1. M27892 Gab. Des. Francisco Oliveira Neto
Apelação Cível ns. 0900139-96.2015.8.24.0020, 2015.092124-3, 0900139-
96.2015.8.24.0020, de Criciúma
Relator: Desembargador Francisco Oliveira Neto
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. ADMI-
NISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DE-
SAFETAÇÃO DE ÁREA RESERVADA A EQUIPAMENTOS
COMUNITÁRIOS, INTEGRADAS AO PATRIMÔNIO MUNI-
CIPAL POR MEIO DE LOTEAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
EXEGESE DO ART. 17 DA LEI N. 6.766/79, QUE PROÍBE
OS LOTEADORES DE DAR DESTINAÇÃO DIVERSA À-
QUELAS ÁREAS. OBJEÇÃO QUE SE ESTENDE AOS MU-
NICÍPIOS. DEVER DO ENTE MUNICIPAL DE FISCALIZAR
O USO ADEQUADO DA PROPRIEDADE E PLANEJAR O
DESENVOLVIMENTO URBANO, QUE TAMBÉM DIZ RES-
PEITO AOS PRÓPRIOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚ-
BLICA.
"Retirou-se de modo expresso o poder dispositivo do lo-
teador sobre as praças, as vias e outros espaços livres de
uso comum do povo ( art. 17 da Lei 6766/79), mas, de modo
implícito vedou-se a livre disposição desses bens pelo Muni-
cípio. Este só teria liberdade de escolha, isto é, só poderia
agir discricionariamente nas áreas do loteamento que desa-
propriasse e não naquelas que recebeu a título gratuito. Do
contrário, estaria o Município se transformando em Município-
loteador através de verdadeiro confisco de áreas, pois rece-
beria as áreas para uma finalidade e, depois, a seu talante
as destinaria para outros fins” (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito ambiental brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2000, p. 400).
ATO ADMINISTRATIVO DO PODER EXECUTIVO. LEI
N. 5.337/09 QUE AUTORIZOU A DESAFETAÇÃO E A
CONCESSÃO DE DIREITO DE USO REAL DE ÁREA PÚ-
BLICA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. LEI DE
EFEITOS CONCRETOS, QUE PODE SER INVALIDADA EM
PROCEDIMENTO COMUM.
As leis e os decretos de efeitos concretos "podem ser
invalidados em procedimentos comuns, em mandado de se-
gurança ou em ação popular porque já trazem em si os re-
sultaberações individualizadas revestindo a forma anômala
de lei ou decreto. Tais são, p. ex., as leis que criam Municí-
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pio, as que extinguem vantagens dos servidores públicos, as
que concedem anistia fiscal e outras semelhantes. Assim
também os decretos de desapropriação, de nomeação, de
autorização etc.". Desta forma, evidenciando-se qualquer i-
legalidade nos atos administrativos, o Poder Judiciário é au-
torizado a intervir nestes casos quando provocado, pois a ele
"é permitido perquirir todos os aspectos de legalidade e le-
gitimidade para descobrir e pronunciar a nulidade do ato ad-
ministrativo onde ela se encontre, e seja qua for o artifício
que a encubra" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito adminis-
trativo brasileiro. 37ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2011. p. 766 e 762).
SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA.
APELO E REMESSA DESPROVIDOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
0900139-96.2015.8.24.0020, da comarca de Criciúma 2ª Vara da Fazenda em
que é Apelante Município de Criciúma e Apelado Ministério Público do Estado de
Santa Catarina.
A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unâni-
me, negar provimento ao recurso e à remessa. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Des. Francisco Oliveira Neto, Sérgio Roberto Baasch Luz e Cid Goulart.
Florianópolis, 13 de junho de 2017.
