Jim Highsmith, um popular guru da agilidade que escreveu vários livros sobre métodos ágeis e
adaptativos, o define no seu livro “Agile Project Management: Criando produtos inovadores” (2004):
“Agilidade é a capacidade de criar e responder a mudanças para lucrar em um ambiente
de negócios turbulento. Agilidade é a capacidade de equilibrar flexibilidade e estabilidade. ”
Ser ágil é ser adaptativo para mudar, é a capacidade de rapidamente de ajustar às mudanças. O
conceito de agilidade não se aplica apenas no desenvolvimento de software (sector onde nasceu); O
conceito de agilidade pode ser usado em qualquer projecto, independentemente da sua complexidade
ou sector de actividade, portanto, também pode ser usado em projectos lean.
A agilidade é um grupo de técnicas de desenvolvimento de produtos e serviços que utiliza uma
abordagem iterativa e incremental na qual as soluções são entregues em etapas. A agilidade promove
o planeamento adaptativo para desenvolver um produto em iterações, proporcionando maior
flexibilidade para mudanças durante o processo de desenvolvimento e reduzindo a extensão do
planeamento a longo prazo. Isto minimiza o risco envolvido com mudanças (ex. pedidos de alteração
por parte do cliente, ou necessidade de enquadrar alterações legislativas ou de mercado) ao longo de
um projecto. Um dos métodos ágeis mais conhecidos é o Scrum.
O Scrum é uma estrutura ágil, é de todos o mais popularmente adotado. Scrum concentra-se em fazer
o trabalho em intervalos de tempo fixos chamados de Sprints. Além da Sprint, o Scrum realiza uma
série de reuniões em intervalos regulares (incluı́do a daily standup meeting) para ajudar as partes
interessadas a acompanhar o progresso do projecto.
O Scrum, como metodologia ágil, é diferente da gestão (tradicional) projectos, sendo esta
normalmente conhecida como o método waterfall.
2. GESTÃO DE PROJECTOS
2.1. A abordagem waterfall
A enfase da gestão tradicional de projectos, ou waterfall, é realizar o planeamento detalhado e
antecipado de todo o projecto, com ênfase no âmbito, custo e tempo (cronograma) e na gestão desses
parâmetros. A abordagem waterfall pode, às vezes, levar a uma situação em que o plano foi bem-
sucedido e o cliente não está satisfeito, ou seja, o projecto foi bem executado, mas no final não era
aquilo que o cliente queria. Sim, os clientes mudam de opinião e muitas vezes no inı́cio do projecto
não têm uma ideia muito clara do que pretendem. Que fazer nestas situações? Mudar de cliente ou de
método de gestão de projectos?
O modelo waterfall é adequado para projectos ordenados e previsı́veis nos quais todos os requisitos
estão (previamente) bem definidos e podem ser estimados com precisão e, na maioria das indústrias,
esses projectos são cada vez mais raros. As mudanças nos requisitos dos clientes levaram a uma maior
pressão sobre as empresas para que se adaptem e mudem seus métodos de entrega.
Por outro lado, as metodologias ágeis, como o Scrum, exigem uma mudança de mentalidade por parte
dos tradicionais gestores de projecto. O foco central mudou do âmbito (nos métodos waterfall) para
o “valor” (no Scrum). Enquanto que no modelo waterfall custo e tempo são alterados para garantir
que o âmbito desejado seja alcançado, em Scrum a atenção está focalizada na qualidade e nas
restrições que podem ser alteradas para atingir o objetivo principal (ie, o valor máximo para o
negócio), ver figura 2.
4. Figura 2. Diferenças entre abordagens de gestão de projectos.
2.2. Scrum Framework
Em meados dos anos 1980s, Hirotaka Takeuchi e Ikujiro Nonaka definiram uma estratégia de
desenvolvimento de produtos flexı́vel e abrangente em que a equipa de desenvolvimento trabalha
como uma unidade para alcançar um objetivo comum. Eles descreveram uma abordagem inovadora
para o desenvolvimento de produtos que chamaram de abordagem holı́stica ou de "rúgbi", em que
uma equipa tenta percorrer a distância como uma unidade, passando a bola para frente e para trás.
Estes autores basearam a sua proposta em vários case studies realizados em inúmeras empresas
industriais.
Takeuchi e Nonaka propuseram que o desenvolvimento de produtos não deveria ser como uma
corrida de longa distância, mas sim deveria ser análogo ao jogo de rúgbi onde a equipa trabalha junta,
passando a bola de um lado para outro enquanto se movem como uma unidade no campo. O termo
usado em rugby, “Scrum” (onde um grupo de jogadores se forma para reiniciar o jogo), foi introduzido
neste artigo para descrever a proposta dos autores de que o desenvolvimento de produtos deveria
envolver Scrum (trabalhando em pequenos ciclos iterativos).
Ken Schwaber e Jeff Sutherland elaboraram o conceito Scrum e sua aplicabilidade ao
desenvolvimento de software numa apresentação na conferência de Programação Orientada a
Objetos, Sistemas, Idiomas e Aplicações (OOPSLA) realizada em 1995, em Austin, Texas. Desde então,
vários praticantes, especialistas e autores do Scrum continuaram a refinar a conceituação e
metodologia Scrum. Nos últimos anos, o Scrum ganhou popularidade à escala mundial e actualmente
é a metodologia preferida de desenvolvimento de projectos para muitas Organizações.
