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A Liberdade segundo Jean Paul Sartre
Jean-Paul Charles Aymard Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de Junho de 1905. Foi um
filósofo, escritor e crítico francês, conhecido mundialmente como o representante do
Existencialismo. Recusou receber o prémio Nobel da Literatura em 1964, uma vez que sempre
evitou as distinções e funções oficiais/sociais. Morreu igualmente em Paris, no dia 15 de Abril
de 1980, com 75 anos.
Existencialismo
Na sua obra, “O Existencialismo é um Humanismo” (publicada em 1946), Sartre define o
Existencialismo como a doutrina segundo a qual, em primeiro lugar o Homem existe, ou seja,
encontra-se no mundo, e só depois define o que é e o que quer ser. Não é a Natureza que
determina o que o homem vai ser, o seu destino está nele próprio e no seu projecto de vida,
sendo que a sua existência reduz-se apenas à realização desse projecto.
O ser em si
Segundo o Existencialismo, defendido por Sartre, o mundo é povoado por seres em si.
Entende-se como um ser em si qualquer objecto existente no mundo e que possua uma
essência definida. Uma caneta, por exemplo, é um objecto criado para suprir uma
necessidade: a escrita. Para criá-lo, parte-se de uma ideia que é concretizada, e o objecto
construído enquadra-se nessa essência prévia. Um ser em si não tem potencialidades, nem
consciência de si ou do mundo. Ele apenas é.
O ser por si
A consciência humana é um diferente tipo de ser, por possuir conhecimento a seu
próprio respeito e a respeito do mundo. É uma forma diferente de ser, denominada por si. É o
por si que faz as relações temporais e funcionais entre os seres em si, e ao fazer isso, constrói
um sentido para o mundo em que vive. O por si não tem uma essência definida. Ele não é
resultado de uma ideia pré-existente.
Uma vez que o existencialismo sartriano é ateu, ele não admite a existência de um ser
criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o por si
exista, e durante essa existência ele define, a cada momento, o que é a sua essência.
Segundo Sartre, cada pessoa só tem como essência imutável aquilo que já viveu. Ou
seja, para saber o que fui, é necessário definir-me por algumas características ou qualidades,
bem como por actos que já realizei.
Contudo, possuo a liberdade de mudar a minha vida deste momento em diante. Nada
me compete a manter esta essência, que só é conhecida em retrospectiva. Podemos afirmar
que o meu ser passado é um em si, visto que possui uma essência conhecida, mas essa
essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. É por isso que se diz no
Existencialismo que "a existência precede e governa a essência".
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A Liberdade em Sartre
Sartre defende que o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Somos
inteiramente responsáveis pelo nosso passado, pelo nosso presente e também pelo nosso
futuro. Segundo Sartre, a ideia de liberdade é como uma pena. "O homem está condenado a
ser livre".
As nossas escolhas são direccionadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, mais
especificamente por um empenho naquilo que aparenta ser o bem e assim tendo consciência
de si mesmo. Em outras palavras, para o autor, o homem é um ser que "projecta tornar-se
Deus".
Sartre nega por completo o determinismo. Afinal de contas, não é Deus, nem a
natureza, nem tão pouco a sociedade que nos define, que define o que somos por completo
ou nossa conduta. Somos o que queremos ser, o que escolhemos ser; e sempre poderemos
mudar o que somos, pois os valores morais não são limites para a liberdade.
Limitação da Liberdade
A liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas esta está sujeita às limitações do
próprio homem. Esta autonomia de escolha é limitada pelas capacidades físicas do próprio
ser. Sartre considerara, porém, que estas limitações não diminuem a liberdade, pelo
contrário; são elas que tornam essa liberdade possível, porque determinam as nossas
possibilidades de escolha, e impõem, na verdade, uma liberdade de eleição da qual não
podemos escapar.
Responsabilidade na Liberdade
O Existencialismo sartriano concede um importante relevo à responsabilidade: cada
escolha carrega consigo a obrigação de responder pelos próprios actos, um encargo que torna
o homem o único responsável pelas consequências das suas decisões. E cada uma dessas
escolhas provoca mudanças que não podem ser desfeitas. Assim, perante as suas escolhas, o
homem não se torna apenas responsável por si, mas também por toda a Humanidade.
Essa responsabilidade é a causa da angústia dos existencialistas, que decorre da
consciência do homem de que são as suas escolhas que definirão a sua essência, e mais, de
que essas escolhas podem afectar, de forma irreversível, o próprio mundo.
Sartre nega, ainda, a suposição de que haja um propósito universal, um plano ou destino
maior, onde seríamos apenas actores de um roteiro definido. Isto implicava a constatação de
que nós mesmos não definimos o nosso futuro, nem através de nossa liberdade de escolha.