Desembargador Francisco Oliveira Neto
RELATOR
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação civil interposta pelo Município de Criciúma
contra sentença que, prolatada nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Mi-
nistério Público, julgou procedente em parte o pedido formulado na inicial, nos
seguintes termos:
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado
na inicial, para:
I) declarar a nulidade da desafetação concretizada pela Lei Municipal
6.426/2014 e, consequentemente, declarar a irregularidade do desmembra-
mento pretendido para a área em litígio, o qual deve ser cancelado;
II) determinar que o réu interrompa qualquer obra no terreno em questão
e, consequentemente, recupere o referido lote, mediante a realização de projeto
elaborado por profissional habilitado, dando-lhe a destinação original.
Sem custas (art. 33 do Regimento de Custas e Emolumentos do Estado
de Santa Catarina) e honorários (art. 128, § 5º, II, a, da CR).
Em reexame necessário."
O Município alegou que a permuta não trouxe prejuízo ou lesão ao
erário, porquanto o imóvel permutado foi utilizado para expansão industrial. De-
fendeu que, nos termos do art. 30, I e II, da CF, detém competência para legislar
sobre assuntos de interesse pessoal e suplementar a legislação federal e esta-
dual, com intuito de ordenar o seu espaço urbano. Nestes termos, postulou a re-
forma da sentença (fls. 147/153).
O Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 157/163).
A Douta Procuradoria opinou pelo conhecimento e desprovimento
do recurso e da remessa necessária.
VOTO
1. O recurso e a remessa, antecipe-se, devem ser desprovidos.
Na hipótese em análise, extrai-se dos autos que, o Município réu,
por meio da Lei Municipal n. 6.426/14 autorizou a desafetação de terreno urbano,
designado por área de utilidade pública, localizado no "Loteamento São João",
com área total de 10.716,94 m².
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Importante salientar que o pedido de desafetação da área de utili-
dade pública está fundamentado na suposta carência por parte do Município de
Criciúma de "áreas públicas disponíveis em condições de receber novas empre-
sas, aliado as dificuldades hoje existentes de adquiri-las, em virtude, da valori-
zação imobiliária sofrida nos últimos tempos."
Desse modo, a matéria posta nos autos trata da viabilidade ou não
de desafetação de áreas verdes, decorrente de loteamentos, destinadas a equi-
pamentos públicos, para permuta de outro imóvel pertencente ao réu, de modo a
viabilizar a expansão industrial.
Destaca-se, por oportuno, que a desafetação trata-se "fato adminis-
trativo pelo qual um bem público é desativado, deixando de servir à finalidade
pública anterior" (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Admi-
nistrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 1.055).
Sobre a obrigatoriedade de instituir áreas destinadas a sistemas de
circulação, bem como acerca da incorporação compulsória de tais áreas ao pa-
trimônio municipal, dispõem os arts. 4º, I, 17 e 22, todos da Lei n. 6.766/79, que:
"Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes re-
quisitos:
I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equi-
pamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, se-
rão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou apro-
vada por lei municipal para a zona em que se situem".
"Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas
destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do
projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada
pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de cadu-
cidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as
exigências do Art. 23 desta Lei."
"Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o do-
mínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do
memorial descritivo".
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Com efeito, inobstante a autonomia do ente municipal em dispor e
gerir os seus bens, e a atribuição constitucional de "promover, no que couber, a-
dequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do
parcelamento e da ocupação solo urbano" (art. 30, VIII, CFRB), este Tribunal tem
entendido que é possível, mediante interpretação teleológica e sistemática da
norma, que a proibição de dar destinação diversa àquelas áreas (art. 17) seja
estendida aos Municípios, pois não teria sentido impor uma restrição de cunho
ambiental e urbanística somente aos loteadores particulares.
