Este trabalho analisa a política nacional representada nos folhetos populares baianos produzidos entre 1950-1980. A literatura de cordel é vista como fonte histórica que registra fatos e ideias de sua época de forma acessível ao povo. Os folhetos denunciavam problemas sociais e políticos, combatiam o perigo comunista durante a Guerra Fria e utilizavam imagens religiosas para falar de política. O estudo busca entender os significados atribuídos pelos poetas e ouvintes sobre os acontecimentos nacionais
4.12.2013 Oficina Literatura Surda: "Adaptações e traduções de uma cultura su...
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Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e imagens da política nacional nos folhetos populares baianos (1950 1980)
1. 0
Sinara Carneiro de Oliveira
“Mas o Brasil não parou, continua batalhando”: As
construções de discursos e imagens da política nacional nos
folhetos populares baianos (1950 – 1980)
Universidade do Estado da Bahia
Conceição do Coité
2010
2. 1
Sinara Carneiro de Oliveira
“Mas o Brasil não parou, continua batalhando”: As construções de
discursos e imagens da política nacional nos folhetos populares baianos
(1950 – 1980)
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Banca
Examinadora da Universidade do Estado da Bahia, como
exigência para obtenção do grau de Licenciado em História.
Orientador: Prof. Rogério Souza Silva
Universidade do Estado da Bahia
Conceição do Coité
2010
3. 2
Banca examinadora
Conceição do Coité___ de___de_____
________________________________
Prof. Orientador Rogério Souza Silva
________________________________
Prof.
________________________________
Prof.
4. 3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meu professor orientador Rogério Souza Silva pelos ensinamentos, disposição
e paciência na construção deste trabalho. A Fabiane Pinto, Maiara Gordiano e Kécia Dayana,
pelo apoio amigo, pelos debates, leituras e opiniões do texto. Àqueles que contribuíram
indiretamente, Nilva e Diógenes, pelo afeto; A meu pai Godoval e meu irmão Galvane pela força
diária e ao meu avô Samuel Ramos, pela torcida e atenção. A minha Tia Suely de Oliveira
sempre presente nos meus estudos. Ao meu noivo Hernando Cunha, pelas tantas viagens para
fazer pesquisa e, principalmente pela paciência e compreensão, agradeço também pelo apoio da
sua família. A minha irmã Luciana Carneiro, também estudante de História, pelo seu
companheirismo, sempre me ajudando em tudo que preciso, tem participação direta neste
trabalho, por ter sido a pessoa que despertou em mim a curiosidade do trabalho com cordel, que
fez leituras do meu texto e opinou sobre ele. E por fim, a minha mãe Gerusa, que por forma
malabarísticas fez de tudo pelo meu curso e por esta monografia, a você minha mãe dedico este
trabalho.
5. 4
RESUMO
Este trabalho analisa a Literatura de Cordel produzida na Bahia, captando nela elementos
políticos e também interligados, elementos de cunho social através de suas múltiplas linguagens
(escrita/visual) e formas (história/poesia/ficção) que revelam contextos em que estão inseridas,
possibilita leituras de um ponto de vista diferente do tradicional, em sentido inverso analisamos a
história de baixo para cima, percebida por sujeitos e segmentos das classes populares. Este
trabalho compreende a análise da política nacional, dos fatos que estes folhetos relatavam e os
significados que lhe atribuíam poetas e ouvintes, que muito pode nos dizer sobre o mundo ao seu
redor. Através do folheto lê-se uma época, o período deste trabalho são as décadas de 1950 e
1980, os autores baianos trabalhados são José Gomes, o Cuíca de Santo Amaro, Rodolfo Coelho
Cavalcante e Minelvino Francisco da Silva.
Palavras-chaves: folheto popular – política
ABSTRACT
This paper analyzes Cordel Literature produced in Bahia, picking up her and political elements
also interconnected elements of social through its multi-language (written / visual) and forms
(history / poetry / fiction) that show the contexts in which they operate, allows readings from a
different point of view of traditional, conversely analyze history from the bottom up, perceived
by individuals and segments of classes. This work includes the analysis of national policy, the
facts that these leaflets and the meanings attributed to poets and listeners, who can tell us much
about the world around them. Through the leaflet reads a time period of this study are the 1950
and 1980, the authors worked in Bahia are José Gomes, Opossum Santo Amaro, Rodolfo Coelho
Cavalcante and Minelvino Francisco da Silva.
Keywords: leaflet popular – policy
6. 5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ____________________________________________________6
CAPÍTULO 1: A Literatura de Cordel como fonte histórica _________________13
CAPÍTULO 2: “Os embromadores do povo”: Denúncia, crítica política e social nos
folhetos populares _________________________________________________23
CAPÍTULO 3: “O Dragão do fim da Era”: O cordel no combate ao perigo
comunista no Brasil________________________________________________39
CAPÍTULO 4: “A vaca política”: imagens e discursos políticos nos folhetos
religiosos ________________________________________________________57
Considerações Finais _______________________________________________73
Referências Bibliográficas ___________________________________________76
Fontes___________________________________________________________80
7. 6
INTRODUÇÃO
“Os heróis fazem a história, mas também a fazem os anti-heróis e
os vilões. E o anti-herói mais fascinante será antes de mais nada, o
próprio povo, na sua luta diária para sobreviver num mundo as
vezes cheio de miséria, pobreza e outros males. O cordel concentra
a história disso tudo.”1
A literatura popular em verso - escrita num dado período e lugar sobre os mais diversos
assuntos, acaba por registrar acontecimentos, fatos, crenças, eventos sociais, políticos e
econômicos de uma época. Acreditando que nela contém poesia, história e ficção, mas que
trazem elementos que revelam sua contemporaneidade, possibilitando leituras do contexto em
que estão inseridas.
Os folhetos de cordel têm espaço de criação vasto no Brasil. Desde fins do século XIX
essa literatura surgiu na península Ibérica e por volta do século XVI chega ao Brasil por meio dos
colonizadores portugueses. Aqui a produção do cordel foi favorecida pela interiorização de
máquinas impressoras na região. A maioria da população que apreciava os cordéis era composta
por analfabetos. Sobre essa relação verso impresso e oralidade, Ana Maria Galvão, em seu
trabalho realizado em Pernambuco, mostra que a leitura dos folhetos era coletiva, feita em voz
alta e intensiva, sendo, portanto, a própria estrutura do texto – versos curtos e rimas - de fácil
compreensão, favorecendo as relações entre analfabetos e semi-analfabetos proporcionando
práticas de letramento. Os depoimentos da sua pesquisa indicam a alfabetização por intermédio
do cordel.2
Gilmário Brito, em Culturas e linguagens em folhetos religiosos no Nordeste: inter-
relações escritura, oralidade, gestualidade, visualidade, coloca que:
1
CURRRAN, Mark J. História do Brasil em cordel. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo,1998.p. 28.
2
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. “Ler e ouvir folhetos de cordel em PE: 1930 – 1950”. Tese de Doutoramento
da Faculdade de Educação da UFMG, 2000.
8. 7
É importante salientar que esse texto poético articulava,
além de gravuras, outras linguagens: a vocalidade, o canto, a
música, os desafios, a recitação coletiva, os gestos e as
“performances” que no caso nordestino, constituíam-se como um
conjunto de estratégias que facilitavam a memorização/transmissão
de histórias, idéias, costumes, valores, moral, crenças,
possibilitando múltiplas formas de incorporações pautadas em
palavras chaves, que voltavam para oralidade, formando
verdadeiras interconexões a partir das matrizes poéticas de
3
tradições orais/escritos/iconografias.
A narrativa dos folhetos tomou proporções de “jornal do povo”, considerando a
disposição do seu texto mais acessível do que o texto jornalístico em prosa. Assim, foi se
afirmando como uma criação independente em relação à literatura oficial, institucionalizada da
época.
Para os habitantes do interior, o cordel desempenhava uma importante função
Dada a ausência, na maioria dos casos, de meios
alternativos de informação e divertimento, os autores e poetas
cantadores do cordel continuaram a desempenhar papel necessário
na vida diária. Só à medida que novas estradas e os veículos de
comunicação social principiaram a alcançar o interior, na década de
1950, esse quadro começou a mudar.4
Questionando em O que é literatura popular? Joseph M. Luyten defende que em
qualquer literatura, seja ela portuguesa grega, alemã, são sempre encontradas manifestações
poéticas, que ao longo dos anos foi cedendo lugar a prosa e, quando chegamos ao século XX, a
poesia comparada as outras manifestações literárias ocupam pouco espaço.
“A grande razão desse fato é que as sociedades humanas,
quando são iletradas, tem como único recurso a memória para
guardar aquilo que acham importante.” 5
3
BRITO, Gilmário Moreira. Culturas e linguagens em folhetos religiosos no Nordeste: inter-relações escritura,
oralidade, gestualidade, visualidade. São Paulo, 2001. Tese (Doutorado) – Universidade Católica de São Paulo, p.
255.
4
SLATER, Candace. A vida no barbante: a literatura de cordel no Brasil. Rio de Janeiro.: Civilização Brasileira,
1984, p. 26.
5
LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. 4 ed. São Paulo. Editora Brasiliense, 1987, p. 7.
9. 8
Daí a tendência em ordenar as mesmas mensagens em forma poética ritmada para facilitar
a memorização.
O autor apresenta uma análise da literatura de cordel no Brasil e as influências que sofreu
ao entrar em contato com o universo urbano politizado das grandes cidades. Antes praticamente o
único veículo de informação das camadas populacionais do interior do Brasil, com o êxodo rural,
o cordel passa a ser portador de reivindicação de cunho social e político.
Com essas mudanças no meio da produção do cordel, influenciada pela modernização-
urbanização, muitos escritores argumentaram que este tipo de literatura estava em decadência, o
que de fato nunca ocorreu, pois mesmo concorrendo com os novos meios de comunicação a
produção de folhetos não pára, o que houve foi uma mudança de temas e muitos dos seus leitores
continuaram sendo fieis à informação dos versos. Até hoje há muitos folheteiros ativos, como
referência, Franklin Maxado. Américo Pellegrino Filho em seu artigo Literatura de cordel
continua viva no Brasil, defende a idéia de que esta literatura não morreu e esta completando
cerca de cem anos bem vividos.
