SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 20
Downloaden Sie, um offline zu lesen
Tili Tonse
                                                                  MukTadhara
                                                                  Guardar ÁGuas
                                                                  TeaTro no
                                                                  alenTejo
                                                                  MÁrio Barradas
                                                                  Valsa n.º 6




BAALZINE
nº 04 dezembro 2006   | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo






                                 | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo   nº 04 dezembro 2006
Colectivo Baal 17:            cultura, etc., etc., etc.). Tremendo valor acrescentado para a
                                          Da esquerda para a direita:   região. Para a sua valorização enquanto espaço moderno.
                                          Rui Ramos, Sandra Serra,
                                                                        Com a famosa “massa crítica” presente e cada vez mais a
                                          Marco Ferreira, Ana Antão,
                                          Rui Garcia, Sónia Botelho.    olhar para além da linha de fronteira. Entre eles, pois claro,
                                          De pé: Telma Saião e Paulo    a gente do Teatro. Essa fauna incomparável. 7 Estruturas
                                          Troncão.                      Profissionais financiadas de forma sustentada pelo Instituto
                                                                        das Artes. Mais 9 outros grupos profissionais. Dezenas de
                                                                        grupos de teatro amador. Um mar de gente neste imenso
                                                                        Alentejo.
                                                                        Gente que teimosamente trava uma luta, por vezes bastante
                                                                        inglória, pelo reconhecimento da pertinência do Teatro, e da
                                                                        cultura claro está, no desenvolvimento do Alentejo. Não só
                                                                        ao nível da transformação de mentalidades, mas também
Teatro. Alentejo. Teatro Alentejano?                                    como efectivo desenvolvimento económico. A riqueza
Para que serve a arte de Aristóteles numa das regiões mais
                                                                        gerada pelo sector cultural, 2,6% do PIB, supera por exemplo
pobres da zona euro? Dinheiros públicos mal gastos nos
                                                                        a riqueza gerada pela indústria automóvel e pelo sector
tempos que correm? Ainda se fosse como o La Féria (que
                                                                        imobiliário. Se atendermos ao valor inscrito em orçamento
por sinal é alentejano de Vila Nova de São Bento), com
                                                                        de estado para a cultura pelo governo da República
casas cheias, Amálias, e sem um cêntimo do orçamento de
                                                                        Portuguesa, 0,47% do PIB, não é necessário dizer mais nada,
estado…
                                                                        pois não? Em relação à precariedade dos artistas e demais
A cultura constrói-se pela adição e não pela subtracção.
                                                                        profissionais da cultura? Olhemos as palavras do caríssimo
Muito menos pela mercantilização ou por qualquer
                                                                        colunista Desbocado Doidinho. E mais não se escreve, por
indicador macroeconómico. Nunca a peso.
                                                                        pudor.
Uma cultura viva tem, obrigatoriamente, de beber na
                                                                        Felizmente nem tudo são espinhos.
comunidade onde se insere. Tem também de olhar para
                                                                        Está a nascer o Sol no Alentejo…
o exterior e efectuar uma leitura atenta do mundo. Acima                                                                    Rui Garcia
de tudo tem de contribuir para um saudável [e suportável]
desconforto aquando da confrontação com o público – nos                                                                                  
                                                                        P – Caro(a) leitor, tenha um 2007 cheio de Cultura e Teatro.
                                                                         .S.
temas, nas formas, nas palavras…                                        Em Festa. Por aqui iremos tentar contribuir para que este
Aqui, hoje, neste terço de Portugal, trabalham milhares de              nosso desejo se torne realidade.
profissionais da cultura (actores, músicos, bailarinos, artistas        P II – Um abraço do tamanho do mundo para o Mário
                                                                         .S.
plásticos, escritores, produtores culturais, técnicos de                Barradas.



FICHA TéCNICA
                                                             0 Agora Digo eu                      Évora, abria as portas
Propriedade: Baal 7 – Companhia de Teatro na                Desbocado Doidinho tem                à descentralização
Educação do Baixo Alentejo                                   uma amiga cujo filho quer             teatral no Alentejo. Hoje,
Cine-Teatro Municipal de Serpa                               ser actor, ou melhor: Um mal          são 6 as companhias
Apartado  780 Serpa                                      governado.                            profissionais, sete
www.baal7.com
                                                                                                   delas sustentadas pelo
Telefone: 84 549 488
E-mail: baal.7@mail.telepac.pt                              04 Baal Diário                        Ministério da Cultura.
ou baalzine@gmail.com                                        Marco Ferreira, na Finlândia,
Coordenação: Sandra Serra                                    e Telma Saião, na Índia,              7 BaalTeatro
Colaboram nesta edição: Carla Ferreira, Cendrev,             relatam na Baalzine, o                Caldo Verde é a primeira
Marco Ferreira, Pim Teatro, Rui Gracia, Rui Ramos,
                                                             diário das suas experiências          peça de teatro original
Teatro ao Largo, Teatro do Mar, Telma Saião, Tiago
Fróis, e Vírginia Fróis.                                     profissionais, sociais e              de Rui Ramos, director
Concepção gráfica: Verónica Guerreiro                        pessoais.                             artístico da Baal 7.
Bloco d, design  comunicação (www.blocod.com)
Impressão: Gráfica Comercial, Loulé                          06 Baalolhares                        9 Baal. com Livros
Periodicidade: Sai três vezes por ano
                                                             Virgínia Fróis, Tiago Fróis           Dois livros, duas formas
Tiragem: 000 exemplares
                                                             e Pedro Conceição, da                 de, também, dizer
                                                             associação Oficinas do                Alentejo.
COMPANHIA FINANCIADA POR
                                                             Convento, deitam olhares à
                                                             comunidade de oleiras de              0 Baal em Banho Maria
                                                             Cabo Verde.                           “A História Maravilhosa
                                                                                                   da Cidade de Bronze” e
                                                             09 Baal Dossiê                        “Valsa n.º 6”, as novas
                                                             Há Teatro no Alentejo                 produções da Baal 7, em
                                                             Em 975, o Cendrev                    Banho Maria.
                                                             – à altura centro Cultural de
OS MAL-
                -GOVERnADOS
                  Por Desbocado Doidinho

                                                          A minha amiga Filomena tem um filho
                                                          que quer ser actor. Isto, de um filho, ainda
                                                          para mais único, querer ser actor é uma
                                                          desgraça para qualquer mãe. Mas para a
                                                          Filomena é deveras trágico.



                   - São todos uns mal governados         com esta ideia, informou-se e agora     podem. Se mete um baixa, metem
                  – diz ela aconselhando o filho          diz-me que:                             todos, que o espectáculo é assim,
                  quando este sonha com o seu futuro       - A maior parte das pessoas que tem    não pode parar. E mesmo que
                  profissional.                           esse emprego nunca arranja trabalho     pudessem… Eu informei-me. A maior
                  Eu não sei como é no resto do país      certo, anda de um lado para o outro,    parte trabalha com uma coisa que
                  mas na minha terra “mal governado”      trabalha três meses aqui e três meses   eles chamam “recibos verdes” que
                  é aquele que não se sabe governar a     ali e corre o país de lés-a-lés.        é parecido com aquilo que há nas
                  si próprio, que não se sabe orientar     - Mas ganham bem, essa é que é         auto-estradas, é pra despachar,
                  na vida.                                essa. Ganham bem e fartam-se de         pra não dar chatices. Resultado, a
                  À primeira vista, “mal governado”       passear.                                maior parte daqueles que têm essa
                 poderia ser aquele que vive sob          - Qual quê?! Não ganham nada.          profissão – actores, se adoecem
                  um mau governo, ou seja, que vive       Eu que passo a ferro para fora          ficam por conta própria, se o trabalho
                  num país onde o Governo não sabe        ganho mais do que ele algum             acaba ficam no desemprego, e o
                  governar, que vive portanto num país    dia vai ganhar. Sem despesas e          desemprego acontece quase sempre
                  mal governado.                          descansadinha em casa. E se se me       de três em três meses ou coisa
                  Mas voltemos à Filomena. Ela sabe       acabar a roupa jogo-me a outra coisa    que o valha. Estás desempregado?
                  que se o seu filho vier a ser actor,    que a mim não há trabalho que me        Aqui não há subsídio pra ninguém.
                  não lhe vai pôr os olhos em cima        enoje. Mas esses “artistas”?? é como    Arranja-te, vai pedir sopa à mãe. E os
                  com muita frequência nos próximos       os drogados, quando entram nessa        descontos? Ai, não me faças falar!!
                  anos. Mas vai continuar a favorece-lo   vida já não podem sair, coitados, não   - E porque é que não se organizam?
                  financeiramente por muito tempo.        sabem fazer mais nada. E quando         Façam greve.
                  Eu cá não sei como é, mas a             adoecem? Como é que é? Ahm??            - Tás maluco? Não ouviste nada do
                  Filomena, desde que o filho apareceu     - Diz-me tu que eu não sei. Eu         que eu disse. Achas que eles vão
                                                             quando adoeço meto baixa e fico      dar-se ao luxo de fazer greve? Já
                                                               em casa.                           viste um artista fazer greve? E quem
                                                                            - Metes tu. Achas     é que se vai agora importar que este
                                                                               que eles podem     ou aquele não trabalhe, o que há
                                                                                 meter baixa?     mais por aí são outros para ocupar
                                                                                            Não   o lugar. Se é pra ficar em casa então
AGORA DIGO EU




                                                                                                  que fique desde já. E até te digo mais:
                                                                                                  acho que se fizessem todos greve ao
                                                                                                  mesmo tempo ninguém ia reparar.
                                                                                                  Isto aqui não é o estrangeiro. Isto
                                                                                                  é um país mal governado. Ai, não
                                                                                                  era isto que eu queria dizer… Que
                                                                                                  sei eu de política? Estava a falar da
                                                                                                  profissão que o meu moço quer ter.
                                                                                                  Olha, não te digo mais nada, é uma
                                                                                                  vida pra gente mal governada.
                                                                                                  Eu não sei se a Filomena tem razão
                                                                                                    ou não. Parece-me muito estranho
                                                                                                     que as coisas possam ser assim
                                                                                                     num país do primeiro mundo como
                                                                                                      o nosso. Cá para mim é mais uma
                                                                                                       maluquice da Filomena.

                                                                                                     Duas Tentações e um pneu furado.
                                                                                                     Pelo Al-Masrah Teatro, Tavira 2005
BAAL DIÁRIO
TiLi TOnSE*
UniãO PELA DiVERSiDADE
       “Todo o ser humano é teatro” Augusto Boal



Aprender através do Teatro (ou Drama)          Finlândia e Lituânia.                          enchendo de informação e ideologias. Eles
é dar a possibilidade de sonhar, de            Os valores, a diversidade, as diferentes       são vistos como pontos de partida radiantes
transcender, superar limites e desbravar       línguas e olhares sobre o mundo, as            da sua própria aprendizagem, criando
novos caminhos em direcção ao                  culturas e sub-culturas, formaram              as suas próprias regras, interpretações
conhecimento, identificação e consciência      esse conjunto de aprendizagem. Um              e modelos de aprendizagem. Só assim o
do mundo que nos rodeia. Quando um             processo determinado a contribuir para         aluno tem a possibilidade de se valorizar, de
aluno interpreta uma personagem ou             uma educação sustentável assente na            se integrar harmoniosamente num grupo,
improvisa uma situação, revela uma parte       diversidade cultural, onde professor aluno     num clima de liberdade onde liberta as
de si mesmo, mostra como sente, pensa          aprendem juntos, partilham valores e, acima    suas potencialidades, expressando os seus
e vê o mundo. O Teatro/Drama amplia o          de tudo, valorizam o diálogo como a mais       sentimentos, explorando todas as formas de
seu horizonte, melhora a sua auto-estima e     importante ferramenta.                         comunicação humana, emoções, medos e
colabora para um sentido crítico e aberto do   O curso (Participatory Drama and               sensações, aprendendo com a diversidade
mundo em que vive. Aprender com o teatro       Education) foi centrado na utilização,         e não apenas memorizando as respostas
é uma procura de novas interpretações,         pesquisa e aplicação de métodos                certas.
é moldar o nosso pensamento de forma           participativos (Process Drama, Participatory
a construir novos significados, é usar o       approach/research, Future Workshop,            Agora, pergunto-me, o que deve então o
diálogo no sentido de ser verdadeiro, de não   Teatro Fórum, Playback theatre) explorando     teatro aprender para transformar-se numa
nos trairmos. é usar o coração.                a multiculturalidade de valores, costumes      arte participativa? Deve partir de nós,            4
                                               e tradições e a utilização de elementos        actores, encenadores, professores ou deve
Em Setembro de 2006, fui convidado a           tradicionais (contos, danças, canções) na      ser encontrado no público, nos alunos?
participar no projecto Tili Tonse*, um         aplicação e desenvolvimento sociocultural      O teatro (actores, encenador, público)
intercâmbio internacional na Finlândia         criando diálogo entre as comunidades.          como o conhecemos hoje em Portugal não
realizado na Universidade de Ciências          Os alunos foram envolvidos num processo        representa mais estes valores, não entra
Aplicadas de Seinäajoki. Este projecto,        de grupo de aprendizagem social e              por este caminho. é um teatro desligado.
coordenado pelo pedagogo Jouni Piekkari,       emocional, aprendendo a negociar, a            Porquê?
do qual fui assistente e que, anteriormente    criar novos significados e soluções, a         Sempre me fascinou transportar o teatro
trabalhou com a Baal 17 no projecto            utilizar argumentos e valores, a partilhar     para diferentes contextos e criar novos
europeu Drama-a way to social inclusion,       pensamentos espirituais, a reflectir           espaços estéticos, procurando redescobrir
tinha por objectivo estudar e partilhar        experiências, a usar a intuição como           emoções e vidas. Vejo muitas vezes o teatro
diferentes formas artísticas e métodos         impulso criativo e outras capacidades          a sair para a rua, vejo também o teatro
participativos utilizados no desenvolvimento   essenciais em processos de educação.           numa reunião de família ou num encontro
cultural, comunitário e sustentável.           Durante três meses aprendi que na              de amigos num café. Mas, principalmente,
Durante três meses partilhei o meu trabalho,   Finlândia o chamado paradigma                  o que me faz acreditar no teatro é observar
a minha cultura, o meu pensamento e            construtivista na educação é a base de um      como as pessoas se transformam em
as minhas emoções com mais de trinta           sistema de ensino modelo em que os alunos      actores e, transformando-se em actores
pessoas de três culturas diferentes: Zâmbia,   não são como vasos vazios que se vão           das suas vidas, estão a representar de uma
forma diferente as suas comunidades. Um        das nossas vidas?                                             projecto, em fase piloto, é financiado pela CIMO (Centre
                                                                                                                          for International Mobility), uma organização tutelada
             cidadão actor consciente desse processo        “A grande generosidade está em lutar para                     pelo Ministério da Educação e Ministério dos Negócios
             está a contribuir de uma forma criativa        que, cada vez mais, essas mãos, sejam de                      Estrangeiros da Finlândia que encoraja a comunicação
                                                                                                                          transcultural e cooperação entre os chamados países
             através do teatro para o desenvolvimento       homens ou de povos, se estendam menos,                        do terceiro mundo. O objectivo do programa é estudar
             da sua comunidade. Quantas são as              em gestos de súplica. Súplica de humildes                     e partilhar as diferentes formas artísticas e métodos
                                                                                                                          participativos utilizados para o desenvolvimento
             comunidades que ainda intervém desta           a poderosos. E se vão fazendo, cada vez                       cultural, comunitário e sustentável entre os dois países.
             forma usando as suas próprias tradições?       mais, mãos humanas, que trabalhem e                           O intercâmbio levou à Finlândia seis estudantes
                                                                                                                          da Universidade de Lusaka, um professor de artes
             Se queremos cultura compramos um bilhete       transformem o mundo.” Paulo Freire                            performativas que trabalharam com os alunos do curso
                                                                                                                          social cultural work/project managment da Universidade
             para o teatro, para um concerto, cinema,                                               Marco Ferreira*
                                                                                                                          de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e quatro estudantes
             compramos um CD ou um DVD. Para                *Tili Tonse significa, traduzindo à letra – Estamos Juntos,
                                                                                                                          (Erasmus) do Vilnius College da Lituânia.
             onde nos leva esta cultura globalizada e       em Nyanja, uma das cerca de 70 línguas oficias da
                                                                                                                          *Marco Ferreira foi professor assistente convidado
                                                            Zâmbia. Tili Tonse é também um programa internacional
             capitalista, onde pagamos a alguém para        de intercâmbio criado em parceria entre as Universidades
                                                                                                                          pela Universidade de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e
                                                                                                                          bolseiro para a especialização e valorização profissional
             cantar, dançar e representar as histórias      de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e Helsínquia na
                                                                                                                          da Fundação Calouste Gulbenkian.
                                                            Finlândia e a Universidade de Lusaka na Zâmbia. O