Aliás, neste sentido, colhe-se da jurisprudência desta Corte:
"A questão de fundo diz com a perquirição quanto à sua finalidade legal,
em especial quanto à autonomia da Administração Municipal para alterar a
destinação do bem público, depois de incorporado a patrimônio do Município,
por força do disposto no art. 22, da Lei 6.766/79, pois o seu art 17 não pode ser
interpretado isoladamente, mas sim em conjunto com os artigos 4º, 22 e 28 do
mesmo diploma legal. Não se mostra cabível que o Município, após receber
gratuitamente áreas de uso comum, por decorrência de norma legal expressa
neste sentido, delas dispor da forma que melhor lhe aprouver, em afronta ao
disposto no caput, do art. 225, da CF/88" (TJSC, Agravo de Instrumento n.
2008.040128-2, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Cid Goulart, j. 18-08-2009).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADMINISTRA-
TIVO - ÁREA DOADA POR PARTICULAR, AO MUNICÍPIO DE JOINVILLE,
QUANDO DA INSTITUIÇÃO DE LOTEAMENTO, PARA USO COMUM - DI-
REITO PERTENCENTE À COLETIVIDADE - EXEGESE DA LEI FEDERAL N.
6.766/79 - DESAFETAÇÃO - FINALIDADE DIVERSA - IMPOSSIBILIDADE -
RECURSO DESPROVIDO
'Quando o artigo 17 da Lei Federal nº 6766/79 afirma que não pode o lo-
teador alterar a destinação da área reservada, não está dirigindo-se apenas a
ele e sim, à Municipalidade, que a recebe para a finalidade descrita, sendo sua
obrigação respeitar, por força de lei, a vontade do mencionado loteador. Ele cria
uma verdadeira instituição no loteamento, que deve prevalecer em benefício do
povo, para seu uso comum, sendo despiciendo dissertar aqui sobre a importân-
cia das áreas verdes na preservação da qualidade da vida urbana, dado aos
constantes argumentos que se fazem a respeito desse tema, que acabou sendo
de notório conhecimento (fl. 261)' (REsp 77721/SP, Ministro João Otávio de
Noronha, DJ em 24.3.2003, p. 164)'' (TJSC, Agravo de Instrumento n.
2008.019061-9, de Joinville, rel. Des. José Volpato de Souza, j. 11-03-2010).
No mesmo norte, extrai-se dos ensinamentos de Paulo Affonso Le-
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me Machado:
“Retirou-se de modo expresso o poder dispositivo do loteador sobre as
praças, as vias e outros espaços livres de uso comum do povo ( art. 17 da Lei
6766/79), mas, de modo implícito vedou-se a livre disposição desses bens pelo
Município. Este só teria liberdade de escolha, isto é, só poderia agir discricio-
nariamente nas áreas do loteamento que desapropriasse e não naquelas que
recebeu a título gratuito. Do contrário, estaria o Município se transformando em
Município-loteador através de verdadeiro confisco de áreas, pois receberia as
áreas para uma finalidade e, depois, a seu talante as destinaria para outros fins”
(Direito Ambiental Brasileiro. São paulo: Malheiros, 2001, p. 400).
Percebe-se, assim, que a responsabilidade do Município de fiscali-
zar o uso adequado da propriedade e planejar o desenvolvimento urbano, para
que possam ser garantidas condições de bem-estar social e ambiental também
diz respeito a seus próprios atos, devendo, para dar efetividade ao cumprimento
das regulamentações urbanísticas e ambientais, também se abster da prática de
atos lesivos e observar as suas obrigações de fazer ou não fazer insculpidas na
legislação, incluindo aí preservar as áreas verdes e de equipamentos comunitá-
rios, visando cumprir o disposto no art. 225, da Constituição Federal:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações.”
Desta forma, ainda que a destinação diversa da área tenha sido
autorizada pela Lei Municipal n. 6.426/14, em regra, não pode ser permitido de-
sígnio absolutamente diverso daquela anteriormente definida, sob pena de tal
conduta servir como uma chancela ao descumprimento das disposições da Lei
Federal n. 6.766/79.