Argumenta-se que este gênero da poesia popular impressa, que ocorre especialmente no
nordeste, passou a ser valorizado por estudiosos ou intelectuais brasileiros, depois de um artigo
de Orígenes Lessa na Revista Anhembi, publicado em dezembro de 1955, e talvez principalmente
depois de outro artigo, do estudioso francês Raymond Cantel, publicado no Lê Monde no ano de
1969. Afirma que a partir da década de 70, o assunto se espalhou pelos estudiosos brasileiros.
O autor discute que para além da previsão apressada da morte dos livretos populares, o
interesse repentino e a falta de embasamento e pesquisa levaram à mudança de nome. No
contexto popular onde livretos são criados, vendidos e lidos, o nome é “folheto” ou “folheto de
trovador” como alguns se autodenominavam, estes têm em média oito páginas. É considerado
“romance” ou “historia” quando a narrativa, é mais longa e exige dezesseis a trinta e duas ou
mais páginas. A denominação cordel tem origem erudita, influência de Portugal, e acabou
chegando ao vocabulário de autores populares. Segundo o autor criou-se também este
neologismo, como “cordelista” e “cordelismo”, que estão longe do padrão terminológico popular.
10. 9
Mark Curran, em História do Brasil em cordel6 procura analisa como o valor informativo
do cordel o fez comentador ímpar de cem anos da história nacional. Em seu trabalho mostra a
produção do cordel em diferentes épocas. Discute sobre o valor documental dessa literatura, sua
importância enquanto meio de expressão popular e sua função jornalística, vindo a registrar cem
anos da história brasileira em folhetos populares. Curran fala, então, de uma história do Brasil
que não é oficial, contada nos folhetos de feira produzidos pelas camadas mais humildes da
sociedade brasileira.
Sobre o período aqui analisado, afirma que a modernização e as mudanças ocorridas no
Brasil a partir dos anos 50 afetaram bastante os cordéis. Sua forma tradicional de escrita seria
mantida, no entanto vozes engajadas passariam a falar do mandato de Vargas, crescimento da
esquerda, os governos de Jânio Quadros e de João Goulart e o Regime Militar.
Maria Ângela Faria Grilo, fala sobre o caráter informativo do cordel, segundo a autora ao
mesmo tempo que representam uma forma de literatura, informam sobre os acontecimentos da
época. O poeta faz uma espécie de reportagem, mas sempre introduzindo novos elementos que os
diferenciam dos jornais. Nesse sentido, o folheto de cordel se transforma numa rica fonte de
pesquisa para a história, para a sociologia, para a antropologia e para a literatura. 7
Há, sem dúvidas, trabalhos que valorizam o cordel como registro, documento e memória
da história brasileira, mas ainda existe uma carência de trabalhos históricos, sendo que a maioria
dos estudos se desenvolve na área da Linguagem, Educação e Literatura. Neste intento buscar-se-
ia mostrar aqui o valor histórico do folheto popular.
A literatura de folhetos tem sido mais valorizada entre literatos, são poucos os trabalhos
de cunho histórico que problematizam essa fonte como reveladora de um contexto. Dessa forma,
a proposta é problematizar os versos, questioná-los, historicizá-lo, compreender o que expressam
e quando não explícitos vislumbrar e apreender o que de fato está representando.
Tratamos mais especificamente sobre as representações da política nacional nos folhetos
populares, compreendendo as décadas de 1950 a 1980.
Elegemos três cordelistas e o critério utilizado para a escolha foi a preferência por
escritores que tiveram como espaço de produção a Bahia. Assim, com base no levantamento feito
6
CURRRAN, Mark J. História do Brasil em cordel. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo,1998.
7
GRILLO, Maria Ângela de Faria. A literatura de Cordel na sala de aula. In: Ensino de História: conceitos,
temáticas e metodologias. Martha Abreu e Rachel Soihet organizadoras. Editora: Casa da Palavra, 2003,p. 121.
11. 10
na Biblioteca Renato Galvão pertencente ao Museu da Casa do Sertão/UEFS, optamos, pelos
cordelistas de maior número de folhetos disponíveis.
Os autores de cordéis aqui analisados são: Cuíca de Santo Amaro de Salvador, cujos
cordéis escolhidos correspondem a década de cinqüenta até o ano de 64, ano da sua morte;
Rodolfo Coelho Cavalcante, que residiu também na capital, escreveu com freqüência na década
de 60; e por fim, sobre os anos 70 são analisados os folhetos de Minelvino Francisco da Silva, de
Itabuna. A questão das décadas em destaque deve-se ao fato destes escritores terem produzidos
mais folhetos nestes períodos, mas a analise aqui não está restrita à década de maior freqüência
de escrita, por exemplo, além da dos anos 60, Rodolfo Coelho Cavalcante escreveu nas décadas
de cinqüenta e setenta também.
A escolha de três autores deve-se então a questão do período da escrita, se
complementam na questão temporal, eram os escritores baianos mais ativos na época; na temática
e na escrita, há pontos em que se assemelham como em outros se distanciam, o que intensifica
ainda mais a analise, a escolha de mais de um autor acalora a discussão permitindo questionar em
que pontos convergem ou divergem, proporcionando opiniões distintas. E também a questão
espacial, a Bahia é rica na produção de folhetos, no entanto pouca atenção tem sido dada aos
cordéis desta região se comparado aos estudos sobre outros estados nordestinos.
É relevante pontuar que cada escritor tem influências diferentes, podem apresentar hábitos
de diferentes segmentos sociais. É importante considerar que seu texto pode ter diferentes
significados para autor, ouvinte e leitor. E é esse também um dos motivos da escolha de não
apenas um autor, na possibilidade de avaliar diferentes versões que sirva para fazer comparações
ou ponte.
É, sobretudo devido às fontes que se atribui a escolha de data e autor. A maior disposição
de cordéis desses autores viabiliza este trabalho.
Importante mencionar que estes folhetos, por mais que se assemelhem aos jornais
diferenciam-se deles entre outros aspectos, por não ter a obrigatoriedade do relato diário. Os
cordelistas escreviam com certa espontaneidade e também oportunamente quando percebiam que
o tema do folheto poderia lhe render boa vendagem. Por esse motivo os folhetos não são lineares,
pode ocorrer a escrita de dois ou mais exemplares sobre um dado assunto, como também algum
12. 11
fato ficar isento de escrita, o que também pode ocasionar uma leitura, um fato não escrito pode
também ter significados implícitos.
Neste trabalho, as fontes documentais utilizadas foram do tipo escritas e iconográficas. As
fontes escritas deste trabalho são, sobretudo, os folhetos de cordel de Cuíca de Santo Amaro,
Rodolfo Cavalcante e Minelvino Francisco, que inscritos num tempo e espaço, inseridos dentro
de um contexto, produziram versos pelos quais é possível visualizar imagens políticas e também
sociais de uma época.
Para tal também foram imprescindíveis as fontes bibliográficas sobre o cordel, em
especial as obras biográficas sobre seus autores que deram aparato a esta pesquisa mostrando a
origem destes autores, a vida familiar, escolar, o trabalho, nos dando base para interpretar suas
posições e anseios.
“A biografia é hoje certamente considerada uma fonte para
se conhecer a historia. A razão mais evidente para se ler uma
biografia é saber uma pessoa, mas também sobre a época, sobre a
sociedade em que ela viveu.”8
Assim, Auxiliaram este trabalho fontes bibliográficas como A presença de Rodolfo
Coelho Cavalcante na moderna literatura de cordel de Joseph Mark Curran; Vida e luta do
Trovador Rodolfo Coelho Cavalcante de Eno Theodoro Wanke; Ele o tal, Cuíca de Santo Amaro
e Noticias biográficas do poeta popular Cuíca de Santo Amaro de Edilene Mattos. Obras ligadas
ao histórico do cordel como História do Brasil em cordel de Mark Curran e A vida no barbante:
a literatura de cordel no Brasil, essas obras foram essenciais na realização deste estudo
possibilitando o diálogo dos traços biográficos dos autores e seus escritos.
Também fundamentaram este trabalho, as fontes iconográficas. As capas dos folhetos, que
oferecem uma visualização do escrito, da história narrada, além dessa conexão visual e escrito,
traz em si uma mensagem completa, não precisam necessariamente do texto para confirmá-la.
A provocação feita por este estudo de analisar um contexto histórico através do cordel,
tomando-o como fonte que relatam o momento pelo qual passava o país e tal como ele era
percebido pelo povo, construídos por estes sujeitos e sendo práticas do grupo social em que
8
BORGES, Vavy Pacheco. (org.) PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo:Contexto, 2005, p. 215.
13. 12
estavam inseridos, está organizada da seguinte forma: no primeiro capítulo fazemos uma
discussão teórica sobre a literatura de cordel como fonte histórica; no segundo capítulo
analisamos em essência a critica política e social dos folhetos de Cuíca de Santo Amaro; no
terceiro, o posicionamento político de Rodolfo Coelho Cavalcante escrevendo em combate ao
comunismo; no quarto e último capitulo são colocados os elementos político-religiosos de
Minelvino Francisco da Silva. A analise periódica destes capítulos tem como momento inicial a
morte de Getúlio Vargas até fins do período militar no Brasil. Por fim, são postas as
considerações finais à analise do contexto histórico nacional visto através de folhetos populares
escritos na Bahia.
14. 13
Capítulo 1: A Literatura de Cordel como Fonte Histórica
Alguns estudos historiográficos têm caminhado no sentido de romper com a idéia
aristocrática da cultura, tradicionalmente posto que as classes populares eram desprovidas do
saber (sem cultura) e nada mais eram consideradas como “camadas inferiores dos povos
civilizados”9. Atualmente, com a ampliação do sentido de cultura, ao tentar compreender tudo o
que pode ser apreendido de uma sociedade, ocorre o que Peter Burke denomina por “descoberta
do povo”, lado aos estudos em volta do clássico, acadêmico e científico, passa-se a reconhecer
seus correspondentes populares, suas múltiplas criações e recriações e suas variações em épocas e
sociedades passam a ser vistos como objeto de explicação histórica.
Com este alargamento de campo de estudo há, utilizando a expressão de Le Goff, uma
“revolução documental”10 do estudo de história, fugindo da investigação feita essencialmente de
documentos de arquivos. Com o campo ampliado a Nova História tende a valorizar o informal.
Esse trabalho está situado na História Cultural, campo de pesquisa vasto que agrega
problemáticas a começar pelo próprio conceito de cultura. O olhar histórico antropológico dado
por Clifford Geertz sobre este termo é instigante, defendendo em seus ensaios um conceito de
cultura essencialmente semiótico:
“Acreditando como Max Weber, que o homem é
um animal amarrado a teias de significados que
ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo
essas teias e a sua analise; portanto, não como
uma ciência experimental em busca de leis, mas
como uma ciência interpretativa, à procura do
significado”.11
Em a Interpretação das culturas, apresenta a prática de descrição densa - o fazer
etnografia - como uma tentativa de construir uma leitura em busca de significados, de algo que
nos parece estranho ou inexplícito, ou que possa ser observado em campos rotineiros, como
9
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição.