             MUkTADHARA – 006

             OPRESSãO E JAnAS
             SAnSkRiTi
             Cheguei a Calcutá no dia 15 Outubro, com o     do Janas Sanskriti, situado num local                         ter pertencido à Frente Esquerda Indiana,
             propósito de conhecer e vivênciar o trabalho   muito verde um jardim magnífico povoado                       a política esteve muito presente nas nossas
     5       de um Grupo de Teatro do Oprimido Indiano.     por famílias – recordo o som do “hello”                       discussões. E ali, compreendemo-nos,
             À minha espera, Sajana e Shoto e um cartão     das crianças e as suas pequenas mãos                          respeitamo-nos e percebemos que como
             que dizia: Janas Sanskriti.                    estendidas para nos cumprimentar –. Era                       pessoas de continentes diferentes e culturas
             Jana Sanskriti é o nome do grupo que           chegada a altura de falar com as pessoas                      distintas, partilhamos o mesmo respeito ao
             há mais de 20 anos utiliza o teatro como       do grupo, conhecer os outros participantes,                   próximo, e a mesma vontade de mudar o
             ferramenta de intervenção social. Chega        e para perceber que me sentia em casa.                        mundo.
             a aldeias isoladas na Índia, e com o povo      A Índia estava em preparação para a Festa                     No final do workshop prepararam-se
             desenvolve um trabalho para dar voz            da Deusa Khali, festa cheia de luzes e muitos                 apresentações sobre a opressão feita às
             às suas necessidades, ajudando-os a            foguetes (parecia que a índia estava a ser                    mulheres, a pobreza e a opressão pelo
                                                                                          atacada!). Por                  poder e pela globalização, realizadas numa
                                                                                          todo o lado                     aldeia, numa zona isolada, e onde podemos
                                                                                          construíam-                     presenciar o Grupo a utilizar as técnicas de
                                                                                          se grandes                      Teatro Fórum com os habitantes locais.
                                                                                          templos de                      O dia 22 de Outubro viria a ser um dia
                                                                                          Khali, repletos                 emocionante. Mais de 10 000 pessoas,
                                                                                          de flores,                      maioritariamente mulheres, reivindicando a
                                                                                          grandes                         arte pela opressão do poder, foi sem dúvida
                                                                                          tambores e                      um acontecimento marcante.
                                                                                          muita luz.                      O Festival de Teatro do Oprimido decorreu
                                                                                          Foi neste                       num jardim no centro da cidade de Calcutá.
                                                                                          ambiente que                    Todos os dias o Festival iniciava e terminava
                                                                                          se realizou                     com a apresentação de um grupo de Musica
             libertarem-se das opressões, trabalho este     o Workshop, onde iríamos aprender as                          (precursão e circo), e a programação
             bastante significativo com as mulheres         técnicas de Teatro do Oprimido utilizadas                     integrava Grupos de Teatro do Oprimido do
AAL DIÁRIO




             indianas.                                      pelo grupo, e onde participaram 40 pessoas                    Brasil, Palestina, Áustria e da Índia.
             Começava assim a master classe sobre           vindas da Áustria, França, Espanha,                           E assim se passaram os dias, e as noites,
             aquela fantástica zona da Índia – West         Alemanha, Reino Unido, Colômbia,                              em terras da Índia. Assim ficaram as
             Bengal –; tinha agora também o primeiro        Argentina, EUA e Portugal.                                    emoções, os conhecimentos, as reflexões,
             contacto com a população pobre, naquela        Sanjoy, o director do Janas Sankriti,                         como esta, de Augusto Boal : “Unificação e
             que é uma das zonas mais intelectuais          acompanhado pelo seu “irmão” de luta                          Uniformização não tem o mesmo significado,
             da Índia. Durante o percurso de jipe           Julian Boal, conduziu o trabalho com                          a unificação dos povos faz com que se
             impressionou-me a paisagem com muitas          exercícios de dinâmicas de grupo, dança e                     encontrem pontos comuns mantendo a
             árvores e grandes lagos, o trânsito caótico,   conversas sobre as experiências do trabalho                   individualidade de cada ser, a uniformização
             numa estrada de carros, bicicletas, motas,     do Grupo nas aldeias e da expansão desta                      dos povos transforma os indivíduos em
             autocarros, vacas e pessoas a pé. O fim        arte na ajuda da conquista dos direitos a                     Robots objectivo do imperialismo”.
             do percurso levou-me ao Centro, a sede         quem os reivindica. Pelo facto de Sanjoy                                                                     Telma Saião
BAAL OLHARES
                                               PROJECTO ARTÍSTiCO
                                               MARCA REiniCiO DA
                                               ACTiViDADE OLEiRA

“GUARDAR ÁGUAS”
                                               Três percursos de autor exploram o mesmo objecto: A
                                               comunidade de oleiras, na Vila do Tarrafal, em Cabo Verde.
                                               Fotografia, escultura e vídeo por Virgínia Fróis, Tiago Fróis e
                                               Pedro Conceição, da associação Oficinas do Convento em
                                               Montemor-o-Novo.


O “Projecto Guardar Águas” desenvolveu-        dar continuidade às práticas da Olaria de     visual, Fotografia e Vídeo, cobrindo a
-se de 27 de Março a 19 de Setembro de         Mulheres e, deste modo, contribuir para a     actividade oleira e também o seu contexto
2006, na localidade de Trás os Montes no       requalificação da vida desta comunidade.      vivencial, assim como o ciclo da cultura
Concelho da Vila do Tarrafal, na Ilha de       A produção da Olaria revelou a interesse      do milho em todas as vertentes que
Santiago em Cabo Verde, por Virgínia Fróis.    destas mulheres em criar novas formas         estão associadas a esta Arte. Tiveram
O resultado que aqui mostramos e que se        dentro da sua tradição. O trabalho foi        particular importância no entendimento
apresenta na exposição                         realizado com a orientação das últimas        destas práticas os seguintes aspectos: a
O que se apresenta na exposição “Guardar       Mestras Oleiras: Pascoalina Borges,           adaptação da comunidade ao território,            6
Águas” corresponde aos primeiros               Isabel Semedo e Saturnina Tavares, com        a sua vivência, a paisagem, a geologia e
resultados de um trabalho de Animação          idades compreendidas entre os 63 e 74         a situação geográfica no extremo norte
Cultural. São três percursos de autor, que     anos. A actividade foi retomada nas suas      da ilha, um local árido e isolado mas de
partilham o mesmo objecto - o território       oficinas em Trás os Montes (Trás di Monti),   surpreendente beleza.
e a comunidade de Oleiras - e a mesma          seguindo o modelo tradicional. O reinício     O Projecto contou com o apoio da Câmara
necessidade de “guardar” a memória de          desta actividade, parada há vários anos,      Municipal da Vila do Tarrafal (que suportou
um modo de vida determinado. As peças          permitiu também a 20 jovens mulheres do       os custos relativos à formação das oleiras),
criadas, as Fotografias, de Tiago Fróis,       lugar iniciar a aprendizagem da olaria. A     com o aconselhamento e disponibilidade
as Esculturas de Virgínia Fróis e o Vídeo,     laboração nas oficinas começou no final       do director do Centro Cultural Português
resultado de um trabalho colectivo de          Maio e terminou em Julho, com o início da     na Cidade da Praia, e como os apoios
Pedro Conceição com os dois criadores já       sementeira do milho e da época das            portugueses do IA -Instituto das Artes, da
referidos, são o resultado desta interacção.   chuvas.                                       FCG - Fundação Calouste Gulbenkian e da
Esta acção teve como objectivo incentivar e    Foi recolhida bastante documentação           Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.
7




    A exposição “Guardar Águas” Fotografia/Escultura e Vídeo de Virginia Fróis, Tiago Fróis, Pedro conceição e João Bastos,
    está patente ao público na Galeria Municipal de Montemor-o-Novo e está inserida no projecto “Conversas à Volta das
    Margens”, iniciativa da Associação Oficinas do Convento. A mostra segue para o Palácio da Cultura Ildo Lobo, na Cidade
    da Praia, em Cabo Verde, no dia 5 de Janeiro de 2007. Associação de Arte e Comunicação “Oficinas do Convento” teve
    início em 1996 e tem a sua sede no Convento de S. Francisco em Montemor-o-Novo. A sua acção desenvolve-se no âmbito
    das artes, com actividades no âmbito da arte pública, da paisagem e do património natural e arquitectónico. Hoje em dia,
    a associação conta com três departamentos distintos: Escultura, Música e Imagem. (www.oficinasdoconvento.com).
BAAL OLHARES
               8
HÁ TEATRO nO ALEnTEJO
                                                             Desde 1975, com a formação do                     profissionais sustentadas pelo
                                                             Cendrev, a primeira companhia da                  Ministério da Cultura, mais nove não
                                                             descentralização, o panorama teatral              sustentadas, a que se juntam mais
                                                             no Alentejo tem vindo a crescer,                  de 20 grupos de teatro de amadores.
                                                             não só no número de companhias                    A Baalzine falou com alguns dos
                                                             profissionais aqui sediadas,                      intervenientes que têm contribuído
                                                             como na qualidade do trabalho                     para o desenvolvimento do teatro no
                                                             apresentado. Sete companhias                      Alentejo.




                              SãO SETE AS COMPAnHiAS DE TEATRO
                              SUSTEnTADAS nO ALEnTEJO... MAS HÁ MAiS

                         ExiSTE UMA FORMA
           9
                         DE FAzER TEATRO nO
                         E PARA O ALEnTEJO?
                              Em 1975, o Cendrev, à altura Centro Cultural                        Mar) e Odemira (Teatro ao Largo). Além das sete
                              de Évora, seria a primeira companhia de teatro                      companhias sustentadas, trabalham no Alentejo
                              profissional sediada no Alentejo. Depois disso, e                   outras nove companhias não sustentadas, a grande
                              aberto o caminho à descentralização teatral, várias                 maioria com sede em Évora (Trimagisto; A Bruxa
                              companhias de teatro foram instalando-se ou criando                 Teatro; Trulé- Investigação de Formas Animadas; Era
                              raízes na região. Hoje, são sete as companhias                      uma Vez – teatro de marionetas; e Cépia – Amonte
           no alentejo




                              de teatro sustentadas pelo Ministério da Cultura                    Produções), mas também em Moura (Teatro Fórum
AAL DOSSIÊ há teatro




                              com sede no Alentejo, nomeadamente em Évora                         de Mora), Beja (Lêndias d’Encantar), Grândola
                              (Cendrev e Pim Teatro), Portalegre (O Semeador),                    (Associação Cultural Horas Extraordinárias Teatro de
                              Beja (Arte Pública), Serpa (Baal 17), Sines (Teatro do              Grândola) e Odemira (3 em Pipa).


                         Depois do caminho iniciado pelo Cendrev,     de desenvolvimento da criatividade, que          Com a mudança de década, continuam
                         surgiria, também no Alto Alentejo, em        transformem as mentalidades, que alterem         a surgir novos projectos teatrais, a Baal
                         Portalegre, “O Semedor”, em 1981, e,         a forma de ver e pensar o mundo”, e              17, deitaria semente à terra em Serpa,
                         passados cinco anos, em 1986, seria vez de   o Arte Pública, o primeira companhia a           no 2000, com o principal objectivo de
                         nascer em Sines, com pessoas de Sines,       surgir alargando o seu conceito estético         trabalhar o mundo rural como matéria
                         o Teatro do Mar, com o objectivo principal   ao das Artes Performativas. Em 1994, pela        de criação artística, tornando-se na mais
                         “da promoção, criação e produção             mão do inglês Steve Johnston, surgiria           nova companhia teatral no Alentejo com
                         teatral particularmente vocacionada          o Teatro ao Largo, como “um grupo                apoio sustentado por parte do Ministério
                         para jovens audiências”. A década            de teatro comunitário para Portugal” e           da Cultural. Na cidade de évora, três
                         de 90 foi profícua no aparecimento de        fundamentado na firme convicção de que o         novos projectos surgiriam com o volver do
                         companhias de teatro, não só no Alentejo     teatro profissional pertence a, e pode nutrir,   milénio: Trimagisto e Bruxa Teatro, em 2001,
                         como também um pouco por todo o País.        cada comunidade, por mais pequena e por          e Cépia-Amonte Produções, em 2002. O
                         O ano de 1993 veria nascer o Pim Teatro,     mais isolada que seja”. Ainda na década          mais recente projecto de teatro profissional
                         com a pura convicção de querer fazer         de 90, as companhias Lêndias d’Encantar,         a sedar-se no Alentejo, aconteceria em
                         “um teatro capaz de provocar no público      em Beja, e 3 em Pipa, em Odemira, juntar-        Moura, em 2006, com o Teatro Fórum de
                         experiências estéticas que sejam motor       se-iam ao panorama teatral no Alentejo.          Moura.
BAAL DOSSIÊ nO teAtrO
                                                                  São diversos e variados os objectivos         porque uma tem na outra as suas
                                                                  artísticos das companhias de teatro           raízes, a sua fonte de vida, a sua razão
                                                                  no Alentejo. Desde a abordagem                de existir”. E também por essa razão
                                                                  dos clássicos, à criação de Teatro            o PIM- TEATRO “chegou a povoações
                                                                  contemporâneo. Do Teatro “de arte”            onde não havia teatro há 30 anos, com
                                                                  ao teatro social. Do meio rural como          salas que não tinham as condições
                                                                  objecto de criação artística, às artes        técnicas mínimas, onde as crianças
                                                                  performativas. Da itinerância em busca        não conheciam os mais elementares
                                                                  da promoção, criação e produção teatral       códigos da comunicação teatral e foi pela
                                                                  particularmente vocacionada para jovens       continuidade que ajudou a transformar
                                                                  audiências, ao teatro comunitário.            estas realidades. Procurou fazer do
                                                                  Centremo-nos então nos objectivos de          espectáculo um trampolim para a
                                                                  quatro das sete companhias sustentadas        descoberta das suas próprias convenções
                                                                  do Alentejo: Teatro do Mar; Teatro ao         e, consequentemente, formar o público




                                                                                                                                                                               há
                                                                  Largo; Pim Teatro e Baal 17, companhias       para o teatro de amanhã”.
                                                                  que representam o Baixo Alentejo, o           Já o Teatro ao Largo define-se




                                                                                                                                                                                  ALentejO
                                                                  Alentejo Litoral e o Alto Alentejo.           exactamente como “um grupo de teatro
                                                                  A ligação Companhia/Comunidade                comunitário para Portugal”, tendo
                                                                  em que se insere é um elo delicado            a sua criação sido fundamentada
                                                                  e dedicado. Quatro companhias                 “na firme convicção de que o teatro
                                                                  profissionais; quatro identidades             profissional pertence a, e pode nutrir,
                                                                  artísticas; variados objectivos; uma          cada comunidade, por mais pequena e
                                                                  palavra inerente a todas: Comunidade.         por mais isolada que seja. Desde 1994,
                                                                  Talvez aqui resista a diferença entre parte   centenas de representações fizeram-se
                                                                  das companhias da descentralização e          em recintos públicos: no largo principal,
                                                                  as companhias “da capital”, onde tal elo      na festa do Município, na feira de
                                                                  não é procurado. Para o PIM-TEATRO,           artesanato, na festa da aldeia - para
                                                                  por exemplo, a ligação à comunidade é         os idosos em centros de dia, para as
                                                                  a sua própria razão de existência. “Estar     crianças na sala de aula, e para os                      0
                                                                                                                                                                         0
                                                                  no PIM-TEATRO é mais que trabalhar            veraneantes nas estações de veraneio
                                                                  numa companhia, é abraçar um projecto         da costa alentejana. Representar nestas
“Em 13 anos de trabalho o Pim-Teatro desenvolve um teatro
para crianças que não é infantil ou infantilizado mas que, pelo
                                                                  artístico onde a arte e a comunidade          situações é um acto de escolha. Como
seu valor estético e artístico, é um teatro para todos.”          interagem numa relação simbiótica,            grupo e como indivíduos dedicamo-nos à
                                                                                                                ideia de teatro comunitário”. A itinerância,
                                                                                                                é “o sangue que dá vida ao grupo” que
                                                                                                                percorre um pouco todo o País, e, em
                                                                                                                Odemira, o concelho mais vasto do país
                                                                                                                e também um dos mais despovoados e
                                                                                                                com a população mais dispersa”, o grupo
                                                                                                                apresenta anualmente o seu espectáculo
                                                                                                                itinerante principal nas aldeias, durante
                                                                                                                o Verão, e visita cada uma das escolas
                                                                                                                de ensino básico com um espectáculo de
                                                                                                                Natal”.
                                                                                                                Na Baal 17 o trabalho com e para a
                                                                                                                comunidade onde se insere é imperativo.
                                                                                                                Para além de trabalhar, se bem que
                                                                                                                não em exclusivo, o mundo rural como
                                                                                                                matéria de criação artística, a Baal 17,
                                                                                                                para além das três produções anuais
                                                                                                                estreadas em Serpa, percorre todo o
                                                                                                                concelho com as mesmas, desenvolve um
                                                                                                                Programa de Interacção Teatral Escolar,
                                                                                                                organiza um Festival Cultural, sempre
                                                                                                                com o objectivo da intervenção com e na
                                                                                                                comunidade.
                                                                                                                E será que esta busca constante
                                                                                                                da ligação à comunidade pelas
                                                                                                                companhias, faz com que exista a
                                                                                                                “força” do desbravar caminhos, levar


