O documento descreve uma pesquisa sobre o Concertino para Clarineta e Orquestra de Félix Guerrero. Após encontrar uma gravação da obra, a pesquisadora procurou as partituras, que não foram encontradas em Cuba. Com a ajuda do clarinetista Paquito D'Rivera, conseguiu cópias da partitura geral e das partes individuais da orquestra. A gravação corresponde ao único registro profissional da obra, realizado em 1970 sob a regência do compositor.
1. Entrevista:
Eduardo Pecci
A clarineta nas
universidades
brasileiras
Um panorama
no ensino superior
do instrumento
ClarinetAnº2 dezembro 2016
ISSN 2526-1169www.revistaclarineta.com.br
2.
3. 4
7
9
16
24
28
40
42
46
50
52
54
Editorial
O Concertino para Clarinete y orquestra
de Félix Guerrero: um relato de pesquisa
porPatriciaPerez, LuisAfonsoMontanha
e GilmarJardim.
Artigo: Vicente Alexim: obras para clarineta
por Thiago Lopes.
Carlos Gomes e sua emblemática contribuição
ao repertório brasileiro para clarineta
por Jailson Raulino
A Clarineta Convida: A odontologia
e a jornada artística de um músico
por Alexandre de Alcântara.
A Presença da Clarineta nas IES Brasileiras
por Vinícius de Sousa Fraga e Joel Luís Barbosa
Sigsmund Neukomm
por Monica Isabel Lucas
Entrevista Eduardo Pecci ( Lambari)
por Daniel Oliveira e Sérgio Burgani
A Revolução do Clarone no Brasil:
uma atualização
por Luis Afonso Montanha tradução: Bruno Ghirardi
Publi editorial:
Diogo Maia fala sobre acessórios
Lançamentos
Dica do Mestre
Nuno Silva50
40
26
ClarinetAnº2 dezembro 2016
ISSN 2526-1169www.revistaclarineta.com.br
4. Editorial
4
Prezados colegas e leitores,
Nossa revista Clarineta segue com seu segundo número
em 2016, o que nos enche de orgulho especialmente se
considerarmos as dificuldades que todos nós tivemos de
transpor durante esse ano. Talvez por conta disso, nesse
número, passado e presente se encontram, evidenciando
facetas muito singulares, o que nos mostra que a socie-
dade por vezes anda às voltas de si mesma na sua trans-
formação através do tempo.
Na nossa seção de artigos, a clarinetista Patricia Perez
e os professores Gilmar Roberto Jardim e Luis Afonso
Montanha nos apresentam resultados parciais de
uma pesquisa em andamento. Em O Concertino
para Clarineta y Orquestra de Felix Guerrero: um
relato de pesquisa, os autores apresentam uma obra
desse importante compositor e arranjador de Havana, e
que mescla elementos jazzísticos e da música tradicional
cubana. Em Vicente Alexim: obras para clarineta,
Thiago de Araújo Lopes faz um relato sobre a produção
desse clarinetista e compositor carioca, que conta com
diversas obras para clarineta. O autor demonstra parte
do processo de criação dessas obras através das palavras
do próprio Alexim. Na seção “A Clarineta Convida” dessa
edição, o dentista Alexandre de Alcântara analisa em
Odontologiaeajornadaartísticadeummúsicoalguns
dos fatores que podem interferir na performance do
músicosobaóticadaodontologia.Jánamatériadecapa,
intitulada A presença da clarineta nas Instituições de
EnsinoSuperiorbrasileiras,osclarinetistasJoelBarbosa
e Vinícius de Sousa Fraga buscam entender um pouco
melhor de que forma ocorre a presença do instrumento
nessas instituições. Para isso, eles aplicaram um questio-
nário de agosto a dezembro a 37 professores de clarineta
de 32 instituições, que gentilmente forneceram os dados
utilizados nessa análise. Os resultados demonstram que
não só a manutenção desses cursos, mas a solidificação
das suas práticas são fundamentais para o crescimento
da oferta deles pelo país.
Essaediçãocontaaindacomduasmatériasespecialmen-
te solicitadas a colegas nossos referentes à dois marcos
históricos importantes para a clarineta no Brasil que
comemoramos em 2016. Em Sigismund Neukomm,
a musicóloga e clarinetista Mônica Lucas nos fala um
pouco sobre este compositor austríaco, comemorando os
duzentos anos de sua chegada ao Brasil. Aluno destacado
de Joseph Haydn, Neukomm (1778-1858) foi o precursor
de obras de música de câmara no país, além de um difu-
sordeobrasdopróprioHaydneMozartnacortecarioca,
compondoaindadiversasobrasemqueaclarinetafigura
em formações camerísticas e orquestrais. Em 2016 tam-
bém foi celebrado os cento e oitenta anos de nascimento
e cento e vinte de morte do compositor campineiro Antô-
nio Carlos Gomes (1836-1896). Por isso, em Carlos Go-
mes e sua emblemática contribuição ao repertório
brasileiro para clarineta, o clarinetista Jailson Raulino
mostra um pouco do relacionamento do compositor com
a clarineta e tece uma análise sobre a sua obra Air para
clarineta e piano.
Na entrevista desse número, o clarinetista e saxofonista
EduardoPecci,oLambari,conversoucomnossoseditores
Daniel de Oliveira e Sérgio Burgani, falando um pouco
sobre a rotina de trabalho em orquestras de rádio e te-
levisão, além de seu encontro fortuito com Villa-Lobos,
dentre muitas outras coisas. Na seção sobre o clarone, o
artigo A Revolução do Clarone no Brasil: uma atua-
lização de Luis Afonso Montanha é apresentado numa
tradução de Bruno Ghirardi, revisado e atualizado pelo
autor. Montanha mostra que o clarone passou cada vez
mais a ganhar espaço no cenário brasileiro, com prati-
cantes empenhados na sua execução com técnicas especí-
ficas para o instrumento, a criação de novos repertórios,
três encontros nacionais, além do surgimento previsto
para 2018 do primeiro curso de graduação em clarone
pela USP. Por fim, na “Dica do Mestre” dessa edição, o
clarinetista português Nuno Silva traz um interessante
estudo com harmônicos.
Diferentes experiências compõem assim esse número da
revista Clarineta. O ontem e o hoje que se tocam para nos
mostrarqueempartenossosdilemassãosemelhantesaos
dilemadeoutrosnopassado;ainconstâncianaatividade
profissional, as idas e vindas de projetos em que o aporte
financeiro subitamente é cortado, as dificuldades em
encontrar materiais e informação de qualidade, as limi-
tações de mercado que terminam moldando a atividade
profissional. E o presente é o espelho do passado mais do
que nunca quando vemos nossas opções de trabalho em
péssimas condições, como as orquestras brasileiras que
enfrentam contingenciamento de verbas absurdos, e
mesmo com vagas de trabalho sendo ameaçadas e fecha-
das, como a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. A
ausência de perspectiva sem dúvida pode minar o com-
prometimento dos alunos e, consequentemente, é funda-
mental que nos organizemos e estabeleçamos um espaço
de debate sobre essas questões. Nosso diálogo deve ser no
sentido de expor, cada vez mais, nossas necessidades e de
estreitar relações com nossos colegas distantes nesse país
continental.
Essa é nossa meta e buscaremos isso cada vez mais nesse
espaço.
Sejam todos bem vindos!
Os editores.
5.
6. ClarinetA
Ficha técnica:
Editores e Idealizadores: Daniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Joel Luis
Barbosa(UFBA,Salvador), SergioBurgani(UNESP,SãoPaulo),ViníciusdeSousaFraga(UFMT,Cuiabá)
Corpo Editorial Nacional: Amandy Bandeira de Araujo (UFRN, Natal), Cristiano Alves (UFRJ,
Rio de Janeiro), Fernando José Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Garbosa (UFSM, Santa
Maria), Iura Resende (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino (UFPE,
Recife),JohnsonMachado(UFG,Goiânia),LuísA.E.Afonso-Montanha(USP,SãoPaulo),MarcoAntonio
ToledoNascimento(UFC,Sobral),MarcosCohen(OrquestraSinfônicadoTeatroNacionalCláudioSantoro,
Brasília), MaurícioLoureiro(UFMG,BeloHorizonte),MônicaIsabelLucas(USP,SãoPaulo),PedroRobatto
(UFBA,Salvador),RicardoDouradoFreire(UnB,Brasília),RobertoCésarPires(CDMCC,Tatuí).
Conselho Consultivo Nacional: André Erlich (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Augusto
Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto
Alegre), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Eduardo Gonçalves dos Santos
(FAMES, Vitória), Flávio Ferreira da Silva (UFAL, Maceió), Glória Subieta (Amazonas Filarmônica,
Manaus), Jairo Wilkens (Orquestra Sinfônica de Campinas, Campinas), Jonatas Zacarias (Conservatório
Pernambucano de Música, Pernambuco), João Paulo Araujo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio
de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná,
Curitiba), Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Nivaldo Orsi
(Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Ovanir Buosi (Orquestra Sinfônica do Estado de
São Paulo, São Paulo), Rosa Barros (IFG, Goiânia), Thiago Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio
de Janeiro)
Conselho Editorial e Consultivo Internacional:
FabienLerat(NEOJIBA,Salvador/França),HenriBok(SolistaInternacional,Holanda),NunoPinto(Escola
SuperiordeMúsicaeArtesdoEspectáculo, Portugal),NunoSilva(EscoladeMúsicadoConservatórioNacional,
Academia Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar
(Banda da Armada, Portugal)
Design e ilustrações : Marcelo Pitel
UFBA
PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃOPROFISSIONAL
EM MÚSICA
Apoio Institucional
7. DuranteoresgatedosregistrosdeáudiodoclarinetistacubanoJuanJorgeJunco
(1913-2001)em2009,conservadosnoarquivodaemissoraderádioCMBF(Rádio
Musical Nacional de Cuba, especializada na música de concerto) em Havana,
foi encontrada a gravação do Concertino para clarinete em Sib y orquesta (1967) do
compositor cubano Félix Guerrero (1916-2001). Até esse momento, eram poucos
os dados que a autora tinha da obra. Sabia-se, no entanto, da dedicatória ao
clarinetistaanteriormentecitado(JUNCO,1986)edodestaquepelasdificuldades
técnicas para o instrumento solista, apreciadas sobretudo em duas cadências. Na
escuta, percebia-se que na composição estavam presentes elementos populares
vinculadosàmúsicadetradiçãocubanaeaoJazz.Ainterpretaçãoeraencaradaem
certosmomentosdemaneiraestrita(talvezpelasdemandastécnicas)eemoutros
deformamaisdescontraída(pelocaráterdeimproviso),exigindoassimdosolistae
daorquestraversatilidadeduranteaperformance.
O interesse por detalhar a escrita da obra depois desta primeira audição levou
à procura das partituras, processo no qual foram consultados familiares e colegas
tanto do compositor quanto do clarinetista a quem tinha sido dedicada a obra
(ambosfalecidosàépoca).Consultaram-setambémasbibliotecasdoConservatorio
AmadeoRoldánedoInstitutoSuperiordeArte(ISA)emHavana,instituiçõesnasquais
ambosministraramaulas.Finalmente,procurou-senoarquivodaOrquestaSinfónica
NacionaldeCuba(OSNC),querealizouaestreiaeaprimeiragravaçãonosanos1969
OConcertino
paraclarineteyorquestra
deFélixGuerrero:
umrelatodepesquisa
Patricia Pérez Brito1 ,
Luis Afonso Montanha, Gilmar Roberta Jardim
1 Patricia Pérez Brito é doutoranda
da USP com a orientação de Gilmar
Roberto Jardim e co-orientação de Luís
Antônio Eugênio Afonso.
artigo
7
8. e1970(JUNCO,1984).Apesardoconhecimentodaobrapelaspessoasabordadas,
edamesmaconstarnoregistrodoarquivodaOSNC,porémcomonomerasurado,
as partituras do Concertino não foram encontradas. A essa situação somou-se a
ausênciadequalquerediçãooupublicaçãofac-símile,eorumordequeaspartituras
originais haviam sido destruídas pelo compositor, junto com várias outras obras
de sua autoria durante um episódio de decepção com a situação política do país.