Tradução Maria Betânia Amoroso, São Paulo: Companhia das Letras, 200, p.3.
10
LE GOFF, Jacques et al. A Nova História. Trad. Ana Maria Bessa. Lisboa: Edições 70, p. 10.
11
GEERTZ, Clifford: A interpretação das culturas, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989. p.4.
15. 14
observar rituais ou escrever um diário. Para Geertz, a cultura não é um poder ou algo ao qual
podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições
ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual podem ser descritos de forma inteligível -
isto é, descritos com densidade.12
Colocado os embates presentes no campo da história cultural importa salientar que entre
as suas múltiplas abordagens é na Cultura Popular que esse trabalho está mais especificamente
situado. A fonte aqui utilizada são Folhetos de Cordel, literatura popular em verso, que tem
espaço de criação histórico vasto no Brasil desde o início do século XX.
O poeta de cordel escrevia o que se passava sobre um dado período e lugar, suas
narrativas curtas e de grande carga oral facilitava a memorização fazendo com os versos
circulassem como uma espécie de jornal, já que estes eram escassos e seu formato em prosa mais
difícil para serem compreendidos num segmento da sociedade de maioria analfabeta.
Hoje essas narrativas representam um registro, documento e memória da história
brasileira e uma possibilidade de estudo dos significados que estes sujeitos partilhavam, aqui em
particular referimo-nos a segmentos da população baiana que apreciavam os cordéis escritos
entre nos anos de 1950 a 1980.
Pontuo que se trata do estudo de certo segmento das classes populares para não
homogeneizá-la de todo, considerando uma série de condições diversas de moradia,
comportamento, trabalho, crenças e de gênero entre os populares. Com base no que Thompson
alerta em Costumes em comum sobre as generalizações da “Cultura popular”, segundo o qual, se
esvaziam se não postas firmemente dentro de contextos históricos específicos, sendo o próprio
termo “cultura”, utilizada como um consenso faz com que passe despercebidas as contradições
sociais e culturais ou certas oposições existentes dentro do conjunto13.
Para este trabalho é particularmente importante a discussão das obras de Mikhail Bakhtin,
Carlo Ginzburg e Robert Darton, historiadores culturais com linhas de pesquisas que em muitos
aspectos convergem. Estes embasam e norteiam esta pesquisa, compreender suas metodologias é
imprescindível.
Através da obra de um letrado, Bakhtin consegue assimilar toda a cultura popular do
12
GEERTZ, 1989, op. Cit., p.10.
13
THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. Trad. Rosaura
Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998,p. 17.
16. 15
período, mostrando existir uma influência recíproca entre as classes subalternas e a dominante.
Em A Cultura Popular no Renascimento e na Idade Média o objeto de estudo de Bakhtin é
François Rabelais, homem singular no seu tempo, e seus escritos subverte os valores oficias da
época tornando possível perceber a multiplicidade de manifestações de uma cultura
marginalizada.
Procurando compreender o fato de Rabelais ser o menos popular, menos compreendido e
estimado entre os escritores da literatura mundial, Bakhtin mostra que os seus contemporâneos e
quase todo o século XVI tinham uma postura exatamente oposta, até mesmo por estarem
inseridos em meio às tradições populares, literárias e ideológicas da época. Mas nota que a
unidade, as imagens e elementos constitutivos do mundo Rabelaisiano a partir do século XVI e
principalmente após o XVII aparecem totalmente incompatíveis.
A solidão particular de Rabelais deve-se ao fato de não se ajustar aos cânones e regras da
arte literária vigente desde o século XVI14. Bakhtin reclama a interpretação dada pelos homens
dos séculos seguintes a Rabelais, sua essência não foi inteiramente evidenciada, estudados à luz
das regras culturais, estéticas e literárias da época moderna. No que diz respeito aos seus
contemporâneos, estes não podem fornecer uma resposta aos nossos problemas, uma vez que para
eles, esses problemas não existem.
Bakhtin diz que compreender as imagens rabelaisianas - em grande parte enigmáticas - só
é possível através de um estudo que considere a profundidade das suas fontes populares, pois
suas imagens são perfeitamente posicionadas dentro da evolução milenar da cultura popular.
Estuda minuciosamente a multiplicidade das manifestações- risos, espetáculos, obras cômicas
orais ou escritas, festas, vocabulário familiar e grosseiro- sobre o universo Rabelaisiano.
Notando a base popular dos escritos de Rabelais, Bakhtin escreve sobre a diferença capital
entre os cânones grotesco e clássico, que na realidade histórica viva, nunca foram estáticas nem
imutáveis, ao contrário, sempre houve entre os dois cânones muita forma de interação, luta,
influências recíprocas, entre cruzamentos e combinações. Este trabalho foi publicado em 1965
sua teoria de reciprocidade entre a cultura da classe subalterna e a classe dominante influenciou
gerações vindouras e mais fortemente Carlo Ginzburg que a partir de Bakhtin formula sua teoria
de circularidade cultural.
14
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora da
UnB, 1987.
17. 16
O conceito de cultura popular é conflitante. O trabalho de Ginzburg O queijo e os vermes
publicado na década de 1970, define que entende como classe popular um, “conjunto de atitudes,
crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas num certo período
histórico”15 afirma ser este sentido emprestado da antropologia cultural, uma vez que formulado
o conceito de cultura primitiva admite que estes indivíduos tido como povos inferiores possuem
cultura.
Coloca que os estudiosos das tradições populares estão em desvantagem em relação ao
trabalho dos antropólogos, pois ainda hoje a cultura das classes subalternas é predominantemente
oral e estes estudiosos precisam servir-se, sobretudo de fontes escritas, Ginzburg critica que estas
fontes são duplamente indiretas, por serem escritas e provavelmente ligadas à cultura dominante
chegando a história das classes subalternas até nós através de filtros que a deformam.
A partir dessas discussões formula uma visão original da cultura popular definida pela
oposição à cultura letrada e pela relação que com ela mantém. Quebra com essa dicotomia ao
propor sua concepção de circularidade cultural, quando num movimento dialógico move-se de
baixo pra cima, como de cima pra baixo como comprova nesta obra com a experiência de
Domenico Scandella, o Menocchio.
Em que consiste o trabalho de Ginzburg? Não usa um intelectual como Bakhtin, mas um
moleiro, sujeito das classes subalternas, que sabia ler e escrever, foi acusado e queimado pela
inquisição por propagar suas idéias e visão de mundo não-cristã. Ginzburg procura entender
como um simples moleiro formulara estas idéias o contexto permite afirmar que a invenção da
imprensa lhe proporcionou o contato com livros e a reforma lhe deu aparato para ousar a falar
suas idéias entre contemporâneos, esses fatores foram importantes, contudo não justificam de
todo a originalidade dos pensamentos de Menocchio, a documentação utilizada por Ginzburg e
que responde a essa inquietação, trata-se dos dois processos abertos contra ele quinze anos de
distância um do outro (o volume de seu processo se destacava entre os demais), além dos
documentos inquisitoriais há outros que indicam suas atividades econômicas e vida familiar, além
de registro do próprio Menocchio e uma lista parcial de suas leituras.
Sabia ler e lia livros proibidos pela igreja, mas a chave da questão não está somente em
saber quais livros tinha acesso, mas como os lia, de maneira inconsciente interpunha entre ele e a
página, não raro deformando a leitura, variando numa rede de filtros que ligava a cultura da
15
GINZBURG, 2006, op.cit., p. 3.
18. 17
página impressa à uma cultura oral:
Foi o choque entre a pagina impressa e a cultura oral,
da qual era depositário, que induziu Menocchio a formular-
para si mesmo em primeiro lugar, depois aos seus
concidadãos e, por fim, aos juízes- as “ opiniões [..] [que]
saíram da sua própria cabeça”16.
Outro importante trabalho que enfrenta as dificuldades de estudar o popular é O grande
massacre de gatos de Robert Darton, formado por ensaios, resultantes de um trabalho que preza o
diálogo entre a história e a antropologia e particularmente, as estratégias interpretativas de
Clifford Geertz.
O autor se propõe a analisar as maneiras de pensar na França do século XVIII, através do
universo simbólico captar a sua acepção. Enquadra seu trabalho na história cultural, como ele
coloca, sua tendência é etnográfica, uma abordagem antropológica da história, como uma ciência
interpretativa na busca de significados.
Para entender a maneira como as pessoas comuns entendiam o mundo. Robert Darton tem
por base o exame de uma coleção de textos, como uma versão primitiva de Chapeuzinho
Vermelho que compõe sua primeira análise História que os camponeses contam: o significado de
Mamãe Ganso. Para Robert Darton, apesar desses contos não poderem ser datados com precisão
de um documento histórico eles são uma das poucas pontes de entrada no universo mental dos
camponeses nos tempos do Antigo Regime. O autor sugere buscar a opacidade dos textos, como
faz ao tentar explicar o massacre de gatos. Segundo ele, entender qual é a piada, no caso de uma
coisa tão pouco engraçada como uma matança ritual de gatos, é o primeiro passo no sentido da
“captação” da cultura17.
Bem coloca que aqueles que se voltam ao trabalho de campo deparam com a questão de
que os outros povos são diferentes e pensam de outra maneira e para compreender sua maneira de
pensar é preciso captar a diferença. Darton alerta contra a falsa impressão de familiaridade com o
passado. Lembra que o que era sabedoria proverbial para nossos ancestrais permanece
16
GINZBURG, 2006, op.cit., p.73
17
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da história cultural
francesa. Trad. Sônia Coutinho. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001. p. 335.
19. 18
completamente opaco para nós e tenta explorar essas visões de mundo pouco familiares a dois
séculos de diferença que o separam de seu objeto de estudo.
Problematizando em quais aspectos a discussão dessa obras estão ligadas aos propósitos
deste estudo colocamos aspectos comuns que une os escritos de Bakhtin a Ginzburg, como o fato
de não separar a cultura popular e erudita em compartimentos estanques. Nota-se o movimento
circular em torno da literatura de folhetos, pelos seus temas e enredos como estes transitam entre
o erudito e o popular e do popular ao erudito, escrevendo sobre crimes, desastres naturais,
acontecimentos sobrenaturais chegando até política, economia e eventos de grande repercussão.
