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  textos
c
a
r
d
o
s




marjnaus
o
PARTE I



descurso
agora agora
aviso aos marjnautas

    esta página expirou
quando o poeta espirrou
      em seu zênite zen
         (auge transcen
         dente) ninguém
        (nenhum leitor)
       leitor marjnauta
               a espiou
quero um texto claro preciso
água límpida doce didática
quase matemática lógica
metros ritos incisivos
sobre a carne das palavras
reduzidas a osso e oco
cubos e axiomas sem eco


e depois de toda essa assepsia
injetar algumas gotas de anexato
o mínimo milímetro preciso
para ante tanta limpidez desse deserto
estontear todas as rotas suas
corpo repleto
sob
             o pre
      texto de en
saio textos anex
   atos por onde
  possam passar
       uns fios de
              vida
ela lendo                                       como se fosse
me lembra                                       um falso
a avó                                           como se a voz
que será                                        a linha fosse
a vó da lenda                                   um fio sem fim
de sempre                                       sem meada
a linda vó                                      enleada em seu
das vozes todas                                 tecer
dos meninos
todos de todos                                  como se fosse par
os cantos                                       um parecer


                  de voz em voz

                  de vez
                  em vez
                  me vem a voz
                  talvez tal vez
                  venha de muito longe embora
                  apenas perto a vejo
                  figura do meu ou
                  vido vida vidra
                  a voz desfigurada
                  por mim por quem
                  produz ida?
narciso se vê na f(r)onte
              na f(r)onte de todos os mitos
 narciso se transforma
errar a gramática
errar a rima
errar a raiva
errar com raiva e força
                    (e riso)
errar tudo e tanto
até o (de) sempre
                  ser
o último espanto
até que reste apenas
                penas
de um vôo
            errante
e
nas margens dos netgócios

o net()ócio
idílios de um burocrata
vento nas folhas
passar as tardes longe
vendo o vidro
mostrar-me o lento
fluxo de tempo
e a chuva chegando

esquecer todos os manda-chuvas
volver-me todo (e só sei se entregar-me
se tragar-me até o último pulso)
ao luxo de um frêmito de vácuo
caos e acaso   miríades    ninguéns
acolhei estas ondas quase domadas
quase concêntricas em si (mim)
lançai-as ao descompasso anexato
do fluxo desta chuva

não reconhecer-se
esquecer todos os abismos
apagar as cismas
soltá-las   prisma
cacos       nacos
de lembranças refugadas
num cisma
nego-me e pego apenas
penas flutuantes
amantes de uma lua
de rua

chuva
jamais me houve
estar doente
tem suas vantagens
de ver assim meio de esgueio
gente bicho coisa
assim   querendo cair
a gente atravessa o mundo de lado
meio deslumbrado meio soçobrado
a vida trisca num quase
num se ou numa frase
nem doída nem satisfeita
viver doente empestiado ou demente
assim meio sem jeito é feito
fazer de qualquer ponto
da vida uma tangente
aqui dentro
bom dia doutor diz a secretária
bom dia de volta e pensa:
vou te comer salafrária
e ela consigo: seu pança seu velho canalha
me faz um favor doutor...

aqui dentro
bom dia doutor e lá fora
barulhos de carros e danças
de folhas ao vento na tarde
calor de sol e de asfalto
pedaços de céu nas vidraças
um doido vadia as ruas
cigarras dormem nos galhos

como a vida mais vida valia
se a vida fosse toda fora
mais lia mais ria mais dia
vadia   vazando mais vida
a vida toda um fora
olharmo-nos nos olhos
e esquecer as teias todas
serpeando entre nós
e o mundo     esquecer
inclusive nós mesmos

nada mais oculto
sob nosso olhar
apenas ar e mar
gelo e areia   desertar
desterrarmo-nos do mundo
de tudo o que é profundo