                                                                                                                Com Daimonian, em 2006, o Teatro do Mar
                                                                                                                alcançou a almejada internacionalização. A
                                                                                                                companhia radicada em Sines há 20 anos, mantém
                                                                                                                como objectivo fazer teatro itinerante e para um
                                                                                                                público jovem.
a Arte mais além, lutar para que o teatro                tradições e o ruralismo. Mas, o trabalho
                         chegue a todos e a qualquer lugar, tendo                 final do Teatro do Mar, vocacionado para
                         para isso tantas vezes que trabalhar                     jovens audiências e para a rua mais
                         sem as condições necessárias ou ideais?                  particularmente, pode ser entendido por
                         Trazer as pessoas ao Teatro ou levar o                   públicos de um festival internacional no
                         Teatro às pessoas?                                       estrangeiro, do Centro Cultural de Belém
                         Levar o teatro às pessoas é objectivo                    em Lisboa ou de qualquer pequena cidade
                         do Teatro ao Largo. De acordo com a                      do Alentejo”.
                         companhia, o objectivo para os próximos                  Mas será que persiste a ideia (errónea) de
                         anos é o “de consolidar o seu trabalho na                que o Teatro que se faz fora da capital é
                         função de um grupo de teatro comunitário                 de algum modo inferior?
                         acessível, dedicado a levar espectáculos                 O Teatro do Mar acredita que se continua
                         de teatro enérgico e estimulante às zonas                a alimentar esse preconceito, muito por
                         rurais. O Teatro ao Largo é um projecto a                culpa do escasso, para não dizer inexistente
                         longo prazo. O grupo foi fundamentado na                 feedback do trabalho, por parte da crítica
                         firme convicção de que o teatro profissional             e da imprensa. “Tendo em conta que
                         pertence a, e pode nutrir, cada comunidade,              somos uma companhia descentralizada
                         por mais pequena e por mais isolada que                  e itinerante por excelência, outra das         Em 1994, o inglês Steve Jonhston fundava o Teatro
                                                                                                                                 ao Largo com base num modelo particular de teatro
                         seja”, estando, no entanto, conscientes de               dificuldades que encontramos é o feedback      comunitário itinerante, desenvolvido nos anos 70 na
                                                                                                                                 Cornualha em Inglaterra.
                         que este “é um processo lento e cumulativo”              do nosso trabalho junto da imprensa e
                         e que “só uma persistência obstinada e                   crítica especializada, concentrada nos
                         uma fidelidade constante ao objectivo                    grandes centros e sem facilidade de
                         durante muitos anos, produzirão resultados               deslocação a outros pontos do país. Este       portas à comunidade e desenvolver o seu
                         permanentes”. A Baal 17, a mais recente                  facto continua a alimentar o preconceito       trabalho como associação é neste momento
                         das companhias sustentadas do Alentejo,                  generalizado de que o produto artístico        a sua “luta”.
                         acredita profundamente que a criação                     criado fora das grandes cidades, sobretudo     O círculo é vicioso: os promotores
                         de públicos se faz com a abertura da                     fora da capital, é de algum modo inferior.     compram pouco e compram o que alcança
                         companhia à Comunidade. A postura de                     A este nível, no nosso caso particular, e de   visibilidade dada pela imprensa. Sirva
                                                                                                                                 como mote para incremento das vendas
                       ficar no palco à espera que a sala encha                 certo modo infeliz e ironicamente, temos
                                                                                                                                 de espectáculos ou não, como aumento
                         não é nem pode ser profícua. O trabalho                  encontrado uma resposta muito mais
                         nas escolas, nomeadamente nas escolas                    positiva no estrangeiro do que no nosso        da visibilidade da companhia ou não, o
                         isoladas do concelho, no ensino secundário,              próprio país”.                                 certo é que não pode continuar a ignorar
                         as digressões por localidades onde por                   Para além da dificuldade de afirmação,         que Há Teatro no Alentejo, sobretudo
                         vezes nem os quadros eléctricos aguentam                 não junto da população, das pessoas que        quando o panorama teatral do Alentejo
                         meia dúzia de projectores, o festival cultural           conhecem o seu trabalho, mas junto de          está “a crescer, a solidificar-se e a inovar-se
                         Noites na Nora e mais recentemente a                     quem compra e de quem dá a conhecer,           sobretudo com o surgimento e afirmação
                         Mostra de Teatro Folha Caída têm também                  existe a claro, a maior das dificuldades:      de novas companhias na região”, como
                         esse objectivo, o de revitalizar ou vitalizar o          a financeira, como subscreve o Teatro          sustenta o Teatro do Mar. De futuro, e
                         teatro no interior alentejano.                           do Mar. “Vivemos num país pequeno,             também por “culpa” do Novo Regime
                         À pergunta existe uma forma de fazer                     com imensas restrições económicas,             Jurídico de Apoio às Artes”, o panorama
                         teatro diferente no e para o Alentejo,                   que afectam o nosso principal mercado,         actual, nomeadamente em relação aos
                         comparativamente ao trabalho desenvolvido                constituído essencialmente por Câmaras         apoio concedidos às estruturas, mudará.
           no alentejo




                         pelas Companhias “da capital?, o Teatro                  Municipais. A nossa maior carência actual      Esperemos que para melhor. Esperemos
                         do Mar revela alguma dificuldade em                      é a ausência de um espaço próprio onde         que para um sistema que exija e dê em
AAL DOSSIÊ há teatro




                         responder objectivamente a esta questão.                 possamos apresentar o nosso trabalho, sem      troca.
                         “Há companhias na capital que procuram                   os normais constrangimentos da utilização                                       Sandra Serra
                         apresentar um repertório temático de                     de espaços públicos, que nos condiciona
                         características urbanas e outras não,                    em horários e enquadramentos com outras
                         há companhias descentralizadas que                       programações. Encontrar este espaço, após
                         procuram um teatro vocacionado para                      20 anos de actividade, continua a ser um
                         públicos com menos acesso à cultura, e                   dos nossos maiores objectivos”. Do mesmo
                         outras não têm esse tipo de preocupações.                objectivo “padece” a Baal 17, actualmente
                         é uma questão relativa. No nosso caso,                   com escritório no Cine-Teatro Municipal de
                         optamos por um repertório com temáticas                  Serpa, com uso de palco e de instalações,
                         universais. E, esteticamente, o resultado                sujeitos a constrangimentos. Um espaço
                         do nosso trabalho espelha um pouco a                     próprio onde a Baal 17 possa
                         realidade ambivalente da nossa cidade                    ainda mais
                         de residência, Sines, que tem referências                abrir as
                         urbanas em plena convivência com as                      suas



                         “Ary” é a 17.ª produção da Baal 17, uma companhia
                         que tem como projecto a procura de novas
                         aproximações e perspectivas no teatro como forma
                         de arte, inspirado no sentir das gentes, dos costumes,
                         da terra, criando uma resposta cultural, social e
                         educativa para a região.
BAAL DOSSIÊ nO tEAtRO
EnTRE OS CLÁSSiCOS
E AS nOVAS
DRAMATURGiAS
        Entrevista por Carla Ferreira




                                                                                                                                                       HÁ
                                       Foi a primeira companhia profissional portuguesa a fazer teatro fora da capital,
                                       já lá vão 31 anos. Hoje, o Centro Dramático de Évora (Cendrev), que continua a
                                       ter casa no Teatro Garcia de Resende, tem uma equipa estável e experimentada




                                                                                                                                                          ALEntEjO
                                       que se orgulha do seu papel na formação de um público de “gosto apurado”,
                                       apesar dos recursos financeiros, que se mantêm iguais desde há uma década.
                                       O longo percurso, recorda José Russo, director da estrutura, tem passado por
                                       uma produção própria, sempre muito próxima dos grandes textos da tradição
                                       mundial teatral, mas também por um trabalho na área da programação, que vai
                                       beber à sua rede de relações artísticas. Actualmente, as atenções viram-se para
                                       os autores contemporâneos, de uma forma que nunca tinha sido experimentada
                                       pela companhia – congregando novos dramaturgos, portugueses e espanhóis,
                                       num espaço chamado Encontro de Teatro Ibérico, cuja quarta edição foi
                                       cumprida recentemente.
                                                                                                                                                 
Como avalia o período de vida actual do       actividades culturais na cidade. Desde        no Festival da Folha Caída] é disso um
Cendrev, companhia que foi pioneira, há 31    logo, por via da sua produção. Nós fazemos    exemplo.
anos, na experiência de descentralização      anualmente, em média, cerca de 200            E é também a vossa contribuição para
da actividade teatral? Expansão,              representações, metade das quais em           comemorar o centenário da morte do dra-
estabilidade, maturidade?                     évora, sendo que a outra é espalhada pela     maturgo norueguês…
Expansão é difícil em Portugal, porque        região, pelo País e também um pouco pelo      Sim, essa é outra vertente. Para o ano, por
os meios de que dispomos são muito            estrangeiro. Depois, pelo que organizamos     exemplo, vamos estar envolvidos num pro-
reduzidos. A vontade de expansão, nós         e fazemos acontecer na cidade, quer por       jecto a propósito dos 300 anos do Goldoni.
manifestámo-la em 1990, quando tentámos       via da programação, quer das relações         Estamos ainda a conversar com o Teatro
fazer a fusão com o Teatro da Rainha, daí     que temos com um conjunto de instituições,    Nacional, que nos desafiou para fazer uma
resultando o Centro Dramático de évora        quer ainda das co-produções em que nos        co-produção, em que participa também o
(Cendrev). Isso pressupunha determinados      envolvemos e das relações internacionais      Teatro dos Aloés. Estes projectos também
compromissos do Estado em relação             que temos com um conjunto de estruturas.      são importantes. Estamos num País em que
a projectos e o Estado nunca assumiu          Como têm conseguido equilibrar, ao nível do   a actividade cultural, privada como a nossa,
esses compromissos. Concluindo, nós não       repertório, aquilo que são as preferências    carece muito de espaço público em termos
estamos numa fase de expansão, estamos        de um público contemporâneo com o que         de divulga-
numa fase de estabilização. Há um dado        artisticamente consideram mais oportuno e     ção. O
que para nós é importante: a experiência      relevante em cada momento?                    facto
de muitos anos e uma equipa estável,          Tem havido, nas nossas opções estéticas       de
que é a alma deste projecto. Ao todo,         e dramatúrgicas, uma aproximação clara
somos 24 pessoas, entre actores, técnicos,    à abordagem dos clássicos, dos grandes
administrativos e pessoal auxiliar. é uma     textos da tradição mundial teatral. Somos
estrutura que, tendo em conta a dimensão      das companhias portuguesas que mais
da região, tem algum peso.                    espectáculos de Gil Vicente já montaram
Com três décadas de trabalho junto de uma     – à volta de 18 – ou seja, já percorremos
comunidade, que é a cidade de évora e as      uma boa parte da dramaturgia vicentina.
localidades próximas, é já possível avaliar   Por um lado, Gil Vicente é uma grande
o impacto da vossa actividade na forma-       referência no teatro português e até
ção e fidelização de públicos. O que é que    europeu, e, por outro, permite-nos cumprir
concluem?                                     um objectivo, que é a ligação directa com
Concluímos claramente que évora, hoje,        o público do secundário, um dos nossos
tem um público com uma formação e             públicos alvo. Paralelamente, mas com
um gosto extremamente desenvolvidos,          menos importância, temos abordado
apurados. E isso resulta necessariamente      autores contemporâneos, como Brecht.
de uma actividade regular que a cidade        Este texto que vamos mostrar hoje, do
tem mantido. Nessa medida, o Cendrev          Henrik Ibsen [“Um inimigo do
é um, senão o maior, agente promotor de       povo”, apresentado em Serpa,
aproveitarmos estas efemérides é também        comunitários vinham, cada vez mais,            coisas que não faz porque as condições que
                          no sentido de ver se apanhamos a embala-       a dificultar a existência de projectos a       tem não o permitem. Temos apenas estes
                          gem de alguma coisa, para que possamos         longo prazo, sendo que a nossa escola          núcleo de pessoas e não podemos pensar
                          ter uma outra dimensão.                        funcionava a três anos, o tempo de duração     em contratar mais. Essa é também uma das
                          Vêm também desenvolvendo uma relação           de cada curso. A prova disso é que, nos        razões por que recorremos, neste momento,
                          com Espanha, através do Encontro de Teatro     últimos dois cursos que fizemos, só já         a co-produções. é um problema estrutural.
                          Ibérico…                                       tivemos financiamento para metade dessa        E neste momento há dados que provam que
                          Vamos fazer agora [Dezembro] a quarta          formação. O resto já decorreu de uma forma     as estruturas de cultura contribuem mais
                          edição do Encontro de Teatro Ibérico, que      muito precária, porque foi com base no         para o PIB do que a indústria automóvel. No
                          é já o resultado de um percurso que temos      nosso orçamento.                               entanto, continua a dizer-se que o teatro é
                          vindo a trilhar com algumas estruturas         Pensam retomar esse projecto de formação?      uma actividade subsidiária e o Orçamento
                          espanholas, nomeadamente em Sevilha.           Não, porque a realidade nacional também        de Estado volta a estar nos 0,4 por cento
                          Trata-se de um desafio mais ambicioso,         se alterou, felizmente. Quando se criou a      para a cultura, o que é terrível porque voltá-
                          que já resultou no Fórum Teatral Ibérico,      Escola em évora, só existia o Conservatório    mos para trás.
                          um projecto que junta gente de teatro          e funcionava muito mal. Foi a primeira Es-     Fale-me da vossa próxima peça, “Eunuco de
                          de Espanha – Madrid, Mérida, Sevilha,          cola de Formação de Actores, logo em 1975.     Inês de Castro”, do dramaturgo eborense
                          Badajoz – e de Portugal, não só de évora,      Entretanto, já se constituíram muitas outras   Armando Nascimento Rosa.
                          como também de Lisboa e de outras              escolas. E para nós é muito difícil manter     Essa é uma outra vertente do nosso
                          localidades. é um movimento que estamos        um projecto de formação, nos moldes em         trabalho, que é a de permitirmos que um
                          a fazer em torno das novas dramaturgias,       que o tínhamos, se não houver financia-        dramaturgo se junte a nós durante um ciclo
                          uma vertente nova tal como a estamos a         mento. Já fazemos tanta coisa e a estrutura    de trabalho. Esta é a terceira peça que
                          assumir agora. Nós sempre fomos fazendo        não cresceu, pelo contrário, diminuiu… As      vamos montar deste dramaturgo, nestes
                          autores contemporâneos, mas desta vez          condições económicas são as mesmas de          últimos três anos, e vamos estreá-la agora,
                          estamos a dar-lhe uma atenção particular       há 10 anos; as comparticipações do Estado      no dia 1 de Dezembro. Isto integra-se nesta
                          e a encontrar formas, do ponto de vista da     não aumentaram e as da autarquia também        lógica das novas dramaturgias. Queremos
                          organização e das iniciativas, que possam      não, mantiveram-se. Nós não temos aumen-       abrir também espaço para permitir lançar
                          potenciar e congregar essas dinâmicas          tos na casa há cinco anos…                     nova gente, inclusivamente nesta área da
                          – chamar jovens dramaturgos, trabalhar         Há quem defenda um tratamento diferente,       escrita que, durante muitos anos, esteve
                          com eles, fazê-los juntar uns com os outros,   em termos de financiamento do Estado,          carente em Portugal. Este texto anda à volta
                          juntar portugueses com espanhóis.              para as companhias com longos anos de re-      do mito de Inês de Castro e de D. Pedro, um
                        Os Bonecos de Santo Aleixo vieram trazer       conhecido serviço público, como o Cendrev.     ícone do nosso espaço amoroso português,
                          uma nova dinâmica à vida da companhia,         Concorda?                                      conhecido mundialmente. é uma peça que
                          a partir da década de 80, tanto mais que       Eu penso que, para além da existência dos      se passa hoje, no “País do Mortos” e que
                          foram os impulsionadores também da Bie-        teatros nacionais, no Porto e em Lisboa,       coloca a tónica numa história, mais desco-
                          nal Internacional de Marionetas de évora.      deveria haver uma pequena rede de centros      nhecida, de que fala o Fernão Lopes na sua
                          Alguma vez vão deixar de lhes dar vida?        dramáticos espalhados pelo País. Seriam        crónica. Trata-se da relação amorosa de D.
                          Não é previsível que os deixemos de            três ou quatro estruturas financiadas          Pedro com um seu aio, o Afonso Madeira,
                          representar. Assumimos a responsabili-         de uma outra forma, entre as quais nós         que ele depois mandou capar por causa de
                          dade de fazer essa recuperação – com o         entendemos que o Cendrev deveria estar,        uma relação deste com uma dama.
                          mestre Talhinhas, o último bonecreiro, que     com condições que permitissem desenvol-
                          já faleceu – e agora somos nós que temos       ver estas estruturas, potenciando as suas
                          às costas a responsabilidade de manter         capacidades. O Cendrev, ao longo destes
                                                                                                                        “Um Inimigo do Povo”, de Ibsen, Encenação de António
                          vivo este espólio da nossa cultura popular.    anos, já provou uma série de coisas, e há      Mercado. Fotografia de Paulo Nuno Silva. Cendrev 2006
                          A fórmula que hoje continuamos
            nO ALEntEjO