De modo geral, pode-se afirmar que o poeta de cordel, não limitado a descrever a realidade de
maneira artística tinha também consciência de seu papel de informar. De acordo com Ronald
Daus, citado por Grilo18 ao dizer que “os folhetos tornam públicos acontecimentos sensacionais,
traduzem as notícias da imprensa da capital para a linguagem do habitante do sertão, e as
interpretam como público gostaria de ouvi-lás, mudando-as muitas vezes e dando-lhes novas
funções e significados”.
Em O grande massacre de gatos de Robert Darton, destacamos a noção de leitura19 e
relembrando a influência de Geertz para o autor com conceito de cultura semiótica ”como
sistemas entrelaçados de signos interpretáveis” motivando leitura de algo em busca de
significados, Robert Darton defende que pode-se ler um ritual ou uma cidade, da mesma maneira
como se pode ler um conto popular ou um texto filosófico. De forma que analisa a cidade como
um texto através de um burguês provinciano que ao descrever a sua Montpellier é possível captar
o que entendia por vida urbana. Outro ensaio é feito por meio de uma rica série de cartas que o
comerciante Jean Ranson escreveu entre 1774 e 1785, leitor assíduo de Rousseau, essas cartas
demonstram como o rousseauismo foi absorvido no modo de vida burguês provinciano, sob o
antigo regime.
A questão da leitura de folhetos é precisamente curiosa, numa cultura em que a oralidade
é predominante e composta em sua maioria de analfabetos e semi-analfabetos. A leitura era feita
em voz alta, coletiva e intensiva, a própria estrutura do texto, com versos curtos e rima também
facilitava sua compreensão, em muitos casos chegava-se a decorar verso, havia situações em que
18
GRILO, 2003.op. cit. P. 118
19
Inegavelmente presente nas obras de Bakhtin e Ginzburg, ambos trazem a discussão em suas obras.
20. 19
utilizava-se as palavras escritas e impressa, favorecendo as relações entre analfabetos e semi-
analfabetos proporcionando a estes práticas de letramento20.
Como já foi dito muitos poetas tinham consciência do seu papel de informar, além do
próprio conteúdo do cordel tinham preferência em utilizar a capa final dos folhetos para fazer
anúncios, propagandas, homenagens e mensagens pessoais, que demonstram a variedade de
linguagem e informações que podem ser apresentadas num cordel. Um exemplo é o folheto de
Rodolfo Coelho Cavalcante “A menina de doze anos que está falando com a Santa no Ceará”
escrito em 1970, mesmo não tendo não de comum com o conteúdo escrito dentro do cordel, o
autor aproveita o espaço final e utiliza para fazer um protesto:
Abaixo o analfabetismo!
O analfabeto coitado,
Tenho muita pena dele
Em vez dele andar montado
O letrado monta nêle
Jamais condene você
O analfabeto, coitado,
Dê-lhe uma carta de ABECÊ
Que êle se torna educado
É um protesto de Rodolfo Cavalcante pelo reconhecimento dos escritos dos cordelistas -
causa pela qual brigou em toda sua trajetória, e também um discurso político pela alfabetização.
São varias as estratégias dos cordelistas para expressar suas opiniões, noticiar, fazer
propagandas, protestos. Tinham essa preocupação em diversificar, pois sabiam que seus folhetos
eram bem vindos por muitos sujeitos e alguns grupos sociais baianos, para alguns inclusive, o
cordel representava a única fonte de informação ao qual tinham acesso, seja pela forma escrita ou
pelo seu valor mais fáceis de adquirir.
O período referente a esse estudo, décadas de 1950 à 1970, é cronologicamente recente.
No entanto, este período da nossa história soa para muitos uma realidade distante, senão mal
compreendida. Problematizando o “Breve século XX” em A Era dos Extremos, Eric Hobsbawm
afirma que um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX, é a
20
GALVÃO, op.cit.
21. 20
destruição do passado, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das
gerações passadas. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo,
sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Lembra o ofício
do historia doe em lembrar o que os outros esquecem, mais importante que nunca no fim do
segundo milênio21. Os folhetos de cordel é, pois, uma das formas de explorar este período, ao
mesmo tempo que torna possível analisar o seu significado para alguns segmentos das classes
populares.
A literatura de cordel como acreditavam seus leitores, era mais confiável do que qualquer
outro meio de comunicação que tinham acesso, ou pelo menos o mais fácil de ser compreendido,
sua função de “jornal do sertão” é percebido nas palavras de Rodolfo Coelho Cavalcante em
entrevista a orígenes Lessa:
“O sertanejo sabe dizer pelo rádio ou por ouvir dizer os
acontecimentos importantes. Mas só acredita quando sai no
folheto...Se o folheto confirma, aconteceu...” 22
O que valida a literatura de cordel como fonte para estudos históricos? Este
questionamento se insere no centro da discussão em torno da narrativa histórica acalorada nas
décadas de 1970 e 1980 no despontar da “Nova História” quando é colocado em questão muitos
paradigma tradicionais, entre os quais o debate teórico da história e da literatura.
A literatura é compreendida para além de um fenômeno estético, é também uma
manifestação cultural, mesmo sem a intenção de se “escrever história” muitos aspectos que ficam
nas entrelinhas do texto é digno de leitura de uma época, um povo, que de um modo ou de outro
motivam a arte literária e muito revela sobre ela e as condições em que foram produzidas.
Mostrando como o contrário pode acontecer Nicolau Sevcenko A literatura como missão
falando das grandes mudanças ocorridas em todos os setores da sociedade brasileira em torno do
século XIX e XX, coloca, “Mudanças que foram registradas pela literatura, mas, sobretudo
mudanças que se transformaram em literatura”23, ou ainda, “os textos artísticos se tornaram aliás
21
HOBSBAWN, Eric J. A era dos extremos: O breve Século XX: 1914 – 1991. Companhia das Letras, 1994, p 13.
22
BAHIA. Antologia Baiana de Literatura de Cordel. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, 1997.
23
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2.
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.p. 286.
22. 21
termômetros admiráveis dessa mudança de mentalidade e sensibilidade”24, mostra como contexto
histórico e literatura dialogam, tornando um parte do outro.
Outro ponto de vista a ser analisado é o de Sidney Chalhoub e Leonardo Afonso Pereira, a
proposta é historicizar a obra literária como é feito nos ensaios que compõe “A História Contada:
capítulos de historia social da literatura no Brasil”, são analisadas obras de Machado de Assis,
José de Alencar, Jorge Amado, todos enfatizam caráter histórico da obra literária:
Em suma, é preciso desnudar o rei. Tomar a literatura sem
reverencias, sem reducionismos estéticos, dessacralizá-la, submete-
la ao interrogatório sistemático que é uma obrigação do nosso
ofício. Para os historiadores a literatura é, enfim, Testemunho
Histórico25.
Para os autores qualquer forma de literatura, seja ela uma poesia, conto ou romance é uma
evidência histórica objetivamente determinada, digna como os documentos “oficiais”-
inventários, atas, alforrias, etc., de serem questionadas, exploradas e analisadas. Sendo válido
também para a investigação do sujeito, tentando perceber o que testemunha, o que coloca entre o
que diz e o real. Na perspectiva desses autores é preciso buscar a lógica social do texto.
Partimos agora para o ponto de vista de um lingüista sobre a história. Em O texto histórico
como artefato literário Hayden White deixa sua marca em considerar (como o próprio título
sucinta) as narrativas históricas como ficções verbais de conteúdos tanto inventados como
descobertos e no que diz respeito a forma, considera serem mais comuns com seus equivalentes
na literatura do que seus correspondentes nas ciências, concepção que ele próprio admite que esta
“fusão de consciência mítica” e da história ofenderá historiadores e teóricos literários que em sua
concepção de literatura contrapõe história à ficção ou do fato à fantasia.
Os documentos históricos, segundo White, não são menos opacos do que os textos
estudados pelo crítico literário e tampouco é mais acessível o mundo figurado por esses
documentos:
24
SEVCENKO, 2003. Op. Cit. .p. 287.
25
CHALHOUB, Sidney, PEREIRA,Leonardo Afonso M.(org). A história contada: Capítulos de Históri social da
literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 7.
23. 22
O que tudo indica é a necessidade de revisar, na discussão
de formas narrativas como a historiografia, a distinção
convencionalmente estabelecida entre o discurso poético e o
discurso em prosa, e de reconhecer que a distinção, tão antiga
quanto Aristóteles, entre história e poesia tanto obscurece quanto
ilumina as duas áreas. Se há um elemento do histórico em toda
poesia, há um elemento da poesia em cada relato histórico do
mundo26.” (grifo meu)
No mesmo ensaio fala da relutância em considerar as narrativas “com o que elas
manifestantes são: ficções verbais, cujos conteúdos são tão inventados como descobertos, e cujas
formas tem mais em comum com suas contrapartidas na literatura que na ciência27, numa análise
ao que chama por ficção verbal não tira o valor do discurso histórico, acredita que nele possa ter
elementos de imaginação e ficção da mesma forma que em qualquer outro tipo de conhecimento.
Na literatura de cordel estão a poesia, história e ficção, mas sob qualquer forma revelam a
contemporaneidade, possibilitando uma gama de leituras.
26
WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. [Trad. De Alípio Correia F. Neto].
São Paulo: EDUSP. 1995. P. 114.
27
WHITE, 1995, op. Cit., p.98.
24. 23
Capítulo 2: “Os embromadores do povo”: Denúncia,
crítica política e social nos folhetos populares.
Os folhetos de cordel são para nós registro de uma época, os seus autores se empenhavam
a passar para a população os fatos que estavam acontecendo em suas cidades, estados ou no país.
Mesmo o que não era escrito propositalmente na intenção de divulgar nos é revelador, estes
sujeitos por estarem envolvidos numa realidade histórica que era comum a seus contemporâneos,
queriam mostrar a novidade do fato, não objetivavam primordialmente descrever seu tempo para
servir de fonte para um futuro diferente. Com pretensão ou não era o que estavam fazendo, sendo
porta-vozes populares de uma época conturbada.
A Bahia sempre apresentou um número significativo de cordelistas que escreviam na
capital e no interior, lembrando que estes versos circulavam muito além dos locais de sua
produção, como exemplo maior uso esta pesquisa que tem dois cordelistas que escreviam seus
versos em Salvador e um em Itabuna entre as décadas de cinqüenta a início dos anos oitenta, no
entanto o local de consulta das fontes (o cordel) foi na cidade de Conceição do Coité, no Arquivo
Particular de Carlos Neves, onde foi encontrado alguns exemplares que não constava na coleção
da Biblioteca da Casa do Sertão, local onde encontrei a maioria dos folhetos aqui trabalhados.