suspensos
sem nenhum mistério
gravidade alguma

entre nosso olhar
vazio de nós
vadia calmo o caos
a música vital
transcorre na arritmia
da viola incontrolável
e sua báquica melodia
 embriaga as razões
na harmonia do caos
hoje amanheceu tão fresco
não a manhã nem o ar
nem esta brisa em mim tão leve
amanheceu o dia em mim
como há muito não fazia
soprou uma brisa breve
no meu pensamento
fez-me esquecer de pensar
esquecer do dia duro por vir
esquecer de mim   tão leve
eu estive esta manhã
a alma tão calma tão nova
tão alva    quase não havia
como em menino tudo
era descoberta e magia
tão fresco amanheceu-me o dia
oração da volta do supermercado

    carro trânsito compras
       serviço amanhã
        dívidas ontem

     são baco e santo orfeu
          protegei-me
    para que eu nunca perca
     o poder de perder-me
         num pôr de sol
           como este
não ter que ler
não ter que fazer
não ter que ver
se vai dar ou faltar
não comedir
nem se angustiar
augusto o dia
em que como você
velho
não ter que ter
e agora zé
                                            literatura acabou
                                            contra-cultura
                                            é a favor
                                            utopia rodou
                                            pé na estrada é turismo
                                            ismo nenhum sobrou
                                            todo sonho so
                                                      çobrou

                     e agora zé
                     droga é mercado
                     marginal    é orga
                                 nizado
                     toda rima é suspeita
                     de conspirar com uma cifra
                     cisma alguma
                                   vai dar
                                           n’algum cisma

e agora zé
que fazer do que resta
                    da festa
que que eu faço com o agora
palmo a
  palmo o
  espaço
   digital
   izado
as margens
  sempre
    mais
 estreitas

 tornar-se
   mais
    rar
   efeito
   vazar
   pelos
   poros
  das mar
   gens

 tornar-se
 mais mar
   ginal
ex-littera

a metáfora desaforada
o poema sem tema
a tradição travestida
a decadência da transcendência
o resto dos mestres
o simulacro sublime
o todo didático do texto avali(z)ado
a fábrica têxtil toda avariada
a coisa é feita de ruídos
puídos ou recém
nascidos
doloridos ou não
não importam muito os
idos
desde que bem imbricados
os ruídos

é um ofício difícil
precisa estar concentrado
até o último lance
de dados
os neurônios todos
ligados

por outro lado
é extrema
mente fácil
basta estar distraído
(como dizia o leminski)
pra (ou)vir um bom ruído

a gente faz o que pode
alguma vez vai bem
na maior parte
se fode
leve
como pluma
na penumbra
do sentido
que se atreve
insinuar
desentendido
nenhum papel
me cabe
vácuo virtual
sou breve
leve
mais leve que uma pluma
nem um tema
que o queira
mais profundo
teorema
menos denso que a espuma
de uma onda
tenso como o grito
de uma corda
(no espaço
de um lapso)
lema algum
leva este pre
texto ao abismo
do sentido
um risco
ronda este dizer
se tornar menos que isto
traço ao infinito
do não dito
suma
não declame poemas
nem os cante
no máximo sussurre-os
eles odeiam cordas vocais
amam somente o som
silente atravessando a mente
UMA    LUZ    QUASE   NULA

UMA    VOZ    QUASE   MUDA

UM    POEMA

              QUASE   NADA
em silêncio
  dança
no silêncio
  dança
do silêncio
PARTE II



         dizcurso
a tradição travestida
a morte
no instante da morte
é um corte
e no instante do corte
o gosto
do gozo
no instante do gozo

                         a gosma
                         num ácido instante
                         e numenal semblante
                         como a rosa
                         aberta instantânea
                         na tênue eterna
                         névoa fragrante