                          a utilizar já vem de há mais de 20
                          anos. é um grupo de actores da
BAAL DOSSIÊ HÁ tEAtRO




                          companhia, entre os quais eu me
                          incluo, que vai prosseguindo este
                          trabalho, mas se calhar vamos ter
                          que adoptar uma outra fórmula,
                          constituir uma outra família. Esse
                          processo, de alguma maneira,
                          já estamos a fazê-lo. Os últimos
                          alunos da Escola de Formação de
                          Actores de évora já fizeram ate-
                          liers com os Bonecos, assim como
                          os estudantes da Universidade
                          de évora, que estão hoje no curso
                          de Estudos Teatrais. O que quer
                          dizer que já estamos, de alguma
                          maneira, a formar gente à qual
                          possamos recorrer um dia.
                          O que esteve na origem do fim da
                          Escola de Formação de Actores?
                          A escola terminou há quatro
                          ou cinco anos. Funcionava
                          com os dinheiros do Fundo
                          Social Europeu e os quadros
BAAL DOSSIÊ nO tEAtRO
                                                                                                                                               BAAL DOSSIÊHÁ ALEntEjO
A PROPÓSiTO DA
MOSTRA DE TEATRO DE
SAnTO AnDRÉ
A AJAGATO realiza desde há sete anos a                               A AJAGATO, associação juvenil de Amigos do Gato AS é,
                                                                     porventura, a associação/grupo de teatro de amadores




                                                                                                                                                           nO ALentejO
                                                                                                                                                           há teAtrO
Mostra de Teatro de Santo André. O projecto
cresceu e consolidou-se muito por força da                           a desenvolver mais trabalho no Baixo Alentejo. Uma das
adesão do público e do nível de exigência
                                                                     suas principais actividades, a Mostra de Teatro de Santo
que este nos coloca cada vez mais.
Orgulhamo-nos de ter atingido um prestígio
                                                                     André, vive várias dificuldades orçamentais, enquanto
significativo, que hoje nos abre portas para                         “na aldeia onde, há mais de quinhentos anos, Gil
um crescimento ainda maior, sempre dentro                            Vicente nasceu, fazem-se hoje récitas de Natal de uma
das limitações estruturais e financeiras em                          ingenuidade confrangedora…”
que nos movemos. Provámos assim que é
possível sonhar com um grande Festival          que aguardam depois a atribuição dos           Até podemos criar acontecimentos
de Teatro sedeado nesta região e que            subsídios, por vezes com atrasos superiores    episódicos de euforia ou fenómenos
corresponda de facto à dinâmica teatral que     a um ano.                                      sazonais de grande animação, com a
aqui criámos e à necessidade da população       Tudo isto constitui um “colete-de-forças”      vinda de gente de fora para aproveitar as
bem manifestada nos elevados números da         de que não conseguimos sair sozinhos e         ofertas programadas, mas no dia seguinte,
frequência média dos espectáculos.              que não nos permite adequar a qualidade        depois da debandada, o que é que restará?
Mas, no entanto, e apesar da contenção          artística do projecto com a melhoria dos       Podemos despertar entusiasmos mas quem                4
orçamental nos manter dentro de limites         aspectos organizativos e a projecção que já    enquadrará depois essa curiosidade e essa
quase ridículos para uma iniciativa desta       merece e reclama.                              vontade de experimentar?
dimensão, nos últimos anos temos sido           Então o que fazer? Continuar até à exaustão    O objectivo principal é apenas preparar
confrontados com dificuldades acrescidas        este processo, mendigando apoios, batendo      e concretizar Planos de Actividades
de financiamento e de apoio logístico.          a portas fechadas pela insensibilidade         dando o “ar” de grande dinamismo
Depois os processos são muitas vezes            e pelo autismo das instituições que            ou, pelo contrário, provocar com elas o
marcados por grandes burocracias e              confundem a dimensão dos projectos             enriquecimento cultural, a coesão social, o
demoras perfeitamente incompreensíveis!         e metem todos os pedidos no mesmo              reforço da identidade das regiões?
Como compreender, por exemplo, que              saco? Persistir ainda assim teimosamente       Penso que, se queremos realmente elevar
o apoio (dos fundos comunitários) dado          recorrendo às rotinas que liquidam toda a      o nível cultural da população, temos de
ao projecto de animação teatral das             actividade artística?                          fazer opções de fundo e adoptar estratégias
escolas do 1º ciclo, em que há alguns           Estamos numa encruzilhada e teremos de         de desenvolvimento real de dinâmicas
anos envolvemos todo o concelho, um ano         clarificar as condições essenciais para a      consistentes e duradouras. Teremos de
depois de concluído ainda não estivesse         continuação do projecto!                       pensar mais na “Escola” do que na “Festa”,
completamente pago? Como gerir os apoios                                                       na “Sementeira” do que no “Banquete”, na
da autarquia que são atribuídos sem data        Acentua-se cada vez mais a macrocefalia        valorização do “Trabalho” do que no recurso
prevista para a disponibilização efectiva das   cultural deste país, ou pelo menos a           sistemático à “Improvisação”.
verbas e acumulam atrasos sucessivos que        existência de duas divisões distintas.         Não podemos continuar a esgotar os
desvirtuam em muito a sua eficácia? Como        Que política de desenvolvimento cultural       recursos financeiros com actividades
rentabilizar os protocolos de cooperação        queremos afinal para este Portugal B?          do tipo “fogo de vista”, numa política de
assinados em Julho e disponibilizados em                                                       comprar tudo feito, propostas geralmente
Setembro do ano a que respeitam, quando         1.Um desenvolvimento integrado e               seleccionadas com um critério duvidoso e
80% das actividades já estão realizadas?        sustentado, mas também ambicioso               destinadas apenas a assinalar o momento,
Como chegar às verbas que o Estado              e exigente, apoiado nas estruturas             no dia seguinte já cá não estarão e voltamos
disponibiliza para o apoio aos projectos        associativas locais e nas dinâmicas            todos ao mesmo...
culturais, como são os financiamentos           culturais já existentes.                       Entretanto, para consumo interno,
do IPAE, sem uma estrutura de produção          2.Ou uma gestão corrente de iniciativas        alimentamos o ego com as mesmas
qualificada, ou, o que é mais perverso, sem     avulsas, com a comemoração de datas            estafadas iniciativas, esvaziadas de sentido
um padrinho que nos leve pela mão…              mais ou menos importantes onde se escoam       pela própria rotina e pequenez, como
                                                grande parte dos recursos económicos do        acontece nas escolas com as festinhas que
Deste modo, a Mostra fez-se nos dois            erário público?                                teimosamente fazemos duas ou três vezes
últimos anos à custa de um esforço                                                             por ano…
pessoal cada vez maior dos organizadores        Será que basta contratar técnicos e injectar
e da capacidade de financiamento da             dinheiro e meios logísticos num punhado        Na aldeia onde, há mais de quinhentos
Associação que assumiu parte significativa      de iniciativas compradas por catálogo aos      anos, Gil Vicente nasceu, fazem-se hoje
das despesas (em 2006 assegurámos               agentes artísticos nacionais para que a        récitas de Natal de uma ingenuidade
3.157,96€ num valor global de 17.487,96€)       estrutura social e cultural se transforme e    confrangedora…
e adiantando verbas ainda mais elevadas         enriqueça?                                                                       Mário Primo
MÁRiO BARRADAS
                         UM HOMEM nO TEATRO
                                            Actor, encenador, pedagogo, director, Mário Barradas foi, aos 75 anos,
                                            homenageado pelo CENDREV- Centro Dramático de Évora, casa que ele
                                            construi, ainda como Centro Cultural de Évora, em 1975 – era a primeira
                                            companhia da descentralização. Uma descentralização que, de acordo com
                                            Mário Barradas, “nunca resultou em Portugal”. “Um Homem no Teatro” é o
                                            título da monografia que recolhe testemunhos, histórias e memórias de uma
                                            vida ligada ao teatro e sobre a qual a Baalzine conversou com o “velho”.


                                                Mário Barradas nasceu em Ponta Delgada, em 1931.              “desviar a atenção PIDE que naqueles anos andava
                                                Licenciou-se em Direito, na Universidade de Lisboa,           bastante activa”. Em Dili viria a conhecer a sua esposa,
                                                em busca de um curso “mais rentável”. Mas a Arte              Joana Pessoa. “Estava o Mário a dizer a belíssima Ode
                                                Dramática estava-lhe no sangue, desde a altura do             ao Mar de Vitorino Nemésio. Foi amor à primeira vista”,
                                                     liceu, onde começou, “como toda a gente”, mas            recorda Joana Pessoa em “Um Homem no Teatro” na
                                                          “bem”, adverte, com Gil Vicente, Almeida            monografia. Acabou por fundar um grupo de teatro em
                                                           Garret. Aos 22 anos, em Março de 1954,             Timor e levar à cena “A Farsa de Mestre Pathelin”.
                                                           dia da luta anti-colonial, Mário Barradas          Parte para Moçambique, onde abre um consultório de
                                                             seria “empurrado” para a sua primeira            advocacia. “Mas cedo se deu conta de que a advocacia
                                                              encenação, no Clube Marítimo de Lisboa,         não preenchia a alma do Mário Barradas. A sua paixão
       5                                                     com um texto de um poeta guineense              era o teatro”, como revive o amigo António de Almeida
                                                              que “não passou pela censura”.                  Santos, na monografia. Criou o Teatro Amador de
                                                                   “Embora eu não fosse das colónias,         Lourenço Marques (TALM), onde levou à cena 19 peças.
                                                                     era considerado como tal. Em             Numa delas, “A História do Jardim Zoológico”, de
                                                                        Coimbra as pessoas pensavam           Albee, em 1966 – “muito antes de aqui terem descoberto
                                                                             que era Angolano”, recorda       o Albee” – teve a visita especial de Sá Machado, que
                                                                               Mário Barradas.                foi presidente da Gulbenkian e director dos Serviços do
                                                                                Recusou-se a seguir           Ultramar à altura. “Nesse dia ele disse-me: ‘você tem
                                                                                o caminho do teatro           de ir para o teatro, gostei muito do espectáculo’”.
                                                                                 profissional em Portugal,    “Advoguei em Moçambique durante seis anos, até que
                                                                                 “numa malha censória         um dia decidi que não podia ser mais. Não aguentava
                                                                                 muito apertada”, numa        nem o escritório nem o ritmo. Saía dos ensaios à meia-
                                                                                  altura em que, recorda,     noite e ia para o escritório redigir minutas até às três da
                                                                                   “fazer teatro em           manhã. Tratei de tudo, não disse nada nem à família.
           nO ALEntEjO




                                                                                   Portugal era um horror.    Escrevi para Estrasburgo disseram que me aceitavam,
                                                                                  As únicas pessoas que       mas que tinha de lá ir para uma entrevista e prestar
AAL DOSSIÊ HÁ tEAtRO




                                                                                  fizeram algum teatro,       uma prova. Comprei o bilhete de avião e dois dias antes
                                                                                 foram a Amélia Rey           disse à família que ia para Lisboa. Já tinha dois filhos
                                                                                     Colaço e o Robles        pequenos”. Partiu para a escola do Teatro Nacional de
                                                                                     Monteiro que tiveram     Estrasburgo, fonte da descentralização teatral francesa,
                                                                                   a coragem de renovar       como bolseiro da Gulbenkian e onde viria leccionar.
                                                                                 um pouco o repertório        Foi em França que Mário Barradas percebeu o que
                                                                                do teatro português           era a descentralização teatral: “a única maneira de
                                                                              com o Shaskespear e             desenvolver a este nível um País”, mas, “infelizmente,
                                                                             outros. Foram as únicas          em Portugal, nunca ninguém percebeu isso, pelo menos
                                                                            pessoas que tiveram alguma        os governantes”, lamenta.
                                                                             capacidade, sempre com           Em 1917 regressa a Portugal convidado por Madalena
                                                                              muito cuidado e as peças        Perdigão para fazer parte da Experiência Pedagógica
                                                                              vinham cheias de cortes         realizada no Conservatório Nacional, do qual foi
                                                                              da censura. De resto            director entre 1972 e 1974. “Em 1974”, relembra, “julguei
                                                                              recusei-me sempre a ir          que finalmente isto ia mudar”. Um ano mais tarde,
                                                                              para o teatro profissional      em 1975, criava o Centro Cultural de évora, dando-
                                                                              nestas condições”.              se também início ao “processo sinuoso, pejado de
                                                                             Seguiu para Timor, em            contradições e equívocos” da descentralização teatral.
                                                                            cumprimento do serviço            (Mário Barradas, in Adágio, n.15/16).
                                                                            militar, e para o qual se tinha   “Hoje há umas pequenas companhias na província,
                          Mário Barradas.
                          Foto de Paulo Nuno Silva                         oferecido, também, para            não tenho a certeza que as escolhas sejam as mais
Baalzine 04 Final
Baalzine 04 Final
Baalzine 04 Final
Baalzine 04 Final
Baalzine 04 Final

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

O Despertar – 8388 – 12.05.2006
O Despertar – 8388 – 12.05.2006O Despertar – 8388 – 12.05.2006
O Despertar – 8388 – 12.05.2006dinis manuel alves
 
Atos bel setembro 14 09-2012 sexta
Atos bel setembro 14 09-2012 sextaAtos bel setembro 14 09-2012 sexta
Atos bel setembro 14 09-2012 sextabelfordroxo
 
O Centro - n.º 14 – 15.11.2006
O Centro - n.º 14 – 15.11.2006O Centro - n.º 14 – 15.11.2006
O Centro - n.º 14 – 15.11.2006MANCHETE
 
Galeno Amorim: O missionário das Letras
Galeno Amorim: O missionário das LetrasGaleno Amorim: O missionário das Letras
Galeno Amorim: O missionário das LetrasGaleno Amorim
 
Junta de Freguesia de S. Vicente
Junta de Freguesia de S. VicenteJunta de Freguesia de S. Vicente
Junta de Freguesia de S. Vicenteradioff
 
Ano 3 nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011
Ano 3   nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011Ano 3   nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011
Ano 3 nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011inbrasci
 
3.jornal seixal notícia
3.jornal seixal notícia3.jornal seixal notícia
3.jornal seixal notíciacomeniusebvm
 
Nt 100
Nt 100Nt 100
Nt 100cadurj
 
O Centro - n.º 61 – 05.11.2008
O Centro - n.º 61 – 05.11.2008O Centro - n.º 61 – 05.11.2008
O Centro - n.º 61 – 05.11.2008MANCHETE
 

Was ist angesagt? (18)

Tipo Carioca Outubro 2012
Tipo Carioca Outubro 2012Tipo Carioca Outubro 2012
Tipo Carioca Outubro 2012
 