Destes cordelistas baianos, nenhuma figura parece tão enigmática como Cuíca de Santo
Amaro, ia com facilidade de homem sincero ao controverso, seus folhetos eram esperados com
ansiedade por uns e temidos por outros, Rodolfo Coelho Cavalcante em: Cuíca de Santo Amaro:
o poeta popular que conheci, relata após a morte do autor:
Muita gente da política
De Cuíca tinha medo
Pois o seu estro era fogo
Que derretia rochedo
Quem mal ato praticasse
Que terminava o segredo
25. 24
Alguns jornais, revistas e trabalhos acadêmicos escreveram sobre sua biografia, já
mostravam este lado sarcástico de cuíca, cabe aqui analisar seu discurso nos folhetos que
envolviam política, alvo maior do autor.
Cuíca de Santo Amaro era um apelido que acabou sendo seu nome artístico. Só assim
ficou sendo conhecido em toda Bahia, seu nome verdadeiro é José Gomes, provavelmente seu
nome fictício dá-se pela sua relação com o município de Santo Amaro, pra onde viajava com
freqüência em sua juventude.28
Cuíca nasceu em 1907 na cidade de Salvador. Ainda pequeno seus pais se separaram e ele
foi criado pela sua madrinha de batismo. Não concluiu seus estudos, sendo aluno dos Frades
Capuchinos da Piedade, comentava que a eles devia a sua boa caligrafia pelos tantos exercícios
cobrados pelos severos professores.
Os únicos empregos fixos que teve foi numa tinturaria Portuguesa e na Companhia
Circular de bondes. Foi para as feiras onde vendia vários tipos de quinquilharias, em 1935,
conheceu sua mulher D. Maria do Carmo e para sustentar sua família passou a revender folhetos
da “Pernambucana”, uma barraca do Mercado Modelo, que vendia com exclusividade os folhetos
do paraibano João Martins de Athayde.
A partir daí fazia folha volante, versos em quadra ou sextilha, inicialmente sobre jogos,
depois para propaganda. A população apreciava as folhas volantes e por ser um meio barato os
donos de lojas o procuravam para propagandear seus produtos.
Quando Cuíca começou a escrever folhetos, a maioria deles foi destinado à Getúlio
Vargas, a quem tinha grande admiração por olhar para o povo trabalhador. Se a política de
Vargas era trabalhista o papel que Cuíca se propôs foi o de defensor do povo, a capa final dos
seus folhetos era um espaço bastante explorado pelo autor, num deles logo após a morte de
Vargas, escreve em convite ao “povo”:
28
Os dados biográficos aqui apresentados, foram retirado do livro “Ele o tal. Cuíca de Santo Amaro”, de Edilene
Matos.
26. 25
AVISO PÚBLICO
Os trabalhadores baianos convidam o povo em geral para assistir a missa que mandarão
celebrar na Igreja d São Francisco às 8h da manha do dia 24 do corrente em sufrágio da alma
do saudoso presidente Vargas.
(O povo não deve faltar)
Cuíca de Santo Amaro
Vale aqui um paralelo com o texto “O samba na roda”29 de Alessandra Cruz, uma parte da
pesquisa analisa às representações do trabalho nos sambas de Salvador. Sobre este aspecto,
problematiza como a crítica do samba enfrentava o discurso ideológico da poética populista de
Getúlio Vargas entre os anos de 40 e 50 em formar um tipo brasileiro de homem trabalhador que
venceria a pobreza pelo seu trabalho e a disciplina. Os sambas que analisa debocha e ridiculariza
a ideologia do trabalhismo que o trabalho proporcionaria ascensão social “trabalhar e batalhar por
uma nota curta”.
A posição de Cuíca de Santo Amaro é curiosa ao mesmo tempo em que divulgava a
política de Vargas como exemplo a ser seguido, produzia folhetos incentivando o povo a pensar
na sua posição de pobre e trabalhador explorado não importando se era a favor ou não da política
Varguista, era uma característica do autor ser contraditório.
Em Os embromadores do povo, folheto onde se dispõe a denunciar as falcatruas política
nos discursos anteriores à eleição, é bastante apelativo, mostra a seus conterrâneos as estratégias
utilizadas pelos candidatos para “embromá-los”, era uma forma de alertar a população que
estariam se beneficiando momentaneamente, pois passada as eleições acabaria também o
prestígio do povo somente lembrado nessa época.
Investe na xilogravura, trazendo a imagem de um político fardado, para reforçar sua
condição social conseguida pela exploração do povo, assim como sua barriga grande representa
fartura e a boa vida dessas pessoas, os braços suspensos mostram a euforia dos discursos
enganadores a expressão facial passa a idéia de esforço, de empenho em mostrar-se honesto aos
29
CRUZ, Alessandra C. “O samba na roda”. Samba e cultura popular em Salvador. 1937-1954.
27. 26
seus eleitores. O escrito e visual neste folheto estão em harmonia com a mensagem passada a
mesma crítica que traz a sua xilogravura é percebida em linguagem escrita.
Através dos seus comícios
Começam a nos embromar
Dizem ao povo analfabeto
Eu vou lhe ajudar
Eu tenho um lugarsinho
Pra você trabalhar
Porque muito eleitor
É forçado ao vender
Vende o voto ao candidato
Porque precisa cumer
Mais sabe que mais tarde
Bastante vai sofrer
Nunca se viu num plenária
Se debater um problema
Para tirar o povo
De tão difícil dilema
Que é a fome que roe!
Como se fosse pastema
28. 27
Sua linguagem ferina atingia seu alvo, Cuíca de santo Amaro foi detido inúmeras vezes
por sua ousadia em falar o que entendia, para tal não fazia rodeios, sua linguagem era direta,
vestia-se de fraque, chapéu de coco enfeitado com pena de pavão para trabalhar, seu modo de
vestir além de atrair o tornava uma figura ainda mais sarcástica. Gritava à população baiana o
último escândalo ou notícia nova, seu ponto de trabalho era próximo ao Elevador Lacerda.
Fonte 1: Cuíca de Santo Amaro declamando
folheto. In: www.enciclopedianordeste.com.br
Não diferente dos outros cordelistas aqui trabalhados tinha também seu lado conservador,
fazia seu discurso moralista, usando bastante da sua linguagem satírica.
O folheto “O namoro no cinema” ilustra bem sua posição, dentre as mudanças decorrentes
da revolução das comunicações, tem-se uma abertura aos locais de lazer como foi o caso do
cinema que começou ter a presença feminina. Além de um novo ambiente era também o local de
novidades que passava a interferir no comportamento das novas gerações, as mulheres passaram
29. 28
a seguir as modas das atrizes de Hollywood, mudar o estilo dos cabelos, e fumar, ato até então do
homem30. Era o confronto do sistema patriarcal com a modernização que chegava a Bahia.
Entre 1945 e 1955 o “sonho americano” penetrava no país, dando
suporte às iniciativas culturais que visavam a atualizar o país com
relação à modernidade dos centros industrializados. Adotaram-se
suas tendências e seus temas: o cosmopolitismo – em lugar do
folclórico e do ruralista; o romance psicológico – em relação à
literatura regionalista exarcebada; a renovação da linguagem da
imprensa – em substituição às matérias literárias nacionalizantes; a
profissionalização de um teatro preocupado com a arte pela arte –
sem finalidades propagandísticas; o cinema industrializado e o
surgimento da televisão31.
As queixas destes maus comportamentos começaram a ser denunciadas por toda parte
pelos homens, segmentos conservadores da sociedade se opunham a onda modernizadora e
criticavam impiedosamente.
Aqui na Bahia, Cuíca denunciava a libertinagem deste ambiente. Definia o cinema como
Todos sabem que o cinema
É um antro de perdição
Traz o sujeito assassino
Faz o sujeito ladrão
É um livro onde as donzelas
Aprendem a prostituição
Faz saber com suas denúncias o que as mocinhas e os rapazes fazem no local, diz que o
cinema é um pretexto para a libertinagem, alarma os pais com as suas conclusões.
Cuíca se autodenominava como o defensor do povo. Em 1958, Cuíca decide candidatar-se
a vereador pelo PTB, só consegue 39 votos, o que atribui ao fato de ser um homem sem posses,
era um simples folheteiro. Sua campanha política teria ficado restrito à contracapa de seus
folhetos, ser vereador para Cuíca era uma forma de legitimar sua condição de defensor do povo.
30
BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade. Restauração da ideologia de gênero no Brasil, 1914 – 1940.
Edusp, 1999.
31
MENDONÇA, Sônia Regina. As bases do desenvolvimento capitalista dependente: da industrialização à
internacionalização. In: LINHARES, Maria Yedda (org), história Geral do Brasil, 9 ed, Rio de janeiro: Elsevier,
1990, p. 346.
30. 29
Segundo Edilene Matos a ligação de Cuíca com os políticos da Bahia foi a mais
contraditória possível, atacava e defendia de acordo com seus interesses.
No ano da sua candidatura lança o inconformado folheto Bagunça no pleito eleitoral,
descreve um cenário de confusão que se ocorreu na capital no dia da votação, a confusão entre
eleitores e mesários, denuncia que os eleitores não tinham o que beber, sofriam fome e agonia,
mães de família com os filhos chorando, barulho infernal. Todo esse cenário de confusão,
segundo ele é devido a nova reforma eleitoral com a tal cédula única.
A reforma que Cuíca menciona ocorreu em 1955, abaixo diz a lei:
Lei nº 2.582 – De 30 de agosto de 1955
Institui a cédula única de votação
O Presidente da República:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguite lei:
[ ... ]
Art. 6.° Havendo coincidência de eleições para Presidente e Vice-Presidente da República com
eleições para preenchimento de outros cargos, o eleitor irá ao gabinete indevassável duas vezes:
a primeira para assinalar na cédula única os nome dos candidatos de sua escolha; depois de
votar com a cédula única o eleitor receberá do presidente da mesa a sobrecarta oficial com a
qual voltará ao gabinete indevassável para votar nos mais candidatos.
[ ... ]
Rio de Janeiro, 30 de Agosto de 1955; 134º da Independência e 67º da República.
João Café Filho.
Prado Kelly.
O folheto de Cuíca, é então um testemunho do que teria ocorrido na prática com a nova
lei, segundo o que descreve no seu folheto não houve organização duas estrofes resumem bem o
seu posicionamento
Foram as senha distribuídas
Com toda inteligência
Para quem as impertinências
Só chamava aqueles
Da sua preferência
(...)