Portanto, a probabilidade do desaparecimento de qualquer registro em partitura
da obra no meio musical havaneiro ia se afirmando. Desta forma, direcionou-se a
procura das partituras fora do país e, somente após contatar o clarinetista cubano
PaquitoD´Rivera(Havana,1948),residentenosEstadosUnidosdesdeosanos1980,
conseguiu-seumacópiadapartituraoriginalgeraldoConcertino(presenteadapelo
própriocompositor)eumacópiadaspartiturasindividuaisdaorquestra,transcritas
a partir de uma encomenda realizada por D´Rivera a um copista panamenho que
residia em Caracas (RIVERA, 2011). Sem conhecimento das possíveis razões do
desaparecimentodaobraemHavana,D´Riveradisponibilizouseumaterialpessoal
paraodesenvolvimentodesteestudo.
A gravação do Concertino encontrada na emissora CMBF provavelmente
corresponde à cópia do único registro fonográfico profissional deste, realizado
por meio da Empresa de Gravaciones y Ediciones Musicales de Cuba (EGREM)
(JUNCO, 1984), com a participação da OSNC e a regência do próprio compositor
em 1970. Essa informação não consta no atual catálogo da EGREM, porém foi
confirmadaporPaquitoD´Rivera,integrantedaorquestranaépoca(RIVERA,2011).
Aos questionamentos gerados pelas dificuldades de acesso, tanto à partitura
como à gravação da obra no seu país de origem, acrescentou-se o interesse por
algumasinconsistênciasidentificadasduranteumarevisãogeraldestasfontesepor
novosdetalheseinformaçõesquesurgiramnamedidaemquesefoiinvestigando,
como por exemplo, a constatação de que o Concertino é a única peça desta época
(século XX), nesse gênero e formação (concerto em movimento único para
clarineteeorquestrasinfônica).
Referências
JUNCO, J, J. Apuntes para la historia del clarinete. Cuba: Editorial Pueblo y
Educación,)1986.
JUNCO,J,J.SemblanzaArtística.Manuscrito:1984.
RIVERA,P.Mensagensdecorreioeletrônicoàautora.2011.
*EstetrabalhoparticipoudoXXVICongressodaANPPOMnamodalidadede
Pôster,emBH-MinasGerais,agosto2016.
*Linkparaaaudiçãodapeça:https://youtu.be/M52HVvl6bHg
artigo
8
9. VicenteAlexim:ObrasparaClarinetaThiago de Araújo Lopes
artigo
1. Vicente Alexim
Existe um grande mosaico étnico e cultural no Brasil, e a música brasileira
foi e é influenciada por essa multiplicidade de ideias, conceitos e até mesmo
valores. Hoje, pode-se desfrutar das mais diversas visões expostas por nos-
sos “inventores de música” (STRAVINSKY, 1996, p. 55). Carlos Gomes, Heitor
Villa-Lobos, Mozart Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda e até mesmo es-
trangeiros como Ernst Mahle, que migraram para o Brasil e aqui fixaram resi-
dência,sãoexemplosdecompositoresqueatravésdassuasvertentescompo-
sicionais, contribuíram de forma significativa para a discussão e a divulgação
da música de concerto brasileira.
Nascido em 16 de setembro de 1987, natural do Rio de Janeiro, Vicente
Alexim Nunes da Silva1
é um clarinetista, compositor e arranjador que vem
se destacando no panorama artístico musical do Brasil e do exterior. Tom
Moore2
(2009), se referindo ao clarinetista e compositor, comenta: “Alexim
é um solista fabuloso que tocou sua obra de memória, uma peça de escrita
impressionante para a clarineta e alguns bons momentos para a orquestra,
(...) alguém com esse nível de técnica e imaginação deve ir longe3
.”
Vicente iniciou seus estudos de música tocando flauta doce no conjunto
de música brasileira “Flautistas do Pró Arte” (atual orquestra de sopros da
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo apresentar um estudo sobre a obra para
clarineta de Vicente Alexim. A metodologia utilizada se deu a partir de entrevistas com o
compositor, revisão de literatura, pesquisa bibliográfica e documental. O catálogo de obras
docompositoraindaémodestonoquetangeàquantidade,masexpressivoemrelaçãoàqua-
lidadecomposicional,adequaçãoaoinstrumentoeàinstrumentaçãoescolhida.Asobrassão
aquiapresentadasdemaneiracronológicaecomentadasparaorientarclarinetistasepesqui-
sadoresinteressadosnorepertórioenocompositorqueseencontraemfrancaatividade,me-
recendosuaobrapesquisaeatualizaçãoconstante.
Palavras-chave: Vicente Alexim. Clarineta. Música Brasileira.
Vicente Alexim: Works for Clarinet
Abstract: This work aims to present a research on the compositions for clarinet by
Vicente Alexim. The chosen methodology was based upon interviews with the compo-
ser, bibliographic and documental research, and the works discussed here are presented
in chronological order. Mr. Alexim is a young composer and his output is not very large,
however, it is significant to the clarinet repertoire.
Keywords: Vicente Alexim. Clarinet. Brazilian Music.
1 As informações pessoais sobre Vicente
Alexim e os comentários sobre as com-
posições apresentadas neste capítulo
foram fruto de entrevistas semiestru-
turadas realizadas com o clarinetista
e compositor entre janeiro e junho de
2014.
2 Chefe do Departamento de Som e
Imagem da Green Library, Florida
International University.
3 Alexim is a brilliant and unflappable
soloist who performed his work from
memory. It is a piece with impressive
writing for the clarinet and some
nice moments for the orchestra
[…] someone with this level of both
technique and imagination should go
far. Disponível em: <http://cvnc.org/
reviews/2009/112009/Bienal.html>.
Acessado em: 20.02.2014.
9
10. artigo
PróArte), para, alguns anos depois, começar seus estudos de clarineta. Teve
suas primeiras aulas com o professor Carlos Alberto Soares e, logo em se-
guida, passou a ser aluno do clarinetista Paulo Moura. Ao final desse perí-
odo, Vicente prestou vestibular para o curso de Bacharelado em Clarineta
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na classe do professor Cristiano
Alves, tendo iniciado seu curso em 2006.
Paralelamente ao Bacharelado em Clarineta, Vicente iniciou o Bachare-
lado em Composição, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), na classe dos professores Marcos Lucas4
e Caio Senna5
, porém
não chegou a graduar-se em Composição.
Antes mesmo de ingressar na UNIRIO, Vicente foi incentivado pela fa-
mília a explorar suas habilidades composicionais, uma vez que as aulas de
teoria musical que recebera desde a infância forneceram ao músico as fer-
ramentas necessárias para que pudesse externalizar as suas curiosidades
nesta área.
2. Obras para clarineta
Alexim possui obras para variadas formações, porém, a sua concomitante
atividadecomoclarinetistafezcomqueeledestinasseconsiderávelatenção
ao seu próprio instrumento, trazendo assim, relevantes contribuições para
o catálogo de obras da clarineta. Mesmo sendo brasileiro, a sua produção
não possui traços nacionalistas ou regionais, o que não diminui em nada a
importância das suas criações.
No ano de 2007, veio a primeira composição estreada pelo próprio com-
positor, “Linha para clarineta solo”:
Escrita como uma obra curta, despretensiosa, para cla-
rineta solo. A idéia era criar uma música com uma função
similar à da Melodia, do Osvaldo Lacerda, ou do Prelúdio,
do Penderecki. A peça começa com um motivo que resolve
na nota Sol. Ao longo da obra, esse mesmo motivo reaparece
várias vezes, com diferentes alterações, mas sem a resolução.
Duas tentativas são feitas de apresentar e resolver esse motivo
naregiãoagudadoinstrumento,semsucesso.Apósasegunda
tentativa, a nota de resolução aparece no registro mais grave,
finalizando a obra.
Após a obra supracitada, Alexim compôs “Tema e Variações” para clari-
neta e piano:
Tema e Variações também foi escrita em 2007. O professor
Marcos Lucas pediu-nos que escrevêssemos um tema com va-
riações para piano. Eu adicionei a clarineta para poder me
envolver na execução da peça. A idéia foi escrever uma música
empolgante e virtuosística. Estreei esta peça na UNIRIO, no
mesmo ano ou no ano seguinte, com o pianista Pablo Panaro.
4 Compositor e professor da UNIRIO.
5 Compositor e professor da UNIRIO.
10
11. No ano de 2008 nasceu a obra “Concerto para Clarineta e Orquestra de
Câmara”, que representa um marco na carreira do compositor dada a sua
importância. Sobre a obra, Alexim comenta:
A obra é um concerto para clarineta e orquestra, de grande
virtuosidade para o solista e com uma escrita orquestral den-
sa e colorida. Os instrumentos dentro da orquestra são tra-
tados de forma quase camerística, com muitos solos e poucos
dobramentos. Três movimentos compõem a peça. O primei-
ro se inicia de forma misteriosa, logo assumindo um caráter
mais enérgico. Uma cadência do solista permeada por inter-
venções da orquestra conduz ao final anticlimático do movi-
mento. O movimento central é lento e expressivo, misturando
o solista com solos dos instrumentos da orquestra. O terceiro
e último movimento utiliza a forma e o material temático
do primeiro, mas com uma escrita mais enérgica e um final
muito mais impactante.
Sobre as influências para a composição do concerto, Vicente comenta:
Na época, eu estava ouvindo obsessivamente o Concerto
para Clarineta de John Corigliano. Quando comecei a es-
crever o meu Concerto de Câmara, busquei recriar parte da
energia que sentia neste concerto. Além disso, vale lembrar
que escrevi essa peça para participar do concurso de solista
da Escola de Música da UFRJ, onde estava cursando o bacha-
relado em clarineta. Consequentemente, a parte da orquestra
foi escrita pensando nas possibilidades e limitações da or-
questra de estudantes da faculdade.
Em 2009, sempre aliando as suas atividades de clarinetista e compositor,
Vicente finalizou o seu curso de bacharelado em clarineta na UFRJ, integrou
aOrquestraJovemdoBrasil6
,participoucomocompositoresolistadaXVIII
Bienal de Música Brasileira Contemporânea com o seu Concerto de Câmara
para Clarineta, obtendo boa aceitação da crítica e público presentes, e, tam-
bém, finalizou a obra “Acácia-Branca, in memoriam para Tina Pereira” para
clarineta e piano que, segundo o compositor:
Foi composta após a encomenda do professor Fernan-
do Silveira7
que me pediu que escrevesse uma peça para um
projeto dele envolvendo obras brasileiras para clarineta e
piano. Comecei a escrevê-la pouco depois do falecimento da
Tina e terminei no primeiro semestre de 2009. [...] Segue a
nota de programa que incluí na partitura: Acácia-branca,
ou moringa oleifera, é uma árvore cujas sementes são usadas
para purificar a água barrenta. [...] A presente peça foi es-
crita pouco depois do falecimento de uma amiga e professora
6 Orquestra formada em 2009 por
jovens de todo o Brasil que juntos se
apresentaram em um único concerto no
Rio de Janeiro.
7 Clarinetista e professor da UNIRIO.
artigo
11
12. artigoartigo
minha, Tina Pereira. Na ocasião, foi feita uma homenagem
no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em que se plantou uma
acácia-brancacomotributo.[...]Amúsicanãopretenderetra-
tar a árvore ou a pessoa. Representa, sim, um monólogo, uma
confissão perante a planta enquanto túmulo. [...] O tom, no
início, é mais intimista e, aos poucos, ganha energia a ponto
de se tornar quase uma briga. Um longo e profundo lamento
conduz ao final da peça, quando se retoma a razão da visita à
planta,antesdeacabardeformasolitária.[...]Apeçafoiestre-
ada em 2009, em um recital do curso da Escola de Música da
UFRJ. No mesmo ano, apresentei-a também em um recital do
Festival de Campos do Jordão.
Entre os anos de 2010 e 2012, Alexim compôs duas obras para orquestra
sinfônica, “Três poemas sobre Luz”8
e “Reações”, e, em 2013, volta a compor
para clarineta as obras “Colapso” e “Sombras, Manchas, Rastros”, sobre as
quais, o compositor comenta:
[Sobre Colapso] A estrutura da peça se dá em torno da
idéia de um organismo parando de funcionar. Eu represento
essa imagem musicalmente através do amplo uso de técnicas
estendidas. A peça se inicia com muita energia e virtuosidade
utilizando as características tradicionais da clarineta e gra-
dualmente torna-se mais e mais ruidosa até se desfazer em si-
lêncio. A obra foi dedicada ao Cristiano [Alves] e estreada em
junho de 2013. [...] Sobre Sombras, Manchas e Rastros, em ju-
nho de 2012, o International Contemporary Ensemble (ICE)
realizou uma série de masterclasses na Escola de Música da
UFRJ [...] Nos meses seguintes, comecei a ter aulas sobre
o programa MAX na Manhattan School of Music. Eventu-
almente, percebi que o software me dava a possibilidade
de transportar aspectos texturais da minha música que
vinha desenvolvendo num contexto orquestral para uma
peça para clarineta solo [...] A parte eletrônica não faz uso
de sons pré-gravados. Sua função é basicamente estender,
dediferentesmaneiras,osomproduzidopeloclarinetista.
