1) O documento resume a obra "A Morte de Ivan Ilitch" de Liev Tolstói, descrevendo a estrutura narrativa da obra e os principais eventos da vida e morte do personagem Ivan Ilitch.
2) A obra narra a rotina e a doença que leva Ivan Ilitch à morte, fazendo-o refletir sobre como viveu sua vida e o sentido do sofrimento.
3) Tolstói critica a visão da sociedade sobre a morte e o modo como as pessoas vivem suas vidas, preocupadas apenas com aparências e
1. A morte de Ivan Ilitch – Leão
Tolstói
Prof. André Assi Barreto – professor mestre em Filosofia.
Graduado em História. Tradutor, editor, revisor e palestrante.
www.andreassibarreto.org
2. Dados
Liev Nikoláievich Tolstói, mais conhecido em português como Leon, Leo ou Liev
Tolstói (em russo: Лев Николаевич Толстой; Governorado de Tula, 9 de
setembro de 1828 — Astapovo, 20 de novembro de 1910).
Autor também de “Guerra e Paz” (1869) e “Anna Karenina” (1877).
3.
4. A morte de Ivan
Ilitch
1886 (posterior a Guerra e Paz e a
Anna Karenina).
Em agosto de 1883, duas semanas
antes de falecer, o escritor russo Ivan
Turguêniev escreveu a Tolstói: "Faz
muito tempo que não lhe escrevo
porque tenho estado e estou,
literalmente, em meu leito de morte.
Na realidade, escrevo apenas para
lhe dizer que me sinto muito feliz
por ter sido seu contemporâneo, e
também para expressar-lhe minha
última e mais sincera súplica. Meu
amigo, volte para a literatura!".
5. O pedido de Turguêniev alude ao fato de que Tolstói havia então abandonado a arte e
renegado toda sua obra pregressa para se dedicar à vida espiritual. Embora não se
possa dizer com certeza em que medida as palavras de Turguêniev repercutiram em
Tolstói, é certo que A morte de Ivan Ilitch, publicada em 1886, foi a primeira obra
literária que ele escreveu após seu retorno às letras e que se trata de um dos textos
mais impressionantes de todos os tempos.
Retorno às letras após “retiro espiritual”.
“Socialismo cristão”, não-violência, abandono da igreja “instituída”. Excomungado pela
Igreja Ortodoxa. Torna-se vegetariano.
Quando jovem Tolstói fora “libertino” (fase estética). Suas leituras mais profundas
espiritualmente: Dom Quixote e Os Miseráveis.
6. Estrutura de enredo
“A obra-prima de Tolstói” Otto Maria Carpeaux
I:
morte de Ivan Ilitch, Ivan está morto, começo pelo fim (estratégia).
“Amigos” do sr. juiz Ilitch tomam consciência de sua morte (Foro).
Questões: quem irá substituí-lo?
“Aí está, morreu; e não eu” (antes ele do que eu), p. 9.
Os mais chegados estavam pensando na partida de uíste ainda daquela noite.
7. A mulher (Prascóvia) de Ivan considerava o sr. Ivânovitch (companheiro de uíste)
um amigo próximo do marido, ainda assim, preocupavam-lhe as convenções
sociais: “Piotr Ivânovitch sabia que, assim como antes fora necessário fazer o sinal
da cruz, agora, era preciso apertar aquela mão [da mulher] (...)”, p. 12.
A mulher de Ivan chama o amigo a uma sala cheia de “móveis e bibelôs” (p. 13) e
tenta descobrir com Ivânovitch informações sobre a pensão estatal de viúva que irá
receber e se há meios de aumentar seu valor. Durante o velório.
Ivan volta a se contentar com o fato de não ser ele a passar por aquilo (p. 15).
A viúva quer passar aos “assuntos práticos” (p. 15)
8. Ao fim de I: Piotr se junta a outros para jogar uíste; não se sente envergonhado
porque é o 5º a adentrar o jogo.
II:
A história volta-se a seu início: a vida de Ivan Ilitch (“das mais simples e comuns”).
Burocracia da Rússia czarista, carreira na área do direito.
Ivan se forma e vai galgando cargos melhores ao longo dos anos (a expectativa
mais que normal numa extensa burocracia).
Era um funcionário decente, operava pelas regras, “bom menino” (p.20).