                                               no ar
                                               a dama consorte
                                               a lavar
                                               e amar nossa sorte
                                               a planar
                                               aspirar expirar
                                               um acorde
                                               da sonata espiral
o papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo
do mundo
(que) algo agouro
um mal agouro do mundo
e o papel do poeta
não se encharca das tintas
não é mais amarelo que amarela com o tempo e torna
poroso e áspero
que colorem as tintas
que vão se descolorindo num sem tom descolor
que são todas as cores: branca
esbranquiçadas
retornam por todos os poros e afloram
tal qual primavera refloram
por todos os cantos colorem de todas as cores reflorem
não são mais
tintas papéis e poetas
não mais
cores e poros e algo
não sei mais
lunar

subi a escada
decantada de ladrilhos pétreos
comunguei ao pé da igreja velha
um olhar para trás
a cidade nebulosa viva
sem alma viva que se mova
a esta hora desta noite
se movia a ouvia seu respirar vivaz
eu a revia idosa revivia idade
me movia
em direção ao templo queria ver em tempo
o que escondia densas ásperas pesadas paredes
dessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizam
as dobras do tecido duro frio não vaticina o vento
arrepio sem pensar se move rumo à quina
o mar revolto se revela vento revolvia olhar e via
olhar o mar quebrar em branco
silêncio ao mar
a voz
à voz volver o olhar daquela
alva voz tenaz olhar fugaz contemplar
todos os anos passados naquele ato inato
um estender a mão
um entender de fato a falta
vestida pelo manto escuro véu cobrindo lisos talos
que se deslizam aéreos pela alva tece
o mar medita algo
mar
Amo-te demente
caridoso morrerei
remorsoso e mórbido
culpar-te-ei.
Culpar-te-ás e partirás também
ao imaterial abraço de teu rei
e escravo?
Escravo e rei não hei
de entristecer em meu sofrer
pois me darei
a ti
e a ti possuirei
como tantos, como tantos, por dever
morrerei, morreramos
pelo carma dum caudal impiedoso
e ressuscitaremos
eu pedra
e tu a flor do outro monte que um pássaro
num arco sobre as árvores
trouxe o olor
vago
dissipado pelo vento da manhã
um frescor
ainda um frescor à rocha desventurada
era uma casa muito engraçada
                não tinha teto não tinha nada
                                             v.m.
aquele que não posso ser está vivendo
não sei o que ele quer na funda noite escura
daquele quarto ao fundo que sequer eu entro
a casa agora estranha e a amada não escuta
a voz daquele eu mudo que agora já não ama

desenvolta ela passeia e se deita em sua cama
e o quarto não clareia e mesmo assim enche de luz
este outro a possui enquanto a casa se revela
antiqüíssima morada de deuses que conduz
aquele eu cego a viver à luz de velas

ver sem velas ou sol imponderáveis nuances dela
casa      sem piso oitão ou teto vizinha do infinito
um rociar de eternidade impregna os cômodos disformes
foi tudo ti culpada amada a voltear por cômodos famintos
de não sei quê de além amor a entristecê-la enquanto dormes

co’este outro e sem meu toque nos perdoe
luz inconsciente a lumiar o mar profundo
em que mergulha aquele que se diz eu
na busca indefinida de um mapa o mar inunda
cômodos e casa e tudo bóia e se perdeu

do eu amar e amada cômodos e casa e aquele outro
ainda chora o que não sinto e às vezes tem
(tenho certeza) amada em leito seu e amor um pouco
que (náufrago) não sei e luz é assim, às vezes vem...
vela que o vento leva que o vento come
        vela suspensa no ar e no escuro mar
        vela que voa ao longo do horizonte
        vela que incendeia por sobre o monte
        vela do desatino do aventureiro
        vela que voga a lua na noite cheia
        vela inflada de uma lufada
        vela inflamável no fim do olhar
        vela que vela a luz do plenilúnio
        vela da tua vala
        vela velha comadre de um sino
        vela entre deus e meus olhos
        vela que me leva
        vela que me lava do escuro breu
        vela vento que passou
        vela luz que enluou
        vela     vala de minh’alma
                valo do meu corpo
                            morto
 caravela da vida
tênue vela ao vento
ao sopro do vento
   que a voa
   que apaga
teus olhos são tão sol
que molhas meu sol
quando me olhas    farol
que me banha de tanta luz tamanha
tanta cruz                estranha