31. 30
Os semi-analfabetos
Com esta inovação
Digo...a cédula única
Na hora da votação
Como é natural
Só pode fazer confusão
Além de mostrar-se irritado com a nova Lei, observamos também o inconformismo com a
sua iminente derrota, que versos deixam por revelar, chama o eleitor de degenerado por trocar seu
voto por dinheiro, A muita gente pobre/ Estes ambiciosos/ Não votam para gente pobre, neste
momento tudo indica que refere-se a sua própria figura, sua própria condição de trabalhador
pobre, em seguida, com tom de desilusão questiona-se: porque fui me candidatar? Passada as
eleições locais, Cuíca volta a falar de política, o inicio da década de 60 vai escrever sobre os
governos de Jânio Quadros e de João Goulart.
Em 1961, marcava o cenário nacional Jânio Quadros assumindo a presidência, vários
eram os comentários a respeito da sua figura e da sua vitória, segundo a definição Skidmore,
Quadros entrou no cenário político como um corpo estranho, por excelência, por não estar ele
definitivamente identificado como um líder anti-vargas (embora ninguém o considerasse jamais
um Getulista) foi visto como um tipo capaz de transcender as linhas estabelecidas do conflito.
Isto pareceu, então, muito mais possível devido à sua bandeira eleitoral carismática. 32
Ainda com base em Skidmore, a análise da política Quadros como sendo populista ou
não, há dificuldades em responder, mas é certo que tinha característica deste estilo, como o
candidato dinâmico, presente e que passava confiança a seus eleitores. Aqui na Bahia, os cordéis
são uma prova cabal dessa confiança que Quadros passava ao povo brasileiro.
Cuíca, falando sobre A retumbante vitória de Jânio Quadros traz neste folheto expressões
que mostram essa boa expectativa, no seu caso em particular nota sua relação com a classe
trabalhadora ao falar da trajetória de Quadros coloca que conquistando a confiança do homem
trabalhador, Jânio Quadros consegui se eleger.
Quanto ao marechal Teixeira Lott, coloca que este não poderia ganhar, mesmo sendo um
homem honesto, mas o considera “estar bem entrosado/ para dirigir militar”. Cuíca também
32
SKIDMORE, Thomas. Brasil de Getúlio a Castelo. 14. ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2008, p. 231.
32. 31
descreve o “berreiro” dos eleitores de Lott, os que perderam dinheiro, viviam em palanques que
agora estavam cabisbaixos.
Sobre o povo baiano, diz que muitos votaram em General Lott, por uma questão política
estadual na pretensão de se vingar do governador.
Neste folheto traz duas preocupações com a renovação da máquina administrativa e
principalmente, a cobrança em olhar o povo nordestino, a cobrança é uma característica marcante
em Cuíca que não deixa se entusiasmar de todo, pois mesmo confiante nas mudanças que poderia
ocorrer com o governo Quadros lembra que vai cobrar o que foi prometido, isso fica claro nos
versos abaixo
Agora compete ao Jânio
Depois que se elegeu
Se lembrar do nortista
Do povo que sofreu
Jânio deve se lembrar
Daquilo que prometeu
Essa cobrança de Cuíca aconteceu. Depois da renúncia de Quadros ele lança o folheto
Jânio Quadros e suas... em que vai mostrar o descontentamento com o ato do presidente, faz
muitas lamentações, afirmando o povo brasileiro como sofrido principalmente o pobre residente
na Bahia, passagem que concorda com o velho ditado de que o pobre vive de teimoso, no caso
dos brasileiros ( em maior grau o nortista) vive entregue à sua sorte. Cuíca diz que mesmo assim
restava uma esperança, pois tinha uma fé duradoura, utiliza palavras como certeza e convicção
para reiterar a expectativa que tinham no homem da vassoura como chefe da nação, que, no
entanto quando começou a guiar o país se pôs a cometer desatinos, fala da exoneração de muita
gente dos seus empregos e da tentativa do presidente pagar a divida externa.
Em tom irônico diz que:
Para que o Brasil
Levantasse sua moral
E perante as nações
Ficasse no pedestal
O presidente Jânio Quadros
Decretou a lei cambial
33. 32
Depois comenta das conseqüências desastrosas com o custo de vida subindo
assustadoramente, o aumento da exploração, o preço do transporte. É interessante notar a suas
colocações, numa passagem, por exemplo, diz que o operário vive em aflição “pois é que tem que
pagar/ A dívida da nação” desacreditado diz que essa dívida nunca vai ser paga pois com tanta
ganância só tende a aumentar
Este povo brasileiro
Que reside cá no norte
Estes pobres operários
Que elegeram um homem forte
Entregues a própria sorte
Aproveitando todos os espaços do cordel para expressar sua indignação, coloca na página
final do folheto A marcha da vassoura, o nome da música “O teu cabelo não nega” onde assina
sua autoria Letra D’ele o tal – Cuíca de Santo Amaro
A Marcha da Vassoura
A sua vassoura não nega! oh Jânio
Ninguém jamais a pode quebrar
Feitiço n’ela não pega o! Jânio
Enquanto ela funcionar (Bis)
(CORO)
Oh! Que dureza
Para o operário
Jânio diz ser necessário
Subiu o açúcar, carne e feijão
Para poder
Pagar a dívida da nação
Quanta aflição
A sua vassoura não nega etc.
Ironiza o peso dos planos de Jânio Quadros em quitar a dívida externa do país sobre o
trabalho do operário, sendo este o que mais passaria dificuldade com a elevação de preços, outra
vez Cuíca se põe ao lado do trabalhador.
No governo de Quadros foram feitas músicas colocando-o como o varredor de toda
“sujeira” existente no país, a música principal da sua campanha, era de Maugeri Neto, chamava-
se “Varre, varre, varre, varre vassourinha”, em um trecho da música diz; Varre, varre, varre, varre
34. 33
vassourinha/ varre, varre a bandalheira!/ Que o povo já ta cansado/ De sofrer dessa maneira/
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado.”
Depois de lançar esse folheto mostrando o descontentamento do povo com a
renúncia de Quadros, publica o cordel sobre A posse de Jango Goulart .
Em resumo, pode-se afirmar que houve um violento debate sobre a sucessão de Quadros
após sua renúncia, mesmo estando claro pela constituição de 1946, que o procedimento a ser
seguido era que o vice-presidente substitui o Presidente, mas também dizia que, no caso de
ausência do vice, o presidente da câmara dos deputados seria o próximo da linha sucessória.
Os militares se dividiam quanto a posse de Goulart, por outro lado a opinião pública
crescia a favor da sua posse como sucessor legal, era a chamada opinião “legalista”, onde
estavam inclusas as forças populares, lideradas por estudantes esquerdistas, líderes trabalhistas e
intelectuais. A dois de setembro, o congresso adotou a emenda instituindo um sistema
parlamentarista. Os militares compreenderam que não poderiam sobrepor-se à divisão existente
no próprio exército e nem ignorar a reação pública à sua tentativa de veto, o parlamentarismo
teria sido uma solução de emergência. 33
Cuíca não detalha os problemas da sucessão de Quadros, relata até numa posição um tanto
romântica dos acontecimentos que a democracia e a legalidade teriam vencido, elogia a larga
visão das forças militares que respeitaram a constituição, e os dois de modo geral contribuíram
para que o Brasil voltasse a tranqüilidade sem ter que derramar sangue, o momento escapa ao
folheto da agitação que realmente havia ocorrido.
Moniz bandeira discorre sobre a turbulência do período
Goulart, no entanto, recebeu do congresso um poder mutilado,
enfraquecido, quando a situação do Brasil mais exigia um governo
forte, cntralizado, para efetuar as mudanças que o desenvolvimento
do capitalismo reclamava. A renúncia de Quadros expressara essa
necessidade. Ele julgara a constituição estreita, inadequada, e
tentou traumatizar a Nação, com aqueles gestos, a fim de compelir
o congresso aproveitou a oportunidade para dar o golpe e reduzi-
los, com a emenda parlamentarista, cujo hibridismo sacramentava o
impasse constitucional. Nem Goulart nem o Conselho de Ministros,
aprovado pelo congresso, tiveram forças assim, para enfrentar a
situação, que a espiral inflacionária deteriorava34.
33
Skidmore,2008. op. Cit. P. 252 a 265.
34
BANDEIRA, Moniz. O governo João Goulart. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1977, p. 43 a 44
35. 34
Cuíca nesses primeiros versos do folheto vai então falar da aprovação por parte de civis e
militares pela posse de Goulart, sem, contudo, apontar as desavenças.
Civis e militares
Num gesto consciente
Resolveram dar posse
Ao vice presidente
Para que o Brasil
Aonde sempre para frente
Logo em seguida já começa a criticar pontos desfavoráveis de ter no país um regime
parlamentar, acusando de ser contrário aos trabalhadores e também ao direito do eleitor e,
sobretudo, tira a força do presidente da nação, questionando do que vale ser presidente para
outros governar, interessando exclusivamente para quem é parlamentar.
Cuíca agora em toma mais satírico fala da mudança na constituição com a adoção desse
processo, argumentando que o Brasil desde o descobrimento sempre foi dirigido por homens de
ética, sem precisar de parlamento e sobre este atribui uma crítica.
Eu lendo minuciosamente
A sagrada escritura
Vi através
Daquela literatura
Que a nova lei
É uma pequena ditadura
É importante notar que o povo se encontrava à par do era o sistema de governo
parlamentarista, até a tomada de posse Cuíca narra com tranqüilidade e como já foi dito, até em
tom um pouco romântico. Mas depois dirige críticas ao governo parlamentarista, este teria sido
articulado por uma pequena elite, segundo Skidmore foi um recurso, uma solução para a crise
política, foi o resultado de longa campanha de um pequeno grupo de partidários do sistema
parlamentarista35, de fato, o folheto mostra em outros termos esse descontentamento do povo, que
ainda não se encontravam dentro do sistema imposto É uma pequena ditadura, analisava Cuíca.
No período do mandato de Goulart, Cuíca escreveria um outro folheto bastante polêmico
narrando a briga entre David Nasser e Brizola.
35
Skidmore,2008. op. Cit. P.260.
36. 35
Brizola companheiro de Goulart, tinham juntos entrado para o PTB em 1945, dois anos
mais tarde foram eleitos deputados estaduais. Foi Deputado Federal, prefeito de Porto Alegre e
governador do Estado. Aparece em 1961 no cenário nacional ajudando seu cunhado na
“Campanha da legalidade” que empreendeu na intenção de mobilizar o país para a posse de
Goulart.