Sobre o assunto, colhe-se da jurisprudência desta Corte:
"ADMINISTRATIVO - DESAFETAÇÃO - ÁREA DO LOTEAMENTO DES-
TINADA A ESPAÇO VERDE E INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS COMUNI-
TÁRIOS - IMPOSSIBILIDADE
'O poder discricionário do Executivo tem seus limites contornados pela
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Constituição Federal, cumprindo ao Judiciário, quando provocado, decidir sobre
a caracterização de desvio de finalidade do ato administrativo. 'Pauta-se pelo
princípio da proporcionalidade o exame do mérito do ato administrativo, deven-
do-se respeitar a discricionariedade da Administração até o momento em que
se transgride o razoável, traduzindo o ato manifesta lesão ao interesse público.
'Não pode a permuta de imóveis ser tratada como mera inversão financeira, u-
ma vez que não envolve o dispêndio de dinheiro mas a cessão de bem imóvel
integrante do patrimônio público. 'A área cedida ao Município quando da reali-
zação de loteamento, por força do art. 4º da Lei de Parcelamento do Solo, em-
bora passe a integrar o patrimônio público, vincula-se ao interesse da ocupação
racional e organizada daquela fração do espaço urbano. Serve, assim, à pre-
servação de áreas de lazer, ao respeito ao meio ambiente e ao acesso comu-
nitário aos serviços essenciais prestados pelo Poder Público. Inviável, por con-
seguinte, a transferência de tal área à propriedade privada' (AC n.
2002.011186-0, Des. Pedro Manoel Abreu) ' (...) "(TJSC, Agravo de Instrumento
n. 2008.017276-9, de Joinville, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 28-06-2011).
A Lei n. 6.426/14 autorizou promoveu a "desafetação total da área
de utilidade pública, medindo 10.716,94m² (dez mil, setecentos e dezesseis me-
tros quadrados e noventa e quatro decímetros quadrados), situada no Lotea-
mento São João, na Rodovia Antônio Darós, do Bairro São João, nesta cidade,
registrado sob a matrícula nº 85.310, do 1º Oficio de Registro de Imóveis de Cri-
ciúma – SC" (fl. 3).
Destaca-se que tal área refere-se àquela prevista no artigo 4º da Lei
Federal n. 6.766/79, a qual arrola os requisitos urbanísticos mínimos dos lotea-
mentos, tal como áreas destinadas ao sistema de circulação, a implantação de
equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público,
que, por sua vez, deverão ser proporcionais à densidade de ocupação prevista
para gleba.
Para justificar a permuta, o ente alega que a desafetação e entrega
do imóvel em questão (área decorrente de loteamento) era imprescindível para
para o desenvolvimento econômico da cidade, pois nela seria implementada a
expansão industrial:
"Em função do Município estar carente de áreas públicas disponíveis em
condições de receber novas empresas, aliado as dificuldades hoje existentes
em adquiri-las, em virtude, da valorização imobiliária sofrida nos últimos tem-
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pos, vislumbramos em aproveitar estas oportunidades quando determinadas á-
reas são destinadas ao Município, transformando as em áreas industriais, des-
de que não haja prejuízo ou agressão ao meio ambiente, pois, encontra-se in-
serida dentro de um loteamento destinado somente a industrias, que com cer-
teza tornar-se-á uma nova opção para atrair investimentos e consequentemente
desenvolvimento econômico, bem como competir em igualdade de condições
com outros Municípios que oferecem estes benefícios."
Todavia, para tal fim (utilização do terreno para implantação de em-
presas) não se pode admitir a desafetação do bem cedido o Município em razão
da Lei n. 6.766/79.
A infração à lei somente se justificaria na hipótese de o ente neces-
sitar especificamente daquele imóvel para efetuar diretamente um melhoramento
à municipalidade, tal qual a ampliação de uma escola, porque o terreno é vizinho
a dela, por exemplo. Neste caso poder-se-ia admitir sobpesar direitos.
