1) O documento discute o conceito de orientalismo desenvolvido por Edward Said, no qual os ocidentais generalizam e consideram inferiores os povos não-europeus. Ainda há resquícios disso nos estudos sobre árabes e islã.
2) Também analisa os movimentos de protesto como a Primavera Árabe e Occupy Wall Street, impulsionados pelo descontentamento com as estruturas políticas e econômicas vigentes, como a crise de 2008 e a austeridade. Essas manifestações se espalharam com ajuda da
G2 de História do Mundo Contemporâneo - Larissa Costard
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AVALIAÇÃO – G2 – 8,0 pontos
1) Em Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, de Edward W. Said,
entende-se orientalismo como uma maneira de enxergar o mundo pelos ocidentais que
generaliza povos não-europeus e os considera civilizações inferiores. Mesmo hoje em
dia, encontram-se resquícios do orientalismo em estudos sobre os árabes e o islã:
“(...) um é a absoluta e sistemática diferença entre o Ocidente, que é racional,
desenvolvido, humanitário e superior, e o Oriente, que é aberrante, subdesenvolvido e
inferior” (SAID, Edward, 1950, página 305)
Outros dogmas, para o autor, são as ideias de que o Oriente é “eterno, uniforme e
incapaz de definir a si mesmo”. Acredita-se que o oriental precisa de investigação e
“até mesmo de conhecimento sobre si mesmo”. Ele seria a fonte de informação – um
tema –, escreve Said, para a fonte de conhecimento (o orientalista), que seria um
escritor. Por ser algo “fixo, estável”, argumenta-se, portanto, que é inevitável usar
termos que fogem de estereótipos ou palavras de um meio comum.
“Para eles ainda há coisas como uma sociedade islâmica, uma mente árabe, uma psique
oriental. Mesmo aqueles cuja especialidade é o mundo islâmico contemporâneo usam,
anacronicamente, textos como o Corão para decifrar cada faceta da sociedade argelina ou
egípcia moderna” (SAID, Edward, 1950, página 306)
A mesma situação podemos observar no trecho abaixo, quando Said analisa que
mesmo um homem que se considera “conhecer” os árabes, o professor Gil Carl Alroy,
comete desvios na hora de usar os termos – árabe e egípcio para Alroy parecem ser
sinônimos – e mantém a ideia de que os árabes querem destruir Israel.
“(e Alroy faz um uso ostensivo da sua capacidade de citar evidências extraídas dos
jornais egípcios, evidência esta que ele identifica a toda hora com os ‘árabes’, como se
ambos, jornais árabes e egípcios, fossem a mesma coisa)” (SAID, Edward, 1950, página
312)
Percebemos o mesmo sentimento no trecho abaixo, quando Said destrincha as
variáveis dos conceitos de autores quanto ao islã. Dependendo da pessoa, a definição
pode ser completamente diferente, reforçando o argumento do vocabulário
generalista. Isso também nos faz perceber que o islã é, de fato, raramente estudado
afinco, deixando claro as diferenças entre o islã às pessoas inseridas no ambiente e o
que o autor acredita ser o islã.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Disciplina: HIS1308 – História do Mundo Contemporâneo
Aluna:
2o
semestre de 2013
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“Para alguns autores da History, o islã é uma política e uma religião; para outros, é um
estilo de ser; para outros ainda, ele é `separável da sociedade islâmica`; e, finalmente, é
uma essência misteriosamente conhecida: para todos os autores, o islã é uma coisa
remota, sem tensões, sem muito o que nos ensinar a respeito das complexidades dos
muçulmanos de hoje” (SAID, Edward, 1950, página 310)
Outro ponto do orientalismo é a impressão de que o Oriente traz medo, tensão e
precisa ser controlado. A figura do árabe começa a ter mais destaque, principalmente,
desde a Segunda Guerra Mundial e depois cada um dos conflitos árabe-israelenses.
“Assim, se o árabe ocupa bastante atenção, é como um valor negativo. Ele é visto como
um perturbador da vida de Israel e do Ocidente, ou , em outra perspectiva da mesma
coisa, como um obstáculo superável à criação de Israel em 1948” (SAID, Edward, 1950,
página 290)
É depois da guerra de 1973, porém, que a imagem de ameaçador fica mais vinculada a
ele. Em tal momento, durante a Guerra Fria, ocorreu um conflito dos estados árabes
contra Israel. Os Estados Unidos interviram a favor de Israel, enquanto a União
Soviética ficou do lados dos países árabes, liderados pelo Egito e pela Síria.