O Despertar – 8388 – 12.05.2006
O Despertar – 8388 – 12.05.2006O Despertar – 8388 – 12.05.2006
O Despertar – 8388 – 12.05.2006
 
Atos bel setembro 14 09-2012 sexta
Atos bel setembro 14 09-2012 sextaAtos bel setembro 14 09-2012 sexta
Atos bel setembro 14 09-2012 sexta
 
O Centro - n.º 14 – 15.11.2006
O Centro - n.º 14 – 15.11.2006O Centro - n.º 14 – 15.11.2006
O Centro - n.º 14 – 15.11.2006
 
Hora do Sul
Hora do SulHora do Sul
Hora do Sul
 
Galeno Amorim: O missionário das Letras
Galeno Amorim: O missionário das LetrasGaleno Amorim: O missionário das Letras
Galeno Amorim: O missionário das Letras
 
Junta de Freguesia de S. Vicente
Junta de Freguesia de S. VicenteJunta de Freguesia de S. Vicente
Junta de Freguesia de S. Vicente
 
Ano 3 nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011
Ano 3   nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011Ano 3   nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011
Ano 3 nº8 - Janeiro Fevereiro Março - 2011
 
Clip 363
Clip 363Clip 363
Clip 363
 
3.jornal seixal notícia
3.jornal seixal notícia3.jornal seixal notícia
3.jornal seixal notícia
 
SINTECT/VP - 56 Novembro
SINTECT/VP - 56 NovembroSINTECT/VP - 56 Novembro
SINTECT/VP - 56 Novembro
 
O Centro - n.º 6
O Centro - n.º 6O Centro - n.º 6
O Centro - n.º 6
 
Coopernoticias ed.02
Coopernoticias ed.02 Coopernoticias ed.02
Coopernoticias ed.02
 
Ed350 30.03.2011
Ed350   30.03.2011Ed350   30.03.2011
Ed350 30.03.2011
 
Ofoco 208
Ofoco 208Ofoco 208
Ofoco 208
 
Nt 100
Nt 100Nt 100
Nt 100
 
323 an 16_março_2011.okok
323 an 16_março_2011.okok323 an 16_março_2011.okok
323 an 16_março_2011.okok
 
O Centro - n.º 61 – 05.11.2008
O Centro - n.º 61 – 05.11.2008O Centro - n.º 61 – 05.11.2008
O Centro - n.º 61 – 05.11.2008
 

Andere mochten auch

Hipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albright
Hipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albrightHipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albright
Hipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albrightadrianomedico
 
Surya Epaper 16 Juni 2013
Surya Epaper 16 Juni 2013Surya Epaper 16 Juni 2013
Surya Epaper 16 Juni 2013Portal Surya
 
Organizaciones inteligentes
Organizaciones inteligentesOrganizaciones inteligentes
Organizaciones inteligentesLBenites
 
Political Economy for Activists : Productivity & Heterodox Economics
Political Economy for Activists : Productivity & Heterodox EconomicsPolitical Economy for Activists : Productivity & Heterodox Economics
Political Economy for Activists : Productivity & Heterodox EconomicsConor McCabe
 
Irish Political Economy: Housing and the Middleman State
Irish Political Economy: Housing and the Middleman StateIrish Political Economy: Housing and the Middleman State
Irish Political Economy: Housing and the Middleman StateConor McCabe
 
Foundation 04: 水的洗礼
Foundation 04: 水的洗礼Foundation 04: 水的洗礼
Foundation 04: 水的洗礼Rick Bruderick
 
Irish Political Economy : GDP
Irish Political Economy : GDPIrish Political Economy : GDP
Irish Political Economy : GDPConor McCabe
 
#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi occasione di crescita e sviluppo
#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi  occasione di crescita e sviluppo#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi  occasione di crescita e sviluppo
#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi occasione di crescita e sviluppoMaurizio Foderà
 
Sinn Fein Rebellion Handbook
Sinn Fein Rebellion HandbookSinn Fein Rebellion Handbook
Sinn Fein Rebellion HandbookConor McCabe
 
Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?
Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?
Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?PRSANational
 
Talent, Technology, Management
Talent, Technology, ManagementTalent, Technology, Management
Talent, Technology, ManagementJawwad Farid
 
Aerospace industry-America's Future draft2013
Aerospace industry-America's Future draft2013Aerospace industry-America's Future draft2013
Aerospace industry-America's Future draft2013Shawn Paul Boike
 

Andere mochten auch (17)

Hipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albright
Hipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albrightHipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albright
Hipertireoidismo relacionado à síndrome de mc cune albright
 
Bo 03 04-2012-21
Bo 03 04-2012-21Bo 03 04-2012-21
Bo 03 04-2012-21
 
Pizza
PizzaPizza
Pizza
 
Surya Epaper 16 Juni 2013
Surya Epaper 16 Juni 2013Surya Epaper 16 Juni 2013
Surya Epaper 16 Juni 2013
 
Organizaciones inteligentes
Organizaciones inteligentesOrganizaciones inteligentes
Organizaciones inteligentes
 
Political Economy for Activists : Productivity & Heterodox Economics
Political Economy for Activists : Productivity & Heterodox EconomicsPolitical Economy for Activists : Productivity & Heterodox Economics
Political Economy for Activists : Productivity & Heterodox Economics
 
Irish Political Economy: Housing and the Middleman State
Irish Political Economy: Housing and the Middleman StateIrish Political Economy: Housing and the Middleman State
Irish Political Economy: Housing and the Middleman State
 
Foundation 04: 水的洗礼
Foundation 04: 水的洗礼Foundation 04: 水的洗礼
Foundation 04: 水的洗礼
 
Irish Political Economy : GDP
Irish Political Economy : GDPIrish Political Economy : GDP
Irish Political Economy : GDP
 
Oi
OiOi
Oi
 
Garden Center - Algarve gardens
Garden Center - Algarve gardensGarden Center - Algarve gardens
Garden Center - Algarve gardens
 
#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi occasione di crescita e sviluppo
#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi  occasione di crescita e sviluppo#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi  occasione di crescita e sviluppo
#OpenGeoData:DATI GEOGRAFICI liberi occasione di crescita e sviluppo
 
Sinn Fein Rebellion Handbook
Sinn Fein Rebellion HandbookSinn Fein Rebellion Handbook
Sinn Fein Rebellion Handbook
 
Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?
Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?
Accredited in Public Relations (APR): Does it serve its purpose?
 
Talent, Technology, Management
Talent, Technology, ManagementTalent, Technology, Management
Talent, Technology, Management
 
Sélection de livres pour la Journée internationale de la femme. Primaire et S...
Sélection de livres pour la Journée internationale de la femme. Primaire et S...Sélection de livres pour la Journée internationale de la femme. Primaire et S...
Sélection de livres pour la Journée internationale de la femme. Primaire et S...
 
Aerospace industry-America's Future draft2013
Aerospace industry-America's Future draft2013Aerospace industry-America's Future draft2013
Aerospace industry-America's Future draft2013
 

Ähnlich wie Baalzine 04 Final

Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012casadobrasil
 
Aroeira Jornal Do Espaço Cultural Mané Garrincha
Aroeira   Jornal Do Espaço Cultural Mané GarrinchaAroeira   Jornal Do Espaço Cultural Mané Garrincha
Aroeira Jornal Do Espaço Cultural Mané GarrinchaMANE
 
Www1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhca
Www1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhcaWww1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhca
Www1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhcamarcossage
 
Apresentacao sabores da terra [somente leitura]
Apresentacao sabores da terra [somente leitura]Apresentacao sabores da terra [somente leitura]
Apresentacao sabores da terra [somente leitura]agro_SEBRAE
 
Boletim X.Pub
Boletim X.PubBoletim X.Pub
Boletim X.Pubjoaopita
 
Coluna Cultura 08 10 12
Coluna Cultura 08 10 12Coluna Cultura 08 10 12
Coluna Cultura 08 10 12Luiz Silva
 
Escrita_na_Paisagem_2011_jornal_programa
Escrita_na_Paisagem_2011_jornal_programaEscrita_na_Paisagem_2011_jornal_programa
Escrita_na_Paisagem_2011_jornal_programaOlga Moreira
 
Histórico da Cia. Boi da Cara Preta
Histórico da Cia. Boi da Cara PretaHistórico da Cia. Boi da Cara Preta
Histórico da Cia. Boi da Cara Pretacasadosartistas
 
Edição março 2010
Edição março 2010Edição março 2010
Edição março 2010Lianeuechi
 

Ähnlich wie Baalzine 04 Final (16)

Clip 363
Clip 363Clip 363
Clip 363
 
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012
 
Aroeira Jornal Do Espaço Cultural Mané Garrincha
Aroeira   Jornal Do Espaço Cultural Mané GarrinchaAroeira   Jornal Do Espaço Cultural Mané Garrincha
Aroeira Jornal Do Espaço Cultural Mané Garrincha
 
Módulo 2015.2
Módulo 2015.2 Módulo 2015.2
Módulo 2015.2
 
Www1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhca
Www1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhcaWww1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhca
Www1 an-com-br jville2001-pg04-htm_yekifhca
 
Apresentacao sabores da terra [somente leitura]
Apresentacao sabores da terra [somente leitura]Apresentacao sabores da terra [somente leitura]
Apresentacao sabores da terra [somente leitura]
 
Folha 91
Folha 91Folha 91
Folha 91
 
Boletim X.Pub
Boletim X.PubBoletim X.Pub
Boletim X.Pub
 
Ed346 02.02.2011
Ed346   02.02.2011Ed346   02.02.2011
Ed346 02.02.2011
 
Coluna Cultura 08 10 12
Coluna Cultura 08 10 12Coluna Cultura 08 10 12
Coluna Cultura 08 10 12
 
Escrita_na_Paisagem_2011_jornal_programa
Escrita_na_Paisagem_2011_jornal_programaEscrita_na_Paisagem_2011_jornal_programa
Escrita_na_Paisagem_2011_jornal_programa
 
Histórico da Cia. Boi da Cara Preta
Histórico da Cia. Boi da Cara PretaHistórico da Cia. Boi da Cara Preta
Histórico da Cia. Boi da Cara Preta
 
