O documento analisa se os artigos 226 e 251 da Lei 2.044/1984, que concediam desconto de 20% no IPTU pago à vista, ainda estão vigentes. Conclui que (1) essas leis não foram revogadas expressamente, (2) os contribuintes de 2018 têm direito ao desconto de 20% à vista, e (3) o Poder Legislativo pode fazer cumprir a lei caso o Executivo se recuse.
1. CONSULENTE
SUBCOMISSÃO DE DIREITO TRIBUTÁRIO DA SUBSEÇÃO OAB CRICIÚMA
PARECER JURÍDICO
PARECERISTA
ZELEÍ CRISPIM DA ROSA1
Criciúma(SC), 15 de março de 2018.
1
Advogado, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET e Especialista em
Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pela Faculdade Brasileira de Tributação – FBT.
3. 1. CONSULTA
Trata-se de consulta formulada pela Subcomissão de Direito Tributário da Subseção da
OAB de Criciúma, para que cada membro firme entendimento a respeito da vigência dos
artigos 226 e 251 da Lei nº 2.044/1984, que tratam da concessão do desconto de 20%
(vinte por cento) para pagamento à vista do IPTU, antes do vencimento do prazo marcado
para pagamento da primeira parcela, uma vez que o Município de Criciúma, não
concedeu o desconto no IPTU de 2018 alegando não estarem vigentes os artigos acima
elencados.
Por sua vez, para firmar a posição da Municipalidade em não conceder o desconto do
IPTU de 2018, relatou a Procuradoria Geral do Município de Criciúma, através do
parecer jurídico 12/2018 que, os artigos 226 e 251 da Lei nº 2.044/1984, que transcrevo:
“Se o contribuinte efetuar o pagamento integral, antes do vencimento do prazo marcado
para pagamento da primeira parcela, ser-lhe-á concedida uma redução de 20% (vinte
por cento) sobre o total do crédito”, foram revogados pelos artigos 1º e 2º da Lei
Complementar 24/2002, que sucessivamente, a cada exercício, veio sendo reeditada,
prevendo percentuais de descontos diversos do originário para o exercício seguinte,
conforme normas abaixo relacionadas:
2002 LEI COMPLEMENTAR 24/02 ARTIGOS 1º e 2º
2003 LEI COMPLEMENTAR 30/03 ARTIGOS 1º e 2º
2004 LEI COMPLEMENTAR 30/04 ARTIGOS 1º ao 4º
2005 LEI COMPLEMENTAR 46/05 ARTIGOS 1º ao 4º
2006 LEI COMPLEMENTAR 51/06 ARTIGOS 1º ao 4º
2007 LEI COMPLEMENTAR 56/07 ARTIGOS 1º ao 4º
2008 LEI COMPLEMENTAR 63/08 ARTIGOS 1º ao 4º
2009 LEI COMPLEMENTAR 71/09 ARTIGOS 1º ao 4º
2010 LEI COMPLEMENTAR 83/10 ARTIGOS 1º e 2º
2011 LEI COMPLEMENTAR 89/11 ARTIGOS 1º ao 3º
2012 LEI COMPLEMENTAR 94/12 ARTIGOS 1º ao 3º
2013 LEI COMPLEMENTAR 103/13 ARTIGOS 1º e 2º
2014 LEI COMPLEMENTAR 129/14 ARTIGOS 1º e 2º
2015 LEI COMPLEMENTAR 165/15 ARTIGOS 1º e 2º
2016 LEI COMPLEMENTAR 197/15 ARTIGOS 1º e 2º
Dito isto, cada membro da Subcomissão de Direito Tributário da Subseção da OAB de
Criciúma apresenta os seguintes questionamentos para a emissão do parecer jurídico ora
solicitado por cada um de seus membros:
1. Houve revogação ou está vigente os artigos 226 e 251 da Lei 2.044/1984?
2. Os contribuintes que pagaram seus IPTU’s do exercício de 2018 à vista têm direito ao
desconto de 20% (vinte por cento) estipulados nos 226 e 251 da Lei 2.044/1984?
4. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A consulta exige a compreensão do alcance e conteúdo do princípio da continuidade das
leis, segundo o artigo 2º da LINDB, caput:
“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue.”
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não
revoga nem modifica a lei anterior. Grifo aposto.
Importa destacar que lei com vigência temporária é aquela norma que vem atender
situação temporária, fixando prazo determinado de vigência. E aqui, podemos apontar
todas as leis complementares editadas pela Municipalidade de Criciúma entre 2002 a
2016, que concederam descontos do IPTU, para pagamento à vista, para cada
determinado exercício, tiveram suas vigências temporárias e em caráter especial para
cada ano da edição. Logo, cada lei complementar editada após 2002, ao nascer, referiu-se
o seu período de vigência.
Contudo, no tocante as leis complementares analisadas entre 2002 a 2016, não é possível
se aferir as revogações dos artigos 226 e 251 da Lei nº 2.044/1984, o que se identifica é o
“princípio da continuidade das leis”, segundo Caio Mário da Silva Pereira: “Nos regimes
jurídicos em que a teoria geral das fontes de direito assenta na supremacia da lei escrita,
deve ter e tem efetivamente esta um começo certo e um fim precisamente caracterizado;
nasce, vive e morre, somente cessando sua obrigatoriedade em razão de um fato que o
legislador reconhece como hábil a este resultado, que é a revogação. Enquanto esta não
ocorrer, a lei permanece em vigor, mesmo que decorra largo tempo sem que seja
invocada e aplicada.”2
Em outras palavras, lei temporária propriamente dita, possui tempo inicial e um tempo
final. Esta lei se auto revoga. Realça-se, que atualmente no nosso ordenamento jurídico,
nos termos do disposto no artigo 9º da Lei Complementar 95/98, conforme redação dada
pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001, somente é admissível a possibilidade de
revogação expressa, não cabendo falar-se em revogação tácita no caso de
incompatibilidade. Óbvio aqui, a possibilidade da adoção da lei mais nova em virtude da
aplicação do princípio da temporalidade, haja vista o conflito aparente de normas
estabelecido, no entanto, a norma antiga não será considerada extirpada do sistema
legislativo, perdendo sua eficácia, mas não sua vigência!
