1) O documento discute o conceito de "paleolitismo psíquico" que combina características da Idade da Pedra com alta tecnologia.
2) Defende que as novas tecnologias podem ser libertadoras, mas ainda precisam superar sua utilização para opressão.
3) A Associação para a Anarquia Ontológica apoia sociedades tribais e visões futuristas radicais, rejeitando determinismos tecnológicos ou outros.
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
BEY, Hakim (sd) - Paleolitismo Psíquico e Alta Tecnologia
1. Paleolitismo Ps´
ıquico e Alta Tecnologia
Hakim Bey
S´ porque a AAO (Associa¸˜o para a Anarquia Ontol´gica) fala de ”paleolitismo”o
o ca o
tempo todo, n˜o fique com a impress˜o de que queremos nos mandar de volta ` Idade da
a a a
Pedra.
N˜o temos o menor interesse em ”voltar ` terra natal”, se o pacote de viagem incluir
a a
a entediante vida de camponˆs chutador-de-bosta – nem queremos o ”tribalismo”, se ele
e
vier com tabus, fetiches e m´-alimenta¸˜o. N˜o temos nada contra o conceito de cultura
a ca a
– incluindo a tecnologia; para n´s, o problema come¸a com a civiliza¸˜o.
o c ca
O que gostamos da vida no Paleol´ ıtico foi resumido pela escola de antropologia dos
povos sem autoridade: a elegante pregui¸a da sociedade do ca¸ador/coletor, o trabalho de
c c
duas horas por dia, a obsess˜o pela arte, dan¸a, poesia e afetividade, a ”democratiza¸˜o
a c ca
do xamanismo”, a cultiva¸˜o da percep¸˜o – em suma, a cultura.
ca ca
O que n´s detestamos na civiliza¸˜o pode ser deduzido da seguinte progress˜o: a
o ca a
”revolu¸˜o agr´
ca ıcola”; a emergˆncia das castas; a cidade e seu culto do controle hier´tico
e a
(”Babilˆnia”); escravid˜o; dogma; imperialismo (”Roma”). A supress˜o da sexualidade
o a a
no ”trabalho”sob a ´gide da ”autoridade”. ”O Imp´rio nunca terminou.”
e e
Um paleolitismo ps´quico, baseado na Alta Tecnologia – p´s-agr´
ı o ıcola, p´s-industrial,
o
”Trabalho-Zero”, nˆmade (ou ”Cosmopolita Desenraizado”) – uma Sociedade de Para-
o
digma do Quantum – essa constitui uma vis˜o ideal do futuro segundo a Teoria do Caos
a
e a ”futurologia”(no sentido que Robert Anton Wilson e T. Leary d˜o para o termo).
a
Quanto ao presente: rejeitamos todo tipo de colabora¸˜o com a civiliza¸˜o da Anore-
ca ca
xia e da Bulimia, com pessoas t˜o envergonhadas de nunca terem sofrido que inventam
a
m´scaras penitentes para si mesmas e para os outros – ou aqueles que empanturram-se
a
sem compaix˜o e depois despejam o vˆmito de sua culpa suprimida em grandes acessos
a o
masoquistas de exerc´ıcios e dietas. Todos os nossos prazeres e autodisciplina nos perten-
cem por natureza – nunca nos negamos, nunca desistimos de nada; mas algumas coisas
desistiram de n´s e nos deixaram, porque somos muito grandes para elas. Sou ao mesmo
o
tempo o homem da caverna, o mutante das estrelas, o seu conterrˆneo e o pr´
a ıncipe livre.
Uma vez um chefe ind´ `
ıgena foi convidado para um banquete na Casa Branca. A medida
que a comida era servida, o chefe encheu seu prato ao m´ximo poss´
a ıvel, n˜o apenas uma,
a
mas trˆs vezes. Enfim, o branquelo sentado ao seu lado disse: ”Chefe, he, he, he, vocˆ
e e
n˜o acha que ´ um pouco demais?Uh”, disse o chefe, ”um pouco demais ´ perfeito para o
a e e
Chefe!”