Márcio kadá
Márcio kadáMárcio kadá
Márcio kadá
 
Tribuna 1503
Tribuna 1503Tribuna 1503
Tribuna 1503
 
Edição março 2010
Edição março 2010Edição março 2010
Edição março 2010
 
Jvm11 10
Jvm11 10Jvm11 10
Jvm11 10
 

Baalzine 04 Final

  • 1. Tili Tonse MukTadhara Guardar ÁGuas TeaTro no alenTejo MÁrio Barradas Valsa n.º 6 BAALZINE nº 04 dezembro 2006 | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo nº 04 dezembro 2006
  • 2. Colectivo Baal 17: cultura, etc., etc., etc.). Tremendo valor acrescentado para a Da esquerda para a direita: região. Para a sua valorização enquanto espaço moderno. Rui Ramos, Sandra Serra, Com a famosa “massa crítica” presente e cada vez mais a Marco Ferreira, Ana Antão, Rui Garcia, Sónia Botelho. olhar para além da linha de fronteira. Entre eles, pois claro, De pé: Telma Saião e Paulo a gente do Teatro. Essa fauna incomparável. 7 Estruturas Troncão. Profissionais financiadas de forma sustentada pelo Instituto das Artes. Mais 9 outros grupos profissionais. Dezenas de grupos de teatro amador. Um mar de gente neste imenso Alentejo. Gente que teimosamente trava uma luta, por vezes bastante inglória, pelo reconhecimento da pertinência do Teatro, e da cultura claro está, no desenvolvimento do Alentejo. Não só ao nível da transformação de mentalidades, mas também Teatro. Alentejo. Teatro Alentejano? como efectivo desenvolvimento económico. A riqueza Para que serve a arte de Aristóteles numa das regiões mais gerada pelo sector cultural, 2,6% do PIB, supera por exemplo pobres da zona euro? Dinheiros públicos mal gastos nos a riqueza gerada pela indústria automóvel e pelo sector tempos que correm? Ainda se fosse como o La Féria (que imobiliário. Se atendermos ao valor inscrito em orçamento por sinal é alentejano de Vila Nova de São Bento), com de estado para a cultura pelo governo da República casas cheias, Amálias, e sem um cêntimo do orçamento de Portuguesa, 0,47% do PIB, não é necessário dizer mais nada, estado… pois não? Em relação à precariedade dos artistas e demais A cultura constrói-se pela adição e não pela subtracção. profissionais da cultura? Olhemos as palavras do caríssimo Muito menos pela mercantilização ou por qualquer colunista Desbocado Doidinho. E mais não se escreve, por indicador macroeconómico. Nunca a peso. pudor. Uma cultura viva tem, obrigatoriamente, de beber na Felizmente nem tudo são espinhos. comunidade onde se insere. Tem também de olhar para Está a nascer o Sol no Alentejo… o exterior e efectuar uma leitura atenta do mundo. Acima Rui Garcia de tudo tem de contribuir para um saudável [e suportável] desconforto aquando da confrontação com o público – nos P – Caro(a) leitor, tenha um 2007 cheio de Cultura e Teatro. .S. temas, nas formas, nas palavras… Em Festa. Por aqui iremos tentar contribuir para que este Aqui, hoje, neste terço de Portugal, trabalham milhares de nosso desejo se torne realidade. profissionais da cultura (actores, músicos, bailarinos, artistas P II – Um abraço do tamanho do mundo para o Mário .S. plásticos, escritores, produtores culturais, técnicos de Barradas. FICHA TéCNICA 0 Agora Digo eu Évora, abria as portas Propriedade: Baal 7 – Companhia de Teatro na Desbocado Doidinho tem à descentralização Educação do Baixo Alentejo uma amiga cujo filho quer teatral no Alentejo. Hoje, Cine-Teatro Municipal de Serpa ser actor, ou melhor: Um mal são 6 as companhias Apartado 780 Serpa governado. profissionais, sete www.baal7.com delas sustentadas pelo Telefone: 84 549 488 E-mail: baal.7@mail.telepac.pt 04 Baal Diário Ministério da Cultura. ou baalzine@gmail.com Marco Ferreira, na Finlândia, Coordenação: Sandra Serra e Telma Saião, na Índia, 7 BaalTeatro Colaboram nesta edição: Carla Ferreira, Cendrev, relatam na Baalzine, o Caldo Verde é a primeira Marco Ferreira, Pim Teatro, Rui Gracia, Rui Ramos, diário das suas experiências peça de teatro original Teatro ao Largo, Teatro do Mar, Telma Saião, Tiago Fróis, e Vírginia Fróis. profissionais, sociais e de Rui Ramos, director Concepção gráfica: Verónica Guerreiro pessoais. artístico da Baal 7. Bloco d, design comunicação (www.blocod.com) Impressão: Gráfica Comercial, Loulé 06 Baalolhares 9 Baal. com Livros Periodicidade: Sai três vezes por ano Virgínia Fróis, Tiago Fróis Dois livros, duas formas Tiragem: 000 exemplares e Pedro Conceição, da de, também, dizer associação Oficinas do Alentejo. COMPANHIA FINANCIADA POR Convento, deitam olhares à comunidade de oleiras de 0 Baal em Banho Maria Cabo Verde. “A História Maravilhosa da Cidade de Bronze” e 09 Baal Dossiê “Valsa n.º 6”, as novas Há Teatro no Alentejo produções da Baal 7, em Em 975, o Cendrev Banho Maria. – à altura centro Cultural de
  • 3. OS MAL- -GOVERnADOS Por Desbocado Doidinho A minha amiga Filomena tem um filho que quer ser actor. Isto, de um filho, ainda para mais único, querer ser actor é uma desgraça para qualquer mãe. Mas para a Filomena é deveras trágico. - São todos uns mal governados com esta ideia, informou-se e agora podem. Se mete um baixa, metem – diz ela aconselhando o filho diz-me que: todos, que o espectáculo é assim, quando este sonha com o seu futuro - A maior parte das pessoas que tem não pode parar. E mesmo que profissional. esse emprego nunca arranja trabalho pudessem… Eu informei-me. A maior Eu não sei como é no resto do país certo, anda de um lado para o outro, parte trabalha com uma coisa que mas na minha terra “mal governado” trabalha três meses aqui e três meses eles chamam “recibos verdes” que é aquele que não se sabe governar a ali e corre o país de lés-a-lés. é parecido com aquilo que há nas si próprio, que não se sabe orientar - Mas ganham bem, essa é que é auto-estradas, é pra despachar, na vida. essa. Ganham bem e fartam-se de pra não dar chatices. Resultado, a À primeira vista, “mal governado” passear. maior parte daqueles que têm essa poderia ser aquele que vive sob - Qual quê?! Não ganham nada. profissão – actores, se adoecem um mau governo, ou seja, que vive Eu que passo a ferro para fora ficam por conta própria, se o trabalho num país onde o Governo não sabe ganho mais do que ele algum acaba ficam no desemprego, e o governar, que vive portanto num país dia vai ganhar. Sem despesas e desemprego acontece quase sempre mal governado. descansadinha em casa. E se se me de três em três meses ou coisa Mas voltemos à Filomena. Ela sabe acabar a roupa jogo-me a outra coisa que o valha. Estás desempregado? que se o seu filho vier a ser actor, que a mim não há trabalho que me Aqui não há subsídio pra ninguém. não lhe vai pôr os olhos em cima enoje. Mas esses “artistas”?? é como Arranja-te, vai pedir sopa à mãe. E os com muita frequência nos próximos os drogados, quando entram nessa descontos? Ai, não me faças falar!! anos. Mas vai continuar a favorece-lo vida já não podem sair, coitados, não - E porque é que não se organizam? financeiramente por muito tempo. sabem fazer mais nada. E quando Façam greve. Eu cá não sei como é, mas a adoecem? Como é que é? Ahm?? - Tás maluco? Não ouviste nada do Filomena, desde que o filho apareceu - Diz-me tu que eu não sei. Eu que eu disse. Achas que eles vão quando adoeço meto baixa e fico dar-se ao luxo de fazer greve? Já em casa. viste um artista fazer greve? E quem - Metes tu. Achas é que se vai agora importar que este que eles podem ou aquele não trabalhe, o que há meter baixa? mais por aí são outros para ocupar Não o lugar. Se é pra ficar em casa então AGORA DIGO EU que fique desde já. E até te digo mais: acho que se fizessem todos greve ao mesmo tempo ninguém ia reparar. Isto aqui não é o estrangeiro. Isto é um país mal governado. Ai, não era isto que eu queria dizer… Que sei eu de política? Estava a falar da profissão que o meu moço quer ter. Olha, não te digo mais nada, é uma vida pra gente mal governada. Eu não sei se a Filomena tem razão ou não. Parece-me muito estranho que as coisas possam ser assim num país do primeiro mundo como o nosso. Cá para mim é mais uma maluquice da Filomena. Duas Tentações e um pneu furado. Pelo Al-Masrah Teatro, Tavira 2005
  • 4. BAAL DIÁRIO TiLi TOnSE* UniãO PELA DiVERSiDADE “Todo o ser humano é teatro” Augusto Boal Aprender através do Teatro (ou Drama) Finlândia e Lituânia. enchendo de informação e ideologias. Eles é dar a possibilidade de sonhar, de Os valores, a diversidade, as diferentes são vistos como pontos de partida radiantes transcender, superar limites e desbravar línguas e olhares sobre o mundo, as da sua própria aprendizagem, criando novos caminhos em direcção ao culturas e sub-culturas, formaram as suas próprias regras, interpretações conhecimento, identificação e consciência esse conjunto de aprendizagem. Um e modelos de aprendizagem. Só assim o do mundo que nos rodeia. Quando um processo determinado a contribuir para aluno tem a possibilidade de se valorizar, de aluno interpreta uma personagem ou uma educação sustentável assente na se integrar harmoniosamente num grupo, improvisa uma situação, revela uma parte diversidade cultural, onde professor aluno num clima de liberdade onde liberta as de si mesmo, mostra como sente, pensa aprendem juntos, partilham valores e, acima suas potencialidades, expressando os seus e vê o mundo. O Teatro/Drama amplia o de tudo, valorizam o diálogo como a mais sentimentos, explorando todas as formas de seu horizonte, melhora a sua auto-estima e importante ferramenta. comunicação humana, emoções, medos e colabora para um sentido crítico e aberto do O curso (Participatory Drama and sensações, aprendendo com a diversidade mundo em que vive. Aprender com o teatro Education) foi centrado na utilização, e não apenas memorizando as respostas é uma procura de novas interpretações, pesquisa e aplicação de métodos certas. é moldar o nosso pensamento de forma participativos (Process Drama, Participatory a construir novos significados, é usar o approach/research, Future Workshop, Agora, pergunto-me, o que deve então o diálogo no sentido de ser verdadeiro, de não Teatro Fórum, Playback theatre) explorando teatro aprender para transformar-se numa nos trairmos. é usar o coração. a multiculturalidade de valores, costumes arte participativa? Deve partir de nós, 4 e tradições e a utilização de elementos actores, encenadores, professores ou deve Em Setembro de 2006, fui convidado a tradicionais (contos, danças, canções) na ser encontrado no público, nos alunos? participar no projecto Tili Tonse*, um aplicação e desenvolvimento sociocultural O teatro (actores, encenador, público) intercâmbio internacional na Finlândia criando diálogo entre as comunidades. como o conhecemos hoje em Portugal não realizado na Universidade de Ciências Os alunos foram envolvidos num processo representa mais estes valores, não entra Aplicadas de Seinäajoki. Este projecto, de grupo de aprendizagem social e por este caminho. é um teatro desligado. coordenado pelo pedagogo Jouni Piekkari, emocional, aprendendo a negociar, a Porquê? do qual fui assistente e que, anteriormente criar novos significados e soluções, a Sempre me fascinou transportar o teatro trabalhou com a Baal 17 no projecto utilizar argumentos e valores, a partilhar para diferentes contextos e criar novos europeu Drama-a way to social inclusion, pensamentos espirituais, a reflectir espaços estéticos, procurando redescobrir tinha por objectivo estudar e partilhar experiências, a usar a intuição como emoções e vidas. Vejo muitas vezes o teatro diferentes formas artísticas e métodos impulso criativo e outras capacidades a sair para a rua, vejo também o teatro participativos utilizados no desenvolvimento essenciais em processos de educação. numa reunião de família ou num encontro cultural, comunitário e sustentável. Durante três meses aprendi que na de amigos num café. Mas, principalmente, Durante três meses partilhei o meu trabalho, Finlândia o chamado paradigma o que me faz acreditar no teatro é observar a minha cultura, o meu pensamento e construtivista na educação é a base de um como as pessoas se transformam em as minhas emoções com mais de trinta sistema de ensino modelo em que os alunos actores e, transformando-se em actores pessoas de três culturas diferentes: Zâmbia, não são como vasos vazios que se vão das suas vidas, estão a representar de uma
  • 5. forma diferente as suas comunidades. Um das nossas vidas? projecto, em fase piloto, é financiado pela CIMO (Centre for International Mobility), uma organização tutelada cidadão actor consciente desse processo “A grande generosidade está em lutar para pelo Ministério da Educação e Ministério dos Negócios está a contribuir de uma forma criativa que, cada vez mais, essas mãos, sejam de Estrangeiros da Finlândia que encoraja a comunicação transcultural e cooperação entre os chamados países através do teatro para o desenvolvimento homens ou de povos, se estendam menos, do terceiro mundo. O objectivo do programa é estudar da sua comunidade. Quantas são as em gestos de súplica. Súplica de humildes e partilhar as diferentes formas artísticas e métodos participativos utilizados para o desenvolvimento comunidades que ainda intervém desta a poderosos. E se vão fazendo, cada vez cultural, comunitário e sustentável entre os dois países. forma usando as suas próprias tradições? mais, mãos humanas, que trabalhem e O intercâmbio levou à Finlândia seis estudantes da Universidade de Lusaka, um professor de artes Se queremos cultura compramos um bilhete transformem o mundo.” Paulo Freire performativas que trabalharam com os alunos do curso social cultural work/project managment da Universidade para o teatro, para um concerto, cinema, Marco Ferreira* de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e quatro estudantes compramos um CD ou um DVD. Para *Tili Tonse significa, traduzindo à letra – Estamos Juntos, (Erasmus) do Vilnius College da Lituânia. onde nos leva esta cultura globalizada e em Nyanja, uma das cerca de 70 línguas oficias da *Marco Ferreira foi professor assistente convidado Zâmbia. Tili Tonse é também um programa internacional capitalista, onde pagamos a alguém para de intercâmbio criado em parceria entre as Universidades pela Universidade de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e bolseiro para a especialização e valorização profissional cantar, dançar e representar as histórias de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e Helsínquia na da Fundação Calouste Gulbenkian. Finlândia e a Universidade de Lusaka na Zâmbia. O MUkTADHARA – 006 OPRESSãO E JAnAS SAnSkRiTi Cheguei a Calcutá no dia 15 Outubro, com o do Janas Sanskriti, situado num local ter pertencido à Frente Esquerda Indiana, propósito de conhecer e vivênciar o trabalho muito verde um jardim magnífico povoado a política esteve muito presente nas nossas 5 de um Grupo de Teatro do Oprimido Indiano. por famílias – recordo o som do “hello” discussões. E ali, compreendemo-nos, À minha espera, Sajana e Shoto e um cartão das crianças e as suas pequenas mãos respeitamo-nos e percebemos que como que dizia: Janas Sanskriti. estendidas para nos cumprimentar –. Era pessoas de continentes diferentes e culturas Jana Sanskriti é o nome do grupo que chegada a altura de falar com as pessoas distintas, partilhamos o mesmo respeito ao há mais de 20 anos utiliza o teatro como do grupo, conhecer os outros participantes, próximo, e a mesma vontade de mudar o ferramenta de intervenção social. Chega e para perceber que me sentia em casa. mundo. a aldeias isoladas na Índia, e com o povo A Índia estava em preparação para a Festa No final do workshop prepararam-se desenvolve um trabalho para dar voz da Deusa Khali, festa cheia de luzes e muitos apresentações sobre a opressão feita às às suas necessidades, ajudando-os a foguetes (parecia que a índia estava a ser mulheres, a pobreza e a opressão pelo atacada!). Por poder e pela globalização, realizadas numa todo o lado aldeia, numa zona isolada, e onde podemos construíam- presenciar o Grupo a utilizar as técnicas de se grandes Teatro Fórum com os habitantes locais. templos de O dia 22 de Outubro viria a ser um dia Khali, repletos emocionante. Mais de 10 000 pessoas, de flores, maioritariamente mulheres, reivindicando a grandes arte pela opressão do poder, foi sem dúvida tambores e um acontecimento marcante. muita luz. O Festival de Teatro do Oprimido decorreu Foi neste num jardim no centro da cidade de Calcutá. ambiente que Todos os dias o Festival iniciava e terminava se realizou com a apresentação de um grupo de Musica libertarem-se das opressões, trabalho este o Workshop, onde iríamos aprender as (precursão e circo), e a programação bastante significativo com as mulheres técnicas de Teatro do Oprimido utilizadas integrava Grupos de Teatro do Oprimido do AAL DIÁRIO indianas. pelo grupo, e onde participaram 40 pessoas Brasil, Palestina, Áustria e da Índia. Começava assim a master classe sobre vindas da Áustria, França, Espanha, E assim se passaram os dias, e as noites, aquela fantástica zona da Índia – West Alemanha, Reino Unido, Colômbia, em terras da Índia. Assim ficaram as Bengal –; tinha agora também o primeiro Argentina, EUA e Portugal. emoções, os conhecimentos, as reflexões, contacto com a população pobre, naquela Sanjoy, o director do Janas Sankriti, como esta, de Augusto Boal : “Unificação e que é uma das zonas mais intelectuais acompanhado pelo seu “irmão” de luta Uniformização não tem o mesmo significado, da Índia. Durante o percurso de jipe Julian Boal, conduziu o trabalho com a unificação dos povos faz com que se impressionou-me a paisagem com muitas exercícios de dinâmicas de grupo, dança e encontrem pontos comuns mantendo a árvores e grandes lagos, o trânsito caótico, conversas sobre as experiências do trabalho individualidade de cada ser, a uniformização numa estrada de carros, bicicletas, motas, do Grupo nas aldeias e da expansão desta dos povos transforma os indivíduos em autocarros, vacas e pessoas a pé. O fim arte na ajuda da conquista dos direitos a Robots objectivo do imperialismo”. do percurso levou-me ao Centro, a sede quem os reivindica. Pelo facto de Sanjoy Telma Saião