9. Depois de um tempo, encontra sua futura esposa, “a moça mais atraente, brilhante
e inteligente do círculo de relações de Ivan Ilitch” (p. 22).
COMENTÁRIO: todos almejam uma “vida normal”. Estudar para “ser alguém na
vida”. Quem vai descobrir a cura do câncer vs. arrumar a cama antes de querer
revolucionar o mundo.
Os “primeiros tempos” do casamento de Ivan Ilitch foram normais, agradáveis.
Felicidade e discussão sobre os itens da mobília de sua casa.
Algum tempo depois, surgem os primeiros desconfortos com a mulher. O trabalho
era a rota de fuga de Ivan.
10. “Muito em breve, não mais de um ano após o matrimônio, Ivan Ilitch compreendeu
que o convívio conjugal, embora apresente algumas comodidades para a , é na
realidade algo muito complexo e difícil, com respeito ao qual, se se deseje cumprir
o dever, isto é, levar uma vida decente, aprovada pela sociedade, é preciso
elaborar um tipo determinado de relação, tal como no serviço.
E Ivan Ilitch elaborou para si uma tal relação com a vida a dois. Ele exigia da vida
de família somente as comodidades do jantar, da dona de casa, do leito, comodidades
essas que tal vida podia proporcionar-lhe, e sobretudo aquela decência das
formalidades exteriores determinada pela opinião pública” (p. 25, grifo nosso).
- Enorme preocupação com o SOCIALMENTE ACEITÁVEL, retornaremos a isso.
11. Vieram os filhos, 7 anos se passaram, os resmungos da mulher aumentam. O
dinheiro se tornou escasso e a mulher o culpava pelos novos problemas. O
trabalho é refúgio, mas não rende.
III:
Passam-se 17 anos de casado e o clima é mais ou menos este (reclamações da
mulher, ninguém o ajuda, o salário é insuficiente etc.).
Depois, viaja a São Petersburgo e acaba por conseguir uma transferência de
postos, irá ganhar mais.
A mulher ficou feliz e começaram os novos planos para a nova vida.
12. As coisas mais ou menos se acertam e voltam a sua rotina de normalidade.
Um dos “pontos altos” da obra: o detalhismo na escolha das mobílias, cortinas e
enfeites da nova casa (p. 30 e 31). Inclusive do ambiente em que Ivanôvitch será
recebido no velório de Ivan.
Preocupação extrema com o supérfluo.
“Na realidade, havia ali o mesmo que há em casa de todas as pessoas não muito
ricas, mas que desejam parecê-lo” (p. 31).
Uma guinada favorável: “e assim viveram. O círculo social que formaram era o
melhor possível, visitava-os gente importante e também jovens” (p. 35).
13. IV:
“Gozavam todos de boa saúde” (p. 35), embora Ivan já sinta um gosto estranho
boca e sensação desagradável no estômago.
A dor aumenta e começa a causar mau humor em Ivan, o que afeta sua
familiar.
Vai ao médico, sem obter qualquer avaliação conclusiva.
Toma remédios, tem a impressão de esquecer algo (paranoia), paga o médico
caro e obteve diagnóstico distinto.
Ivan “lia livros de medicina e se aconselhava com médicos”.
A doença afeta as relações em casa e no emprego.
14. V:
Passam-se os meses e Ivan decai fisicamente. Se olha no espelho e se vê abatido
pela doença.
Palavras do cunhado para sua irmã (esposa de Ivan): “Você não vê, mas ele é um
homem morto, veja os seus olhos. Não têm luz” (p. 44-45).
Começou a se irritar com os olhares bondosos e de pena dos que o cercavam. E
refletir sobre a morte e o que vem depois dela.
15. Um resumo da situação de Ivan até aqui por ele próprio:
“’Alguma coisa não está certa; tenho que me acalmar, tenho que pensar em tudo
desde o começo’. E ele se pôs a pensar. “Sim, o início da doença. Dei uma batida
de lado, mas não percebi grande mudança em mim, nem aquele dia, nem no
seguinte, doeu um pouco, depois mais, depois os médicos, depois o humor
tristonho, a angústia, de novo os médicos; e eu estava caminhando cada vez mais
perto, perto do abismo. As forças diminuíam. Estava cada vez mais perto, mais
perto. E eis que me consumi, não tenho mais luz nos olhos. E aí está a morte, e eu
só penso no meu ceco. Penso em consertar o ceco, mas isto aqui é a morte” (p. 47).