Napeça,explorodediversasformasarelaçãoentreaclari-
neta e suas sombras/manchas/rastros, criando diferentes
texturas através da mídia eletrônica.
Em 2015, Alexim compôs a obra “Duo” para duas clarinetas e dois violon-
celos. A obra foi dedicada à companheira de Vicente – Nina - e, sobre a peça, o
compositor propõe:
Duo representa a colaboração entre dois indivíduos,
que apoiam um ao outro e tornam-se mais próximos com
cada interação. Esta peça é dedicada a Nina, que me ensi-
nou todas essas coisas.
9 Compositor francês.
8 Obra vencedora do Concurso Tinta
Fresca da Orquestra Filarmônica de
Minas Gerais em 2011.
12
13. O quadro abaixo demonstra o repertório musical dedicado a clarineta por
Vicente Alexim até o momento:
artigo
Quadro 1: Composições para clarineta de Vicente Alexim.
Ao apresentarmos a tabela com as composições de Alexim, é válido recor-
darmos que, durante o processo de levantamento das obras do compositor, foi
percebido que algumas obras não constavam mais em seu catálogo. Esse ques-
tionamento foi levado ao compositor que citou o fato de ter abandonado algu-
mas de suas composições por não acreditar que a maturidade que dispunha no
momento poderia conferir a qualidade necessária às obras. Atitudes como essa
não são raras, logo, é interessante perceber que o “abandono” de composições
é um fato presente na carreira de muitos compositores, mesmo que postadas a
contragostoemcatálogopormusicólogosouestudiososdesuasobras.
Henri Dutilleux9
, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, disse que
“destruiugrandepartedesuamúsicaantiga,emuitasvezesretornaàssuasobras
para reescrevê-las. ‘Eu sou um perfeccionista, eu sei. Odeio deixar um trabalho
deumaformaquenãomesatisfaz’”(DUTILLEUXapudJEFFRIES,2002).
Como obras que foram tiradas do catálogo de criações de Alexim, podemos
citar as obras “Fantasia” para clarineta e piano e “Noite Morta – sobre um poema
deManuelBandeira”parasoprano,flauta,clarineta,violinoepiano,e,sobreelas,
comenta:
13
14. Abri mão de algumas outras obras antes de “Noite
Morta”. Acho um processo normal. Ainda estou ama-
durecendo como compositor e existem algumas obras
que não acredito que valham o esforço que outros mú-
sicos poderiam fazer para prepará-las. Muitos compo-
sitores fazem/fizeram isso, [por exemplo] diz-se que
Brahms queimou muitos de seus trabalhos10
.
AoapresentaralistadecomposiçõesdeVicenteAlexim,torna-setambém
importante conhecer as influências sofridas e reconhecidas pelo mesmo,
hajavistaque:
O termo ‘influência’ pode não ser prontamente
identificado como um conceito musicológico, mas é
um tema recorrente em diversos contextos da musi-
cologia [...] O termo também aparece frequentemente
emestudosbiográficosdecompositores,especialmen-
te através de influências prontamente identificáveis
no compositor mais jovem [...] Em muitos contextos
influência é interpretada como uma consequência de
similaridade ou semelhança, mas isto pode não estar
sempre relacionado, em alguns contextos, com aquilo
que pode ser um processo quase subliminar de influ-
ência (BEARD e GLOAG apud VIEGAS, 2013: 2).
Sobreoassuntoemquestão,Alexim(2014)comenta:
Émuitodifícilreconhecerinfluênciasnaminhapró-
pria música, apesar de estar certo de que existam. Re-
centemente tenho me sentido muito atraído por peças
que utilizam diferentes aspectos do som – como tim-
bre,textura,tessitura,técnicasestendidas11etc–como
material composicional. Dentre os compositores que
têm me chamado a atenção incluem-se Heinz Holli-
ger, Salvatore Sciarrino, Matthias Pintscher, Michael
Jarrell, Sofia Gubaidulina e Kaija Saariaho. No entanto,
colegas que ouviram trabalhos recentes meus já re-
conheceram outras influências como György Ligeti e
John Corigliano.
3.ConsideraçõesFinais
Como comenta Amorim (2013), ao citar Freire (2001), “apesar do núme-
ro de obras brasileiras originais para clarineta ser grande, a maioria delas,
é posterior a 1950”, logo, o trabalho desenvolvido por Alexim traz enorme
10 Desde o início de sua vida como com-
positor Brahms não deixou passar ne-
nhuma obra que apresentasse alguma
indecisão ou falta de inspiração. Além
de rascunhos e esboços, composições
inteiras que ele considerou imaturas ou
sem valor foram queimadas. Por esta
razão, e devido à sua rígida autocrítica,
existem poucas obras do período da
juventude (MARTINS, 2006: 13).
11 Equivale a técnica não usual:
maneira de tocar ou cantar que explora
possibilidades instrumentais, gestuais e
sonoras pouco utilizadas em determi-
nado contexto histórico, técnico e cultu-
ral (PADOVANI; FERRAZ, 2011: 11).
14
15. contribuição e fortalecimento para o enriquecimento da música brasileira
contemporânea e para o repertório brasileiro para clarineta. Embora apre-
sente um variado discurso musical, se observa em sua obra uma preocupa-
ção com a sua unidade. Sua escrita para clarineta apresenta a utilização de
técnicascomposicionaismodernas,revelandoumadiversidadepeculiarda
música contemporânea. O contato com o compositor forneceu informa-
ções valiosas para compreender sua postura estética e suas escolhas e deci-
sõesnoprocessocomposicional.
Este estudo não pretende apresentar conclusões sobre a obra de Alexim,
pois o compositor permanece ativo e sua obra tende a crescer com o pas-
sar dos anos, fazendo com que o seu catálogo necessite de constante atua-
lização,acreditamos,porém,quepossaservircomobaseereferênciainicial
parapróximaspesquisas.Iniciativasdestanaturezasãoimportantesnadifu-
sãodenovosrepertórios,nainstruçãodeintérpretesepesquisadoresparaa
compreensão,leituraerealizaçãodeobrasdesconhecidas.
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PADOVANI, José Henrique; FERRAZ, Silvio. Proto-História, evolução e si-
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influência da música de Igor Stravinsky no material composicional de Heitor
Villa-Lobos.In:XXIIIEncontroNacionaldaANPPOM,2013,Natal.Cadernode
ResumosdaANPPOM,2013.
15
16. 1 Dr. Jailson Raulino é professor de
clarineta da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
CarlosGomesesuaemblemática
contribuiçãoaorepertóriobrasileiro
paraclarinetaJailson Raulino 1
Resumo: Esse artigo faz uma homenagem aos 180 anos de nascimento, 120 de
morte e 160 de um legado para clarineta do compositor Antônio Carlos Gomes
(Campinas-SP,1836-Belém-PA,1896).Apresentaumbrevehistóricodocompositor,
mostrandoseurelacionamentocomaclarinetaeumareflexãosobreaobra“Air”para
clarinetaepiano(1857),dadaaimportânciaculturalehistóricadaproduçãomusical
do compositor. Sinaliza uma proposta de análise a fim de chegar à estrutura da obra,
identificando elementos que podem colaborar para uma maior compreensão e
fundamentação de sua interpretação. Desenvolve uma abordagem interpretativa
que relaciona os elementos identificados na análise, com o intuito de estabelecer
coesão na condução da linha melódica das várias seções da obra. Enfim, conclui
que uma análise musical e uma contextualização histórica podem contribuir para
a fundamentação de uma execução, auxiliando o intérprete na sua performance,
agregando ainda, recursos ao processo ensino-aprendizagem da clarineta.
Palavras-chave: Música brasileira. Air. Análise reducional.
Carlos Gomes and its emblematic contribution to the Brazilian repertoire for
clarinet.Abstract: This article is a tribute to 180 years of birth, 120 of death and
160 of a legacy of the composer Antonio Carlos Gomes (Campinas-SP, 1836 - Belém,
PA, 1896) for the clarinet. It presents a brief history of the composer, shows its
relationshipwiththeclarinetandareflectiononthework“Air”forclarinetandpiano
(1857), given the cultural and historical importance of the musical production of the
composer. It pointsoutaproposalofanalysistocomprehendthework’sstructurethat
identifieselementsthatmaycontributetoitsbroaderunderstandingandasubstantiated
interpretation. It develops also an interpretive approach that relate theanalytical
identifiedelementsinordertoestablishcohesionintheconductionofthemelodicline
of the work´s sections. Finally, it concludes that music analysis and historical context
may contribute to the substantiation of an interpretation, helping the musician in his
performanceandaddingresourcestothelearningprocessoftheclarinet.
Keywords: Brazilian music. Air. Reductional Analysis.
“A mon ami Henrique Luís. Executé por la premiére fois à philarmonique
de Campinas en 10 de setembre du 1857.” (A. C. Gomes). Assim Carlos Gomes
autografou sua “Aria” dedicando-a ao clarinetista Henrique L. Levy (1829-
1896). Leva-nos a considerar que: “Em todo tempo ama o amigo; e como fru-
tos de grandes amizades surgem expressivas realizações.” (Provérbios 17:17)
Figura 1: Imagem da capa do manuscrito da “Air” com dedicatória e descrição da obra.
artigoartigo
16
17. artigo
Foi da gentileza entre amigos que surgiram obras significativas para a cla-
rineta. Ainda, de estreitos relacionamentos entre clarinetistas e composito-
res, brotaram grandes obras para o repertório do instrumento: Louis Spohr
(1784-1859) e o clarinetista Simon Hermstedt (1778-1846), Carl Maria von
Weber (1786-1826), Felix Mendelssohn (1809-1847) e o clarinetista Heinri-
ch Baermann (1784-1847), Johannes Brahms (1833-1897) e Richard Mühlfeld
(1856-1907), assim como Carlos Gomes (1836-1896) e Henrique Luís Levy
(1829-1896).
A clarineta tem conquistado um considerável espaço no cenário musical
brasileiro. Hoje o instrumento pode ser facilmente encontrado nas mais va-
riadas manifestações culturais brasileiras. Este fato tem contribuído sobre-
maneira para a ampliação de seu repertório no Brasil. Entretanto, fazem-se
necessários estudos e pesquisas que resgatem, divulguem e reflitam sobre
essas obras.
Noanode2016comemoram-seosaniversáriosde180anosdenascimento,
120demortee160deumlegadoparaclarinetadocompositorAntônioCarlos
Gomes. Dentre elas, “Fantasia sobre temas da Ópera Noite Alta” (1856) jun-
tamente com “Air” (1857) e “Variações” (1857) são consideradas as primeiras
obras brasileiras para clarineta e piano.
Assim, devido à importância da produção musical do compositor, vimos
a necessidade de uma reflexão1
sobre a “Air”, sendo esta uma das obras mais
antiga para clarineta e piano, escrita por um compositor brasileiro, encontra-
da até o momento.
Antônio Carlos Gomes nasceu em Campinas e de acordo com sua filha Íta-
la Gomes (CARVALHO, 1946, p. 11-27),
AntônioCarlos,apenascomdezanos,jáfaziapartedaban-
da musical do Maneco Músico (Manoel José Gomes, seu pai),
batendo compasso com os ferrinhos (triângulo), [...] tendo,
sucessivamente, tocado todos os instrumentos de música da
bandadopai,inclusiveclarineta,obedecendoatradição,istoé,
adeterminaçãodopai,quetodoshaviamdeconhecermúsicae
tocar um ou diversos instrumentos de sopro e de cordas, tendo
porém se especializado no piano, sem aliás, nunca ter podido
chegar a ser um grande profissional no instrumento.
Entre os numerosos irmãos, Carlos Gomes tinha predileção por José Pedro
Sant’Ana,comquemem1859,juntamentecomoSr.HenriqueLevyrealizouseu
primeiroconcertoemCampinas,cujoprogramatranscreveÍtala(ibdem,p.27):
CONCÊRTO INSTRUMENTAL DE SÁBADO DE ALELUIA
I Parte
IntroduçãoporA.Laurelli,executadanaclarinetaporH.L.Levy.
FantasiasobreáriasnegrasporLuísHelena,executadanara-
beca por José Pedro Sant’Ana Gomes.
Fantasia sobre a “Alta Noite” por A. C. Gomes, executada na
clarineta por Henrique Levy.
