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XI Congresso Internacional da ABRALIC                                          13 a 17 de julho de 2008
Tessituras, Interações, Convergências                                          USP – São Paulo, Brasil

   A Tradução Cultural N’A Varanda do Frangipani, de Mia Couto
                                                          Marcos Roberto Teixeira de Andrade1 (UFJF)

Resumo:
          Segundo Stuart Hall, no seu A Identidade Cultural na Pós-modernidade (1999), o conceito de
    tradução cultural pretende descrever a situação de pessoas dispersadas de sua terra natal e que,
    portanto, “devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens
    culturais, a traduzir e a negociar entre elas”. A proposta deste trabalho é, assim, averiguar o modo
    como a questão da tradução cultural emerge n’A Varanda do Frangipani, de Mia Couto:
    baseando-me na trajetória de Domingos Mourão, um português exilado em Moçambique, pretendo
    abordar a presente questão levando em conta o diálogo cultural que sempre caracterizou as duas
    nações. O fato de Domingos Mourão, em Moçambique, passar a ser chamado de Xidimingo, bem
    como o fato de aderir à variante moçambicana do português, seguramente, fazem dele um ótimo
    exemplo de personagem traduzido culturalmente.

Palavras-chave: Tradução Cultural; Identidade; Portugal; Moçambique.


A identidade e a modernidade

                                              “O sujeito [pós-moderno] está se tornando fragmentado;
                                            composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas
                                            vezes contraditórias ou não-resolvidas. [Pois] a identidade [na
                                            Pós-modernidade] torna-se uma ‘celebração móvel’”.
                                             (Stuart Hall – A Identidade Cultural na Pós-modernidade).