16. VI:
Ivan sente a morte como figura singular, diferente do silogismo. É diferente
quando recai sobre as próprias costas.
Busca (ainda) refúgio no trabalho, depois na sala de estar (novamente) que
construiu com tanto zelo, mas nada funciona.
VII:
A situação piora e como consolo, eis que surge a figura do criado Guerássim (a
presença dos familiares incomodava Ivan e a recíproca era verdadeira). Sua
conversa é agradável e ajuda-o a se posicionar.
Era o único que se compadecia de Ivan e que o compreendia (p.56).
17. VIII:
Guerássim não participava do fingimento coletivo, o tratava como moribundo.
Veio o médico para nova visita e só reforça a atmosfera de fingimento.
uma esperança que não existia de fato.
Enquanto isso, a família tocava sua vida normalmente. A mulher vai a um
espetáculo. A filha está prestes a se casar.
O aspecto do filho mais novo lhe incomodava; contudo, tinha e impressão que,
junto com o empregado, eram os únicos a entender sua situação
Todos que o visitaram seguem para sua rotina social.
18. IX: solilóquio, “a vida passa num flash” quando se está à beira da morte,
A mulher volta e lhe oferece ópio; que ele aceita.
Ivan reflete sobre sua situação e chega a questionar Deus: “para quê fizeste tudo
isto? Para quê me trouxeste aqui? Para quê, para quê me torturas tão
horrivelmente?” (p. 66).
“Mas o que é isto? Para quê? Não pode ser. A vida não pode ser assim sem
sentido, asquerosa. E se ela foi realmente tão asquerosa e sem sentido, neste
caso, para quê morrer, e ainda morrer sofrendo? Alguma coisa não está certa”
67, grifo nosso).
“Talvez eu não tenha vivido como se deve – acudia-lhe de súbito à mente. – Mas
como não, se eu fiz tudo como é precis?” (p. 67-8).
19. X:
Passam-se mais duas semanas. Ivan já não deixa mais o divã. Solitário e sempre
com os mesmos pensamentos.
Os dois estados de espírito em que se dividiram as reflexões de Ivan Ilitch desde
que soube da doença: a reflexão existencial sobre a morte; a reflexão fisiológica
rim, a tripa etc.). Tudo em três meses.
Agora vivia deitado de bruços no divã, olhando o botão do objeto e com
de infância. E conclui: “não há explicação! O sofrimento, a morte... Para quê?”.
20. XI:
Passassem-se mais duas semanas, a filha de Ivan é proposta em casamento.
A condição de Ivan piora ainda mais.
A filha: “tenho pena de papai, mas por que precisa atormentar-nos? (p. 71).
O médico retorna e alerta a família que apenas o ópio pode trazer algum
agora.
Narrador: “seus sofrimentos morais eram mais terríveis que os físicos” (p. 71).
Veio a reflexão: e se tiver vivido “errado”? E se o certo fosse outra coisa?
21. “O seu trabalho, o arranjo da sua vida, a sua família, e esses interesses da
sociedade e do serviço, tudo isto podia ser outra coisa. Tentou defender tudo isto
perante si. E de repente sentiu todas a fraqueza daquilo que defendia. E não havia
o que defender” (p. 72).
Viu na família e nos criados, todos “bem”, o mesmo sentimento que o tomava
antes da doença.
A mulher acha melhor chamar o padre.
Disse à mulher que estava melhor, mas a vontade era dizer: “não é isso. Tudo
aquilo de que viveste e de que vives é uma mentira, um embuste, que oculta de ti a
vida e a morte” (p. 73).
22. XII:
Três prolongados dias de agonia. O incômodo dele, pela dor; o incômodo dos
demais, por “ouvir” a dor.
Leitura das páginas 75 e 76.
Chega a morte de Ivan Ilitch. O “caminho até a morte” (vida) é mais importante
a morte em si. Ivan vê “a luz”.
A morte é certa, a questão é o que fazemos em vida. Filmes “você vai morrer em
uma semana”. Superar o tabu que é a morte.
23. Imaginação moral e níveis de leitura
Imaginação moral: transposição das verdades das obras para “nós”.
Pode ser observada na música, parábolas, obras clássicas (mais importante)
É a ponte entre as verdades eternas e o presente (Russell Kirk). “Democracia dos
mortos”.