“(...) porque os árabes são, antes de mais nada, uma única coisa em sua inclinação para a
vingança sangrenta e, em segundo lugar, psicologicamente incapazes de paz e, por
último, exatamente o contrário, não se deve confiar neles, e devem ser combatidos como
se combate qualquer doença fatal” (SAID, Edward, 1950, página 312)
Também foi em 1973 que ocorreu uma das crises do petróleo – a seguinte foi em
1979, quando teve a Revolução do Irã, que trouxe medidas próximas ao socialismo,
como estatizações e reforma agrária –, quando os países árabes, detentores de
bastantes reservas de petróleo, boicotaram os EUA e os demais que apoiavam Israel.
Apesar do supervalorização do petróleo, o boicote beneficiou poucos árabes, mas
principalmente as companhias de petróleo ocidentais.
“Sem os costumeiros eufemismos, a pergunta que se ouve com maior frequência é por
que motivo se permite que gente como os árabes mantenham o mundo desenvolvido
(livre, democrático, moral) sob ameaça. De perguntas como essa passa-se
frequentemente à sugestão de que os campos de petróleo árabes sejam invadidos pelos
fuzileiros” (SAID, Edward, 1950, página 291)
Para Said, o dinheiro e os recursos garantiram certo glamour, nas palavras dele, aos
estereótipos dos árabes. Já o orientalismo continua em franca expansão e domina até o
próprio Oriente, com análises superficiais sobre “a mente árabe”, “o islã” e outros
mitos. Atualmente, o mundo árabe tem inúmeras influências intelectuais, políticas e
econômicas estadunidenses. Segundo o autor, os jovens são encorajados a estudar nos
Estados Unidos para prosseguir com a carreira, enquanto outra parte vai estudar na
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Europa. O EUA são o principal patrocinador em estudos, pesquisas e negócios,
fortalecendo assim o papel desempenhado pelo país. A deficiência na educação e
ausência de bibliotecas também pode ser notado no trecho abaixo.
“(...) ao passo que existem dúzias de organizações nos Estados Unidos para estudar o
árabe e o Oriente islâmico, não existe nenhuma no próprio Oriente para estudar os
Estados Unidos, de longe a maior influência econômica e política na região. Pior, mal
existem quaisquer instituições, até mesmo de estatura modesta, no Oriente, devotadas ao
estudo do Oriente” (SAID, Edward, 1950, página 328)
Apesar de ser estudado pelos EUA, nota-se que os estereótipos permanecem na mídia
norte-americana há anos. O inimigo hollywoodiano, que já foi o russo, durante o auge
da Guerra Fria, passou com o tempo a ser o muçulmano. A imagem retratada deles
costuma ter atenção negativa, com caráter fragmentário; são incompetentes e
facilmente derrotados, desonestos, sádicos, libidinosos, imorais, traiçoeiros, etc.
Mesmo a poligamia não é enfatizada como questão cultural, mas sim como putaria. A
mulher tem que estar sempre numa posição de submissão; ser mal tratada.
“Nos filmes e na televisão, o árabe é associado à libidinagem ou à desonestidade sedenta
de sangue. Aparece como um degenerado super-sexuado, capaz, é claro, de intrigas
astutamente tortuosas, mas essencialmente sádico, traiçoeiro, baixo. Traficante de
escravos, cameleiro, cambista, trapaceiro pitoresco: estes são alguns dos papéis
tradicionais do árabe no cinema” (SAID, Edward, 1950, página 291)
“(...) embora os processos de pensamento humano possam ser reduzidos a oito, a mente
islâmica é capaz de apenas quatro, ou um Morroe Berger presumindo que, posto que a
linguagem árabe é muito dada à retórica, consequentemente os árabes são incapazes de
pensamento real” (SAID, Edward, 1950, página 315)
“A intenção polêmica, e não erudita, de Lewis é mostrar, neste caso e em outros, que o
islã é uma ideologia antissemita, não uma mera religião. (...) Como demonstra a segunda
versão da sua tendenciosa anedota, ele segue proclamando que o islã é uma horda
irracional ou um fenômeno de massas, que governa os muçulmanos por meio de paixões,
instintos e ódios irrefletidos” (SAID, Edward, 1950, página 321)
Enquanto o árabe passa por associações relacionadas à sexualidade, à ética, à
inteligência, o islã não escapa dos “velhos estereótipos orientalistas disfarçados de
jargão de planejamento” e é tachado de antissemita e encarado como uma forma de
manipular o povo para conseguir apoio. Algo que até nos leva a crer que eles têm o
objetivo de dominar o mundo e destruir a civilização ocidental. Novamente, os termos
foram desumanizados por meio de uma generalização de orientalistas; faltam
experiências pessoais, individualidades. O autor enxerga a melhora na produção de
material para conhecimento público e a diminuição da presunção do profissional
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como avanços na luta contra o orientalismo. Além disso, ele propõe que passe a se
pensar mais na comunidade humana como um todo.