       A Modernidade nasce sob o signo da tensão, da ruptura: ruptura entre o antigo e o novo, o
tradicional e o moderno. Essa idéia da ruptura parecia estar presente desde o século XVI – com o
início da chamada Idade Moderna. A ascensão do Renascimento, com a sua evolução tecno-
científica, proporcionou uma ampla reavaliação crítica dos ideais medievais – o que ocasionou um
desejo de ruptura com esses mesmos ideais. O aperfeiçoamento do sistema de navegação provou a
esfericidade da Terra, possibilitando, assim, a ultrapassagem dos horizontes antes limitados e,
conseqüentemente, a descoberta do novo.
       A questão do novo marcará, também, a Modernidade nos princípios do século XIX. Segundo
Antoine Compagnon, n’Os Cinco Paradoxos da Modernidade, “a palavra de ordem do moderno foi,
por excelência, ‘criar o novo’” (2003, p. 10). Mas o novo, então, parecia, essencialmente, vinculado
à idéia de progresso. Essa concepção parecia vir já desde fins do século XVIII, por ocasião da
chamada querela entre os antigos e os modernos: a crença na superioridade do progresso científico e
filosófico ocidental, desde a Renascença, pôs em xeque o ideal de imitação dos antigos como o
único critério para o belo. Isso porque, ainda segundo Compagnon, “do ponto de vista dos
modernos, os antigos são inferiores, porque primitivos, e os modernos, superiores, em razão do
progresso, progresso das ciências e das técnicas, progresso da sociedade, etc.” (2003, p. 20).
       Foi a partir daí que surgiu aquilo que Compagnon classificou como “a possibilidade de uma
estética do novo” (2003, p. 20). Todavia, nem todos viam, no século XIX, essa sistematização do
novo e do progresso com bons olhos: Nietzsche, por exemplo, atacava a Modernidade, chamando-a
de decadência. Baudelaire, seguindo a mesma linha, considerava o progresso, na verdade, um “fanal
obscuro” (apud COMPAGNON; 2003, p. 11). Dessa forma é que, para Compagnon, a modernidade
baudelairiana já parecia trazer em si o seu oposto, qual seja, “a resistência à modernidade” (2003, p.
15). Contudo, se para Baudelaire o novo, ou o progresso, era pensado em termos de um “fanal
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obscuro”, para Rimbaud, pelo contrário, o novo era sinônimo de multiplicador do progresso.
Enquanto o novo, em Baudelaire, era desesperado, arrancado da catástrofe, do desastre de amanhã,
Rimbaud proclama que “é preciso ser absolutamente moderno” (2003, p. 16). Mas o que mais me
chama a atenção nessa divergência de opiniões entre Rimbaud e Baudelaire, e que gostaria de aqui
destacar, não são nem tanto as suas percepções diametralmente opostas do fenômeno moderno, mas,
sim, sobretudo, o fato de que essa mesma divergência já parece revelar em si duas das principais
características que têm sido atreladas à Modernidade e, principalmente, à Pós-modernidade – como
veremos adiante: o paradoxo e a instabilidade.
       De fato, a Modernidade é, essencialmente, algo paradoxal. Acabamos de ver os olhares
duvidosos que Nietzsche e Baudelaire lançaram sobre o fenômeno, colocando em xeque a idéia de
progresso defendida pela modernização. Essa abordagem também foi feita por Anthony Giddens, no
seu As Conseqüências da Modernidade: ele já inaugura seu texto questionando se estaríamos
realmente vivenciando a chamada Pós-modernidade ou as conseqüências da Modernidade. Segundo
ele, essa ambigüidade decorreria da própria dificuldade que teríamos em compreender o fenômeno
moderno; assim, pelo fato de a ordem social vigente parecer “estar fora do nosso controle”, novos
termos, como Pós-modernidade, são inventados com o fito de tentar organizar aquilo que tem
escapado à nossa compreensão. Contudo, a atitude mais adequada, conforme Giddens, seria “olhar
novamente para a natureza da própria modernidade” – quando, então, poderíamos concluir: “Em
vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em
que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas do que antes” (1991, p.
12-13).
      E quais seriam essas conseqüências da Modernidade? Quais seriam os efeitos radicais desse
fenômeno chamado moderno? Ainda conforme Giddens, a Modernidade parece se configurar como
uma faca de dois gumes: há o seu lado benéfico e o seu aspecto sombrio. Se, por um lado, a
Modernidade trouxe consigo avanços consideráveis em áreas como a medicina, informática, meios
de transporte, etc. – áreas que proporcionam um maior conforto e, por vezes, estabilidade à
existência humana – por outro, desenvolveu, também, aspectos que põem em risco a nossa
segurança. Se a industrialização, por exemplo, promoveu o avanço de áreas que aumentaram o
nosso bem-estar, essa mesma industrialização crescente tem provocado, cada vez mais, a
degradação do meio-ambiente. Além disso, há de se considerar ainda que a emergência dos estados-
nação modernos trouxe consigo, em vários contextos, a possibilidade do totalitarismo político – em
detrimento do despotismo tradicional. Na esteira desse totalitarismo político, veio o
“desenvolvimento do poder militar como um fenômeno geral”. E o século XX, que testemunhou o
nascimento do avião, o aperfeiçoamento do automóvel, o avanço da medicina, o surgimento da
informática, dentre vários outros benefícios, testemunhou, também, o bombardeio nuclear de
Hiroshima e Nagasaki (1991, p. 16-18). É por isso que Giddens afirma que, em sua análise do
caráter da Modernidade, ele vê a necessidade de “concentrar uma parte substancial da divisão sobre
os temas segurança versus perigo e confiança versus risco” (1991, p. 16; itálicos do autor).
      Esse caráter paradoxal e ambíguo da Modernidade tem gerado um ambiente, constantemente,
de instabilidade. Tudo se torna cada vez mais provisório; a efemeridade parece estar se tornando a
marca registrada dos tempos atuais; nossa percepção de tempo e espaço se altera cada vez mais; as
distâncias diminuem. Todo esse complexo desenrolar, certamente, afeta a nossa percepção da
realidade. Aliás, não apenas a nossa percepção da realidade: mas, também, as próprias identidades –
tanto as individuais, como as culturais.
      Hall parece ter percebido bem esse fenômeno. Através do seu A Identidade Cultural na Pós-
modernidade é possível compreender, perfeitamente, como as mudanças estruturais da
Modernidade e do que ele chama de Modernidade Tardia têm contribuído para o descentramento
tanto das identidades, como do sujeito moderno. Ele já inaugura seu texto chamando a atenção para
o fato de que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
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declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto
como um sujeito unificado” (1999, p. 7). Essa chamada “crise de identidade” faria “parte de um
processo mais amplo de mudança”, que estaria “deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social” (1999, p. 7). Ele ainda diz o seguinte:

                          Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades
                        modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de
                        classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos
                        tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Essas
                        transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a
                        idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Essa perda de um
                        “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou
                        descentração do sujeito (1999, p. 9).