II Parte
Variações sobre motivos da “Norma”, executada na rabeca
por José P. Sant’Ana Gomes.
Fantasiasobremotivosdaópera“Hernani”,executadanacla-
rineta pelo Sr. Levy.
SouvenirdeHayden2
,executadanarabecaporJ.Sant’AnaGomes.
1 Memorial (“AIR” para clarineta e
piano de Carlos Gomes: um estudo
interpretativo), submetido Programa
de Pós-Graduação em Música da
Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Música - Execução Musical
(SILVA, Jailson Raulino da. 2001)
17
18. Após breve período em São Paulo, Carlos Gomes partiu definitivamente
para estudar no Conservatório de Música do Rio de Janeiro, mesmo con-
trário a vontade do pai, conforme descreve carta abaixo:
Rio,22dejunhode1860-MeuPai-Nemsempresedevejulgar
as cousas pelas aparências. Não só em Campinas, Itu, São Paulo,
comoemoutroslugaresdenossaprovínciadeixadeserconhecido
meucaráter.Porconseguinte,cheiodeesperançasdequejustiçame
sejafeitamaistarde,deiopassoquedei.Umaidéiafixameacom-
panhacomoomeudestino!Tenhoculpa,porventura,portalcou-
sa, se Vossemecê que me deu o gôsto pela arte a que me dediquei e
seseusesforçosesacrifíciosfizeram-meganharambiçãodeglórias
futuras?Nãomeculpepelopassoquedeihoje.Jucafoitestemunha
do que se passou em São Paulo; da estima e das ovações que rece-
bemos dos estudantes. A educação que Vossemecê me deu e o meu
procedimentoatéhojemedãoodireitodeesperardemeuPaiuma
certaconfiançaeumanimador“espera”./Aminhaintençãoéfa-
laraoImperadorparaobterdêleproteção,afimdeentrarnoCon-
servatóriodestacidade.Nãoperdereitempo;tudoistoquelheestou
dizendolhedesgostarápelomotivodeeutersaídodecasasemsua
licença,mastenhoconfiançanaminhavontadeenopoucodeinte-
ligênciaqueDeusmedeu.Nadamaislhepossodizernestaocasião,
masafirmoaVossemecêqueasminhasintençõessãopuraseespe-
rodesassossegadoasuabençãoeoseuperdão.Seufilho-Antônio
Carlos.(CARVALHO,1946,p.52-53).
Numa entrevista ao imperador com intuito de conseguir uma vaga no
Conservatório do Rio de Janeiro, segundo descreve Jolumá (BRITO, 1936,
p. 34-35), fez menção dos gêneros musicais que havia composto até então:
- Que instrumento toca?
-Eunãotenho“tenção”[grifonosso]deestudarinstrumento
aqui,nãoSenhor!Querosercompositor!Éparaissoqueeuvim!
- Tem composto alguma coisa?
- Já sim Senhor! Em Campinas fui mestre de banda para
fazer descançar meu pae que já é bastante velho! “Compuz”
[aspas nossas] marchas, dobrados para bandas, motetos ...
Issoem1844...[grafiaepontuaçõesdooriginal]Escrevimissas
e músicas para banda!
Após o sucesso no Rio de Janeiro, parte em 08 de dezembro de 1863 rumo
à Itália, para estudar no Conservatório de Música de Milão. Após uma lon-
ga trajetória na Europa, ele retorna definitivamente ao Brasil somente em
1895, vindo a falecer em 16 de setembro de 1896 na capital paraense.
Como já dito, “Air” foi fruto de uma amizade entre compositor e instru-
mentista, tal qual ocorrido com reconhecidas obras e compositores euro-
peus. Ela foi dedicada ao clarinetista Henrique Luís Levy, músico, mascate,
vendedor de joias nas vilas e fazendas do interior de São Paulo. Ele nasceu
na França, 1829, veio para o Brasil em 1848 e faleceu em São Paulo, 1896. Em
1856, Levy conheceu a família do maestro Manuel José Gomes e tornou-se
grande amigo de Carlos Gomes, de quem acompanhou os primeiros êxitos
e recebera dedicatória de várias obras. Foi pai de quatro filhos, entre eles
os pianistas e compositores Luís e Alexandre Levy, herdeiros da Casa Levy
em São Paulo. A Casa Levy, fundada em 1861, tornou-se um centro cultural
na capital paulistana. Foi esse estabelecimento quem publicou o primeiro
anúncio de músicas de Carlos Gomes no Correio Paulistano de 27 de mar-
ço de 1860 (MARCONDES, 1998, p. 442).
artigo
18
19. artigo
Boccanera (1913, p. 301-302) transcreve uma carta do musicista Henri-
que Levy, escrita a um dos redatores de um importante jornal paulistano,
de onde destacamos as seguintes linhas:
Foiem1856quechegueipelaprimeiravezaCampinas,sen-
do recebido, como hóspede, pelo respeitável velho Manuel José
Gomes, pae de Carlos Gomes, e distincto professor de música
e chefe de orquestra dessa cidade, cujos músicos lhe obedeciam
como se fossem filhos. /Nessa época eu ainda tocava, como ge-
ralmente é sabido, a minha saudosa clarineta, que há tempos
abandonei,porcausadasminhas66primaverasquejápassei.
/Negociava,então,emjóias,elogonosprimeirosdiascomeçava
a executar várias peças para clarineta e piano, acompanhado
sempre ao piano pelo Carlos Gomes, que ficou logo muito en-
thusiasmadocommigo,dedicando-meváriascomposições,en-
tre as quaes uma grande missa de S. Sebastião.
Em “Air” o compositor revela sua afinidade com a arte lírica, provavel-
mente pelo contato com obras e transcrições de trechos operísticos de
compositores representativos do estilo bel canto. Conforme Penalva (1986,
p. 12), “a maior fonte de inspiração, Carlos Gomes encontrou no repertó-
rio que os conjuntos de seu pai executavam”. É possível verificar inúmeras
partituras de Boccherini, Rossini, Bellini, Donizetti, Verdi e outros, na “Co-
leção Manuel Gomes” do Catálogo de Manuscritos Musicais do Museu Carlos
Gomes (NOGUEIRA, 1997, p. 12). Outro aspecto musical que influenciou
Carlos Gomes foi o caráter “modinheiro” vivenciado na época do Brasil
Império, considerando-se assim, o que diz Mozart Araújo (ARAÚJO, 1963,
p. 27-34) sobre modinha, “[...] de não se fixar em uma forma definida, e que
a modinha adquiriu, desde os seus primórdios, feição e caráter de canção
acompanhada, de fundo lírico e sentimental”. Encontramos também o es-
tilo bel canto sutilmente enunciados nos gestos melódicos da peça em foco
e aspectos da siciliana3
, sob influência italiana (pelo frequente uso de sex-
tas). Para Mario de Andrade (ANDRADE, 1987, p. 77), “o bel canto desenvol-
vido na Itália a partir do séc. XVII que implica em virtuosismo técnico em
que a voz imita a liberdade dos instrumentos e os efeitos instrumentais, a
partir do séc. XIX serão os instrumentos que, grandemente influenciados
pelo bel canto, cairão no exaspero da virtuosidade”.
É importante ressaltar a existência de versões da “Air” para piano solo,
transcrição de Souza Lima, publicada em 1958 pela Editora Arthur Napo-
leão Ltda, registro nº AN 2121, e a versão para clarineta e orquestra, or-
questração de Roberto Duarte e Leandro R. Pereira, partitura digitalizada,
versão final de 1996 com revisão da parte solista do clarinetista Prof. José
Cardoso Botelho. Ainda supomos existir outras edições publicadas, pois
a transcrição menciona duas datas de copyright, 1880 e 1912, pela Sampaio
Araújo e Cia, posteriormente adquirida pela Editora Arthur Napoleão.
Em registro discográfico foram encontradas duas versões: 1) Gomes,
Antônio Carlos. “Ária para clarineta e piano”. In Banda de todos os tempos.
Luís Gonzaga Carneiro (cl.) e Joel Bello Soares (pn.). FENAB, 110. Lp. 33
rpm, estéreo. (1984); 2) Gomes, Antônio Carlos. “Ária para clarineta e pia-
no”. In Música Brasileira para Clarineta e Piano. José Botelho (cl.) e Fernan-
da Chaves Canaud (pn.). Rioartdigital, RD 009/96, CD. (1996).
Ressalto, a partir daqui, algumas sutilezas da elaboração composicional,
contidas nessa obra e que podem contribuir para melhor entender o esti-
lo da composição. Algumas dessas sutilezas podem eventualmente passar
despercebidas ao executante, que é o maior responsável por transmitir as
ideias do compositor ao ouvinte.
Acredito que o conhecimento de tratamentos composicionais encon-
19
20. trados na respectiva obra de Carlos Gomes pode ser de considerável im-
portância para sua interpretação, pois “H. Schenker acreditava que uma
composição só poderia ser reproduzida corretamente se o intérprete com-
preendesse as intenções do compositor tais como reveladas na partitura
e se desenvolvesse uma sensibilidade auditiva referente à hierarquia dos
valores tonais que ela expressa”4
(FORTE, apud BARBOSA, 1999, p. 1). Se-
gundo ainda Barbosa, “através da identificação da estrutura de uma obra,
é possível hierarquizar a importância das frases e das notas dessas frases,
ajudando a modelar e uniformizar as várias seções da forma” (ibdem, 4-5).
Portanto, uma reflexão sobre os procedimentos composicionais dessa
obra pode auxiliar o intérprete na sua performance. Conforme Edward
Cone (1960, p. 36), “a verdadeira análise funciona pelo ouvido e para o ou-
vido; seus discernimentos revelam como uma obra musical deve ser ouvi-
da, o que, por sua vez implica em como ela deve ser tocada. A análise é uma
diretriz para a execução”.
Primeiramente, quanto ao termo ária, é denominativo de peças de me-
lodias cantáveis que contrastam com o recitativo e, conjuntamente, cons-
titui um stile rappresentative, expressão italiana que se caracteriza por uma
intervenção de “declamação musical” junto ao canto. Na música instru-
mental, a ária caracterizou-se como música de dança leve, uma melodia
pequena, simples, com acompanhamento e dividida em duas partes, nor-
malmente com movimentos contrastantes. Mário de Andrade (1987, p. 24),
aproxima-se da ideia composicional de Carlos Gomes ao definir o termo
“ária” da seguinte maneira:
1. Qualquer peça instrumental ou vocal, monódica ou
acompanhada, na qual a melodia é dominante. Várias formas
de árias coexistiam, entre as quais se destacou, tornando-se a
mais comum no período barroco, a “ária da capo”, presente
também na cantata e no oratório. Neste tipo de ária, de forma
A-B-A’, o cantor deveria ornamentar a repetição de A (A’) se-
gundo seu gosto e possibilidades vocais. Tal princípio chegou,
algumas vezes, a acarretar certos abusos.
A ária era geralmente precedida de um recitativo, de esti-
lo mais declamatório que a mesma. No séc. XVIII, a “ária da
capo”,porsuaformapoucocompatívelcomacenadramática,
cedeu lugar à cavatina, de forma A-B, que predominou tam-
bém no século seguinte.
2. A palavra ária aplica-se também às peças instrumentais
melodiosas, como se encontram, por exemplo, nas suites: uma
peça lenta e expressiva, em meio a um conjunto de trechos rá-
pidos.
No século XIX, tornou-se uma prática habitual estender as formas vo-
cais para outras formações instrumentais, principalmente por Rossini,
Bellini, Donizetti e Verdi (compositores cujas obras influenciaram a for-
mação musical de Carlos Gomes, conforme citado anteriormente). “Air”
possui a forma gran aria transformada, isto é, subdividida em duas par-
tes; a parte 1 seguindo o esquema anterior a esta transformação (A-B-A) e a
parte 2 no formato (C-D).
A análise musical ora aplicada aponta elementos que podem auxiliar o
intérprete a moldar e uniformizar as várias seções da forma, contribuindo
ainda para discussão e reflexão sobre análise e performance. Ela mostra
que a obra está construída sobre uma estrutura que dá unidade e continui-
dade as suas diferentes seções.
artigo
20
21. artigoartigo
A obra em estudo apresenta uma estrutura composicional que pôde ser
reduzida à sequência dos Binôminos Melódico-Harmônico (BMH) 3/I-2/
V-1/I, sendo que o numeral arábico identifica o grau melódico e o romano
descreve a função harmônica, estabelecendo uma relação entre a constru-
ção melódica e a progressão harmônica. Para visualizar tal estrutura apli-
caremos um processo reducional. Esse procedimento apontará as notas
de maior relevância, que podem enriquecer o processo de interpretação.