“A qualquer custo, a meta de orientalizar continuamente o Oriente deve ser evitada, com
consequências que não podem senão refinar o conhecimento e reduzir a presunção do
estudioso. Sem o “Oriente” haveria estudiosos, críticos, intelectuais e seres humanos para
os quais as distinções raciais, étnicas e nacionais seriam menos importantes que o
empreendimento comum de promover a comunidade humana” (SAID, Edward, 1950,
página 331 e 332)
“(...) ao ter de assumir uma posição de irredutível oposição a uma região do mundo que
ele considerava como estranha à sua própria, o orientalismo não foi capaz de identificar-
se com a experiência humana, nem foi capaz de vê-la como experiência humana” (SAID,
Edward, 1950, página 332)
2) Por capitalismo contemporâneo, ou neoliberalismo, entende-se uma ideologia de
caráter anticomunista com base na contenção dos movimentos sindicais e dos salários
e no Estado mínimo. Os pequenos artigos que compõem a obra Occupy, organizada
por David Harvey, refletem o cenário no qual surgiu, inicialmente no norte da África,
o fenômeno conhecido como Primavera Árabe. As manifestações populares chegaram
a se alastrar para a Europa, Rússia e até para os Estados Unidos, onde formaram o
movimento “Occupy Wall Street”. Sobre o caráter das manifestações, o autor
Henrique Soares Carneiro aponta o descontentamento contra as estruturas políticas
partidárias e sindicais vigentes como um dos motivos para as manifestações.
“O pano de fundo objetivo é uma crise social, econômica e financeira que se arrasta
desde 2008 e tem como consequência a carestia dos gêneros alimentares e o aumento do
desemprego, mas o grande impasse que está presente é a ausência de alternativas
políticas organizadas” (S. CARNEIRO, Henrique, 2012, página 8)
No norte da África, por exemplo, o movimento assumiu uma posição revolucionária
para colocar o fim a longas ditaduras. Foi o caso de países como Tunísia, Egito, Líbia
e Iêmen. Já no Chile, segundo o autor, a reinvindicação focava principalmente no
desejo da educação pública e gratuita, com largo apoio de camadas, o que acabou
desestabilizando o governo de Sebastian Piñera. Mesmo grandes corporações
sofreram os efeitos das manifestações. Com a ajuda não só da mídia tradicional, mas
principalmente das mídias sociais – como Facebook e Twitter –, houve um despertar
da população que passou a lutar por questões que estavam quase esquecidas pela
sociedade.
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“O movimento estendeu-se de forma epidêmica, no sentido grego original da palavra,
que indica não só uma doença, mas algo que ocorre com muita gente do povo, como a
conversão religiosa dionisíaca, por exemplo. Houve algo de dionisíaco nos
acontecimentos de 2011: uma onda de catarse política protagonizada especialmente pela
nova geração (...)” (S. CARNEIRO, Henrique, 2012, página 9)
Ainda segundo Carneiro, o viés anarquista existente nesses movimentos ia na
contramão do presente modelo “reformista e regulacionista do capitalismo”. Ele
acredita ainda que os simpatizantes do movimento anticapitalista global, porém, não
devem abrir mão do espaço que pode ser ocupado por partidos de direita.
“Há uma regulamentação global e perda de direitos sociais em nome da ‘flexibilização’
que ampliou a nova camada social precarizada concentrada nos mais jovens. Esses
jovens indignados da Europa, assim como os insurretos shabab (‘jovens’) do mundo
árabe, são os que despertaram uma nova euforia política num mundo dominado pelos
ideais de individualismo, de perpétua continuidade do cotidiano e de carência de projetos
coletivos para o futuro” (S. CARNEIRO, Henrique, 2012, página 13)
Houve ainda agressão física, principalmente nos locais onde a ditadura resistia, para
tentar acabar com os protestos. Pessoas foram presas no Chile e nos Estados Unidos.
A repressão no Bahrein, na Síria e no Egito matou centenas de pessoas. O filho do
ditador Kadafi chegou a ir à televisão alegar que os rebeldes faziam parte de uma
conspiração. Novas medidas da política de austeridade, no entanto, foram
recomendadas pelo FMI, União Europeia e Banco Europeu e prontamente seguidas,
escreveu Carneiro.
Já o filósofo Slavoj Žižek trata das dúvidas quanto ao movimentos, como, por
exemplo, o que pode substituir o sistema vigente; o capitalismo atual e quem são os
líderes. Žižek também se questiona se os movimentos são antiamericanos e diferencia
os movimentos de Londres e dos EUA dos do Egito.