      Prosseguindo em suas reflexões, Hall passa a analisar três diferentes concepções de
identidade e o modo como essas concepções foram se descentrando ao longo da Modernidade.
      A primeira concepção é a do sujeito do Iluminismo: esse sujeito seria “totalmente centrado,
unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação”; o seu “centro” consistiria
“num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se
desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo [...] ao longo da existência do
indivíduo” (1999, p. 10-11). Como é possível perceber, trata-se de uma concepção extremamente
essencialista e individualista da identidade.
       A segunda concepção refere-se ao sujeito sociológico: aqui já é possível perceber um certo
descentramento em relação ao sujeito do Iluminismo. Se o sujeito do Iluminismo é unificado,
centralizado, autocentrado, o sujeito sociológico, por sua vez, já não é mais tão autônomo e auto-
suficiente, mas, pelo contrário, a identidade desse sujeito é formada através da interação entre o eu e
a sociedade; o sujeito ainda possuiria “um núcleo” ou “essência interior”, que seria o seu “eu real”,
contudo, esse núcleo seria “formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem” (1999, p. 11). Essa noção, como é fácil
notar, parecia já refletir a crescente complexidade do mundo moderno.
       A terceira concepção refere-se ao sujeito pós-moderno: agora, o distanciamento em relação
ao sujeito do Iluminismo já é total. Já não há mais coerência e unidade: há fragmentação e
ambigüidade. O sujeito sociológico, como vimos, já se distanciava bastante da concepção do sujeito
do Iluminismo: a idéia de uma identidade única e estável parecia se tornar, cada vez mais, uma
utopia. No caso do sujeito pós-moderno, já não se fala mais em identidade “unificada e estável” –
mas em identidades fragmentadas: “algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas” (1999, p. 12).
Como se vê, a identidade do sujeito pós-moderno já não é mais fixa, essencial ou permanente – mas
uma “celebração móvel” (1999, p. 12-13). O fato de a identidade desse sujeito pós-moderno ser
uma espécie de “celebração móvel” faz com que ele “assum(a) identidades diferentes em diferentes
momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (1999, p. 13). Além
disso, Hall ainda ressalta que:

                          Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções,
                        de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. [...]
                        A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia
                        (1999, p. 13).

      Assim, todo o panorama traçado ao longo deste tópico nos permitiu perceber como que a
questão da identidade tem sido retratada nesses tempos pós-modernos: de um modo um tanto
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quanto confuso, ambíguo, incerto, inseguro, não-resolvido; as bases de qualquer segurança vacilam
cada vez mais. Como acabamos de ver, dentro de nós existem “identidades contraditórias”, que nos
empurram em “diferentes direções”, fazendo com que nossas identificações sejam “continuamente
deslocadas”. Tudo isso é fruto, sem dúvida, das lentas, mas contínuas mudanças estruturais que a
Modernidade tem acarretado, bem como, também, do próprio processo de descentramento que o
Ocidente tem sofrido nessa era de Globalização. A identidade, então, torna-se, cada vez mais, um
fenômeno ambíguo e confuso: e é exatamente nesse terreno, confuso e ambíguo, que floresce a
questão da tradução cultural – como veremos, a seguir, n’A Varanda do Frangipani, de Mia Couto.

Domingos Mourão, ou Xidimingo: O traduzido cultural

                         “Dizem que havia, nesse tempo, um velho preto que andava pelas praias a
                       apanhar destroços de navios. Recolhia restos de naufrágios e os enterrava.
                       Acontece que uma dessas tábuas que ele espetou no chão ganhou raízes e reviveu
                       em árvore” (Fábula narrada por Domingos Mourão, n’A Varanda do Frangipani).

                         “Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que
                       estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos,
                       ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses
                       complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num
                       mundo globalizado” (Stuart Hall – A Identidade Cultural na Pós-modernidade).