1º nível: literal, o que fizemos até aqui.
2º nível: figurativo/alegórico, contextos, caracterização dos personagens, etc.
3º nível: moral, as qualidades humanas de cada personagem.
4º nível: anagógico/simbólico: significado místico, entendimento da realidade
histórica, espiritual, do cosmo, da alma humana etc.
24. Obras correlatas
Primeira que me veio à mente durante a releitura da obra: Memórias Póstumas de
Brás Cubas de Machado de Assis.
Morte, sentido da vida, pessimismo. Estrutura “de trás para frente”. A obra de
Machado é anterior (1880)/1889 a de Tolstói.
Obra dedicada ao verme que corroeu o corpo de Brás Cubas. O defunto vira
“autor”.
Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa
miséria.
PRINCIPAL: exposição das hipocrisias da sociedade (burguesa).
25. Outro clássico de crítica à
sociedade burguesa: Madame
Bovary (1856), de Flaubert.
Nicolai Berdiaev (Uma nova
idade média) – crítica mordaz
à burguesia. Filósofo russo.
Leitura de trechos.
2, 3 e 4º níveis
26. A obra também pode ser associada a outras leituras que me marcaram:
- O Processo (1925), Kafka: burocracia jurídica.
- A metamorfose (1915), Kafka: a manutenção das aparências burguesas.
E, de certa forma, o sentido da existência/da vida. A vida pode ser reduzida a um
processo burocrático? O que você faria caso se tornasse um inseto gigante? O que
faria se a morte fosse iminente?
27. Questão última: o sentido da vida
Coisas de que pessoas dizem se arrepender quando estão no seu leito de morte:
1) Ter tido a coragem de viver uma vida verdadeira, não a que os outros queriam
que eu vivesse.
2) Não ter trabalhado tanto.
3) Ter tido coragem de expressar meus sentimentos.
4) Ter estado mais em contato com os meus amigos.
5) Ter me permitido ser mais feliz.
1 claramente é o arrependimento de Ivan Ilitch.
28. Extraído do livro “The top five regrets of
dying” da psicóloga Bronnie Ware.
Os relatos mostram um ferimento do
primeiro mandamento (“Adorar a Deus e
amá-lo sobre todas as coisas”), as pessoas
abrem mão da sinceridade, fingem ser o que
não são/não queriam ser.
Clássicos: contém ensimanentos HUMANOS,
são universais e eternos.
29. “A morte de Ivan Ilitch” poderia ser usado como parte de uma terapia (“filosofia
clínica”).
Quem “não sabe o que fazer da vida” precisa ler a obra e tomar consciência que
precisa se encontrar.
Problema: a maioria das pessoas não sabe que não sabe o que fazer da vida. Pior:
vivemos numa era de relativismo, niilismo, de “tanto faz”.
Tolstói deixa a porta aberta. Outros, como Albert Camus, fecharam. Ex: o lema do
“herói” de O Estrangeiro (1942) é “tanto faz”. O mito de Sísifo(1942).
30. Colocar a morte em perspectiva
Sem colocar a certeza da morte em perspectiva na sua vida, é difícil estabelecer
seu sentido (“a única certeza da vida é a morte”).
Não se trata de “viver para morrer”, do mesmo jeito que não vivemos para
comer, apesar de não poder viver sem comer.
A morte é a perspectiva inicial da vida – tem precedência ontológica (embora
não cronológica, evidentemente).
Apenas quando Ivan Ilitch toma consciência que vai morrer que consegue avaliar
que o que fez em vida não fazia sentido. Se a perspectiva da morte mostra que
aquilo não faz sentido, então não importa.
A morte é pedagógica e Tolstói um racionalista (!).
31. Parênteses
Como eu tento demover as pessoas do seu estado de alienação?
O conceito de “apeirokalia” em Aristóteles.
O exercício do necrológio.
O que você quer realizar na SUA vida? [“problema”: religião. P. ex.: para
Wittgenstein, discutir o sentido da vida é o mesmo que discutir se Deus existe].
Ou ainda: Viktor Frankl. Ou Jordan Peterson.
32. Se a morte fosse iminente,
você estaria satisfeito com o
que fez até hoje?
A Poesia é superior à História porque esta última narra o passado e a primeira
possibilidades de futuro (Aristóteles).