O processo reducional aplicado aponta também elementos estruturais da
construção melódica dentro de seu contexto harmônico.
Figura 2 – Processo reducional
O processo reducional demonstra a macroestrutura da obra, escrita em dó
maior. A introdução é exposta pelo piano e está na região da dominante. Ela
constitui-se de um movimento cromático descendente (cs. 01-04) do acorde
inicialV6aoacordedeV6/ii,seguidoporumasequênciaascendenteemdireção
ao acorde da dominante (c. 11), com células rítmicas repetitivas e em dinâmica
ff.Essasequênciaconduzaorecitativo(cs.11-19),ondeaclarinetaéintroduzida
comoinstrumentosolista.
No recitativo, a clarineta realiza um movimento melódico ascendente-des-
cendente,aindanaregiãodadominante.Estemovimentoéiniciadocomanota
sol (c. 11) no registro médio do instrumento, atinge seu ápice na nota dó agudo
(c.18),sobreoV/V,retornaànotasolinicial(c.19),sendoconcluídocomopia-
no tocando enfaticamente o acorde da dominante. A introdução e o recitativo
estabelecemanotasol,sobreadominante,comoanotadeimpulsoemdireção
àmelodiadaseçãoA.
A parte I, andante, tem caráter cantabile, compasso 6/8 e está subdividida em
três seções (A, B e A’). A primeira seção (cs. 20-36), é composta por um dese-
nho melódico ascendente-descendente, (mi-fá-sol-láb-si-mi, cs. 22-35). Este
desenho é formado por quatro segmentos ascendente-descendente, sol-mi-fá
(cs. 21-24), lá-fá-sol (cs. 24-27), sol-láb-ré (cs. 27-30) e mi-si-mi (cs. 32-35). Um
elemento de ligação (cs. 32-36), exerce a função de conectar a seção A com a B,
fazendo concomitantemente uma modulação de dó maior para lá menor por
nota comum, mi (cs. 32, 35 e 37), e em seguida, para lá maior por empréstimo
modal.ÉestabelecidonestaseçãooBMHestruturaldaobra3/I.
21
22. AseçãoB(cs.37-64),emlámaior,écompostaportrêseventosmelódicos,em
todos a nota mi é a nota inicial para o instrumento solista, prevalecendo como
nota pivô. O uso consonante do mi, 5/I nesta microestrutura, não anula a fun-
ção 3/I da macroestrutura da peça, que é reafirmada com seu retorno na seção
seguinte A’. No primeiro evento (cs. 37-40) é exposto um desenho melódico
descendente(mi-si,cs.37-39),ascendente(si-mi,cs.39-40)edescendente(mi-
dó#, c. 40), que será modelo tanto para o evento seguinte (cs. 41-44), quanto
paraocontornomelódicogeraldaseção,istoé,descendente(mi-dó,cs.37-44),
ascendente (dó-si, cs. 44-48) e descendente (si-mi, cs. 48-49). Os cinco últimos
compassos da seção B correspondem ao mesmo elemento de ligação apresen-
tado em A. Após a repetição de toda seção, uma cadência da clarineta (c. 65) se
interpõeentreBeA’,comênfaseparaasnotas,soleré.
Areexposição,ouA’,retorna-separadómaior,3/I.Elaapresentainicialmente
a mesma ideia da primeira seção, fazendo algumas variações a partir do com-
passo72,ondeatensãodotrítono(si-fá)antecedeumasequênciademovimen-
tos rítmicos e melódicos repetitivos (cs. 73-82). Nesta sequência, a dissonância
domi(c.76)tirasuaestabilidadeconsonantenoBMH3/Idaestruturadaobrae
ofazvizinhosuperiordanotaré(c.77),dentrodafunção2/V.Estetrechopossui
uma característica de inquietude que culmina com uma cadência da clarineta
na dominante (c. 82). Esta se inicia com a nota si, chega até a nota sol e é con-
cluída com as notas mi-ré-dó, sendo este último, pertencente tanto ao BMH,
quantoaoeventomelódicoseguinte(c.83).
Oallegroéuminterlúdioqueestabeleceamudançadecompassoedecaráter
da obra (cs. 83-98). Ele começa incisivamente na tônica e alcança a dominan-
te, onde ocorre uma nova cadência da clarineta, ainda na região da dominante,
sendoimportantedestacarasnotaspertencentesaoacorde,istoé,solesi.
A parte 2 (cs. 99-189) contrasta-se com a parte 1 pela forma de compasso
(quaternário) e pela expressão de caráter, con anima. Apesar de se apresentar
em estilo contrastante, ela é semelhante à parte 1 no tocante ao tratamento da
melodia, através do uso do intervalo de sexta, da sequência estrutural mi-ré-dó
e em relação aos níveis de intensidade que progressivamente caminham para
região de tensão, mi (c. 100) em direção à nota ré (c. 127), desta vez em maiores
proporções. Esta parte é formada por duas seções, “C” e “D”. A primeira, estru-
turada na progressão 3/I-2/V-1/I e na seção seguinte encontra-se a região culmi-
nantedapeça(cs.124-135),caracterizadapela:1)exploraçãoconstantedoregis-
troagudodaclarineta,incluindoanotamaisagudadapartesolista;2)utilização
de atividade rítmica intensa; 3) indicação da expressão enérgico; 4) dinâmica ff;
5) longa duração do trinado (cs. 131-132); 6) elaboração sobre a dominante e 7)
articulação com notas destacadas. Estas seções (“C” e “D”) são repetidas após
um interlúdio e em andamento presto, um epílogo conclui a composição. No
epílogo,éimportanteressaltarotratamentocomanotadónosdiferentesregis-
tros da clarineta e os processos de mudança de oitavas, utilizados pelo compo-
sitor.Namelodiadaclarineta,anotadóinicial(c.189),oarpejodescendente(c.
194)eodófinal(c.195)sãopassíveisdeênfase,emfunçãodocaráterconclusivo
daprogressão,3/I-2/V-1/Idaobraemgeral.
O processo reducional mostra as notas principais, localizadas em pontos es-
tratégicosdecadaseção,apontandoparao“cerne”estruturaldaobra:omi(c.22)
éestabelecidopeloimpulsomelódicodointervalodesextavindodaintrodução,
porsuafunçãoestruturalnaparte1eseuretornonaseção“C”daparte2;o2/Vlo-
calizadonaregiãoculminantedaobraeo1/Inotrechoconclusivodacomposição.
Através da abordagem interpretativa e dos elementos identificados na aná-
lise, pode-se estabelecer coesão na condução da linha melódica das várias se-
ções da obra. Além disso, revela a unidade de sua estrutura composicional,
podendo auxiliar o intérprete em sua performance. As informações da análi-
se e da contextualização histórica apresentada agregam recursos que contri-
buem para uma melhor compreensão do estilo do compositor e da obra.
artigo
22
23. artigo
Enfim, em Air o compositor, com maestria, resume exuberância e singele-
za, numa linguagem simples, acessível e idiomática ao instrumento solista.
Ressalto ainda, que o compositor apresenta elementos virtuosísticos para o
instrumentodoperíodo,emumalinguagemmusicalinteligível,alémdeains-
trumentaçãofornecerumambientepropícioparaapráticapedagógicainstru-
mental de câmara, clarineta e piano.
É notório o grande significado histórico da obra em tela, seu caráter sim-
bólico e seu valor representativo servem de exemplo a diversas outras situa-
ções.Entretanto,emmeioaoelencodeobrastradicionaisdaépoca,aindaque
sem mensurar importância, valores e buscando não hierarquizá-las, saliento
a necessidade de se dar um maior reconhecimento a esta composição, in-
cluindo-a mais frequentemente em concertos, recitais, programas de cursos
e gravações. O lastro histórico desse repertório contribui ainda para respal-
dar a importância da produção composicional brasileira para clarineta. Pas-
so a considerá-la, portanto, como transferência e perpetuação de um saber,
enquadrando-a no diálogo dos saberes e na ótica pedagógica do educador,
pedagogo e filósofo pernambucano Paulo Freire (1987, p. 68): “Não há saber
mais, nem saber menos, há saberes diferentes”.
Referências Bibliográficas:
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SILVA,JailsonRaulinoda.“Air”paraclarinetaepianodeCarlosGomes:umestudoin-
terpretativo.Salvador:UniversidadeFederaldaBahia,2001.
2 Grafia da autora, provavelmente se
refira a Haydn.
3 Dança dos séculos XVII e XVIII; muito
parecido com a pastoral, que imita a
calma ambiência sugerida pela música
pastoril. William Apel. “Siciliana”.
Havard Dictionary of Music. Cambridge:
Havard Universiry Press, 1972.
4 “Schenker believed that a composition
could be reproduced correctly only if the
performer had grasped the composer’s
intentions as revealed by the score, and
if he had developed an aural sensitivity
to the hierarchy of tonal values which it
expressed.”
23
24. Q
uando um músico inicia seus
estudos, ele se dedica para tornar-
se um profissional. Quando atinge
esse objetivo, busca então apri-
morar sua performance para se tornar um músico
melhor a cada dia. Quando alcança o ápice de sua
carreira, pensa em manter-se no nível atual de
qualidademusicalouentãomelhoraraindamais.
E assim é a vida profissional de um músico sério
e competente, uma eterna busca pelas melhores
notas, pelo melhor arranjo, a melhor composição.
Mas ao chegar à meia idade, surgem as perguntas
que incomodam: “até quando vou conseguir tocar
damesmaformaecomamesmaqualidade?”,“ainda
toco muito bem para as minhas aspirações, então,
porquetenhoqueparar?”,“porquedeveriapararse
nãoqueroparar?”,ouainda,“estariavelhodemais?”.
De um momento para o outro de suas vidas,
passam a questionar a continuidade de suas
carreiras. A questão não é econômica nem laboral,
ela é pessoal. “Uma vida inteira dedicada à música
(jornada musical) e de repente terei de encerrar a
carreira por esse problema?”, perguntam-se.
Enessepontoéprecisovoltarnotempoepensar
oquepoderiatersidofeitoparaadiaressemomento.
Voltandoaoinício,pode-sepensarnavidadesse
profissional – hoje questionador e pensativo –,
quando era apenas um estudante de música, e
ver o quanto foi exigido de seu físico e de sua
saúde para aperfeiçoar e aprender a tocar um
instrumento musical.
Por mais que os professores e mestres tenham
falado sobre a importância das pausas, dos
descansos e das horas de sono necessárias para a
recuperação do corpo, pouca atenção tem sido
dada a essas questões. E lá estava sempre o nosso
jovem talento exigindo o vigor de seu corpo,
levando-o muitas vezes à exaustão.
Mas somos jovens e o corpo aguenta!
De volta ao futuro, já vemos esse viajante do
tempocomoummúsicoprofissional.Eleaprendeu
a dosar o descanso, a regular as horas de estudo, a
estabelecer rotinas e também descobriu como
reconhecer os sintomas do corpo cansado.
Nesseestágioomúsicosabequetemcondições
de se estabelecer profissionalmente, de prosperar
financeiramente, manter sua família porque
trabalhou duro para isso a vida toda.
Aqui nossa jornada encontra dois caminhos
distintos. O primeiro o levará a uma aposentadoria
precoce, enquanto o segundo o conduzirá a uma
carreiramaislonga,seguraetranquila.Oquedifere
os dois caminhos é a consciência da importância
que ele deve dar à sua saúde. Deixá-la de lado pode
comprometer para sempre a carreira de muitos
profissionais, mas para os instrumentistas isso fica
ainda mais evidente.
Dr. Alexandre de AlcântaraA Clarineta Convida
A odontologia e a jornada
artística de um músico
24
25. O músico pode ter plano de saúde, médicos
consagrados, dentistas e outros profissionais
conhecidos e pode até mesmo ter um físico de
dar inveja a muitos atletas. Porém, apesar de todo
o aparato, se sua saúde ficar em segundo plano, a
conta vai chegar mais alta na velhice.
Sem prevenção, autocuidado e determinação,
sua carreira pode ser abreviada por causa de um
simples desequilíbrio na mordida, uma tendinite,
umalesãodeesforçorepetitivo,umadornoombro
ou nas costas.
Que tal se cuidar?
Prevenir, segundo o dicionário, é dispor as
coisas de sorte que se evite (mal, dano), impedir
que se execute ou que aconteça e muitos outros
significados como evitar, baldar, atalhar, avisar,
informar com antecedência, precaver-se,
acautelar-se, premunir-se, preparar-se.