      Um dos aspectos presentes (e dos mais interessantes) no debate contemporâneo é a questão da
tradução cultural. Num mundo em que as fronteiras estão cada vez mais diluídas, em que as
distâncias diminuem, em que culturas intensificam cada vez mais seus contatos, em que o Centro é
desestabilizado e as margens, então, são disseminadas; num mundo em que as identidades, antes
sólidas e fixas, tornam-se transitórias, confusas, ambíguas: nesse mundo, em constante
deslocamento, identidades e culturas parecem não guardar mais posições fixas e seguras.
      É nesse contexto que surge a reflexão sobre a noção de tradução cultural. Stuart Hall, no
excerto escolhido para epígrafe deste tópico, chama-nos a atenção para o fato de que, em toda parte,
“estão emergindo identidades culturais que não são fixas”, mas, pelo contrário, “estão suspensas,
em transição, entre diferentes posições”; essas identidades “retiram seus recursos, ao mesmo tempo,
de diferentes tradições culturais”; além disso, elas “são o produto desses complicados cruzamentos
e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado”. Dessa forma, muitos
têm sido tentados a pensar na identidade, nessa era globalizada, como destinada ou a retornar a suas
“raízes” ou a desaparecer através da assimilação e da homogeneização. Mas, segundo Hall, “esse
pode ser um falso dilema” (1999, p. 88).
      É para esse impasse, então, que se propõe o conceito de tradução cultural. Tal conceito
pretende descrever aquelas formações identitárias “que atravessam e intersectam as fronteiras
naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”. Essas
pessoas dispersadas já não nutrem mais “a ilusão de um retorno ao passado”. Dessa forma, “são
obrigadas a negociar com as culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e
sem perder completamente suas identidades”. Surgem, então, novas identidades, híbridas,
identidades que são “o produto de várias histórias e culturas interconectadas”, identidades que
pertencem a uma e “várias casas”. As pessoas que vivem nesse contexto “devem aprender a habitar,
no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas” –
pois “estão irrevogavelmente traduzidas” (1999, p. 88-89; itálico do autor).
     A questão da tradução cultural também está presente no enredo d’A Varanda do Frangipani:
e o personagem que nos servirá de exemplo para ilustrar essa imagem é o português Domingos
Mourão. Uma das primeiras marcas que aponta para o fato de Mourão ser um personagem traduzido
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culturalmente é o seu nome de “rebaptismo” em Moçambique: Xidimingo. Domingos Mourão é o
seu “nome de nascença”: mas “aqui me chamam Xidimingo” (1996, p. 47). Esse “rebaptismo”, sem
dúvida, aponta para o fato de que Domingos Mourão é um ser “dispersado para sempre de sua terra
natal”: aponta, também, para o fato de que o velho português teve que “aprender a habitar, no
mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas.
      Contudo, a meu ver, a imagem mais eloqüente desse seu estado de traduzido cultural é a
fábula da árvore que ele narra ao inspetor Izidine Naíta – e que serve de epígrafe para este tópico:
reparemos que o fragmento de tábua que o “velho preto” planta no chão, fazendo com que ela ganhe
raízes e reviva em árvore, vem de um outro local e se adapta a um novo mundo – revivendo em
árvore. Além disso, trata-se de um fragmento de madeira que interage com um novo solo, um novo
ambiente: um fragmento de madeira que, ao se deslocar e interagir com esse novo e estranho
ambiente, é traduzido em árvore – e é exatamente essa árvore que Xidimingo assume ser:“[...] eu
sou essa árvore. Venho de uma tábua de outro mundo mas o meu chão é este, minhas raízes
renasceram aqui. São estes pretos que todos os dias me semeiam“ (1996, p. 48).
       Ao assumir de maneira tão enfática ser essa árvore, Xidimingo está, ainda que não o diga com
todas as letras, assumindo o seu estado de traduzido cultural. Outra imagem que me chama muito a
atenção é a sua afirmativa de que “são estes pretos que todos os dias me semeiam”: essa imagem de
ser semeado, diariamente, pelos pretos do asilo, parece apontar para o fato de que Xidimingo,
cotidianamente, “negocia” com a nova cultura em que vive, interage com ela, contudo, “sem ser
simplesmente assimilado por ela e sem perder completamente sua identidade”. Isso fica muito
nítido na nova maneira como fala o português – “com a gramática toda suja, da cor desta terra”:
“Desculpe-me este meu português, já nem sei que língua falo, tenho a gramática toda suja, da cor
desta terra“ (1996, p. 48).