Com a aceitação de Goulart pelo parlamentarismo, Brizola se opunha ao cunhado. Se por
um lado Goulart tentara uma política de conciliação entre o PTB e PSD, a estratégia de Brizola
era de confronto. Representava no PTB os militantes mais esquerdistas “os nacional
revolucionários”36
Incontente com o posicionamento do presidente, Brizola lhe aplicaria criticas constantes.
Se a esquerda o atacava, a direita conspirava para derrubá-lo.
David Nasser conhecido jornalista dos anos 50 e 60, era escritor da Revista O Cruzeiro
atacava constantemente presidente João Goulart e mais assiduamente Brizola, defendia o
posicionamento da direita no país.
Como defensor da direita atacava a esquerda, sendo seu alvo predileto Brizola
Num de seus artigos criticava pesadamente Brizola, era intitulado “Resposta a um pulha”,
chamando-o de demagogo e fazendo provocações. Irritadíssimo com a edição e tendo
consciência de que a Revista o Cruzeiro era reconhecida nacionalmente, Brizola prometia vingar-
se dos ataques de Nasser, como de fato fez. Ao encontrá-lo no aeroporto Galeão atingiu o
jornalista com um soco de surpresa.
Os jornais da época junto com a revista O Cruzeiro divulgava o ocorrido, e Cuíca com
folheto David Nasser e Brizola alarmava o fato à população baiana. Cuíca se posicionava a favor
de Nasser e de sua função de jornalista, defende Nasser:
Mesmo esbofeitado
O Nasser se dá ao luxo
De revelar falcatruas
Do deputado gaúcho
Demonstrando ao brasileiro
Que agüenta com o repucho
36
Retirado In: FERREIRA, Jorge. Nasce um líder as esquerdas. In: http//www.revistadehistória.com.br.
37. 36
Esse “agüenta com repucho” insinuado por Cuíca, foi o fato de David Nasser continuar a
atacar Brizola e agora em tom muito mais irônico e sugestivo, neste posto vale uma semelhança
entre o modo de escrita de David Nasse e Cuíca de Santo Amaro, talvez por essa identificação
defenda ferozmente no seu folheto o jornalista de O cruzeiro.
Na revista O cruzeiro de 18 de Janeiro de 1964, David Nasser dava sua resposta a nível
nacional, escreve sobre o fato:
O Coice do Pangaré37
“Humilhado com a mão ida para o Ministério da Fazenda, onde repetiria, certamente, os
desmandos que praticou no governo do Rio Grande do Sul – percebendo que cada dia perde
terreno com o aumento da resistência democrática, o Deputado Leonel Brizola perdeu a cabeça
– e resolveu quebrar a minha, é a explosão natural de todo primário.”
Sobre a iminência de um golpe, Nasser faz provocações sobre o que pode acontecer se a direita
toma o poder, faz insinuações à revolução:
“Volto a repetir: vocês estão em pânico. A hora final se aproxima para os profetas da revolução.
Não tarda o momento em que o furacão do civismo varra este país. Até então, suportaremos,
estoicamente as agressões pelas costas e esperamos, com paciência franciscana, que o veneno
democrático dê cabo dos ratos.”
Sentenciava Cuíca:
Acontece que o David Nasser
Que apanhou barbaramente
No seu modo de entender
Pensa diferente
Continua ele a atacar
Brizola e o presidente
37
Revista O Cruzeiro, de 18 de Janeiro de 1964. Encontrada a Biblioteca Monsenhor Renato Galvão do Museu da
Casa do Sertão/ UEFS.
38. 37
Nasser que é carne de cabeça
Como ninguém ignora
Continua botar do Brizola
Os seus poderes prá fora
Isso todo dia!
Toda noite! Toda hora
Esse era o tipo de folheto que Cuíca de Santo Amaro mais apreciava fazer, abusar do seu
tom irônico. Parecia encontrar realmente em Nasser uma referencia de escrita, pois em questão de
valores, se dedicava mesmo a escrever para o povo e sobre ele. Interessava ao seu publico leituras
de ordem cotidiana, no folheto A discussão da carne verde com pão que escreve na década de
50, a discussão começa com a carne interrogando ao pão por que havia deixado o povo na mão, o
pão apontaria que a causa toda da exploração é o Juscelino presidente da nação
E ele o Kubtschek
Que se diz o soberano
E vai como se diz
Por debaixo do pano
Tomando muito dinheiro
Em mão de americano
Com extrema facilidade Cuíca atacava qualquer gesto de político que viesse a atingir
diretamente a mesa do povo, para que o povo saiba “que não é culpa do açougueiro”, tinha uma
visão ampla de mundo, num outro folheto chamado Dívida de funcionário nunca termina, critica
o aumento dos preços e a imobilidade do salário
Até caixão de defunto
Onde vai ser enterrado
Já subiu também de preço
Quando é bem acolchoado
Sobe palma, e capela
Mais não sobe o ordenado
Dos três autores aqui estudados Cuíca é o mais destemido, não tinha medo de ser detido,
pois já havia virado hábito, narrava a realidade da Bahia e não lhe importava a quantos isso
atingia, todos na Bahia daquela época já ouvira falar em Cuíca de Santo Amaro Ele, o Tal como
39. 38
gostava de ser lembrando, viraria personagens das obras de baianos como Jorge Amado e Dias
Gomes. Cuíca morre no ano de 1964, grande perda para o cordel como lastimava Rodolfo Coelho
Cavalcante.
40. 39
Capítulo 3: “O Dragão do fim da Era”: O cordel no
combate ao perigo comunista no Brasil
A década de 1950, em rápida analise, fora marcada pela modernização e por uma série de
mudanças ocorridas no Brasil, versava o poeta “O Brasil não para”38 e nos anos 60 o mandato
janguista, o crescimento da esquerda no país e o conseqüente golpe por lideranças militares
nacionais marcariam uma década conturbada dando um novo rumo a todos os setores da
sociedade brasileira.
A análise política deste período é minuciosa e ricamente conhecido pelos estudos de
historiadores como Thomas Skidmore, jornalistas como Elio Gaspari e outros consagrados
estudos desse período, tentando compreender o significado dessas transformações para classes
mais abastadas da sociedade utilizamos os Folhetos de Cordel de Rodolfo Coelho Cavalcante.
Cavalcante não é baiano de nascimento como Cuíca de Santo Amaro e Minelvino
Francisco da Silva. De acordo com a proposta desse estudo analisaremos apenas folhetos que
tiveram como espaço de produção a Bahia nos anos de 60 a 80, Rodolfo Cavalcante morou a
maior parte de sua vida em Salvador e foi na capital que se assumiu cordelista de profissão e
produziu a maioria dos seus folhetos.39
Alagoano, nascido em 1919, é filho de operários. O trabalho e o vício de seu pai em
bebidas alcoólicas, fez com que familiares de dispusessem a criar por certo período Rodolfo e
seus irmãos. Rodolfo foi adotado por sua avó dona de uma “Escolinha de ABC” foi quando
aprendeu a ler, gosto que seria desenvolvido pelo grande apreço que tinha por jornais a seu avô
atribui os primeiros incentivos com os versos.
Retorna à casa de seus pais aos oito anos de idade, matriculado numa escola estudava pela
manhã e o resto do dia vendia frutas, tapioca e “pegava frete”. Com o pai desempregado Rodolfo
sai definitivamente da escola para trabalhar como camelô. Por várias vezes fugiu de casa na
38
Verso do folheto Independência do Brasil.
39
Os dados biográficos do autor foram retirados do livro “ de Eno Teodoro Wanke, o autor denomina sua obra como
uma biografia-reportagem-pesquisa, porque primeiro se baseia nas próprias narrativa de Rodolfo Cavalcante, falando
da sua trajetória na vila operária alagoana até se firmar como folheteiro em Salvador, daí por diante, baseia-se em
pesquisas documentais a exemplo do primeiro estatuto de uma associação de trovadores de cordel e da reportagem
sobre cordelistas.
41. 40
companhia de seu irmão mais novo, ora motivados pelas ameaças do pai ora pelo medo de
apanhar da mãe quando a desobedeciam, numa dessas fugas foi ser artista de circo – que tinha
platéia significativa naqueles anos, era uma opção de diversão popular se comparado ao teatro -
familiarizava-se com os espetáculos.
Por volta de 1938, foi professor primário na cidade de Porto Alegre (do Piauí), mesmo
com sua pouca escolaridade foi considerado apto para dar aulas. Nesta localidade ouvia tantas
histórias sobre o boi Labirinto que se propôs a fazer uma rima a seu respeito, era seu primeiro
folheto.
Sempre inquieto Rodolfo prosseguiu em suas andanças, foi a Parnaíba, Sobral e Fortaleza.
Em 1939 decide voltar para a casa da sua família em Maceió. Foi nesta viagem que adquiriu em
Parnaíba um lote de folhetos de João Martins de Athayde, iniciando assim sua carreira de
vendedor de versos. Rodolfo e seu irmão Ari, voltariam a sair de casa, desta vez montaram uma
“troupe” de teatro de fantoches encomendando-os a Sinézio Alves40 e saíram de cidade em
cidade, numa dessas andanças conheceu e casou com Hilda Moreira de Freitas de início houve
relutância por parte dos pais que não queriam sua filha com um “artista de circo”. Casado,
Rodolfo decidiu parar de viajar, essa decisão vai se efetivar principalmente depois do nascimento
dos filhos.
Com a sua instalação na Bahia em 1945 “suas andanças terminam, sua produção se firma
e ele sobe em sua carreira profissional.”41. Na década de 1940 e 1950 o governo de Getúlio
Vargas foi um dos assuntos mais constante nos folhetos de Rodolfo Cavalcante sua deposição,
campanha eleitoral e reeleição. A sua morte assim como a de Castelo Branco, anos mais tarde,
lhe rendeu mais de um folheto.
Na produção dos cordéis, o próprio Rodolfo era quem o montava , fazia a dobragem -
dizia-se especialista em folhetos de oito páginas - colagem e grampeamento, pagava somente pela
impressão, uma das principais Tipografias que comentava Rodolfo era a “Tipografia Moderna”
no Pelourinho, imprimia, editava jornais e folhetos, no “ABC dos seus benfeitores” cita a
Tipografia Santa Bárbara em Salvador e seu proprietário Orlando como o maior editor dos seus
folhetos. É importante registrar a importância do aumento do aparecimento das máquinas
40
Sinézio Alves é um importante xilógrafo baiano, autor de inúmeras capas dos poetas conterrâneos.