soa no meu sol uma luz tamanha
outra luz de tuas entranhas
outra luz estranha
a tua luz nua
que luze em tua rua
curva e turva e pura
via para as tuas duas                luas
que me vias
vias tão estreitas                que diante
de tua luz tamanha, estranha nas entranhas
sãopuro
 leite
         vias leito impuro
 leite pleno       leito plano
lácteas de estrelas
 leite amplo       leito estreito
leito de estrelas
 divino leite      leito profano
estrada de sóis
extracto de luz
entre o teu leite e o teu leito
as deito no desamparoluas na minha rua nua
me tuas duas
no teu jeito de me deixar sol
de me deixar sou
só no descampado
desta luz tua: lua
leite puro     leito   impuro
leite pleno    leito   plano
leite amplo    leito   estreito
divino leite   leito   profano

          entre o teu leite e o teu leito
me deito no desamparo
no teu jeito de me deixar sol
          de me deixar sou
só no descampado
desta luz   tua: lua
ontem nasceu narciso
fogo de ritos
narciso de amor foge

preso no próprio riso
rio de narciso
de mim não sei se preciso
frio rio de lava
                 nos lábios de narciso




          narciso se vê na fonte
                     na fronte de todos os mitos
             narciso se transforma
estava tão mudo em hades
lodo de muro antigo
                         pelas frestas
pelas festas de dionísio
um quintal me invade!
tardes de narciso
riso de narciso
siso de narciso
                             ris?

rio calmo como a morte
rio forte




                    narciso se vê na fronte
                               na fonte de todos os mitos
                       narciso se transforma
era narciso
               que falava
               fala de narciso
               de que falo
               era narciso
               entre as águas
               sai o eco de narciso
               pelas ondas
               zeros se es
                            palham —      zeus!
               da lágrima
                             de narciso
               por um tris
                         te narciso




narciso se vê na fonte
           na fonte de todos os mitos
   narciso se transforma
josarrá
quem dera ter do mundo
o silêncio que necessitas agora
em que sentes sede de contemplar
e o teu semblante
destemido a pairar
mal recobres o que descobre ao bulir
em tais sonhos que tens teu olhar
teu olhar, teu pobre olhar
josarrá, mas
há um cheiro negro no ar
que colore os teus sonhos meninos
e redescobre a cada olhar
nos teus cantos, lugares, teu lar
que enraíza o alicerce da casa
e se espalha aos vãos de teu chão
teu piso, e sobes enfim por teus móveis
alcançando por fim teu telhado
tuas vigas de cheiro ocreado
tuas telhas de aranha que vêm que vão
não em vão tua vida emaranha
tantos casos de casa encantada
pelo vão das paredes caminham
caminham tanto e não chegam a lugar
que luares tu queres panhar
josarrá? não te notas, não queres notar
não deves, não podes voar
por teares tecidos de ar
não deves negar tuas cores
teu manto, teus tantos encantos
de uma cor que de cores te enche
solta o pranto que queres chorar e diz
josarrá, diz que o cheiro permeia o ar
que vem de tão longe e tanto tempo a
jorrar
e deságua num rompante de dor
desnorteia o poente do sol que brotas
agora em teu sonhar
tua solidão, josarrá
teu amar.
tentativa
de um lado o lodo da noite
do outro
outro lodo e as gramas putrefatas
                        vicejando
esta faixa dura e noturna
dividindo o deserto
é uma serpente sem casa
deglutindo metais
            e peidando gases
                       vomitando vísceras
                                  ao pasto de lama
                                              indiferente