Referências Bibliográficas:

[1] COMPAGNON, Antoine. Os Cinco Paradoxos da Modernidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2003.

[2] COUTO, Mia. A Varanda do Frangipani. Lisboa: Caminho, 1996.

[3] GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991.

[4] HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.




1
 Marcos ANDRADE, doutorando (bolsista FAPEMIG)
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
marcostorga@yahoo.com

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  • 1. XI Congresso Internacional da ABRALIC 13 a 17 de julho de 2008 Tessituras, Interações, Convergências USP – São Paulo, Brasil A Tradução Cultural N’A Varanda do Frangipani, de Mia Couto Marcos Roberto Teixeira de Andrade1 (UFJF) Resumo: Segundo Stuart Hall, no seu A Identidade Cultural na Pós-modernidade (1999), o conceito de tradução cultural pretende descrever a situação de pessoas dispersadas de sua terra natal e que, portanto, “devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas”. A proposta deste trabalho é, assim, averiguar o modo como a questão da tradução cultural emerge n’A Varanda do Frangipani, de Mia Couto: baseando-me na trajetória de Domingos Mourão, um português exilado em Moçambique, pretendo abordar a presente questão levando em conta o diálogo cultural que sempre caracterizou as duas nações. O fato de Domingos Mourão, em Moçambique, passar a ser chamado de Xidimingo, bem como o fato de aderir à variante moçambicana do português, seguramente, fazem dele um ótimo exemplo de personagem traduzido culturalmente. Palavras-chave: Tradução Cultural; Identidade; Portugal; Moçambique. A identidade e a modernidade “O sujeito [pós-moderno] está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. [Pois] a identidade [na Pós-modernidade] torna-se uma ‘celebração móvel’”. (Stuart Hall – A Identidade Cultural na Pós-modernidade). A Modernidade nasce sob o signo da tensão, da ruptura: ruptura entre o antigo e o novo, o tradicional e o moderno. Essa idéia da ruptura parecia estar presente desde o século XVI – com o início da chamada Idade Moderna. A ascensão do Renascimento, com a sua evolução tecno- científica, proporcionou uma ampla reavaliação crítica dos ideais medievais – o que ocasionou um desejo de ruptura com esses mesmos ideais. O aperfeiçoamento do sistema de navegação provou a esfericidade da Terra, possibilitando, assim, a ultrapassagem dos horizontes antes limitados e, conseqüentemente, a descoberta do novo. A questão do novo marcará, também, a Modernidade nos princípios do século XIX. Segundo Antoine Compagnon, n’Os Cinco Paradoxos da Modernidade, “a palavra de ordem do moderno foi, por excelência, ‘criar o novo’” (2003, p. 10). Mas o novo, então, parecia, essencialmente, vinculado à idéia de progresso. Essa concepção parecia vir já desde fins do século XVIII, por ocasião da chamada querela entre os antigos e os modernos: a crença na superioridade do progresso científico e filosófico ocidental, desde a Renascença, pôs em xeque o ideal de imitação dos antigos como o único critério para o belo. Isso porque, ainda segundo Compagnon, “do ponto de vista dos modernos, os antigos são inferiores, porque primitivos, e os modernos, superiores, em razão do progresso, progresso das ciências e das técnicas, progresso da sociedade, etc.” (2003, p. 20). Foi a partir daí que surgiu aquilo que Compagnon classificou como “a possibilidade de uma estética do novo” (2003, p. 20). Todavia, nem todos viam, no século XIX, essa sistematização do novo e do progresso com bons olhos: Nietzsche, por exemplo, atacava a Modernidade, chamando-a de decadência. Baudelaire, seguindo a mesma linha, considerava o progresso, na verdade, um “fanal obscuro” (apud COMPAGNON; 2003, p. 11). Dessa forma é que, para Compagnon, a modernidade baudelairiana já parecia trazer em si o seu oposto, qual seja, “a resistência à modernidade” (2003, p. 15). Contudo, se para Baudelaire o novo, ou o progresso, era pensado em termos de um “fanal