A prevenção está no ato de se cuidar, de estar
atento e saber que vamos envelhecer e, portanto,
nosso corpo também. Máximas como “estou
bem então não preciso me cuidar”, “quando doer
eu vou ao médico”, “não vou ao dentista agora,
porque quem procura acha”, estão cada vez mais
em desuso, para sorte daqueles que se cuidam.
Então, meu caro amigo músico, sabendo
disso, o que custa marcar uma consulta com um
ortopedista e tirar suas dúvidas? Que tal ir ao
dentista regularmente para ver se há cáries ou
algum problema que possa ser resolvido sem que
nofuturoseusdentessejamperdidos?Umotorrino
pode cuidar daquela dor de garganta persistente,
por que você não o visita?
Essacondutapodenãoserhabitualnoinício,mas
poderepresentargrandesbenefíciosnoseufuturo.
Soluções mágicas não existem
A consulta com o fisioterapeuta hoje pode fazer
comqueseaprendaumaposturadiferentedausual,
evitando,assim,apresençadedores.Mashásempre
alguémquepodedizerqueconhecemuitosmúsicos
queestãocommaisde70anosetocammuitobeme
quenuncacuidaramdesuasaúde.Quantossãoeles?
É uma maioria significativa? Será que realmente
não cuidaram da saúde, da alimentação, do sono?
Qualquerrespostaaquipoderiaserdadaapenaspor
umleitordeboladecristal.
O que sabemos com certeza é que o seu
corpo tem limites para aguentar a jornada e que
o músico que se previne tem maior chance de ter
uma carreira mais longa.
Os tempos são outros e as pessoas estão
cada vez mais focadas em telas minúsculas e
muito iluminadas, se alimentando mal em fast
foods, dormindo à base de remédios e esperando
encontrar a fórmula mágica ou o milagre,
para resolver o que poderia ter sido evitado
por elas mesmas, deixando, muitas vezes, nas
mãos do profissional de saúde essa gigantesca
responsabilidade.
Claro que nós, os profissionais da saúde,
estamos trabalhando para que os tratamentos
sejam cada vez melhores e mais eficientes e
que temos, ao nosso lado, as novas tecnologias
que evoluem a todo o momento, favorecendo o
aperfeiçoamento de nossas ações. Mas lembre-se,
ainda não aprendemos a realizar milagres!
Seu corpo é a sua vida
Comocirurgião-dentistavenhoacompanhando
há mais de vinte anos muitos músicos nas duas
situações. Em ambas, nosso objetivo, meu e dos
meus colegas da saúde, é trabalhar para propiciar
ao músico uma carreira longa e segura.
Porém, percebemos que nos casos em que não
houve autocuidado, em que a saúde ficou para
segundo ou terceiro plano, esse trabalho pode se
transformar em algo muito difícil e muitas vezes
podemos, no máximo, atuar paliativamente para
manter o músico tocando.
Por outro lado, para aqueles que seguiram o
caminho da prevenção e do cuidado com a saúde,
nossotrabalhoéimportantenoacompanhamento,
na manutenção e na orientação para que o músico
aprimore sua performance por meio do bom
cuidado com o seu corpo.
Fatores que interferem na performance do
músico sob a ótica odontológica
Com o intuito de motivar o músico a cuidar da
saúde, cabe colocarmos exemplos do que pode
acontecer ao músico.
1. Deslocamento de Mandíbula
2. Disfunções de ATM
3. Distonias
4. Extrações e perdas de dentes
5. Lesões (ferimentos) na mucosa
labial causado pelo atrito dos lábios
com os dentes
6. Doenças periodontais
7. Outros
AClarinetaConvida
25
26. Deslocamento de Mandíbula
Embora não seja muito normal na população
comum, em músicos a frequência de casos não
é atípica. Neste caso, a mandíbula (maxilar infe-
rior) é deslocada para fora da posição que ela ocu-
pa junto ao crânio.
A mandíbula é o único osso no corpo que se
movimenta. Ela está presa ao crânio através de li-
gamentos e dos músculos faciais e entre a mandí-
bula e o crânio está a região chamada Articulação
Têmporo Mandibular. Assim como um joelho,
esta região tem um menisco para ajudar a aliviar
os movimentos e impedir o atrito entre os ossos.
No deslocamento da mandíbula, este equilí-
brio é rompido e a pessoa não consegue fechar a
boca, além de ter uma dor muito intensa.
Os músicos de sopro, de uma maneira geral,
fazem muitos movimentos com a mandíbula na
performance e se este movimento for excessivo e
passar dos limites, fará com que haja esse deslo-
camento.
Para reverter o caso, o músico precisa procurar
um Cirurgião-Dentista ou uma pessoa que o aju-
de a colocar a mandíbula de volta no lugar. Além
disso, será necessário o uso de analgésicos e anti
-inflamatórios para reverter a dor e o desconforto.
Quando isso acontece, o músico não consegue
tocar por vários dias, mas não é um fato que inter-
rompa uma carreira.
Disfunções da ATM
Como o próprio nome diz, são disfunções.
Fora das funções normais as quais ela se presta.
A boca foi feita pela natureza para nos alimen-
tarmos, para expressarmos e não para tocar um
instrumento musical. Isso foi desenvolvido pelo
ser humano e o uso inadequado do instrumento,
no que diz respeito aos limites dos movimentos,
pode ocasionar disfunções na região da Articula-
ção Têmporo Mandibular.
Essas disfunções incluem “estalos” ao abrir-
mos a boca, “crepitações’ quando o osso raspa
um no outro. Além disso, podem causar dores na
região, ao abrir a boca, e também no ouvido.
Não são apenas os movimentos para tocar que
geram disfunções na ATM. Desgastes e restaura-
ções que não são feitas respeitando o equilíbrio
oclusal (mordida) do paciente podem fazer com
que haja um “esforço” da região nas funções, cau-
sando dor.
Bruxismo e briquismo, doenças modernas
devido, principalmente, ao estresse do dia a dia,
também podem causar disfunções na ATM e des-
gaste dos dentes.
O tratamento para essas doenças depende do
uso de medicação adequada e de placas usadas
em uma ou ambas as arcadas dentárias para evitar
o trauma entre os dentes e também para relaxar a
tensão na região da ATM.
Distonias
A distonia mais famosa, e que mais causa
medo entre os músicos, é a distonia focal. Ela é,
numa definição bem simples, uma interrupção na
comunicação entre um comando cerebral e a exe-
cução do movimento.
Por exemplo: você puxa o lábio para um lado
e ele se recusa a ir ou então vai para o outro lado.
A distonia focal ainda não tem um diagnóstico
preventivo e pouco se sabe a respeito, apesar de
já termos ciência de muitos casos e de seu trata-
mento por meio da literatura.
Extrações e perdas de dentes
Perder dentes é uma situação irreparável, por
melhor que seja a técnica reparadora que o Cirur-
gião-Dentista irá utilizar.
Seja por qual motivo for a extração (remoção
do dente), sempre há prejuízo, a não ser em casos
onde haverá a substituição de um dente muito
danificado por um implante ou por uma infecção
que não está se resolvendo.
Quando perdemos um dente, o osso ao redor
do dente é remodelado pelo próprio organismo
para restabelecer o equilíbrio. Isso significa que
os dentes remanescentes irão tentar suprir a falta
deste dente perdido, movimentando-se na medi-
da do possível para ocupar aquele espaço. Com
isso, há alteração na posição dos dentes, podendo
ou não interferir na embocadura, e também sem-
pre há perda óssea.
Os dentes sustentam o osso que está ao redor
dele.Semodenteesteossoperdeafunção.Seeste
osso está suportando a musculatura labial, pode-
rá causar perda de tonicidade da mesma, interfe-
rindo na embocadura e fazendo com que o músi-
co tenha que encontrar uma nova forma de posi-
cionar a boquilha, o bocal ou mesmo os lábios no
direcionamento e controle da coluna de ar.
O melhor tratamento para perda de dentes é
AClarinetaConvida
26
27. o implante. Se for possível ser feito assim que o
dente for perdido, melhor será o prognóstico e a
recuperação do equilíbrio nas arcadas.
Lesões(ferimentos)namucosalabialcausa-
dopeloatritodoslábioscomosdentes
Dentes muito afiados ou próteses mal adapta-
daspodemferiramucosalabialejugal(bochechas)
causando ferimentos que podem, junto a outros fa-
tores – como cigarro, álcool, escovação intempesti-
va–causarlesõesmaissérias,asquais,senãoforem
tratadas, podem inclusive levar ao aparecimento de
umcâncerbucal.
Quero deixar claro que não é todo ferimento que
levaaoaparecimentodeumcâncer,massimqueeste
ferimento associado a diversos outros fatores envol-
vidospodecontribuirparaodesenvolvimentodeste.
Quando isso acontece, cabe ao músico pedir ao
Cirurgião-Dentista que olhe os dentes que estão
ferindo sua boca para encontrar uma solução que
amenizeouextingaosferimentos.
A medicação local pode ser prescrita pelo Cirur-
gião-Dentista e dispositivos estão sendo desenvol-
vidosparaajudaromúsicoadiminuiresteatrito.
Doenças periodontais
Periodonto é toda a parte que sustenta o dente:
ossos, gengiva e fibras de sustentação.
O tártaro, a gengivite e pequenos sangramentos
aliados a uma higiene bucal insatisfatória podem
evoluir para doenças periodontais mais severas
(periodontites) em que estas estruturas que sus-
tentam o dente são gradativamente comprometi-
das, causando sangramentos mais constantes, re-
trações gengivais, perda óssea, formação de bolsas
na gengiva que aumentam, ainda mais, a retenção
de alimentos e bactérias entre o dente e a gengiva
e, principalmente, amolecimento dos dentes. Este
últimolevaàperdadodente,seestenãofortratado
a tempo.
Mesmo tratando a doença periodontal e esta-
bilizando o dente, o dente já foi comprometido de
uma forma que poderá futuramente ser perdido.
Para um músico de sopro, essa ocorrência pode in-
terferir na embocadura, se atingir tal região.
Otratamentoéfeitoatravésdasfamosaslimpe-
zas – que são uma forma popular de tratar a remo-
ção do tártaro e o polimento radicular dos dentes
mantendo-os livres de bactérias. Também se reco-
menda o uso de enxaguantes bucais e de uma hi-
giene bucal adequada.
Outros
Este tópico poderia ser ilustrado com diversas
patologias e procedimentos odontológicos que
podem interferir ou não na performance musical.
Poderia falar sobre aparelhos, por exemplo. Mas
está aqui apenas para lembrar da nossa jornada,
descrita acima, onde tudo pode levar para um ca-
minho ou para outro.
Voltando para o futuro, deixo a continuação
dessa jornada para a sua imaginação. Para que
você pense em que direção está indo com seu cor-
po e com sua vida.
Por fim, deixo uma mensagem simples: é mui-
to bom quando precisamos de um profissional de
saúde apenas para o necessário.
Dr. Alexandre de Alcântara
Cirurgião Dentista
CROSP 51770
Figura 2: Apoio sobre os dentes na embocadura da clarineta
Figura 1: Dentes propensos a causar lesões nas mucosas
AClarinetaConvida
27
28. Vinícius de Sousa Fraga
Joel Luís Barbosa
A Presença da Clarineta nas
Instituições de Ensino Superior
Brasileiras
28
29. P
ara muitos clarinetistas do país, a opção de
frequentar cursos superiores em clarineta é
a única forma de aprofundar sua formação
no instrumento. Contudo, não há, ainda, nenhuma
fonte que disponibilize as informações relativas a
estes cursos e seus professores em um só documen-
to. Essa matéria encerra apresentando tais informa-
ções, faz uma reflexão sobre o ensino da clarineta
nas Instituições de Ensino Superior brasileiras (que
chamaremos de IES de agora em diante) e, dentro
de sua abordagem, busca indicar temas para futuras
pesquisas na área.
A presença da clarineta nas IES se dá, pratica-
mente, por meio do ensino, da performance e da
pesquisa no Brasil. Ou seja, as IES contratam clari-
netistas profissionais para ensinarem o instrumen-
to, tocarem em seus conjuntos e pesquisarem sobre
tópicos pertinentes à área. Este texto tem por obje-
tivo traçar um panorama da atual presença dos cur-
sos e outras atividades pedagógicas relacionados à
clarineta nestas instituições nacionais. O panorama
foi elaborado, principalmente, a partir de respostas
de professores de clarineta de IES a um questionário
construído com esta finalidade e, em menor escala,
por consultas às páginas eletrônicas destas institui-
ções. A fonte principal foi composta pelas respostas
dos professores porque elas foram emitidas recen-
temente e, geralmente, eles estão mais atualizados
com a situação do tema em sua própria IES do que
as respectivas páginas eletrônicas. Além disso, devi-
doaocarátermaisinformativoecontemporâneo,do
que científico e histórico, o panorama não incluiu a
investigação de documentos nem a literatura biblio-
gráfica pertinente. Assim, o trabalho busca iniciar
um registro atual da presença do ensino da clarine-
ta nas IES e não uma compreensão de seu processo
histórico e de suas práxis.