tu: reflexo de serpente no olho perdido
                         no horizonte perdido
vieste para fugir
                              mas encontraste buscar
                          e voltas encontrarás
vieste para encontrar


o que por onde passou
    nunca deixou atrás
  deixou este fino olor      quase partido
             este calor      bafo
          e o amargor        seco na boca


este vago eco de amor       quase um toque de dor
   branco do seu palor      grito cego de uma flor
                            alheia do seu compor
                            pobre de uma só cor
                            que insetos sabem de cor
foges mas deves voltar
             sem nunca
    sair deste norte
       como nunca saíste do não
                                  norte e não um são
  sempre no mesmo lugar
  sempre no agora         mesmo
                         que o vento soprar
                 mesmo
             que o norte voar
no entanto a um passo está o norte
                                         no entanto um abismo de morte
                                             desenha entre nós este corte
                                       que o nada só o nada em acorde
                                           transpõe esta linha este forte


        apague dos olhos o norte
        cale o norte da boca e ouça!
              o vento do norte zunir
        a sua melô dia louca
              trazendo o norte pra dentro
soprando na vela rouca
norte
     ensaio de morte
   de onde voltamos
      cada vez mais
deus                ateus
      cada vez mais
pelo que há de vão
             infindo no seio dele
    pela música que soa
            nadeante no seu silêncio
                     pelo que ele não é
                sendo nas profundezas
pelo desmarcamento
         das margens esparramadas
                              pela marca da fluidez
                        no seio dos demarcados
apenas eu
      sem mim
                             nesta cidade que me rodeia
                                  sem outros sem si
                                 mudos à minha volta
                             nesta avenida absorta em si
                                 no seu barulho surdo
                            ao lençol de silêncio dos olhos
                                                   que me olham
                                     de dentro
                     do meu nada
       mais p'ro
             fundo do negror de minha ausência
          pálidas nuvens passam ignoradas
    e sob plácidos lagos serenos
dorme a morte que seremos
       e dentro dela
  com ela comungando e a corroendo
                   um átimo de norte dói correndo
                                                    e salta
                        leve brisa raio vento
                        fogo do pensamento
                                                    e fura a vida da avenida
ave em fúria
                    gula sem nome que nos consome
                                          comida
                                                     de nossas feridas

que nos ilumina e a cada pedra destroçada do asfalto
a cada ato ao acaso
ao cheiro de gasolina a cada passo       apressado
            mal sabe os homens o norte deste instante
                                da face de joén nos seus semblantes
                                do urro de prazer dos dois amantes
                      da flor sem haste que brotou na face
                                                     do tempo
                                                          sem depois
                                             nem antes
                                                          agora
                                                deste norte desnorteante
todo o vento
        num momento
todo o tento
        num instante

  o vento
            e seu ventre
                             aberto
       entre dois semblantes
                 sempre dois movimentos
       vendo o abismo deserto
                                  arco precário
                istmo arbitrário
         centelha dissipada
                               de vísceras
                                             vácuo
         o nada desse buraco
                  esse sovaco no cerrado
                                             olhar
                                             fixo
              de vossas vozes
                                   ávidas de barro
           e engasgadas
                                 de catarro
       esse pigarro cósmico
                                  semi desnatado
e carcomido
               de fragmentos
      iaras
              e suas árias
                              aéreas
     o norte
                  e sua sorte
                                   incerta
de norte
meus velhos versos de segunda
vento e pássaros relva e rio
dissolvo-me neles na esperança
na esperança como nas lembranças
em que vingo a má ventura
onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina
e o ritmo com as pulsações
dentro e fora
fora-se toda a fruidez
e qualquer pertencimento à entidades obscuras
que passaram a fluir
transe e embriaguez
doçura e tortura
perderam-se, perdi-os e todos se lançaram
e lancei junto com eles
a qualquer alvo
de água, de madeira ou de metal
estou à salvo, não estou
talvez... talvez...
PARTE III



o lugarejo da província
                sal-dades
fala da palestrante

a mulher do senador hermenegildo de moraes
na época das frutas
abria os portões da sua casa
para que o povo
desfrutasse
da quantidade de frutas
que vocêtinha dentro daquela casa!
quando, ainda criança, me deparei com aquele livro misto de causos e exaltação dos
grandes vultos morrinhenses (intelectuais, políticos, artísticos), cujo título