  • 2. XI Congresso Internacional da ABRALIC 13 a 17 de julho de 2008 Tessituras, Interações, Convergências USP – São Paulo, Brasil obscuro”, para Rimbaud, pelo contrário, o novo era sinônimo de multiplicador do progresso. Enquanto o novo, em Baudelaire, era desesperado, arrancado da catástrofe, do desastre de amanhã, Rimbaud proclama que “é preciso ser absolutamente moderno” (2003, p. 16). Mas o que mais me chama a atenção nessa divergência de opiniões entre Rimbaud e Baudelaire, e que gostaria de aqui destacar, não são nem tanto as suas percepções diametralmente opostas do fenômeno moderno, mas, sim, sobretudo, o fato de que essa mesma divergência já parece revelar em si duas das principais características que têm sido atreladas à Modernidade e, principalmente, à Pós-modernidade – como veremos adiante: o paradoxo e a instabilidade. De fato, a Modernidade é, essencialmente, algo paradoxal. Acabamos de ver os olhares duvidosos que Nietzsche e Baudelaire lançaram sobre o fenômeno, colocando em xeque a idéia de progresso defendida pela modernização. Essa abordagem também foi feita por Anthony Giddens, no seu As Conseqüências da Modernidade: ele já inaugura seu texto questionando se estaríamos realmente vivenciando a chamada Pós-modernidade ou as conseqüências da Modernidade. Segundo ele, essa ambigüidade decorreria da própria dificuldade que teríamos em compreender o fenômeno moderno; assim, pelo fato de a ordem social vigente parecer “estar fora do nosso controle”, novos termos, como Pós-modernidade, são inventados com o fito de tentar organizar aquilo que tem escapado à nossa compreensão. Contudo, a atitude mais adequada, conforme Giddens, seria “olhar novamente para a natureza da própria modernidade” – quando, então, poderíamos concluir: “Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas do que antes” (1991, p. 12-13). E quais seriam essas conseqüências da Modernidade? Quais seriam os efeitos radicais desse fenômeno chamado moderno? Ainda conforme Giddens, a Modernidade parece se configurar como uma faca de dois gumes: há o seu lado benéfico e o seu aspecto sombrio. Se, por um lado, a Modernidade trouxe consigo avanços consideráveis em áreas como a medicina, informática, meios de transporte, etc. – áreas que proporcionam um maior conforto e, por vezes, estabilidade à existência humana – por outro, desenvolveu, também, aspectos que põem em risco a nossa segurança. Se a industrialização, por exemplo, promoveu o avanço de áreas que aumentaram o nosso bem-estar, essa mesma industrialização crescente tem provocado, cada vez mais, a degradação do meio-ambiente. Além disso, há de se considerar ainda que a emergência dos estados- nação modernos trouxe consigo, em vários contextos, a possibilidade do totalitarismo político – em detrimento do despotismo tradicional. Na esteira desse totalitarismo político, veio o “desenvolvimento do poder militar como um fenômeno geral”. E o século XX, que testemunhou o nascimento do avião, o aperfeiçoamento do automóvel, o avanço da medicina, o surgimento da informática, dentre vários outros benefícios, testemunhou, também, o bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki (1991, p. 16-18). É por isso que Giddens afirma que, em sua análise do caráter da Modernidade, ele vê a necessidade de “concentrar uma parte substancial da divisão sobre os temas segurança versus perigo e confiança versus risco” (1991, p. 16; itálicos do autor). Esse caráter paradoxal e ambíguo da Modernidade tem gerado um ambiente, constantemente, de instabilidade. Tudo se torna cada vez mais provisório; a efemeridade parece estar se tornando a marca registrada dos tempos atuais; nossa percepção de tempo e espaço se altera cada vez mais; as distâncias diminuem. Todo esse complexo desenrolar, certamente, afeta a nossa percepção da realidade. Aliás, não apenas a nossa percepção da realidade: mas, também, as próprias identidades – tanto as individuais, como as culturais. Hall parece ter percebido bem esse fenômeno. Através do seu A Identidade Cultural na Pós- modernidade é possível compreender, perfeitamente, como as mudanças estruturais da Modernidade e do que ele chama de Modernidade Tardia têm contribuído para o descentramento tanto das identidades, como do sujeito moderno. Ele já inaugura seu texto chamando a atenção para o fato de que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