41
WANKE, Eno Teodoro. Vida e luta do trovador Rodolfo Coelho Cavalcante (biografia). Rio de Janeiro: Folha
Carioca, ed. 1983, p. 106.
42. 41
impressoras e das tipografias deste período, aumentava a produção destes folhetos espalhando por
toda a Bahia, sobretudo nas regiões interioranas.
Rodolfo toma o cordel como profissão, a Praça Visconde do Cairu era o seu local de
trabalho, aproveitava o espaço movimentado para fazer a propaganda dos seus folhetos, e nisso
sua experiência em espetáculos de circo sem dúvida o tivera ajudado a dramatizar e seus
momentos de camelô teria ajudado a propagandear muito bem seus folhetos.
Fonte 2: Rodolfo Coelho Cavalcante, Salvador, BA, 1985.
In: CURRAN, Mark J. História do Brasil em cordel.
Edusp, São Paulo, 1998. P. 253.
Que tipo de folheto vendia Rodolfo? Produzia folhetos de todos os tipos, a um certo
ponto da sua carreira seria exceção folhetos “licencioso e sexualistas”. Discursava que seus
folhetos eram moralistas e fazia isso em prol da educação do povo baiano. Na Bahia versos com
conotação pornográfica eram comuns e bem vendidos, Rodolfo reclama essa normalidade, mas
43. 42
também já os tinha escrito, produzira versos com duplo sentido, em alguns casos usava do
pseudônimo de Zé Pindoba e afirmaria que teria se arrependido e que os teria produzido pela sua
necessidade financeira o que sugere que estes tipos de folhetos tinham boa vendagem, ocorre que
Rodolfo toma partido contra a escrita desse tipo de folheto.
A causa mais evidente dessa negação aos folhetos licenciosos encabeçada por Rodolfo
seria sua experiência religiosa. Com a família teve educação católica, converteu-se ao
protestantismo e em seguida para o espiritismo “Faço meus versos, minhas histórias, todas com
fundo moral. O mundo está precisando disso, sou pelo espiritualismo e não é possível que as
coisas continuem com estão”. Levaria a frente seu propósito a ponto de ser pauta em 1955 no
Primeiro Congresso de Trovadores e Violeiros que ele presidia.
Rodolfo dizia não gostar de política, no entanto muitos de seus folhetos são sobre a
política nacional e é correto afirmar que os escrevia com certa freqüência.
No folheto O que Jânio Quadros está fazendo pelo Brasil, narra a vitória de Jânio
Quadros e descreve a situação de um país que desde os anos 50 com a morte de Vargas
encontrava-se “em desordem” segundo sua óptica, Dutra não resolveu a situação e Kubitscheck
“Foi um governo gigante/ Entretanto a ladroeira / Avassalou bastante”.
Nesse folheto nos permite visualizar a esperança que grande parte da população via na
figura de Jânio Quadros, percebemos o efeito da propaganda política desse governo com a
vassoura como símbolo da sua campanha. Interessante notar seu reflexo. Em seu discurso
Rodolfo coloca todo um ambiente de corrupção e a vassoura Janguista seria a responsável em
eliminar os políticos desonestos e oportunistas. Na mesma linha de pensamento que seu
companheiro Cuíca de Santo Amaro, Rodolfo escreve sobre Jânio Quadros.
Sobre seus feitos escreve:
Cortou os funcionários
De várias repartições
Porque eles não cumpriram
As suas obrigações
Muitos deles ocupavam
Três empregos, não ligavam
Nenhuma de suas funções
E também os militares
Que estavam no exterior
Ganhando sem fazer nada
44. 43
Em posto superior
(...)
Atacava a política de Kubitscheck, no tocante a Brasília insiste nesta questão por
concordar que o presidente tentava desvencilhar atenção a outros problemas de cunho econômico
e social com a construção da nova capital.
Enquanto o senhor Juscelino
Só para Brasília olhava
Tudo isso acontecia
E ele pouco ligava
Era emitindo dinheiro
E o povo brasileiro
A cada dia agonisava
Segundo Maria Victoria de Mesquita Benevides, a inflação foi a principal fonte de
oposição à política econômica do governo, principalmente por parte da “direita”, tornando-se
também um dos elementos da propaganda Janista que pregava a “estabilidade de preços ,
política de austeridade para todas as classes” etc., levando à vitória o candidato das forças
oposicionistas em 196042.
Subiu xarque, subiu pão
Subiu arroz e café
Leite, mnteiga e farinha
E o querozene até
Subiu transporte e feijão
Logo em seguida a crítica que tece ao governo no Kubitschek coloca a sua expectativa
pelo governo de Jânio
De acordo com meus cálculos
Eu creio que o presidente
Ao depois de controlar
O Brasil perfeitamente
As coisas irão baixar
42
BENEVODES, Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade
política, 1956 – 1961. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, 3º ed. P. 234-235.
45. 44
Acreditava que Jânio iria corrigir ou controlar os erros de Kubitschek, essa visão do
governo Juscelino Kubitschek era um posicionamento quase comum, apesar do dinamismo de
Juscelino Kubitschek, era acusado de corrupto e economicamente inepto, permitindo uma
inflação até então inédita na História do Brasil43.
Os cordelista revelam em seus folhetos o dia-a-dia, experiências e sentimentos do povo.
Se neste folheto transparece as expectativas em torno do governo Quadros, o seu folheto seguinte
escrito em 1961 revela uma situação comum de seus contemporâneos, o impacto da sua renúncia.
Pelo folheto intitulado A renúncia do Ex-Presidente Dr. Jânio Quadros é possível afirmar
que não diferente dos outros estados brasileiros, os baianos também estavam aturdidos com o ato
do presidente e mais ainda aqueles que depositavam confianças em ser um governo prospero.
Cavalcante procura justificativas a postura do presidente “o problema real/ da sua
renúncia/ foi a linha democrática/ cuja lhe causou denuncia” e sobre os rumores da sua ligação
com Cuba “não era “imperialista/nem “esquerdista” , em verdade” e da condecoração do
presidente com a Ordem do Cruzeiro do Sul considerada a maior condecoração brasileira dada a
estrangeiros, versa:
Se ele condecorou
A embaixada dos cubanos
Condecorou cidadãos
Europeus, americanos.
Na “esquerda” ou na “direita”
Aplicava uma receita
De acordo com os seus planos
Acreditava que era uma estratégia de governo e que seu jeito arrojado e destemido fizera
com isso levar o Brasil a frente, e, sobretudo seus versos tem o intuito de driblar os comentários
da possível ligação que estabelecia com a esquerda.
Além da questão política, Rodolfo demonstra satisfeito com as medidas de cunho moral
adotadas por Quadros, o que para seus críticos e adversários soava como uma maneira de
desvencilhar e fugir dos reais problemas pelos quais passava o país é tomado por Cavalcante
como uma regularização dos costumes da decência e da moral.
43
SILVA, Francisco Teixeira da. A modernização autoritária: Do golpe à redemocratização 1964/1984. In:
LINHARES, Maria Yedda (org), Historia Geral do Brasil, 9 ed, Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 356.
46. 45
Os desfiles de maiôs
Rigorosamente se impôs
O respeito principal
(...)
Jânio queria acabar
Com o jogo, certamente,
Achando que a jogatina
É um comércio indecente
(...)
Identificara-se com as medidas de quadros, como já é sabido Cavalcante se colocava
como um homem conservador e seus folhetos se direcionam nesse momento ao contra-ataque à
nova sociedade que despontava, no pós-guerra tanto homens como mulheres começavam a deixar
os cabelos crescer, os jovens se identificavam com o Rock e vivia-se o período de maior
liberdade sexual da história humana44.
Em contrapartida Cavalcante escreve o folheto Cabeludos de ontem e cabeludos de hoje
em que faz um paralelo entre os cabeludos do tempo de Moisés, em que Isac, Abraão, Jeremias,
Salomão e até “Cristo – o redentor querido/ como todo Nazareno/De parte simples, sereno/Tinha
o cabelo comprido!” aponta que foi em Londres então que surgiram essas idéias avançadas e
modas depravadas
Começando pelos Beathes
Quase todos os cantores
Deixaram crescer cabelos,
Suas barbas e podores,
Dando para mocidade
Maus exemplos, na verdade,
De eróticos corruptores
Coloca que todos os cabeludos são marginais contrários a moral dos antigos. Estes
desviam as moças de família e não tem civismo. Cavalcante julga necessário a criação de uma lei
na qual combatam os cabeludos que estão levando a pátria ao abismo. A xilogravura indica os
modernismos da época, juventude despojada e cheia de estilo que em nada agradava àqueles que
prezavam a sociedade moralista.
44
GASPARI, Elio. A Ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 213.
47. 46
Havia setores da sociedade brasileiras bastante tradicionais em choque neste momento de
modernização, não aceitava as mudanças e as atitudes da juventude, o posicionamento de
Rodolfo Coelho Cavalcante é mais um elemento que comprova esse enfrentamento da tendência
liberal dos jovens e o conservadorismo secular. Neste mesmo sentido escreve As modas
escandalosas de hoje em dia, mostrando a moda depravada da nova geração com a infância
corrompida que lê “Revista sexual/ É a primeira leitura/ Fantasma, zorro, coyote/ E a sua
literatura.
Critica a moda que da ao homem feminilidade e em caminho inverso a masculinização da
mulher, nos seus versos questiona
Alguém diz: ele ou ela?
Só parece uma mocinha...
Com a calça apertadinha
Passeiando de chinela
Moça com calça de homem
48. 47
Numa falta de respeito...
Essa inversão dos papeis é retratada na xilogravura do folheto, ofendia os setores
moralizadores da sociedade, e, sobretudo, aos homens e seus discursos de defesa à submissão
feminina, essa “inversão” provoca reações a sociedade machista.
O novo comportamento feminino aturdia os moralistas, dentre os quais Cavalcante era um
porta-voz inflamado, os atos das mulheres eram duramente criticados, o namoro, o vestido
decotado, pinta o rosto, cabelo, boca “pinta até as unhas do pé”, faz comparação da mulher com a
“cabra macho”, fumando seu cigarro “Hollywood” e respondendo o marido. Retrata também o
comportamento de um casal perante a família É o rapaz na janela/ com a moça se beijando/ na
presença dos pais dela.
O governo que se formara em 1964 no Brasil trouxe efeitos dramáticos principalmente em
se tratando das liberdades públicas suspensas à população brasileira. Caracterizava-se pelo seu
dirigismo conservador e anticomunista, observa Elio Gaspari