                               MORRINHOS: DE CAPELA
                               A CIDADE DOS POMARES

pensei significar (por um desses equívocos que só as crianças podem cometer com sua
prodigiosa imaginação) :

                MORRINHOS DE CAPELA: A CIDADE DOS POMARES

então algo surrealista – uma cidade travestida de capela, carregando uma
carapaça/capela – emergiu do texto... foi a melhor leitura que fiz do livro, até hoje

                             benditos sejam    erros meninos
neste livro   um soneto      lírio parnaso
florido em pleno pós-guerra
de guilherme xavier    poeta-doutor
quando a língua de bilac já era dada como morta
e enterrada:

        Meu coração é uma cidade antiga,
        De casas brancas e compridos muros,
        Com pomares amplíssimos, escuros,
        E gente simples de feição amiga.

        Seus habitantes não são todos puros,
        Talvez entre eles haja alguma intriga.
        Mas a harmonia geralmente abriga,
        E ajunta, rindo-se, os rivais mais duros.

        Sua alegria buliçosa e clara
        Esconde mágoas que ninguém suspeita
        Nem descobrir impertinente ousara.

        E julga-se feliz, pois, sem vaidade,
        Confunde na modéstia mais perfeita,
        Tranqüilidade com felicidade.
é consenso considerar o parnasianismo um período literário
muito renitente no caso do brasil (vide cândido e bosi)

é preciso dizer que o parnaso foi mais [muito muito +]
algo como um estado de espírito artístico-intelectual (uma economia mental)
coisa de doutores e damas          entre togas e cetins

diga-se também (na companhia de bandeira) que o parnaso
não deixou de ser uma continuação (+ contida) de seu suposto desafeto
o romantismo – que por estas bandas é muito # de seu congênere europeu

digamos então que impregnou o brasil fim de séc XIX um estado de espírito:
romântico-parnasiano
melhor que ―período‖, ―estado de espírito‖ ou ―economia mental‖
digamos que houve uma atmosfera:
ATMOSFERA ROMÂNTICO-PARNASIANA (ARP)
uma atmosfera é espacial, um período é temporal
ela se dissipa, ele é superado
ela é mais palpável (respirável) que um estado de espírito

a ARP começou a se dissipar no brasil a partir de uma pequena explosão
de luzes e ruídos, ocorrida na são paulo de 20, chamada modernismo:
outra atmosfera se criava e se expandia contra as ondas bolorentas da
antiga ARP

mas sua dissipação foi muito mais lenta e custosa nos rincões mais
remotos do país

em plena década de 70 uma pessoa de faro mais fino podia sentir a
persistência da ARP em lugares ermos como, por exemplo, na
Cidade dos Pomares!
mas
uma província tem duas bandas   duas atmosferas
imbricadas

a dos doutores damas e coronéis ARP
freudiana perturbada complexo de inferioridade
inconformada por não ser centro faz de tudo
para que pelo menos em seu pequeno mundo
haja quem seja umbigo     haja quem seja mudo
haja quem seja tudo       haja quem nunca aja

a outra banda-atmosfera
a da gentalha analfabeta dos meninos e dos velhos
bicho mato tapera
(vide drummond ramos e barros)
toda tosca      sem pertences nem complexos
ubiqüidade desumbigada
alguns a chamam sertão (mar)
essa       é toda margem
e pra complicar
como estão imbricadas
uma entra na outra
de modo que a gentalha respira ARP
e togas e cetins se impregnam de sertão