No entanto, certas doutrinas da ”futurologia”continuam problem´ticas. Por exemplo,
a
mesmo que aceitemos o potencial libertador das novas tecnologias como a TV, os com-
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2. putadores, a rob´tica, a explora¸˜o espacial etc., ainda percebemos uma grande distˆncia
o ca a
entre potencial e realidade. A banaliza¸˜o da TV, a burguesifica¸˜o dos computadores e
ca ca
a militariza¸˜o do espa¸o sugerem que essas tecnologias, por si s´, n˜o oferecem qualquer
ca c o a
garantia ”espec´ıfica”para seu uso libert´rio.
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Mesmo se rejeitarmos o holocausto nuclear como apenas mais uma divers˜o espeta-
a
cular orquestrada para distrair nossa aten¸˜o dos problemas reais, devemos admitir que
ca
a ”Inevit´vel Destrui¸˜o M´tua”e a ”Guerra Pura”tendem a diminuir nosso entusiasmo
a ca u
por alguns aspectos da aventura da Alta Tecnologia. A Anarquia Ontol´gica mant´m sua
o e
afei¸˜o pelo luditismo como t´tica: se uma dada tecnologia, n˜o importa o qu˜o admir´vel
ca a a a a
em termos de potencial (no futuro), ´ usada para oprimir-me aqui e agora, ent˜o eu devo
e a
ou empunhar a arma da sabotagem, ou dominar os meios de produ¸˜o (ou, talvez mais
ca
importante, os meios de comunica¸˜o). N˜o h´ humanidade sem t´chne – mas n˜o h´
ca a a e a a
t´chne mais valiosa do que minha humanidade.
e
Desprezamos o anarquismo panaca e antitecnol´gico – pelo menos, para n´s (h´ aqueles
o o a
que dizem que gostam da vida do campo) – e rejeitamos tamb´m o conceito de uma fixa¸˜o
e ca
tecnol´gica. Para n´s, todas as formas de determinismo s˜o igualmente ins´
o o a ıpidas – n˜o
a
somos escravos nem de nossos genes nem de nossas m´quinas. O que ´ ”natural”´ aquilo
a e e
que imaginamos e criamos. ”A Natureza n˜o tem leis – apenas h´bitos.”
a a
Para n´s, a vida n˜o pertence nem ao passado – a terra dos famosos fantasmas amon-
o a
toando seus bens maculados pela cova – nem ao futuro, cujos cidad˜os mutantes com
a
c´rebro em forma de bulbo guardam com zelo os segredos da imortalidade, do vˆo mais
e o
r´pido que a velocidade da luz, dos genes desenhados artificialmente e do encolhimento
a
do Estado. Aut nunc aut nihil. Todo momento cont´m uma eternidade a ser penetrada
e
– no entanto, nos perdemos em vis˜es assimiladas atrav´s dos olhos de cad´veres, ou na
o e a
nostalgia por uma perfei¸˜o ainda n˜o-nascida.
ca a
As realiza¸˜es dos meus ancestrais e descendentes n˜o s˜o, para mim, nada mais do
co a a
que um conto instrutivo e interessante – eu jamais os verei como superiores, mesmo para
desculpar minha pr´pria pequenez. Mandarei imprimir para mim mesmo uma licen¸a
o c
para roubar deles tudo o que eu quiser – paleolitismo ps´ ıquico ou alta-tecnologia – ou,
que seja, os belos detritos da pr´pria civiliza¸˜o, os segredos dos Mestres Ocultos, os
o ca
prazeres da nobreza fr´
ıvola e la vie boheme.