  • 3. XI Congresso Internacional da ABRALIC 13 a 17 de julho de 2008 Tessituras, Interações, Convergências USP – São Paulo, Brasil declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (1999, p. 7). Essa chamada “crise de identidade” faria “parte de um processo mais amplo de mudança”, que estaria “deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (1999, p. 7). Ele ainda diz o seguinte: Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Essas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Essa perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito (1999, p. 9). Prosseguindo em suas reflexões, Hall passa a analisar três diferentes concepções de identidade e o modo como essas concepções foram se descentrando ao longo da Modernidade. A primeira concepção é a do sujeito do Iluminismo: esse sujeito seria “totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação”; o seu “centro” consistiria “num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo [...] ao longo da existência do indivíduo” (1999, p. 10-11). Como é possível perceber, trata-se de uma concepção extremamente essencialista e individualista da identidade. A segunda concepção refere-se ao sujeito sociológico: aqui já é possível perceber um certo descentramento em relação ao sujeito do Iluminismo. Se o sujeito do Iluminismo é unificado, centralizado, autocentrado, o sujeito sociológico, por sua vez, já não é mais tão autônomo e auto- suficiente, mas, pelo contrário, a identidade desse sujeito é formada através da interação entre o eu e a sociedade; o sujeito ainda possuiria “um núcleo” ou “essência interior”, que seria o seu “eu real”, contudo, esse núcleo seria “formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem” (1999, p. 11). Essa noção, como é fácil notar, parecia já refletir a crescente complexidade do mundo moderno. A terceira concepção refere-se ao sujeito pós-moderno: agora, o distanciamento em relação ao sujeito do Iluminismo já é total. Já não há mais coerência e unidade: há fragmentação e ambigüidade. O sujeito sociológico, como vimos, já se distanciava bastante da concepção do sujeito do Iluminismo: a idéia de uma identidade única e estável parecia se tornar, cada vez mais, uma utopia. No caso do sujeito pós-moderno, já não se fala mais em identidade “unificada e estável” – mas em identidades fragmentadas: “algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas” (1999, p. 12). Como se vê, a identidade do sujeito pós-moderno já não é mais fixa, essencial ou permanente – mas uma “celebração móvel” (1999, p. 12-13). O fato de a identidade desse sujeito pós-moderno ser uma espécie de “celebração móvel” faz com que ele “assum(a) identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (1999, p. 13). Além disso, Hall ainda ressalta que: Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. [...] A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia (1999, p. 13). Assim, todo o panorama traçado ao longo deste tópico nos permitiu perceber como que a questão da identidade tem sido retratada nesses tempos pós-modernos: de um modo um tanto
  • 4. XI Congresso Internacional da ABRALIC 13 a 17 de julho de 2008 Tessituras, Interações, Convergências USP – São Paulo, Brasil quanto confuso, ambíguo, incerto, inseguro, não-resolvido; as bases de qualquer segurança vacilam cada vez mais. Como acabamos de ver, dentro de nós existem “identidades contraditórias”, que nos empurram em “diferentes direções”, fazendo com que nossas identificações sejam “continuamente deslocadas”. Tudo isso é fruto, sem dúvida, das lentas, mas contínuas mudanças estruturais que a Modernidade tem acarretado, bem como, também, do próprio processo de descentramento que o Ocidente tem sofrido nessa era de Globalização. A identidade, então, torna-se, cada vez mais, um fenômeno ambíguo e confuso: e é exatamente nesse terreno, confuso e ambíguo, que floresce a questão da tradução cultural – como veremos, a seguir, n’A Varanda do Frangipani, de Mia Couto. Domingos Mourão, ou Xidimingo: O traduzido cultural “Dizem que havia, nesse tempo, um velho preto que andava pelas praias a apanhar destroços de navios. Recolhia restos de naufrágios e os enterrava. Acontece que uma dessas tábuas que ele espetou no chão ganhou raízes e reviveu em árvore” (Fábula narrada por Domingos Mourão, n’A Varanda do Frangipani). “Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado” (Stuart Hall – A Identidade Cultural na Pós-modernidade). Um dos aspectos presentes (e dos mais interessantes) no debate contemporâneo é a questão da tradução cultural. Num mundo em que as fronteiras estão cada vez mais diluídas, em que as distâncias diminuem, em que culturas intensificam cada vez mais seus contatos, em que o Centro é desestabilizado e as margens, então, são disseminadas; num mundo em que as identidades, antes sólidas e fixas, tornam-se transitórias, confusas, ambíguas: nesse mundo, em constante deslocamento, identidades