nos dias de festa (de banda e discurso)
vê-se bem como o povo respira
e aspira a ARP
embora casa grande e móveis coloniais
com aquele ar de calma e fixidez
amados pelo parnaso
aquele ambiente aconchegante
só pode ser pra uns poucos
a custa do suor e do sangue de muitos
na lida dura e mal paga do campo
que a gentalha anônima têm de cumprir dia após dia
pra que a sinhazinha leia no seu aconchego
os seus romances românticos
entre móveis coloniais
e gatos perfumados
encantando os poetas parnasianos
que a chamarão de ninfa
em seus virtuosos sonetos
mas tudo tudo isto hoje
são apenas lembranças
de quem não viveu
aquela atmosfera em seu esplendor
e apenas passou menino
pela cidade dos pomares
quando restavam quase dissipados
uns cheiros de ARP

e restam ainda
umas saudades doentias de velho
daqueles móveis de jacarandá e peroba rosa
nos quais quando se fecha os olhos
vê-se ainda a donzela trêmula
de amor sem objeto
devorando seus folhetins

umas saudades que são apenas mais uns cacos
em meio aos fragmentos de agora
outra atmosfera esta
nem ARP nem sertão
nem mesmo modernista
cheia de máquinas mínimas
e cálculos enormes
benedito ventura
que (nesta vida) só foi velho e menino
afável e bonachão com aquele ar de bobão
mas só pra quem não olha nos olhos       perdidos de sertão


poeta da província   um pouco douto outro      caipira-caipora
respirador de dois ares        cheio de vícios e ofícios
tribunas e altares
mas também de sóis        de luares
taperas e margens


como deixaria        de ser o que é?
mestre bené
PARTE IV



          Benedito Ventura
Poeta do gran circo imperial das togas
não chores amada mia
que choras de amarga a vida
pois saibas que a vida vinha
devindo das idas mias
até que a vida um dia
envia por não sei vias
ao pranto que tão doía
à vida que então se via
sem vida e que só temia
que amargo não cessaria
amada que amar-me-ia            não digas amada meiga
                                que o pranto quer não quer queira
pois saibas amada mia           despenca da ribanceira
que a dor do ir existe          não chores amada amiga
pois saibas que a dor insiste   pois olhas e então me diga
que a vida porém persiste       se alguma qualquer ferida
e saibas que amar permite       se achou maior um dia
que saibas que embora triste    que um dia de alegria
mui triste que o amor existe    na vida de amada mia
                                há chama alegre da vida
                                maior que a dor da vida
                                que o sol do meio dia

                                sabes que a dor existe eu sei
                                e sabes que o pranto insiste e tens
                                saberes que a sina é triste e bem
                                sabes que a dor persiste e vem
                                vindo demais e tensa e hei
                                de querer e embora não sei
                                da dor que existe intensa a lei
                                que amar de amar e de amar demais
                                que amar te tenho e te tenho paz
Ora!
Tudo que quero é dizer que amo.                             Amo-te de um amor menino.
Só um velho como eu pode dizer tal coisa, hoje.                  Mas que redundância!
                                                              Queres coisa mais infantil
Amo-te                                                               Que amar infante?
De incondicional amor intransitivo
Como o dos poetas, como tem que ser.                              Amo-te simplesmente
                                                  Mas isto também já foi dito por muitos
Como o amor dos tolos, de um se dar desmedido.                 (por todos os que amam)
Como os profetas, cegos de amar e ver.                 Mas não importa para quem ama.