La decadance. Pelo contr´rio, Nietzsche, n˜o obstante, possui um papel t˜o profundo
a a a
na Anarquia Ontol´gica quanto a sa´de – cada um toma o que quiser do outro. Estetas de-
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cadentes n˜o travam guerras est´pidas nem submergem sua consciˆncia no ressentimento
a u e
e na ganˆncia microcef´licos. Eles buscam aventura na inova¸˜o art´
a a ca ıstica e na sexuali-
dade n˜o-ordin´ria, ao inv´s de busc´-la na desgra¸a alheia. A AAO admira e emula sua
a a e a c
indolˆncia, seu desd´m pela estupidez e normalidade, sua expropria¸˜o das sensibilidades
e e ca
aristocr´ticas. Para n´s, essas qualidades harmonizam-se paradoxalmente com aquelas
a o
da Idade da Pedra e sua abundante sa´de, ignorˆncia de qualquer hierarquia, cultivo da
u a
virtu ao inv´s da Lei. Exigimos decadˆncia sem doen¸a, e sa´de sem t´dio!
e e c u e
Assim, a AAO oferece apoio incondicional para todos os povos nativos e tribais em sua
luta por completa autonomia – e, ao mesmo tempo, para todas as especula¸˜es e exigˆncias
co e
mais doidas e fora da realidade dos futurologistas. O paleolitismo do futuro (que, para
n´s, mutantes, j´ existe) ser´ alcan¸ado em grande escala apenas atrav´s de uma massiva
o a a c e
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3. tecnologia da Imagina¸˜o, e de um paradigma cient´
ca ıfico que v´ al´m da mecˆnica quˆntica,
a e a a
para o reino da Teoria do Caos e das alucina¸˜es da fic¸˜o especulativa.
co ca
Como cosmopolitas desenraizados, reivindicamos todas as belezas do passado, do ori-
ente, das sociedades tribais – tudo isso deve e pode ser nosso, mesmo os tesouros do
Imp´rio: nosso para compartilharmos. E, ao mesmo tempo, exigimos uma tecnologia que
e
transcenda a agricultura, a ind´stria, a simultaneidade da eletricidade, um hardware que
u
fa¸a a interse¸˜o com o aparelho vivo da consciˆncia, que abrace o poder dos quarks, das
c ca e
part´
ıculas viajando no tempo, do quasares e dos universos paralelos.
Cada ide´logo enfurecido do anarquismo e do libertarismo prescreve alguma utopia
o
an´loga aos v´rios tipos de vis˜o que tˆm, da comuna camponesa ` cidade espacial.
a a a e a
N´s dizemos, deixemos que um milh˜o de flores se abram – sem nenhum jardineiro para
o a
arrancar ervas daninhas e proibir brincadeiras de acordo com algum esquema moralizante
ou eugenista. O unico conflito verdadeiro ´ entre a autoridade do tirano e a autoridade
´ e
do ser realizado – todo o resto ´ ilus˜o, proje¸˜o psicol´gica, verborragia.
e a ca o
Num certo sentido, os filhos e filhas de Gaia nunca deixaram o paleol´
ıtico; noutro, todas
as perfei¸˜es do futuro j´ s˜o nossas. Apenas a insurrei¸˜o ”resolver´”esse paradoxo –
co a a ca a
apenas o levante contra a falsa consciˆncia tanto em n´s mesmos quanto nos outros vai
e o
varrer a tecnologia da opress˜o e a pobreza do Espet´culo. Nessa batalha, uma m´scara
a a a
pintada ou o chocalho de um xam˜ podem vir a ser vitais para a captura de um sat´lite
a e
de comunica¸˜es ou de uma rede secreta de computadores.
co
Nosso unico crit´rio de julgar uma arma ou uma ferramenta ´ sua beleza. Os meios j´
´ e e a
a ca a e ´ Ser. Passado e
s˜o os fins, de certo modo, a insurrei¸˜o j´ ´ nossa aventura; Tornar-se E
futuro existem dentro de n´s e para n´s, alfa e ˆmega. N˜o existem outros deuses antes
o o o a
ou depois de n´s. Estamos livres no TEMPO – e estaremos livres no ESPACO tamb´m.
o ¸ e
(Nossos agradecimentos a Hagbard Celine, o s´bio de Howth e redondezas.)
a
Revisado por Bruno Cardoso
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