“Diferentemente dos egípcios na praça Tahrir, com quem os manifestantes de Londres e
Nova York se comparam de maneira aberta (e ridícula), nós temos instituições
democráticas no mundo ocidental. Elas são planejadas para refletir, pelo menos de forma
grosseira, o desejo de transformação política global, tampouco controlar o que acontece
fora de suas fronteiras” (ŽIŽEK, Slavoj, 2012, página 20).
O filósofo aponta diversos questionamentos e possíveis motivos para o surgimentos
dos movimentos. Segundo ele, as respostas já são as reivindicações dos movimentos,
e o intelectual deve, portanto, propor as questões para ela – como ele fez no texto.
João Alexandre Peschanski se concentra em uma das principais críticas dos
movimentos, a crise econômica. Para eles, essa é talvez a bandeira mais forte do
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movimento, já que atrapalha o funcionamento da democracia. Peschanski se posiciona
claramente contra o neoliberalismo. Ele aponta dois argumentos que, segundo ele,
geram a desigualdade social e aos quais ele é contra. Um deles é falta de políticas de
redistribuição econômica com o argumento de que reduz o incentivo ao trabalho. A
desigualdade econômica seria positiva por manter o dinamismo do sistema produtivo.
Outro ponto tocado seria que desigualdade econômica não quer dizer pobreza, mas
sim que há uma diferença entre as classes. Ele exemplifica que um grupo pode estar
morando em castelos, enquanto outro, em bons apartamentos. Segundo Peschanski, o
primeiro prejudica a queda da desigualdade econômica, porque não tem relação com o
crescimento econômico. Já o segundo ainda traz um efeito negativo para a sociedade.
“Primeiro, os riscos têm acesso mais fácil aos tomados de decisão e capacidade de
influenciá-los, de modo legal e ilegal. Segundo, há um viés nas arenas políticas para
atender aos interesses da parcela da população que controla os fluxos de investimento”
(PESCHANSKI, João Alexandre, 2012, página 30)
O escritor Tariq Ali também foca na questão financeira. Para Ali, os manifestantes
estão nas ruas para criticar “um sistema de capital financeiro despótico: um vampiro
infectado pela ganância que sobrevive chupando o sangue de quem não é rico”. O
escritor acredita que o dinheiro corrompeu as pessoas e os países passam a ter um
sistema de dois partidos. Republicados e democratas, nos Estados Unidos; socialistas
e conservadores, na França. As privatizações de empresas públicas se tornaram mais
frequentes e cobradas pela imprensa neoliberal. A sociedade foi mercantilizada, e os
cidadãos agora são clientes. Todos estavam encantados com o capitalismo e, por isso,
não perceberam a bolha imobiliária de 2008 se aproximando, conta.
“Pelo caminho em que estão indo, haverá mais privações, desempregos e desastres
sociais. É necessária uma completa inversão precedida pela admissão pública de que o
sistema Wall Street não poderia funcionar e não funcionou, portanto tem de ser
abandonado” (ALI, Tariq, 2012, página 71)
Assim como Carneiro, Immanuel Wallerstein aponta problemáticas no sistema
vigente. Ele lembra as grandes dívidas contrariadas pelos governos, a receita
reduzida, o alto desemprego e as medidas de austeridade. Para ele, nos próximos 20
ou 40 anos, haverá uma batalha fundamental para definir qual sistema sucederá o
capitalismo “quando ele entrar em colapso”. Já o professor da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) Edson Teles esmiúça as vítimas do capitalismo – os usuários
de crack, os removidos por causa da especulação imobiliária, os agredidos pela
polícia. Com tantas direitos rompidos, sem o direito à liberdade, o autor volta aos
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tempos em que o Brasil era uma ditadura. Ele conta que a Polícia Militar de São Paulo
está cada vez mais violenta e repressiva, além de seguir as mesmas regras impostas
pela Constituição outorgada pelo regime militar em 1969.
“A ação repressiva do Estado, legitimada pela ideia de defesa dos direitos, alimenta o
sentimento de constante ameaça à propriedade, ao emprego, ao salário, ao consumo e à
ação política, gerando o medo paralisante. É como se um fantasma rodasse a sociedade,
obrigando-nos, em momentos de transformação, a adotar uma política do possível
evitando as rupturas” (TELES, Edson, 2012, página 82)
Em seguida, Teles acrescenta que não houve reforma ou revisão qualquer as
instituições ligadas à segurança nacional e pública. Apesar disso, ele lembra que
vivemos numa democracia que traz o discurso social e dos direitos humanos,
enquanto muitos sofrem com a violência nas mãos do Estado.