  • 6. BAAL OLHARES PROJECTO ARTÍSTiCO MARCA REiniCiO DA ACTiViDADE OLEiRA “GUARDAR ÁGUAS” Três percursos de autor exploram o mesmo objecto: A comunidade de oleiras, na Vila do Tarrafal, em Cabo Verde. Fotografia, escultura e vídeo por Virgínia Fróis, Tiago Fróis e Pedro Conceição, da associação Oficinas do Convento em Montemor-o-Novo. O “Projecto Guardar Águas” desenvolveu- dar continuidade às práticas da Olaria de visual, Fotografia e Vídeo, cobrindo a -se de 27 de Março a 19 de Setembro de Mulheres e, deste modo, contribuir para a actividade oleira e também o seu contexto 2006, na localidade de Trás os Montes no requalificação da vida desta comunidade. vivencial, assim como o ciclo da cultura Concelho da Vila do Tarrafal, na Ilha de A produção da Olaria revelou a interesse do milho em todas as vertentes que Santiago em Cabo Verde, por Virgínia Fróis. destas mulheres em criar novas formas estão associadas a esta Arte. Tiveram O resultado que aqui mostramos e que se dentro da sua tradição. O trabalho foi particular importância no entendimento apresenta na exposição realizado com a orientação das últimas destas práticas os seguintes aspectos: a O que se apresenta na exposição “Guardar Mestras Oleiras: Pascoalina Borges, adaptação da comunidade ao território, 6 Águas” corresponde aos primeiros Isabel Semedo e Saturnina Tavares, com a sua vivência, a paisagem, a geologia e resultados de um trabalho de Animação idades compreendidas entre os 63 e 74 a situação geográfica no extremo norte Cultural. São três percursos de autor, que anos. A actividade foi retomada nas suas da ilha, um local árido e isolado mas de partilham o mesmo objecto - o território oficinas em Trás os Montes (Trás di Monti), surpreendente beleza. e a comunidade de Oleiras - e a mesma seguindo o modelo tradicional. O reinício O Projecto contou com o apoio da Câmara necessidade de “guardar” a memória de desta actividade, parada há vários anos, Municipal da Vila do Tarrafal (que suportou um modo de vida determinado. As peças permitiu também a 20 jovens mulheres do os custos relativos à formação das oleiras), criadas, as Fotografias, de Tiago Fróis, lugar iniciar a aprendizagem da olaria. A com o aconselhamento e disponibilidade as Esculturas de Virgínia Fróis e o Vídeo, laboração nas oficinas começou no final do director do Centro Cultural Português resultado de um trabalho colectivo de Maio e terminou em Julho, com o início da na Cidade da Praia, e como os apoios Pedro Conceição com os dois criadores já sementeira do milho e da época das portugueses do IA -Instituto das Artes, da referidos, são o resultado desta interacção. chuvas. FCG - Fundação Calouste Gulbenkian e da Esta acção teve como objectivo incentivar e Foi recolhida bastante documentação Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.
  • 7. 7 A exposição “Guardar Águas” Fotografia/Escultura e Vídeo de Virginia Fróis, Tiago Fróis, Pedro conceição e João Bastos, está patente ao público na Galeria Municipal de Montemor-o-Novo e está inserida no projecto “Conversas à Volta das Margens”, iniciativa da Associação Oficinas do Convento. A mostra segue para o Palácio da Cultura Ildo Lobo, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, no dia 5 de Janeiro de 2007. Associação de Arte e Comunicação “Oficinas do Convento” teve início em 1996 e tem a sua sede no Convento de S. Francisco em Montemor-o-Novo. A sua acção desenvolve-se no âmbito das artes, com actividades no âmbito da arte pública, da paisagem e do património natural e arquitectónico. Hoje em dia, a associação conta com três departamentos distintos: Escultura, Música e Imagem. (www.oficinasdoconvento.com).
  • 9. HÁ TEATRO nO ALEnTEJO Desde 1975, com a formação do profissionais sustentadas pelo Cendrev, a primeira companhia da Ministério da Cultura, mais nove não descentralização, o panorama teatral sustentadas, a que se juntam mais no Alentejo tem vindo a crescer, de 20 grupos de teatro de amadores. não só no número de companhias A Baalzine falou com alguns dos profissionais aqui sediadas, intervenientes que têm contribuído como na qualidade do trabalho para o desenvolvimento do teatro no apresentado. Sete companhias Alentejo. SãO SETE AS COMPAnHiAS DE TEATRO SUSTEnTADAS nO ALEnTEJO... MAS HÁ MAiS ExiSTE UMA FORMA 9 DE FAzER TEATRO nO E PARA O ALEnTEJO? Em 1975, o Cendrev, à altura Centro Cultural Mar) e Odemira (Teatro ao Largo). Além das sete de Évora, seria a primeira companhia de teatro companhias sustentadas, trabalham no Alentejo profissional sediada no Alentejo. Depois disso, e outras nove companhias não sustentadas, a grande aberto o caminho à descentralização teatral, várias maioria com sede em Évora (Trimagisto; A Bruxa companhias de teatro foram instalando-se ou criando Teatro; Trulé- Investigação de Formas Animadas; Era raízes na região. Hoje, são sete as companhias uma Vez – teatro de marionetas; e Cépia – Amonte no alentejo de teatro sustentadas pelo Ministério da Cultura Produções), mas também em Moura (Teatro Fórum AAL DOSSIÊ há teatro com sede no Alentejo, nomeadamente em Évora de Mora), Beja (Lêndias d’Encantar), Grândola (Cendrev e Pim Teatro), Portalegre (O Semeador), (Associação Cultural Horas Extraordinárias Teatro de Beja (Arte Pública), Serpa (Baal 17), Sines (Teatro do Grândola) e Odemira (3 em Pipa). Depois do caminho iniciado pelo Cendrev, de desenvolvimento da criatividade, que Com a mudança de década, continuam surgiria, também no Alto Alentejo, em transformem as mentalidades, que alterem a surgir novos projectos teatrais, a Baal Portalegre, “O Semedor”, em 1981, e, a forma de ver e pensar o mundo”, e 17, deitaria semente à terra em Serpa, passados cinco anos, em 1986, seria vez de o Arte Pública, o primeira companhia a no 2000, com o principal objectivo de nascer em Sines, com pessoas de Sines, surgir alargando o seu conceito estético trabalhar o mundo rural como matéria o Teatro do Mar, com o objectivo principal ao das Artes Performativas. Em 1994, pela de criação artística, tornando-se na mais “da promoção, criação e produção mão do inglês Steve Johnston, surgiria nova companhia teatral no Alentejo com teatral particularmente vocacionada o Teatro ao Largo, como “um grupo apoio sustentado por parte do Ministério para jovens audiências”. A década de teatro comunitário para Portugal” e da Cultural. Na cidade de évora, três de 90 foi profícua no aparecimento de fundamentado na firme convicção de que o novos projectos surgiriam com o volver do companhias de teatro, não só no Alentejo teatro profissional pertence a, e pode nutrir, milénio: Trimagisto e Bruxa Teatro, em 2001, como também um pouco por todo o País. cada comunidade, por mais pequena e por e Cépia-Amonte Produções, em 2002. O O ano de 1993 veria nascer o Pim Teatro, mais isolada que seja”. Ainda na década mais recente projecto de teatro profissional com a pura convicção de querer fazer de 90, as companhias Lêndias d’Encantar, a sedar-se no Alentejo, aconteceria em “um teatro capaz de provocar no público em Beja, e 3 em Pipa, em Odemira, juntar- Moura, em 2006, com o Teatro Fórum de experiências estéticas que sejam motor se-iam ao panorama teatral no Alentejo. Moura.
  • 10. BAAL DOSSIÊ nO teAtrO São diversos e variados os objectivos porque uma tem na outra as suas artísticos das companhias de teatro raízes, a sua fonte de vida, a sua razão no Alentejo. Desde a abordagem de existir”. E também por essa razão dos clássicos, à criação de Teatro o PIM- TEATRO “chegou a povoações contemporâneo. Do Teatro “de arte” onde não havia teatro há 30 anos, com ao teatro social. Do meio rural como salas que não tinham as condições objecto de criação artística, às artes técnicas mínimas, onde as crianças performativas. Da itinerância em busca não conheciam os mais elementares da promoção, criação e produção teatral códigos da comunicação teatral e foi pela particularmente vocacionada para jovens continuidade que ajudou a transformar audiências, ao teatro comunitário. estas realidades. Procurou fazer do Centremo-nos então nos objectivos de espectáculo um trampolim para a quatro das sete companhias sustentadas descoberta das suas próprias convenções do Alentejo: Teatro do Mar; Teatro ao e, consequentemente, formar o público há Largo; Pim Teatro e Baal 17, companhias para o teatro de amanhã”. que representam o Baixo Alentejo, o Já o Teatro ao Largo define-se ALentejO Alentejo Litoral e o Alto Alentejo. exactamente como “um grupo de teatro A ligação Companhia/Comunidade comunitário para Portugal”, tendo em que se insere é um elo delicado a sua criação sido fundamentada e dedicado. Quatro companhias “na firme convicção de que o teatro profissionais; quatro identidades profissional pertence a, e pode nutrir, artísticas; variados objectivos; uma cada comunidade, por mais pequena e palavra inerente a todas: Comunidade. por mais isolada que seja. Desde 1994, Talvez aqui resista a diferença entre parte centenas de representações fizeram-se das companhias da descentralização e em recintos públicos: no largo principal, as companhias “da capital”, onde tal elo na festa do Município, na feira de não é procurado. Para o PIM-TEATRO, artesanato, na festa da aldeia - para por exemplo, a ligação à comunidade é os idosos em centros de dia, para as a sua própria razão de existência. “Estar crianças na sala de aula, e para os 0 0 no PIM-TEATRO é mais que trabalhar veraneantes nas estações de veraneio numa companhia, é abraçar um projecto da costa alentejana. Representar nestas “Em 13 anos de trabalho o Pim-Teatro desenvolve um teatro para crianças que não é infantil ou infantilizado mas que, pelo artístico onde a arte e a comunidade situações é um acto de escolha. Como seu valor estético e artístico, é um teatro para todos.” interagem numa relação simbiótica, grupo e como indivíduos dedicamo-nos à ideia de teatro comunitário”. A itinerância, é “o sangue que dá vida ao grupo” que percorre um pouco todo o País, e, em Odemira, o concelho mais vasto do país e também um dos mais despovoados e com a população mais dispersa”, o grupo apresenta anualmente o seu espectáculo itinerante principal nas aldeias, durante o Verão, e visita cada uma das escolas de ensino básico com um espectáculo de Natal”. Na Baal 17 o trabalho com e para a comunidade onde se insere é imperativo. Para além de trabalhar, se bem que não em exclusivo, o mundo rural como matéria de criação artística, a Baal 17, para além das três produções anuais estreadas em Serpa, percorre todo o concelho com as mesmas, desenvolve um Programa de Interacção Teatral Escolar, organiza um Festival Cultural, sempre com o objectivo da intervenção com e na comunidade. E será que esta busca constante da ligação à comunidade pelas companhias, faz com que exista a “força” do desbravar caminhos, levar Com Daimonian, em 2006, o Teatro do Mar alcançou a almejada internacionalização. A companhia radicada em Sines há 20 anos, mantém como objectivo fazer teatro itinerante e para um público jovem.
  • 11. a Arte mais além, lutar para que o teatro tradições e o ruralismo. Mas, o trabalho chegue a todos e a qualquer lugar, tendo final do Teatro do Mar, vocacionado para para isso tantas vezes que trabalhar jovens audiências e para a rua mais sem as condições necessárias ou ideais? particularmente, pode ser entendido por Trazer as pessoas ao Teatro ou levar o públicos de um festival internacional no Teatro às pessoas? estrangeiro, do Centro Cultural de Belém Levar o teatro às pessoas é objectivo em Lisboa ou de qualquer pequena cidade do Teatro ao Largo. De acordo com a do Alentejo”. companhia, o objectivo para os próximos Mas será que persiste a ideia (errónea) de anos é o “de consolidar o seu trabalho na que o Teatro que se faz fora da capital é função de um grupo de teatro comunitário de algum modo inferior? acessível, dedicado a levar espectáculos O Teatro do Mar acredita que se continua de teatro enérgico e estimulante às zonas a alimentar esse preconceito, muito por rurais. O Teatro ao Largo é um projecto a culpa do escasso, para não dizer inexistente longo prazo. O grupo foi fundamentado na feedback do trabalho, por parte da crítica firme convicção de que o teatro profissional e da imprensa. “Tendo em conta que pertence a, e pode nutrir, cada comunidade, somos uma companhia descentralizada por mais pequena e por mais isolada que e itinerante por excelência, outra das Em 1994, o inglês Steve Jonhston fundava o Teatro ao Largo com base num modelo particular de teatro seja”, estando, no entanto, conscientes de dificuldades que encontramos é o feedback comunitário itinerante, desenvolvido nos anos 70 na Cornualha em Inglaterra. que este “é um processo lento e cumulativo” do nosso trabalho junto da imprensa e e que “só uma persistência obstinada e crítica especializada, concentrada nos uma fidelidade constante ao objectivo grandes centros e sem facilidade de durante muitos anos, produzirão resultados deslocação a outros pontos do país. Este portas à comunidade e desenvolver o seu permanentes”. A Baal 17, a mais recente facto continua a alimentar o preconceito trabalho como associação é neste momento das companhias sustentadas do Alentejo, generalizado de que o produto artístico a sua “luta”. acredita profundamente que a criação criado fora das grandes cidades, sobretudo O círculo é vicioso: os promotores de públicos se faz com a abertura da fora da capital, é de algum modo inferior. compram pouco e compram o que alcança companhia à Comunidade. A postura de A este nível, no nosso caso particular, e de visibilidade dada pela imprensa. Sirva como mote para incremento das vendas ficar no palco à espera que a sala encha certo modo infeliz e ironicamente, temos de espectáculos ou não, como aumento não é nem pode ser profícua. O trabalho encontrado uma resposta muito mais nas escolas, nomeadamente nas escolas positiva no estrangeiro do que no nosso da visibilidade da companhia ou não, o isoladas do concelho, no ensino secundário, próprio país”. certo é que não pode continuar a ignorar as digressões por localidades onde por Para além da dificuldade de afirmação, que Há Teatro no Alentejo, sobretudo vezes nem os quadros eléctricos aguentam não junto da população, das pessoas que quando o panorama teatral do Alentejo meia dúzia de projectores, o festival cultural conhecem o seu trabalho, mas junto de está “a crescer, a solidificar-se e a inovar-se Noites na Nora e mais recentemente a quem compra e de quem dá a conhecer, sobretudo com o surgimento e afirmação Mostra de Teatro Folha Caída têm também existe a claro, a maior das dificuldades: de novas companhias na região”, como esse objectivo, o de revitalizar ou vitalizar o a financeira, como subscreve o Teatro sustenta o Teatro do Mar. De futuro, e teatro no interior alentejano. do Mar. “Vivemos num país pequeno, também por “culpa” do Novo Regime À pergunta existe uma forma de fazer com imensas restrições económicas, Jurídico de Apoio às Artes”, o panorama teatro diferente no e para o Alentejo, que afectam o nosso principal mercado, actual, nomeadamente em relação aos comparativamente ao trabalho desenvolvido constituído essencialmente por Câmaras apoio concedidos às estruturas, mudará. no alentejo pelas Companhias “da capital?, o Teatro Municipais. A nossa maior carência actual Esperemos que para melhor. Esperemos do Mar revela alguma dificuldade em é a ausência de um espaço próprio onde que para um sistema que exija e dê em AAL DOSSIÊ há teatro responder objectivamente a esta questão. possamos apresentar o nosso trabalho, sem troca. “Há companhias na capital que procuram os normais constrangimentos da utilização Sandra Serra apresentar um repertório temático de de espaços públicos, que nos condiciona características urbanas e outras não, em horários e enquadramentos com outras há companhias descentralizadas que programações. Encontrar este espaço, após procuram um teatro vocacionado para 20 anos de actividade, continua a ser um públicos com menos acesso à cultura, e dos nossos maiores objectivos”. Do mesmo outras não têm esse tipo de preocupações. objectivo “padece” a Baal 17, actualmente é uma questão relativa. No nosso caso, com escritório no Cine-Teatro Municipal de optamos por um repertório com temáticas Serpa, com uso de palco e de instalações, universais. E, esteticamente, o resultado sujeitos a constrangimentos. Um espaço do nosso trabalho espelha um pouco a próprio onde a Baal 17 possa realidade ambivalente da nossa cidade ainda mais de residência, Sines, que tem referências abrir as urbanas em plena convivência com as suas “Ary” é a 17.ª produção da Baal 17, uma companhia que tem como projecto a procura de novas aproximações e perspectivas no teatro como forma de arte, inspirado no sentir das gentes, dos costumes, da terra, criando uma resposta cultural, social e educativa para a região.