e culturas parecem não guardar mais posições fixas e seguras. É nesse contexto que surge a reflexão sobre a noção de tradução cultural. Stuart Hall, no excerto escolhido para epígrafe deste tópico, chama-nos a atenção para o fato de que, em toda parte, “estão emergindo identidades culturais que não são fixas”, mas, pelo contrário, “estão suspensas, em transição, entre diferentes posições”; essas identidades “retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais”; além disso, elas “são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado”. Dessa forma, muitos têm sido tentados a pensar na identidade, nessa era globalizada, como destinada ou a retornar a suas “raízes” ou a desaparecer através da assimilação e da homogeneização. Mas, segundo Hall, “esse pode ser um falso dilema” (1999, p. 88). É para esse impasse, então, que se propõe o conceito de tradução cultural. Tal conceito pretende descrever aquelas formações identitárias “que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”. Essas pessoas dispersadas já não nutrem mais “a ilusão de um retorno ao passado”. Dessa forma, “são obrigadas a negociar com as culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades”. Surgem, então, novas identidades, híbridas, identidades que são “o produto de várias histórias e culturas interconectadas”, identidades que pertencem a uma e “várias casas”. As pessoas que vivem nesse contexto “devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas” – pois “estão irrevogavelmente traduzidas” (1999, p. 88-89; itálico do autor). A questão da tradução cultural também está presente no enredo d’A Varanda do Frangipani: e o personagem que nos servirá de exemplo para ilustrar essa imagem é o português Domingos Mourão. Uma das primeiras marcas que aponta para o fato de Mourão ser um personagem traduzido
  • 5. XI Congresso Internacional da ABRALIC 13 a 17 de julho de 2008 Tessituras, Interações, Convergências USP – São Paulo, Brasil culturalmente é o seu nome de “rebaptismo” em Moçambique: Xidimingo. Domingos Mourão é o seu “nome de nascença”: mas “aqui me chamam Xidimingo” (1996, p. 47). Esse “rebaptismo”, sem dúvida, aponta para o fato de que Domingos Mourão é um ser “dispersado para sempre de sua terra natal”: aponta, também, para o fato de que o velho português teve que “aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas. Contudo, a meu ver, a imagem mais eloqüente desse seu estado de traduzido cultural é a fábula da árvore que ele narra ao inspetor Izidine Naíta – e que serve de epígrafe para este tópico: reparemos que o fragmento de tábua que o “velho preto” planta no chão, fazendo com que ela ganhe raízes e reviva em árvore, vem de um outro local e se adapta a um novo mundo – revivendo em árvore. Além disso, trata-se de um fragmento de madeira que interage com um novo solo, um novo ambiente: um fragmento de madeira que, ao se deslocar e interagir com esse novo e estranho ambiente, é traduzido em árvore – e é exatamente essa árvore que Xidimingo assume ser:“[...] eu sou essa árvore. Venho de uma tábua de outro mundo mas o meu chão é este, minhas raízes renasceram aqui. São estes pretos que todos os dias me semeiam“ (1996, p. 48). Ao assumir de maneira tão enfática ser essa árvore, Xidimingo está, ainda que não o diga com todas as letras, assumindo o seu estado de traduzido cultural. Outra imagem que me chama muito a atenção é a sua afirmativa de que “são estes pretos que todos os dias me semeiam”: essa imagem de ser semeado, diariamente, pelos pretos do asilo, parece apontar para o fato de que Xidimingo, cotidianamente, “negocia” com a nova cultura em que vive, interage com ela, contudo, “sem ser simplesmente assimilado por ela e sem perder completamente sua identidade”. Isso fica muito nítido na nova maneira como fala o português – “com a gramática toda suja, da cor desta terra”: “Desculpe-me este meu português, já nem sei que língua falo, tenho a gramática toda suja, da cor desta terra“ (1996, p. 48). Referências Bibliográficas: [1] COMPAGNON, Antoine. Os Cinco Paradoxos da Modernidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. [2] COUTO, Mia. A Varanda do Frangipani. Lisboa: Caminho, 1996. [3] GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991. [4] HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. 1 Marcos ANDRADE, doutorando (bolsista FAPEMIG) Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) marcostorga@yahoo.com