A fim de contextualizar o panorama, faremos
uma breve narrativa histórica referente ao início
do ensino da clarineta em instituições formais bra-
sileiras, pois algumas das escolas de músicas das
atuais IES são provenientes de conservatórios que
já existiam em seus municípios de origem. Assim, a
contextualização se limitará, apenas, a instituições
formais que trabalhavam exclusivamente com o
ensino da música no século XIX, que é quando elas
surgem no país.
No Brasil do século XIX, o ensino da música
se dava em diversos tipos de instituições formais,
tais como conservatórios, institutos de música,
escolas regulares, instituições religiosas, liceus
de artes e ofícios, escolas e academias de artes,
bandas de música e sociedades filarmônicas. Como
somente os conservatórios e institutos de música
tinham como foco principal o ensino da música,
a contextualização limitar-se-á aos três primeiros
conservatórios que surgiram no país nesse século.
Primeiramente, falaremos do Imperial
Conservatório de Música do Rio de Janeiro, criado
por um Decreto Imperial de 1841 e inaugurado em
1848. Os documentos encontrados até o momento
demonstram que o ensino da clarineta nesta
instituição remonta, pelo menos, a 1855, referindo-
se à nomeação de Antonio Luis Moura como
professor do instrumento neste ano (SILVEIRA,
2009, p. 96; ANDRADE, 1967, p. 202). Segundo
Azevedo (1956, p. 55), também se referindo ao ano
de 1855, João Scaramelli ministrava aulas de flauta
e outros instrumentos de sopro no Conservatório,
mas não sabemos se, de fato, ensinou clarineta.
Após a proclamação da república, o Imperial
Conservatório passou a se chamar, de acordo com
o novo regime, de Instituto Nacional de Música.
Ele seguiu suas atividades e, de forma pioneira,
em 1931, foi incorporado à Universidade do Rio
de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). O primeiro professor de clarineta
desta nova fase em que o Instituto passou a fazer
parte de uma IES foi o sergipano Antão Soares,
que já era professor do Instituto desde 1927 e
permaneceu até 1948. Em seguida, veio Jayoleno
dos Santos que ficou de 1949 a 1981 (SILVEIRA,
2009, p. 98). Ele foi um importante pedagogo e
formou uma geração de clarinetistas que trabalhou
einfluenciou,diretamente,muitosdosclarinetistas
e professores do instrumento das atuais IES. Entre
eles se encontravam Luiz Gonzaga Carneiro, José
Carlos Castro, José Freitas, Paulo Moura, Wilfried
Berk, Paulo Sérgio Santos e Roberto Pires (FREIRE,
2000, p. 124-125).
29
30. A segunda instituição que trataremos é o
Conservatório de Música da Bahia. Sua criação se
dá em uma ata de 20 de fevereiro de 1895 da, então,
Escola de Belas Artes da Bahia (MENDES, 2012,
p. 113-114), contudo a escola já ministrava aula de
música desde sua fundação em 1877 (ibidem, p.
69). Segundo Mendes (ibidem, p. 75), “em fevereiro
de 1895, foi contratado o professor José Barreto
Aviz”, clarinetista de destaque, recém-chegado de
Portugal, “que promoveu e se apresentou em vários
concertos em Salvador”. Ele ingressou na Escola de
BelasArtes,nesteano,“paradirigiroensinonocurso
de instrumentos de palheta” (ibidem). Em 1918, o
Conservatório se desvinculou da Escola de Belas
Artes e passou a se chamar Instituto de Música da
Bahia. Na década de 1960, foi filiado à Universidade
Católica do Salvador e, assim, tornou-se o Instituto
deMúsicadestaIES(ibidem,p.169)que,atualmente,
oferece licenciatura em música, mas não inclui o
ensino de clarineta.
A última instituição do século XIX que
trataremos é o Conservatório de Música do Pará
que, logo depois, passou a se chamar Conservatório
Carlos Gomes. Ele foi criado em 24 de fevereiro de
1895, mesmo ano de criação do Conservatório de
Música da Bahia, e teve Carlos Gomes como seu
diretor durante o ano de 1896, ano de falecimento
do compositor. Segundo Amorim (2016, p. 20), a
instituição mantinha aula de clarineta em seus anos
iniciais, mas a atividade foi interrompida em 1908 e
retornou somente em 1972. De acordo com o portal
eletrônico da Fundação Carlos Gomes (FCG, 2016),
desdeagostode1995,oConservatóriofoiautorizado,
pelo MEC, a oferecer bacharelado em clarineta em
parceria com a Universidade do Estado do Pará. Em
2013,foireconhecidocomoIESepassouasechamar
Instituto Estadual Carlos Gomes e, desde então,
oferece cursos superiores independentemente da
Universidade do Estado. Outros conservatórios
musicais foram criados pelo país, no início do
século XX, e se tornaram IES ou se filiaram a uma
delas, tais como o Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo, de 1906, o Conservatório de
Música do Instituto de Belas Artes do Rios Grande
doSul,de1908,oConservatórioMineirodeMúsica,
de 1926, e o Conservatório Brasileiro de Música, de
1936, do Rio de Janeiro.
QuantoaoensinodaclarinetanasIESbrasileiras,
ele começa em meados do século XX e tem tanto o
protagonismo de clarinetistas locais quanto o de
estrangeiros que, no período pós-guerras, foram
convidados ou vieram em busca de oportunidade
de trabalho em nosso continente (FRAGA, 2014,
p. 44). Esse ensino se dá, pelo menos, de três
maneiras: (1) por transformação de instituições
de ensino de música em IES, (2) por incorporação
dessas instituições por IES já constituídas e (3) por
criação de cursos de música em IES existentes. O
primeiro caso pode ser exemplificado pela história
do Instituto Estadual Carlos Gomes, enquanto a
história da Escola de Música da UFRJ é possível ser
considerada para o segundo, com os professores
Antão Soares e Jayoleno dos Santos. Como exemplo
da terceira maneira, pode-se mencionar o caso da
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Na década de 1950, quando esta Escola
estava sendo criada, o alemão Georg Zeretzke foi
contratado como seu professor de clarineta. Em
meados da década de 1960, o professor de clarineta
foi o brasileiro de origem alemã Wilfried Berk,
ex-aluno do professor Jayoleno dos Santos e, em
1969, chegou, a convite da Universidade, o alemão
Klaus Haefele que atuou por três décadas na UFBA
(BASTIANELLI, p. xx-xxi).
O PANORAMA ATUAL DO ENSINO DA
CLARINETA NAS IES BRASILEIRAS
Para a elaboração desse panorama, 37
professores de clarineta de 32 IES responderam a
um questionário formulado, especificamente, com
este fim. São professores de 20 universidades, três
institutos federais de educação, ciência e tecnologia
e de uma faculdade privada e, se esse número não
representa o total de professores de clarineta que
atuam nas IES brasileiras, é bem próximo dele. Para
fins desse trabalho, o critério utilizado para uma
IES participar da pesquisa foi que ela possuísse,
pelo menos, um curso que envolvesse a clarineta
e que ele funcionasse de forma autônoma, não
dependendo da presença de um professor externo
àquela unidade. Considerando este critério, as
IES com mais de um campus com cursos que
envolvessem a clarineta, de forma autônoma, como
a UFC e o IFG, embora fossem a mesma instituição,
foram contabilizadas como duas. Além disso, como
seis das IES estudadas possuem dois professores
de clarineta, apenas uma resposta de cada par de
docentes foi considerada nas estatísticas referentes
às IES, embora as duas respostas tenham sido
incluídas nas informações relacionadas ao corpo
docente das IES. Por fim, é importante ressaltar
que os dados referentes à Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) foram obtidos pelo docente
aposentado, uma vez que o curso existe, mas ainda
30
31. Cursos específicos para clarineta
A grande maioria das IES pesquisadas possuem
cursos específicos ou com habilitação em
clarineta, 29 delas. Dentre os cursos específicos
para o instrumento, 22 IES oferecem cursos de
bacharelado, duas de bacharelado em música
popular, 11 de licenciatura, cinco de mestrado
acadêmico, duas de mestrado profissional, duas
de doutorado, 24 de extensão e quatro de nível
técnico. Curso tecnológico em clarineta ainda não é
oferecido no país.
As 28 universidades estudadas mantêm 35
cursos de graduação em clarineta, sendo 24 de
bacharelado e 11 de licenciatura (figura 2). Até
meados da década de 1980, havia 11 cursos de
bacharelado em clarineta em atividade, incluindo aí
a UFMG, UnB, UFBA, EMBAP, UFRJ, USP, UNESP,
UNICAMP, UFSM, UNIRIO e UFPB. Esse número
cresce significativamente nas décadas seguintes,
atingindo, quantitativamente, o patamar atual. Já
os cursos de licenciatura em clarineta surgiram, de
forma consistente, mais recentemente. Desde 1990,
aproximadamente, universidades como a UEMG,
UFPB, UFG, UEA, UFCG e UFSJ passaram a incluí-
los como uma opção aos clarinetistas interessados.
Quanto aos cursos de pós-graduação específicos
em clarineta, existem, hoje, seis cursos de mestrado
acadêmico, dois de mestrado profissional e dois
de doutorado. Os cursos de mestrado acadêmico
surgiram a partir da década de 1990, assim como os
de doutorado. Os cursos de mestrado profissional
são uma conquista recente das universidades
federais da Bahia (UFBA) e Rio de Janeiro (UFRJ) e
iniciaram após 2010.
Figura 1. IES pesquisadas
não há professor contratado. Os dados desta
instituição foram inclusos, principalmente, pela sua
história e importância em sua região.
A maioria das IES citadas na pesquisa pertencem
à União, sendo 20 federais, oito estaduais e uma
privada (figura 1). Elas estão distribuídas nas cinco
regiões do país, sendo 10 no Sudeste, três na região
Sul, oito no Nordeste, cinco no Centro-Oeste e
quatro no Norte. Destas, apenas oito estão em
cidades do interior. A maioria, 23, localizam-se
nas capitais. Esses dados constatam que, embora
o acesso ao aprendizado do instrumento em IES
públicas pode se dar em qualquer região do país,
predominantemente, ele se limita ainda às capitais.
31
32. De acordo com as respostas ao questionário,
é possível perceber que os cursos de extensão
em clarineta estão presentes na maioria das IES
pesquisadas, por vezes, mesmo naquelas que não
oferecem um curso de graduação específico para
o instrumento. No total, 24 instituições oferecem
cursos de extensão para clarineta. Desde a década
de 1960, eles estiveram ligados, por vezes, ao
surgimento do bacharelado em suas instituições,
seja precedendo-o ou de forma simultânea à sua
criação.
Quanto ao curso técnico no instrumento em
IES, o número é menor. Atualmente, apenas quatro
IES oferecem-no. Uma possui o curso desde 1960,
mas, nas outras, ele aparece de 1990 em diante. Os
respondentes mencionam, ainda, que há outras
formas de cursos específicos para clarineta nas
IES que surgiram desde o ano 2000. A presença da
clarineta nos três institutos federais é mencionada
a partir de 2010 e pode ser dividida, basicamente,
em cursos técnicos e de extensão em clarineta. Ela
se dá dentro do período de ampliação das políticas
educacionais voltadas a esta categoria de IES.
A clarineta dentro de cursos não específicos
para o instrumento
Os interessados podem estudar clarineta
nas IES citadas também sem serem alunos
de cursos específicos para o instrumento. Do
total pesquisado, 17 IES oferecem disciplinas
de clarineta dentro de outros cursos ou outras
atividadespedagógicasqueincluemoinstrumento.
Estes cursos são de extensão, técnicos, graduação
e pós-graduação. Dentre os cursos de graduação
estão, por exemplo, os de licenciatura em música,
instrumento, composição, regência e música
popular. A principal disciplina que oferece o
aprendizado da clarineta nesses cursos é a de
instrumento complementar ou suplementar, mas
ela pode ser encontrada também na de literatura
da clarineta ou em disciplinas coletivas para
Figura 2. Cursos de clarineta oferecidos nas IES pesquisadas.