O que se observa, em princípio, é que, as normas editadas entre os anos 2002 a 2016 são
todas destinadas à vigência temporária, ou seja, editava-se a lei no ano anterior para dar
desconto do IPTU no ano seguinte, mas em momento algum houve norma revogando
permanentemente os artigos 226 e 251 da Lei nº 2.044/1984.
Diante dessas considerações preliminares, passamos à consulta propriamente dita.
2
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 1, p. 124.
5. 1. Primeira Pergunta:
Houve revogação ou está vigente os artigos 226 e 251 da Lei
2.044/1984?
Como referido ao início, a indagação gira em torno da vigência ou não das normas que
concedem o desconto do IPTU de Criciúma em 2018, evidente que a resposta será que
não perdeu, como veremos a seguir.
Reza o artigo 14 da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que “dispõe
sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o
parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal e estabelece normas para a
consolidação dos atos normativos que menciona”, com as alterações da Lei
Complementar nº 107, de 26 de abril de 2001:
“Art. 14. Para a consolidação de que trata o art. 13 serão observados os seguintes
procedimentos:
I – O Poder Executivo ou o Poder Legislativo procederão ao levantamento da
legislação federal em vigor e formularão projetos de lei de consolidação de normas
que tratem da mesma matéria ou de assuntos a ela vinculados, com indicação
precisa das disposições legais expressas ou implicitamente revogadas; Grifos
apostos.
Omissis
§ 3º Observado o disposto no inciso II do caput, será também admitido projeto de lei
de consolidação destinado exclusivamente à:
I – declaração de revogação de lei e dispositivos implicitamente revogados ou
cuja eficácia ou validade encontre-se completamente prejudicada;
O legislador municipal ao editar as normas temporárias que concederam descontos do
IPTU entre 2002 a 2016, nunca indicou precisamente a revogação dos artigos 226 e 251
da Lei nº 2.044/1984, por óbvio, todas as normas constituídas posteriormente, são leis
temporárias e tem caráter especial, cujo prazo de vigência expira ou exaure o seu objeto
no tempo, ou seja, podemos classificar como leis especiais.
Uma norma permanente só perderá a eficácia se outra permanente, de mesma ou superior
hierarquia, vier modificá-la ou revogá-la. Portanto, a norma jurídica não perdeu vigência
pelo mero decurso do tempo.
E mais, desde 2001 a Lei Complementar 95/98 em seu art. 9º, exige a obrigatoriedade da
revogação expressa: “a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as
leis ou disposições legais revogadas”.
Repito, onde está expressamente a cláusula de revogação nas normas editadas entre 2002
a 2016?
Também não se admite mais a revogação expressa feita de modo genérico: “revogam-se
as disposições em contrário”!
6. Conclui-se nesse caso, que houve descuido de legislador, que não as revogou
expressamente.
2. Segunda pergunta:
Os contribuintes que pagaram seus IPTU’s do exercício de 2018 à vista têm
direito ao desconto de 20% (vinte por cento) estipulados nos 226 e 251 da Lei
2.044/1984?
A resposta a este questionamento é uma decorrência lógica da resposta anterior. Porém,
ganha um caráter mais geral e tem um efeito sistêmico relevante.
O ato de recusa à aplicação de lei pelo Poder Executivo, sob fundamento de revogação,
poderá ser objeto de ação pertinente e nos termos do artigo 31, da Constituição Federal,
"a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, que deverá
tomar as medidas cabíveis para fazer cumprir à lei”.
Sendo atribuição institucional do Poder Executivo dar executoriedade às leis, não pode o
Chefe do Poder Executivo deixar de aplicar uma lei anos após a sua promulgação apenas
por entendê-la revogada, sem tomar as devidas providências para sanar o incidente, nesse
caso, pela iniciativa de projeto de Lei para revogar a Lei Municipal que instituiu o
desconto, mas nunca o fez!
Aliás, o fez conforme Projeto de Lei nº 1/2018, mas que ao que se sabe, não foi votada
ainda pelo legislativo.
3. Conclusão
Por todo o exposto, entendo estarem ainda vigentes os artigos 226 e 251 da Lei nº
2.044/1984, conforme argumentação supra alegada, se não foi revogada expressamente a
legislação mais antiga, que assegurava o desconto de 20% (vinte por cento) e não sendo
incompatível, é possível que o desconto seja de 20% (vinte por cento) como regra, mas
que sejam editadas leis modificando, como ocorreu entre 2002 a 2016, e as leis novas não
trazem regras gerais, apenas regras mais específicas/limitadas a um exercício, assim,
devem ser aplicados esses dispositivos para manter hígido o direito ao pagamento com a
redução de 20% (vinte por cento).
Ainda, ao meu ver, é plenamente possível que o Poder Legislativo faça Poder Executivo
cumprir a norma recusada sob a alegação de revogação, inclusive com o apoio do
Ministério Público.
Por fim, não sendo tomada as providências por parte do Poder Legislativo Municipal,
pode o contribuinte procurar o Judiciário para buscar o cumprimento da norma,
consequentemente, a restituição dos valores pagos a maior.
Criciúma(SC), 19 de março de 2018.
Zeleí Crispim da Rosa
OAB/SC 26.964