Aliás, como bem consignou o magistrado sentenciante,
"Naturalmente se reconhece a relevância da expansão industrial, bem como seus
benefícios diretos e indiretos à sociedade. Também se reconhece o esforço do
Município no sentido de viabilizar novas áreas para a instalação de indústrias.
Todavia, isso não serve de escusa ao cumprimento da lei, in casu, dar à á-
rea integrada ao patrimônio público a destinação prevista quando da apro-
vação do loteamento, sob pena de se ferir o princípio da legalidade, basilar
da administração pública."
Ademais, eventual ampliação do parque industrial da cidade poderá
ser feito por meio de desafetação de outras áreas públicas, sem ofensa à Lei n.
6.766/79, ou ainda pelo uso do instituto da desapropriação por utilidade pública.
Desse modo, a sentença deve ser integralmente mantida, no senti-
do de reconhecer a ilegalidade da desafetação.
Por fim, quanto à possibilidade de requerer a declaração de incons-
titucionalidade de lei em sede de ação civil pública, em que pese o entendimento
do magistrado a quo, o STF entende que é possível a declaração incidental de
inconstitucionalidade de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público,
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contanto que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas como
causa de pedir:
"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECLA-
RAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI DISTRITAL. A-
ÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SU-
PREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES.
1. Não usurpa a competência desta nossa Corte a declaração incidental
de inconstitucionalidade de lei distrital, proferida em ação civil pública. Especi-
almente quando não demonstrado que o objeto do pedido era tão-somente a
inconstitucionalidade da lei.
2. Agravo regimental desprovido" (AI 557291 AgR, rel. Min. Ayres Britto,
Segunda Turma, j. 28.9.10)
Contudo, no caso em exame, a declaração de inconstitucionalidade
não seria útil ou necessária, sendo prescindível a aplicação dos arts. 480 e 481
do CPC. Isso porque a Lei Municipal n. 6.426/14 está sujeita ao controle de le-
galidade, ou seja, aferição da sua validade em face da Lei Federal n. 6.766/79 e
não em face da própria Constituição.
Segundo Hely Lopes Meirelles, "podem ser invalidados em proce-
dimentos comuns, em mandado de segurança ou em ação popular porque já
trazem em si os resultaberações individualizadas revestindo a forma anômala de
lei ou decreto. Tais são, p. ex., as leis que criam Município, as que extinguem
vantagens dos servidores públicos, as que concedem anistia fiscal e outras se-
melhantes. Assim também os decretos de desapropriação, de nomeação, de
autorização etc." (Direito administrativo brasileiro. 37ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2011. p. 766).
Nesta alheta, este Tribunal decidiu:
"ATO ADMINISTRATIVO - PODER EXECUTIVO - REVISÃO JUDICIAL -
POSSIBILIDADE É certo que o Judiciário não pode definir o critério de conve-
niência ou de oportunidade com relação aos atos praticados no exercício de
competência discricionária do Executivo. Porém, tratando-se de omissão que
compromete a eficácia e a integridade de normas cogentes, as quais invaria-
velmente deveriam ser observadas e cujo cumprimento deveria ser exigido, jus-
tificável a interferência para fazer valer a diretiva constitucional da obrigação de
'proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas'
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(CF, art. 23, VI". (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.017276-9, de Joinville,
rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 28-06-2011).
E mais, "ao Poder Judiciário é permitido perquirir todos os aspectos
de legalidade e legitimidade para descobrir e pronunciar a nulidade do ato admi-
nistrativo onde ela se encontre, e seja qua for o artifício que a encubra"
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2011. p. 762).
Sendo assim, verificando-se que a Lei Complementar n. 6.426/14
trata-se de ato materialmente administrativo, correta a sentença que decidiu pela
cessação dos efeitos concretos da norma e dos negócios jurídicos envolvendo a
concessão de direito real de uso das áreas de terra descritas na inicial.
Logo, a sentença deve ser mantida
2. Ante todo o exposto, o voto é para negar provimento aos re-
cursos e à remessa.
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