32
33. aprendizadodeinstrumentosdesopro.Alémdisso,
o aluno que já tem algum domínio do instrumento
pode melhorar suas habilidades instrumental por
meio de disciplinas como prática de conjunto,
música de câmara, grupo de clarineta, orquestra,
banda e big band.
Corpo docente
Os 37 professores de clarineta das 32 IES estudadas,
formam um quadro docente altamente qualificado
(figura 3). A grande maioria passou por uma
formação que inicia com estudos na pré-graduação,
passapelagraduaçãoeatingeapós-graduação.Entre
eles, 10 estudaram em conservatório, oito em cursos
técnicos,31fizerambacharelado,umfezlicenciatura
em instrumento, três possuem licenciatura em
música, 26 mestrado acadêmico, cinco mestrado
profissional, 14 doutorado, além de outros cursos
diversos para o instrumento. Com relação ao local
em que essa formação foi realizada, do total de
professores consultados, 17 deles, além de terem
realizados cursos no Brasil, estudaram no exterior.
DISCUSSÃO
Os dados demonstram que, no Brasil, as
universidades públicas são as maiores responsáveis
pela formação dos bacharéis, licenciados, mestres
e doutores em clarineta. Embora não temos dados
suficientesparacompararcomoaformaçãoemnível
de graduação tem se dado entre as IES privadas e as
públicas, supomos, a partir do pequeno número das
privadas com curso para o instrumento na história,
que a maior parte dos clarinetistas com graduação
no instrumento tenha se formado nas públicas. Já a
pós-graduaçãoemclarinetanopaísseconcentranas
públicas.
Hoje é possível encontrar cursos de clarineta
em IES de todas as regiões brasileiras. Isso não
significa, entretanto, que o acesso a esses cursos
é uma realidade para todos os clarinetistas dessas
regiões. Como foi possível constatar, do total de 32
IES pesquisadas, 23 estão localizados em capitais
e somente nove nos demais municípios. Essa
realidade não oportuniza o ensino do instrumento
a centenas de clarinetistas brasileiros oriundos de
bandas, conservatórios e escolas que, por condições
financeiras ou pessoais, não podem residir ou se
deslocar até as capitais para terem aulas.
Mas esses dados mostram ainda mais. Das IES
pesquisadas, há uma concentração de cursos de
clarineta na região Sudeste (10), seguida pela região
Nordeste (8), Centro-Oeste (5), Norte (4) e Sul (3).
O somatório dos cursos de clarineta dessas IES,
Figura 3. Formação docente em números (não excludente)
33
34. realizado por região, demonstra bem a limitação
geográfica de acesso aos cursos, como mencionado
acima. A região Nordeste abriga o mesmo número
de cursos que todos os oferecidos pelas regiões
Centro-Oeste e Sul. Ainda mais revelador, a soma de
todos os cursos das regiões Norte, Centro-Oeste e
Sul (12), é pouco maior que a quantidade de cursos
do Sudeste (10). Contudo, se os cursos das IES não
pesquisadas forem inclusos, a do Sudeste é maior,
conforme pode ser verificado na lista das IES no
fim da matéria. Foram ausências sentidas não haver
cursosdoinstrumentoemIESdoAmapá,Maranhão,
MatoGrossodoSul,Piauí,Rondônia,Roraima,Santa
Catarina,SergipeeTocantins.Certamente,osfatores
que explicam esses números são diversos. Entre
eles,talvez,onúmerodebandasdemúsicanaregião,
aolongodotempo,podetertidoalgumaimplicação.
Esses dados demonstram que quando se trata de
oportunidade de acesso ao ensino superior em
clarinetanopaís,aindahádeficiênciasedificuldades
sensíveis a serem discutidas e trabalhadas.
Sobre os cursos de clarineta oferecidos, o perfil
que emana dos dados obtidos com o questionário
é de uma ênfase em cursos de extensão (24) e, na
graduação, de bacharelado em instrumento (22).
Os cursos de extensão buscam atingir diferentes
públicos (acadêmicos ou não), enquanto o
bacharelado em instrumento tem sua ênfase, por
sua própria natureza, na performance musical
profissional. Por outro lado, se essa superioridade
quantitativa pode indicar este perfil geral do
conjuntodecursosdeclarinetadasIESpesquisadas,
ela pode também definir aquilo que este conjunto
não é.
Assim, nota-se uma quantidade menor de
cursos de licenciatura em instrumento (11),
muitos deles criados, principalmente, após a
sanção das leis referentes à presença da música
no ensino básico. Esses cursos representam uma
importante opção na formação do professor de
clarineta. Isso porque, embora possa haver uma
certa preocupação com a formação pedagógica do
estudante dos cursos de bacharelado (KOTHE,
2012, p. 82), ela pode ainda ser insuficiente (BELLO,
2016). Além disso, considerando que a situação da
docência, sem uma prática pedagógica adequada,
levará o bacharel a repetir os modelos que teve em
sua formação (GLASER & FONTERRADA apud
WEBER & GARBOSA, 2015, p. 90), o aumento da
oferta de cursos de licenciatura em instrumento
é uma necessidade tanto frente aos desafios que a
docência na clarineta exige, quanto a uma formação
mais plena e criativa dos nossos futuros alunos do
instrumento.
Namesmaperspectivadoscursosdelicenciatura
em clarineta, é sobretudo sintomática a ausência
quase total de cursos de clarineta em música
popular nas IES investigadas. Uma das explicações
disso é o fato de a maioria dos cursos de graduação
em música popular ter sido criada recentemente,
se comparados aos de bacharelado no instrumento.
Numa tradição musical tão rica quanto à brasileira,
em que a clarineta está presente de diferentes
maneiraseexpressões,fazendo-nossupor,portanto,
que tal tradição deva constituir parte considerável
da formação dos alunos do instrumento no país, a
quase ausência de cursos de música popular para o
instrumentonasIESpodeserumindíciodequeesse
aspecto não tem merecido a atenção devida. Além
disso, ela representa uma redução importante das
opções para os clarinetistas que ingressam nessas
instituições.
Nesse sentido, é importante mencionar, ainda,
a ausência de cursos que tem adquirido cada vez
mais defensores e que compõem importantes
aspectos da prática do clarinetista. O clarone
tem ganhado cada vez mais relevância dentre os
clarinetistas. Há cursos de extensão no instrumento
ministrados desde 2015 na UNIRIO e 2016 na USP, e
os próprios claronistas já realizaram dois encontros
de envergadura nacional, nos últimos três anos,
com o terceiro a ser realizado em 2017. Além disso,
há uma expectativa em torno da abertura do curso
de graduação em clarone previsto para 2018 na USP.
São grandes conquistas, sem dúvida, mas ainda
assim é pouco se considerarmos o tamanho do país
e o alcance limitado dessas iniciativas frente a ele.
É preciso fomentar o diálogo no ensino superior
em torno da necessidade de tornar essas iniciativas
isoladas em uma prática constante e necessária.
O mesmo é válido para instrumentos importantes
como a requinta e o uso de instrumentos históricos.
Ambos ainda aguardam pela sua inclusão em
cursos próprios nessas instituições de forma mais
abrangente e acessível.
Quanto à pós-graduação, há boas possibilidades
no país, embora elas sejam em número reduzido.
Somente seis IES oferecem o curso de mestrado
acadêmico (UFBA, UFMG, UFRJ, UFG, UnB e
UNICAMP) e, dessas, duas (UFBA e UFRJ) tem
como possibilidade o mestrado profissional. Esses
dados indicam que, se o ensino da clarineta nas IES
é um fenômeno relativamente recente, a pesquisa
sobre o instrumento é ainda mais. Além disso,
34
35. embora em tão pequeno número, a existência dos dois
mestrados profissionais é uma conquista importante
àqueles interessados em continuar sua formação
acadêmica com ênfase em performance.
Por fim, a formação dos professores de clarineta
das IES pesquisadas pode determinar, em parte, os
perfisdessescursos,suaspropriedadesenecessidades.
Seja como for, o perfil do docente de clarineta nessas
instituições é o de um profissional cuja formação
inicial foi realizada em conservatórios (10) e/ou cursos
técnicos (8). A grande maioria deles tem perfil de
performer, pois 31 possuem bacharelado e, somente,
quatro fizeram licenciatura. O número expressivo de
professores com mestrado acadêmico (26), além de
uma inclinação à pesquisa, pode ser um reflexo, talvez,
da única opção existente para a maioria deles no país
quando da sua realização. Ainda, a existência de um
número menor desses professores que realizaram
doutorado (14) pode ser, dentre outros fatores, um
reflexodaausênciadessecursonasregiõesdosquenão
fizeram.
Para boa parte dos docentes de clarineta, além do
investimento pessoal e do esforço individual que, sem
dúvida, foram determinantes, é importante ressaltar
o quão fundamental tem sido a política de incentivo
e as agências de fomento para suas formações. De
fato, ao analisar os currículos dos docentes com
mestrado e doutorado, realizados no país e no exterior,
constatamos a forte presença de auxílios e bolsas de
estudo de órgãos públicos. Assim, podemos afirmar
queosetorpúblicotemsidoresponsávelpelaformação
do clarinetista brasileiro, nos níveis de graduação e
pós-graduação. Desta maneira, uma diminuição de
aporte público às IES pode ter, como consequência
direta, o comprometimento do quadro profissional do
instrumento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo não tem por objetivo criar um guia de
informações para o estudante de clarineta, embora
ele ajude nesse sentido, e, menos ainda, o propósito
de esgotar a discussão sobre a presença do ensino da
clarineta nas IES brasileiras. Ao contrário, sua intenção
é traçar um panorama sucinto dessa presença a fim
de incentivar pesquisas futuras que, ainda, são tão
necessárias para a compreensão de como a clarineta se
insere no contexto das IES brasileiras. Nesse sentido,
não faltam tópicos e possibilidades.
Dopontodevistahistórico,éevidentequequalquer
discussão que tente entender a presença da clarineta
em IES deve se pautar por uma consulta rigorosa
aos documentos pertinentes, além de entrevistas
com professores, alunos e ex-alunos, dentre outros.
Datas e nomes importantes se perdem na memória,
embora sejam fundamentais para se compreender o
amadurecimento da área, enquanto nível superior de
ensino e sua relação com o mundo profissional. Além
disso, os cursos mantêm diferenças e particularidades
que são reflexos do contexto do departamento, da
IES e da comunidade em que foram criados. Assim,
entender esse processo passa por buscar uma maior
compreensão dessas diferenças. A compreensão da
história é fundamental para se planejar o futuro.
Nesse sentido, para além de saber que cursos
existem, as possibilidades de futuras pesquisas são
inúmeras se o objetivo for compreender, por exemplo,
como eles atuam, que disciplinas incluem e deixam de
incluir,quaissãoasparticularidadesdoscursosdeuma
mesmaregiãoequaissãoseuselementoscomuns.Além
disso,umapesquisacomalunosegressosdessescursos
pode permitir avaliar como eles tem influenciado a
formação destes clarinetistas. Isso seria fundamental
para entender como o planejamento de cada curso
dialoga com os anseios e a realidade dos alunos de fora
dela. Por fim, pesquisar sobre as perspectivas que os
alunos, atuais e futuros, possam ter quanto à criação
de cursos que incluam clarone, requinta, instrumentos
de época, além, claro, da própria clarineta na música
popular.
Nesse artigo, a realidade que emana dos dados
coletados é bastante familiar, considerando os
desenvolvimentos econômico, social e cultural
brasileiros. As particularidades de cada IES refletem
o crescimento econômico desigual das diferentes
regiões, com concentrações de recursos em alguns
locais e escassez em outros. Contudo, a distribuição
dos cursos de clarineta não segue, exclusivamente,
este fator financeiro. Possivelmente, outros fatores,
históricos, políticos, educacionais, culturais e sociais,
podem ter sido até mais determinantes, merecendo
um estudo aprofundado. Até bem pouco tempo, fazer
um curso de graduação era uma opção somente para
alguns poucos. Esta situação melhorou sensivelmente
comasmudançasdapolíticaeducacionaldadécadade
2000. Contudo, o crescimento do acesso a cursos em
instrumento ainda é lento se comparado à demanda
existente.
Assim, é fundamental entender que a manutenção
dos avanços educacionais e, por que não mencionar,
os culturais, realizados por meio das conquistas
nos âmbitos das políticas públicas e da legislação
educacional, é o mínimo que podemos almejar para
a área da clarineta no país. Em muitos casos, há a
necessidade urgente de solidificar as relações em
35