  • 12. BAAL DOSSIÊ nO tEAtRO EnTRE OS CLÁSSiCOS E AS nOVAS DRAMATURGiAS Entrevista por Carla Ferreira HÁ Foi a primeira companhia profissional portuguesa a fazer teatro fora da capital, já lá vão 31 anos. Hoje, o Centro Dramático de Évora (Cendrev), que continua a ter casa no Teatro Garcia de Resende, tem uma equipa estável e experimentada ALEntEjO que se orgulha do seu papel na formação de um público de “gosto apurado”, apesar dos recursos financeiros, que se mantêm iguais desde há uma década. O longo percurso, recorda José Russo, director da estrutura, tem passado por uma produção própria, sempre muito próxima dos grandes textos da tradição mundial teatral, mas também por um trabalho na área da programação, que vai beber à sua rede de relações artísticas. Actualmente, as atenções viram-se para os autores contemporâneos, de uma forma que nunca tinha sido experimentada pela companhia – congregando novos dramaturgos, portugueses e espanhóis, num espaço chamado Encontro de Teatro Ibérico, cuja quarta edição foi cumprida recentemente. Como avalia o período de vida actual do actividades culturais na cidade. Desde no Festival da Folha Caída] é disso um Cendrev, companhia que foi pioneira, há 31 logo, por via da sua produção. Nós fazemos exemplo. anos, na experiência de descentralização anualmente, em média, cerca de 200 E é também a vossa contribuição para da actividade teatral? Expansão, representações, metade das quais em comemorar o centenário da morte do dra- estabilidade, maturidade? évora, sendo que a outra é espalhada pela maturgo norueguês… Expansão é difícil em Portugal, porque região, pelo País e também um pouco pelo Sim, essa é outra vertente. Para o ano, por os meios de que dispomos são muito estrangeiro. Depois, pelo que organizamos exemplo, vamos estar envolvidos num pro- reduzidos. A vontade de expansão, nós e fazemos acontecer na cidade, quer por jecto a propósito dos 300 anos do Goldoni. manifestámo-la em 1990, quando tentámos via da programação, quer das relações Estamos ainda a conversar com o Teatro fazer a fusão com o Teatro da Rainha, daí que temos com um conjunto de instituições, Nacional, que nos desafiou para fazer uma resultando o Centro Dramático de évora quer ainda das co-produções em que nos co-produção, em que participa também o (Cendrev). Isso pressupunha determinados envolvemos e das relações internacionais Teatro dos Aloés. Estes projectos também compromissos do Estado em relação que temos com um conjunto de estruturas. são importantes. Estamos num País em que a projectos e o Estado nunca assumiu Como têm conseguido equilibrar, ao nível do a actividade cultural, privada como a nossa, esses compromissos. Concluindo, nós não repertório, aquilo que são as preferências carece muito de espaço público em termos estamos numa fase de expansão, estamos de um público contemporâneo com o que de divulga- numa fase de estabilização. Há um dado artisticamente consideram mais oportuno e ção. O que para nós é importante: a experiência relevante em cada momento? facto de muitos anos e uma equipa estável, Tem havido, nas nossas opções estéticas de que é a alma deste projecto. Ao todo, e dramatúrgicas, uma aproximação clara somos 24 pessoas, entre actores, técnicos, à abordagem dos clássicos, dos grandes administrativos e pessoal auxiliar. é uma textos da tradição mundial teatral. Somos estrutura que, tendo em conta a dimensão das companhias portuguesas que mais da região, tem algum peso. espectáculos de Gil Vicente já montaram Com três décadas de trabalho junto de uma – à volta de 18 – ou seja, já percorremos comunidade, que é a cidade de évora e as uma boa parte da dramaturgia vicentina. localidades próximas, é já possível avaliar Por um lado, Gil Vicente é uma grande o impacto da vossa actividade na forma- referência no teatro português e até ção e fidelização de públicos. O que é que europeu, e, por outro, permite-nos cumprir concluem? um objectivo, que é a ligação directa com Concluímos claramente que évora, hoje, o público do secundário, um dos nossos tem um público com uma formação e públicos alvo. Paralelamente, mas com um gosto extremamente desenvolvidos, menos importância, temos abordado apurados. E isso resulta necessariamente autores contemporâneos, como Brecht. de uma actividade regular que a cidade Este texto que vamos mostrar hoje, do tem mantido. Nessa medida, o Cendrev Henrik Ibsen [“Um inimigo do é um, senão o maior, agente promotor de povo”, apresentado em Serpa,
  • 13. aproveitarmos estas efemérides é também comunitários vinham, cada vez mais, coisas que não faz porque as condições que no sentido de ver se apanhamos a embala- a dificultar a existência de projectos a tem não o permitem. Temos apenas estes gem de alguma coisa, para que possamos longo prazo, sendo que a nossa escola núcleo de pessoas e não podemos pensar ter uma outra dimensão. funcionava a três anos, o tempo de duração em contratar mais. Essa é também uma das Vêm também desenvolvendo uma relação de cada curso. A prova disso é que, nos razões por que recorremos, neste momento, com Espanha, através do Encontro de Teatro últimos dois cursos que fizemos, só já a co-produções. é um problema estrutural. Ibérico… tivemos financiamento para metade dessa E neste momento há dados que provam que Vamos fazer agora [Dezembro] a quarta formação. O resto já decorreu de uma forma as estruturas de cultura contribuem mais edição do Encontro de Teatro Ibérico, que muito precária, porque foi com base no para o PIB do que a indústria automóvel. No é já o resultado de um percurso que temos nosso orçamento. entanto, continua a dizer-se que o teatro é vindo a trilhar com algumas estruturas Pensam retomar esse projecto de formação? uma actividade subsidiária e o Orçamento espanholas, nomeadamente em Sevilha. Não, porque a realidade nacional também de Estado volta a estar nos 0,4 por cento Trata-se de um desafio mais ambicioso, se alterou, felizmente. Quando se criou a para a cultura, o que é terrível porque voltá- que já resultou no Fórum Teatral Ibérico, Escola em évora, só existia o Conservatório mos para trás. um projecto que junta gente de teatro e funcionava muito mal. Foi a primeira Es- Fale-me da vossa próxima peça, “Eunuco de de Espanha – Madrid, Mérida, Sevilha, cola de Formação de Actores, logo em 1975. Inês de Castro”, do dramaturgo eborense Badajoz – e de Portugal, não só de évora, Entretanto, já se constituíram muitas outras Armando Nascimento Rosa. como também de Lisboa e de outras escolas. E para nós é muito difícil manter Essa é uma outra vertente do nosso localidades. é um movimento que estamos um projecto de formação, nos moldes em trabalho, que é a de permitirmos que um a fazer em torno das novas dramaturgias, que o tínhamos, se não houver financia- dramaturgo se junte a nós durante um ciclo uma vertente nova tal como a estamos a mento. Já fazemos tanta coisa e a estrutura de trabalho. Esta é a terceira peça que assumir agora. Nós sempre fomos fazendo não cresceu, pelo contrário, diminuiu… As vamos montar deste dramaturgo, nestes autores contemporâneos, mas desta vez condições económicas são as mesmas de últimos três anos, e vamos estreá-la agora, estamos a dar-lhe uma atenção particular há 10 anos; as comparticipações do Estado no dia 1 de Dezembro. Isto integra-se nesta e a encontrar formas, do ponto de vista da não aumentaram e as da autarquia também lógica das novas dramaturgias. Queremos organização e das iniciativas, que possam não, mantiveram-se. Nós não temos aumen- abrir também espaço para permitir lançar potenciar e congregar essas dinâmicas tos na casa há cinco anos… nova gente, inclusivamente nesta área da – chamar jovens dramaturgos, trabalhar Há quem defenda um tratamento diferente, escrita que, durante muitos anos, esteve com eles, fazê-los juntar uns com os outros, em termos de financiamento do Estado, carente em Portugal. Este texto anda à volta juntar portugueses com espanhóis. para as companhias com longos anos de re- do mito de Inês de Castro e de D. Pedro, um Os Bonecos de Santo Aleixo vieram trazer conhecido serviço público, como o Cendrev. ícone do nosso espaço amoroso português, uma nova dinâmica à vida da companhia, Concorda? conhecido mundialmente. é uma peça que a partir da década de 80, tanto mais que Eu penso que, para além da existência dos se passa hoje, no “País do Mortos” e que foram os impulsionadores também da Bie- teatros nacionais, no Porto e em Lisboa, coloca a tónica numa história, mais desco- nal Internacional de Marionetas de évora. deveria haver uma pequena rede de centros nhecida, de que fala o Fernão Lopes na sua Alguma vez vão deixar de lhes dar vida? dramáticos espalhados pelo País. Seriam crónica. Trata-se da relação amorosa de D. Não é previsível que os deixemos de três ou quatro estruturas financiadas Pedro com um seu aio, o Afonso Madeira, representar. Assumimos a responsabili- de uma outra forma, entre as quais nós que ele depois mandou capar por causa de dade de fazer essa recuperação – com o entendemos que o Cendrev deveria estar, uma relação deste com uma dama. mestre Talhinhas, o último bonecreiro, que com condições que permitissem desenvol- já faleceu – e agora somos nós que temos ver estas estruturas, potenciando as suas às costas a responsabilidade de manter capacidades. O Cendrev, ao longo destes “Um Inimigo do Povo”, de Ibsen, Encenação de António vivo este espólio da nossa cultura popular. anos, já provou uma série de coisas, e há Mercado. Fotografia de Paulo Nuno Silva. Cendrev 2006 A fórmula que hoje continuamos nO ALEntEjO a utilizar já vem de há mais de 20 anos. é um grupo de actores da BAAL DOSSIÊ HÁ tEAtRO companhia, entre os quais eu me incluo, que vai prosseguindo este trabalho, mas se calhar vamos ter que adoptar uma outra fórmula, constituir uma outra família. Esse processo, de alguma maneira, já estamos a fazê-lo. Os últimos alunos da Escola de Formação de Actores de évora já fizeram ate- liers com os Bonecos, assim como os estudantes da Universidade de évora, que estão hoje no curso de Estudos Teatrais. O que quer dizer que já estamos, de alguma maneira, a formar gente à qual possamos recorrer um dia. O que esteve na origem do fim da Escola de Formação de Actores? A escola terminou há quatro ou cinco anos. Funcionava com os dinheiros do Fundo Social Europeu e os quadros
  • 14. BAAL DOSSIÊ nO tEAtRO BAAL DOSSIÊHÁ ALEntEjO A PROPÓSiTO DA MOSTRA DE TEATRO DE SAnTO AnDRÉ A AJAGATO realiza desde há sete anos a A AJAGATO, associação juvenil de Amigos do Gato AS é, porventura, a associação/grupo de teatro de amadores nO ALentejO há teAtrO Mostra de Teatro de Santo André. O projecto cresceu e consolidou-se muito por força da a desenvolver mais trabalho no Baixo Alentejo. Uma das adesão do público e do nível de exigência suas principais actividades, a Mostra de Teatro de Santo que este nos coloca cada vez mais. Orgulhamo-nos de ter atingido um prestígio André, vive várias dificuldades orçamentais, enquanto significativo, que hoje nos abre portas para “na aldeia onde, há mais de quinhentos anos, Gil um crescimento ainda maior, sempre dentro Vicente nasceu, fazem-se hoje récitas de Natal de uma das limitações estruturais e financeiras em ingenuidade confrangedora…” que nos movemos. Provámos assim que é possível sonhar com um grande Festival que aguardam depois a atribuição dos Até podemos criar acontecimentos de Teatro sedeado nesta região e que subsídios, por vezes com atrasos superiores episódicos de euforia ou fenómenos corresponda de facto à dinâmica teatral que a um ano. sazonais de grande animação, com a aqui criámos e à necessidade da população Tudo isto constitui um “colete-de-forças” vinda de gente de fora para aproveitar as bem manifestada nos elevados números da de que não conseguimos sair sozinhos e ofertas programadas, mas no dia seguinte, frequência média dos espectáculos. que não nos permite adequar a qualidade depois da debandada, o que é que restará? Mas, no entanto, e apesar da contenção artística do projecto com a melhoria dos Podemos despertar entusiasmos mas quem 4 orçamental nos manter dentro de limites aspectos organizativos e a projecção que já enquadrará depois essa curiosidade e essa quase ridículos para uma iniciativa desta merece e reclama. vontade de experimentar? dimensão, nos últimos anos temos sido Então o que fazer? Continuar até à exaustão O objectivo principal é apenas preparar confrontados com dificuldades acrescidas este processo, mendigando apoios, batendo e concretizar Planos de Actividades de financiamento e de apoio logístico. a portas fechadas pela insensibilidade dando o “ar” de grande dinamismo Depois os processos são muitas vezes e pelo autismo das instituições que ou, pelo contrário, provocar com elas o marcados por grandes burocracias e confundem a dimensão dos projectos enriquecimento cultural, a coesão social, o demoras perfeitamente incompreensíveis! e metem todos os pedidos no mesmo reforço da identidade das regiões? Como compreender, por exemplo, que saco? Persistir ainda assim teimosamente Penso que, se queremos realmente elevar o apoio (dos fundos comunitários) dado recorrendo às rotinas que liquidam toda a o nível cultural da população, temos de ao projecto de animação teatral das actividade artística? fazer opções de fundo e adoptar estratégias escolas do 1º ciclo, em que há alguns Estamos numa encruzilhada e teremos de de desenvolvimento real de dinâmicas anos envolvemos todo o concelho, um ano clarificar as condições essenciais para a consistentes e duradouras. Teremos de depois de concluído ainda não estivesse continuação do projecto! pensar mais na “Escola” do que na “Festa”, completamente pago? Como gerir os apoios na “Sementeira” do que no “Banquete”, na da autarquia que são atribuídos sem data Acentua-se cada vez mais a macrocefalia valorização do “Trabalho” do que no recurso prevista para a disponibilização efectiva das cultural deste país, ou pelo menos a sistemático à “Improvisação”. verbas e acumulam atrasos sucessivos que existência de duas divisões distintas. Não podemos continuar a esgotar os desvirtuam em muito a sua eficácia? Como Que política de desenvolvimento cultural recursos financeiros com actividades rentabilizar os protocolos de cooperação queremos afinal para este Portugal B? do tipo “fogo de vista”, numa política de assinados em Julho e disponibilizados em comprar tudo feito, propostas geralmente Setembro do ano a que respeitam, quando 1.Um desenvolvimento integrado e seleccionadas com um critério duvidoso e 80% das actividades já estão realizadas? sustentado, mas também ambicioso destinadas apenas a assinalar o momento, Como chegar às verbas que o Estado e exigente, apoiado nas estruturas no dia seguinte já cá não estarão e voltamos disponibiliza para o apoio aos projectos associativas locais e nas dinâmicas todos ao mesmo... culturais, como são os financiamentos culturais já existentes. Entretanto, para consumo interno, do IPAE, sem uma estrutura de produção 2.Ou uma gestão corrente de iniciativas alimentamos o ego com as mesmas qualificada, ou, o que é mais perverso, sem avulsas, com a comemoração de datas estafadas iniciativas, esvaziadas de sentido um padrinho que nos leve pela mão… mais ou menos importantes onde se escoam pela própria rotina e pequenez, como grande parte dos recursos económicos do acontece nas escolas com as festinhas que Deste modo, a Mostra fez-se nos dois erário público? teimosamente fazemos duas ou três vezes últimos anos à custa de um esforço por ano… pessoal cada vez maior dos organizadores Será que basta contratar técnicos e injectar e da capacidade de financiamento da dinheiro e meios logísticos num punhado Na aldeia onde, há mais de quinhentos Associação que assumiu parte significativa de iniciativas compradas por catálogo aos anos, Gil Vicente nasceu, fazem-se hoje das despesas (em 2006 assegurámos agentes artísticos nacionais para que a récitas de Natal de uma ingenuidade 3.157,96€ num valor global de 17.487,96€) estrutura social e cultural se transforme e confrangedora… e adiantando verbas ainda mais elevadas enriqueça? Mário Primo
  • 15. MÁRiO BARRADAS UM HOMEM nO TEATRO Actor, encenador, pedagogo, director, Mário Barradas foi, aos 75 anos, homenageado pelo CENDREV- Centro Dramático de Évora, casa que ele construi, ainda como Centro Cultural de Évora, em 1975 – era a primeira companhia da descentralização. Uma descentralização que, de acordo com Mário Barradas, “nunca resultou em Portugal”. “Um Homem no Teatro” é o título da monografia que recolhe testemunhos, histórias e memórias de uma vida ligada ao teatro e sobre a qual a Baalzine conversou com o “velho”. Mário Barradas nasceu em Ponta Delgada, em 1931. “desviar a atenção PIDE que naqueles anos andava Licenciou-se em Direito, na Universidade de Lisboa, bastante activa”. Em Dili viria a conhecer a sua esposa, em busca de um curso “mais rentável”. Mas a Arte Joana Pessoa. “Estava o Mário a dizer a belíssima Ode Dramática estava-lhe no sangue, desde a altura do ao Mar de Vitorino Nemésio. Foi amor à primeira vista”, liceu, onde começou, “como toda a gente”, mas recorda Joana Pessoa em “Um Homem no Teatro” na “bem”, adverte, com Gil Vicente, Almeida monografia. Acabou por fundar um grupo de teatro em Garret. Aos 22 anos, em Março de 1954, Timor e levar à cena “A Farsa de Mestre Pathelin”. dia da luta anti-colonial, Mário Barradas Parte para Moçambique, onde abre um consultório de seria “empurrado” para a sua primeira advocacia. “Mas cedo se deu conta de que a advocacia encenação, no Clube Marítimo de Lisboa, não preenchia a alma do Mário Barradas. A sua paixão 5 com um texto de um poeta guineense era o teatro”, como revive o amigo António de Almeida que “não passou pela censura”. Santos, na monografia. Criou o Teatro Amador de “Embora eu não fosse das colónias, Lourenço Marques (TALM), onde levou à cena 19 peças. era considerado como tal. Em Numa delas, “A História do Jardim Zoológico”, de Coimbra as pessoas pensavam Albee, em 1966 – “muito antes de aqui terem descoberto que era Angolano”, recorda o Albee” – teve a visita especial de Sá Machado, que Mário Barradas. foi presidente da Gulbenkian e director dos Serviços do Recusou-se a seguir Ultramar à altura. “Nesse dia ele disse-me: ‘você tem o caminho do teatro de ir para o teatro, gostei muito do espectáculo’”. profissional em Portugal, “Advoguei em Moçambique durante seis anos, até que “numa malha censória um dia decidi que não podia ser mais. Não aguentava muito apertada”, numa nem o escritório nem o ritmo. Saía dos ensaios à meia- altura em que, recorda, noite e ia para o escritório redigir minutas até às três da “fazer teatro em manhã. Tratei de tudo, não disse nada nem à família. nO ALEntEjO Portugal era um horror. Escrevi para Estrasburgo disseram que me aceitavam, As únicas pessoas que mas que tinha de lá ir para uma entrevista e prestar AAL DOSSIÊ HÁ tEAtRO fizeram algum teatro, uma prova. Comprei o bilhete de avião e dois dias antes foram a Amélia Rey disse à família que ia para Lisboa. Já tinha dois filhos Colaço e o Robles pequenos”. Partiu para a escola do Teatro Nacional de Monteiro que tiveram Estrasburgo, fonte da descentralização teatral francesa, a coragem de renovar como bolseiro da Gulbenkian e onde viria leccionar. um pouco o repertório Foi em França que Mário Barradas percebeu o que do teatro português era a descentralização teatral: “a única maneira de com o Shaskespear e desenvolver a este nível um País”, mas, “infelizmente, outros. Foram as únicas em Portugal, nunca ninguém percebeu isso, pelo menos pessoas que tiveram alguma os governantes”, lamenta. capacidade, sempre com Em 1917 regressa a Portugal convidado por Madalena muito cuidado e as peças Perdigão para fazer parte da Experiência Pedagógica vinham cheias de cortes realizada no Conservatório Nacional, do qual foi da censura. De resto director entre 1972 e 1974. “Em 1974”, relembra, “julguei recusei-me sempre a ir que finalmente isto ia mudar”. Um ano mais tarde, para o teatro profissional em 1975, criava o Centro Cultural de évora, dando- nestas condições”. se também início ao “processo sinuoso, pejado de Seguiu para Timor, em contradições e equívocos” da descentralização teatral. cumprimento do serviço (Mário Barradas, in Adágio, n.15/16). militar, e para o qual se tinha “Hoje há umas pequenas companhias na província, Mário Barradas. Foto de Paulo Nuno Silva oferecido, também, para não tenho a certeza que as escolhas sejam as mais