A estrutura Scrum baseia-se na crença de que os trabalhadores do conhecimento de hoje podem
oferecer muito mais do que apenas sua especialização técnica e que tentar mapear e planear
completamente num ambiente em constante mudança não é eficiente. Portanto, o Scrum incentiva a
tomada de decisão iterativa baseada em dados (factos).
3. SCRUM E A GESTÃO LEAN DE PROJECTOS
No Scrum, o foco principal é fornecer produtos que satisfaçam os requisitos do cliente em pequenos
incrementos de entregas iterativas. Para entregar a maior quantidade de valor no menor tempo
possı́vel, o Scrum promove a priorização e o time-boxing (fixação de blocos de tempo), fixando o
âmbito, o custo e o tempo (cronograma) de um projecto. Uma caracterı́stica importante do Scrum é a
auto-organização, que permite que os indivı́duos que estão realmente realizando o trabalho possam
estimar e apropriar-se das tarefas.
Alguns dos principais benefı́cios de usar o Scrum em projectos do projecto lean são:
1. Adaptabilidade - controlo empı́rico do processo e entrega iterativa tornam os projectos
adaptáveis e abertos à incorporação de mudanças, algo que é comum em projectos lean;
2. Transparência - todos os irradiadores de informações, como o Scrumboard e o Sprint
Burndown Chart, são partilhados, levando a um ambiente de trabalho aberto, que também é
um paradigma relacionado com a filosofia lean thinking;
3. Feedback Contı́nuo - fornecido através dos vários processos da estrutura Scrum;
4. Melhoria Contı́nua - as entregas são melhoradas progressivamente a cada Sprint (ciclo de
curta duração). A melhoria contı́nua também é uma diretriz para projectos lean;
5. 5. Entrega Contı́nua de Valor - processos iterativos permitem a entrega contı́nua de valor. A
entrega de valor ao cliente é um dos pilares do pensamento lean;
6. Ritmo Sustentável – os processos do Scrum são projetados de tal forma que as pessoas
envolvidas podem trabalhar a um ritmo que eles podem, em teoria, continuar
indefinidamente;
7. Entrega antecipada de elevado valor - foco nas necessidades e expectativas dos clientes, e
entrega de valor, são igualmente paradigmas do pensamento lean;
8. Processo de desenvolvimento eficiente - O time-boxing e a minimização do trabalho não
essencial levam a nı́veis mais altos de eficiência;
9. Motivação – os processos Scrum levam a maiores nı́veis de motivação entre os colaboradores,
sendo esta também uma diretriz do lean thinking, que foca no desenvolvimento de pessoas
(Liker et al, 2007).
10. Rápida resolução de problemas - a colaboração e a colocação de equipas multifuncionais
levam a uma resolução de problemas mais rápida.
4. CONCLUSÕES
Quando os projectos são simples, com funcionalidades bem definidas e a equipa tiver experiência na
conclusão de projectos similares, recomenda-se o método waterfall. Por outro lado, em projectos
complexos, em que o cliente não está seguro sobre o que deseja e os requisitos de funcionalidade
mudam com frequência, o modelo iterativo é mais flexı́vel para garantir que essas alterações possam
ser incluı́das antes da conclusão do projecto.
Considerando que os princı́pios lean são baseados na criação de valor, foco no cliente, redução de
desperdı́cio e melhoria contı́nua, é possı́vel identificar uma forte relação com os métodos ágeis e suas
caracterı́sticas, em particular, com a metodologia Scrum.
Os projectos lean, como qualquer outro tipo de projecto, estão sujeitos a diversas alterações. AP s vezes,
começa sem se saber com certeza o que se pretende atingir no final ou sem conhecer o processo
completo (algo que só é feito nas fases de diagnóstico, utilizando ferramentas e recursos especı́ficos),
com a necessidade de continuamente ajustar o planeamento inicial e incorporar as alterações
solicitadas pelo cliente, em vez de rejeitá-las.
Além disso, considerando os princı́pios lean e o foco no envolvimento das pessoas e no
desenvolvimento do potencial humano, fica claro o valor agregado que o uso da estrutura Scrum para
gerir projectos lean pode trazer, juntamente com todas as vantagens do método e ligando-os aos
princı́pios básicos e diretrizes desse paradigma de liderança e gestão.
REFERÊNCIAS
Highsmith, J. (2004). Agile Project Management: Creating Innovative Product. Addison-Wesley.
Lee, Q. and Snyder, B. (2006). Value stream and mapping process: genesis of manufacturing strategy: Enna.
Liker, J. K. (2004). The Toyota Way. New York: McGraw-Hill.
Liker, J. K. and Meier, D. P. (2007). Toyota Talent. New York: McGraw-Hill.
Mann, D. (2005). Creating a Lean Culture. Productivity Press.
Pinto, J. P. (2009). Pensamento Lean: a filosofia das organizações vencedoras. Lisboa: Lidel.
Rother, M. and Shook, J. (1999). Learning to see: value stream mapping to create value and eliminate muda. Lean
Enterprise Institute.
SCRUMStudy (2017). A Guide to the Scrum Body of Knowledge. Phoenix: SCRUMStudy.
Takeuchi, H e Nonaka I. (1986). The New New Product Development Game. HBR, January 1986 Issue.
Womack, J. et al (1991). The machine that chenged the world. Free Press.
Womack, J. and Jones, D. (1996). Lean Thinking. New York: Simon & Schuster.
Steinbeck, M. (2006). Enablers of Reconfiguration Dynamics. In F. Shadow (Ed.), Information Technology for
Manufacturing (pp. 141-149). New York: Springer-Verlag.