A má-fé
Sartre acusa como má-fé a atitude daqueles que não procedem como ele, visto que
renunciam, assim, a sua própria liberdade. De acordo com o autor, a má-fé é uma defesa
contra a angústia criada pela consciência da liberdade, mas é uma defesa equivocada, iludida
e errada, pois através dela afastamo-nos do nosso projecto pessoal, e caímos no erro de
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atribuir as nossas escolhas a factores externos, como a Deus, aos astros, ao destino, ou ao
outro.
Podemos dizer então que, para os Existencialistas, a má-fé compreendia a mentira para
si próprio, sendo imprescindível para o Homem abandonar a má-fé, passando assim à
condição de ser consciente e responsável pelas suas escolhas. Ao fazer isso, o homem passa,
invariavelmente, a viver num estado de angústia, e deixa de se enganar, mas em
compensação retoma a sua liberdade, em sentido pleno.
O outro
Todas as escolhas duma pessoa levam à transformação do mundo para que ele se
adapte ao seu projecto de vida. Contudo, cada pessoa tem um projecto diferente, e isso faz
com que as pessoas entrem em conflito sempre que os seus projectos se sobrepõem. Assim, o
homem por si só, não consegue conhecer-se na sua totalidade. Só através dos olhos de outras
pessoas é que alguém consegue ver-se como parte do mundo. Sem a convivência, uma pessoa
não se pode compreender por inteiro. "O ser por si só é por si através do outro”.
Cada pessoa, embora não tenha acesso às consciências das outras pessoas, pode
reconhecer neles o que possui de igual. E cada um precisa desse reconhecimento. Só através
dos olhos dos outros posso ter acesso à minha própria essência, ainda que temporária. Só a
convivência é capaz de me dar a certeza de que estou a fazer as escolhas que desejo.
Contudo, embora sejam eles aqueles que impossibilitem a concretização dos meus
projectos de vida, colocando-se sempre no meu caminho, não posso evitar sua convivência.
Sem eles, o próprio projecto fundamental não faria sentido.
Sentido da Existência
Contudo, Sartre defendia porém o carácter absurdo da vida humana, e da sua condição
frágil e particular, afirmando que o Homem não é mais que o seu projecto, e que a sua
existência se reduzia à realização desse projecto.
Os existencialistas entendiam como o absurdo da vida humana, a ausência de uma
justificação transcendente, ficando o Homem entregue a si mesmo, e tendo de criar os seus
valores para conferir sentido à sua própria vida.
Sartre reconhece assim um sentido à existência humana, sentido este que tem de ser
encontrado na própria vida humana e por aqueles que a vivem.

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A Liberdade segundo Jean Paul Sartre: a definição da essência humana pela escolha e responsabilidade

  • 1. © Copyright Marisa Milhano 2010 A Liberdade segundo Jean Paul Sartre Jean-Paul Charles Aymard Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de Junho de 1905. Foi um filósofo, escritor e crítico francês, conhecido mundialmente como o representante do Existencialismo. Recusou receber o prémio Nobel da Literatura em 1964, uma vez que sempre evitou as distinções e funções oficiais/sociais. Morreu igualmente em Paris, no dia 15 de Abril de 1980, com 75 anos. Existencialismo Na sua obra, “O Existencialismo é um Humanismo” (publicada em 1946), Sartre define o Existencialismo como a doutrina segundo a qual, em primeiro lugar o Homem existe, ou seja, encontra-se no mundo, e só depois define o que é e o que quer ser. Não é a Natureza que determina o que o homem vai ser, o seu destino está nele próprio e no seu projecto de vida, sendo que a sua existência reduz-se apenas à realização desse projecto. O ser em si Segundo o Existencialismo, defendido por Sartre, o mundo é povoado por seres em si. Entende-se como um ser em si qualquer objecto existente no mundo e que possua uma essência definida. Uma caneta, por exemplo, é um objecto criado para suprir uma necessidade: a escrita. Para criá-lo, parte-se de uma ideia que é concretizada, e o objecto construído enquadra-se nessa essência prévia. Um ser em si não tem potencialidades, nem consciência de si ou do mundo. Ele apenas é. O ser por si A consciência humana é um diferente tipo de ser, por possuir conhecimento a seu próprio respeito e a respeito do mundo. É uma forma diferente de ser, denominada por si. É o por si que faz as relações temporais e funcionais entre os seres em si, e ao fazer isso, constrói um sentido para o mundo em que vive. O por si não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma ideia pré-existente. Uma vez que o existencialismo sartriano é ateu, ele não admite a existência de um ser criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o por si exista, e durante essa existência ele define, a cada momento, o que é a sua essência. Segundo Sartre, cada pessoa só tem como essência imutável aquilo que já viveu. Ou seja, para saber o que fui, é necessário definir-me por algumas características ou qualidades, bem como por actos que já realizei. Contudo, possuo a liberdade de mudar a minha vida deste momento em diante. Nada me compete a manter esta essência, que só é conhecida em retrospectiva. Podemos afirmar que o meu ser passado é um em si, visto que possui uma essência conhecida, mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. É por isso que se diz no Existencialismo que "a existência precede e governa a essência".
  • 2. © Copyright Marisa Milhano 2010 A Liberdade em Sartre Sartre defende que o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Somos inteiramente responsáveis pelo nosso passado, pelo nosso presente e também pelo nosso futuro. Segundo Sartre, a ideia de liberdade é como uma pena. "O homem está condenado a ser livre". As nossas escolhas são direccionadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, mais especificamente por um empenho naquilo que aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras, para o autor, o homem é um ser que "projecta tornar-se Deus". Sartre nega por completo o determinismo. Afinal de contas, não é Deus, nem a natureza, nem tão pouco a sociedade que nos define, que define o que somos por completo ou nossa conduta. Somos o que queremos ser, o que escolhemos ser; e sempre poderemos mudar o que somos, pois os valores morais não são limites para a liberdade. Limitação da Liberdade A liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas esta está sujeita às limitações do próprio homem. Esta autonomia de escolha é limitada pelas capacidades físicas do próprio ser. Sartre considerara, porém, que estas limitações não diminuem a liberdade, pelo contrário; são elas que tornam essa liberdade possível, porque determinam as nossas possibilidades de escolha, e impõem, na verdade, uma liberdade de eleição da qual não podemos escapar. Responsabilidade na Liberdade O Existencialismo sartriano concede um importante relevo à responsabilidade: cada escolha carrega consigo a obrigação de responder pelos próprios actos, um encargo que torna o homem o único responsável pelas consequências das suas decisões. E cada uma dessas escolhas provoca mudanças que não podem ser desfeitas. Assim, perante as suas escolhas, o homem não se torna apenas responsável por si, mas também por toda a Humanidade. Essa responsabilidade é a causa da angústia dos existencialistas, que decorre da consciência do homem de que são as suas escolhas que definirão a sua essência, e mais, de que essas escolhas podem afectar, de forma irreversível, o próprio mundo. Sartre nega, ainda, a suposição de que haja um propósito universal, um plano ou destino maior, onde seríamos apenas actores de um roteiro definido. Isto implicava a constatação de que nós mesmos não definimos o nosso futuro, nem através de nossa liberdade de escolha. A má-fé Sartre acusa como má-fé a atitude daqueles que não procedem como ele, visto que renunciam, assim, a sua própria liberdade. De acordo com o autor, a má-fé é uma defesa contra a angústia criada pela consciência da liberdade, mas é uma defesa equivocada, iludida e errada, pois através dela afastamo-nos do nosso projecto pessoal, e caímos no erro de
  • 3. © Copyright Marisa Milhano 2010 atribuir as nossas escolhas a factores externos, como a Deus, aos astros, ao destino, ou ao outro. Podemos dizer então que, para os Existencialistas, a má-fé compreendia a mentira para si próprio, sendo imprescindível para o Homem abandonar a má-fé, passando assim à condição de ser consciente e responsável pelas suas escolhas. Ao fazer isso, o homem passa, invariavelmente, a viver num estado de angústia, e deixa de se enganar, mas em compensação retoma a sua liberdade, em sentido pleno. O outro Todas as escolhas duma pessoa levam à transformação do mundo para que ele se adapte ao seu projecto de vida. Contudo, cada pessoa tem um projecto diferente, e isso faz com que as pessoas entrem em conflito sempre que os seus projectos se sobrepõem. Assim, o homem por si só, não consegue conhecer-se na sua totalidade. Só através dos olhos de outras pessoas é que alguém consegue ver-se como parte do mundo. Sem a convivência, uma pessoa não se pode compreender por inteiro. "O ser por si só é por si através do outro”. Cada pessoa, embora não tenha acesso às consciências das outras pessoas, pode reconhecer neles o que possui de igual. E cada um precisa desse reconhecimento. Só através dos olhos dos outros posso ter acesso à minha própria essência, ainda que temporária. Só a convivência é capaz de me dar a certeza de que estou a fazer as escolhas que desejo. Contudo, embora sejam eles aqueles que impossibilitem a concretização dos meus projectos de vida, colocando-se sempre no meu caminho, não posso evitar sua convivência. Sem eles, o próprio projecto fundamental não faria sentido. Sentido da Existência Contudo, Sartre defendia porém o carácter absurdo da vida humana, e da sua condição frágil e particular, afirmando que o Homem não é mais que o seu projecto, e que a sua existência se reduzia à realização desse projecto. Os existencialistas entendiam como o absurdo da vida humana, a ausência de uma justificação transcendente, ficando o Homem entregue a si mesmo, e tendo de criar os seus valores para conferir sentido à sua própria vida. Sartre reconhece assim um sentido à existência humana, sentido este que tem de ser encontrado na própria vida humana e por aqueles que a vivem.