De um amor lascivo como o de animais,                 Se algo importasse para quem ama
Puro instinto e violência, sangue e gozo.                               não haveria amor.
                                                                Como poesia não haveria
O amor do Cristo que me purificais                             se o poeta pensasse antes.
Límpido e eterno, cristalino, água e fogo.                    Se o amante pensasse antes
                                                                      não haveria amante,
Do amor que flui de dentro para fora,                   não haverias tu, amada e exaltada
De fora para dentro como o teu olhar em mim.      por esta alma desarmada, desarrumada.
                                                   Nem alma, se me permita Deus, havia
Do amor que fica, mesmo indo embora,                               se amor não houvesse.
Tão dentro e forte ante a distância sem fim
                                                                   Pois que amo-te enfim
Da morte ou de um simples ir                                        em meio à tempestade
Para outro cômodo que não sei seguir.               e em princípio é princípio meu amar
                                                           a ti e amando-te transbordar
Amo-te de um amor impossível,                                                     o amor.
De impossível exprimir.                                           E amar a todos e a tudo,
Mas tão impossível                                                  a mim e amar o amor.
Que nem espremo palavras
Para vos dizer.                                              Amo-te     como quem ama.
Quem saiba assim o diga
Neste sereno não dizer...
noite grande da cidade

casas depois de tantas casas
luzes que tampam estrelas
postes e mais postes
teia de fios metálicos
estalando lâmpadas no ar
ruas depois de ruas
teias de ruas sem fim

deste quarto pequeninim
este magro meninim
solta a imaginação
até o mais longe desvão
mas não há desvão!
cada vão cada vale
vale um pedaço de casa
desta teia de casa até onde?
desta teia que o fio se esconde                     esta noite tem tanta invenção
destas veias noturnas escorrem                      luminosa ela tem tanto escurél
carros roncando pra onde                                                     de noite grande
sonha-se a noite que move
cada carro pros confins                             pelos morros ondula a malha de luzes
asfálticos da sua pele                              há luzes a mais depois dos morros?
                                                    morro de vontade dissolver-me
                                                    nesta idade nesta cidade nesta sede
                                                    de enredar-me nesta rede    vede!
noite grande do sertão

vede esta noite longa
larga noite profunda
vede esta noite de redes
vede esta noite de malhas
vede este céu repicado
vede o repisque de estrelas

vede este cheiro de noite
e o cheiro do galho picado
salpicado de orvalho
esta noite picadas escuras
esta cíclica noite de luas
três luas e não lua
vede esta noite sem ruas
                                                       deste carro ou desta
o cheiro verde vai entranhando as narinas              tapera solta no sertão
a poeira não passa o vento não vem                     solta o menino a sua ilusão
nem vai nesta noite imóvel que nos cerca               de ver o invisível que não sabe
teias de terras teias de verdes teias                  o indizível que não se vê
de tantos galhos que se cruzam no cruzeiro             saindo de si sobre a serrania
teias      de quanto mistério                          quantas grotas sem seu olhar
                                                       brotam agora neste instante
                                                       de noite fulgurante?
                                                       tantas formigas fervilhando
                                                       e estrelas nos olhando
                                                       estalando a nos brilhar
noite minha pequenininha

noite contida eu sei
de cada canto seu
cada recanto de breu
ou brilho
noite pequena eu sei

só não sei porque o de todo dia toda noite
eu não sei mais noite mais íntima sei
onde acabas com as casas
onde as asas se divisam
onde as abas desta noite
só não sei porque estas beiras
me cheiram sem eira nem beira
não sei porque que te beijam
meus beiços com tanto ardor                            tu és em cada poste cada luz
                                                       cada lua e cada estrela
lua cheia de quintal                                   cada telha cada casa
encheste o meu portal                                  e casa-te com cada para-
para o sem fim de mim                                  lelepípedo negro de amor
tão pequeninim                                         que te carrega de dia
noite do meu morrim                                    e se consome de noite no seu fulgor
                                                       abraçando-nos brincando-nos de nós
                                                       nos nós do futuro
                                                       noite o futuro é escuro
                                                       quero-te passada luz-minada
o nariz frio do cachorro alegre
e um portão monstruoso
o muro alto
velho
verde de lodo
e descascado

            cascas de árvores
            e passeios de praças
            bicicletas e bolas
            bobas meninas
            e meninos sonsos
            e tristes
            alegres e tristes

                        postes de luzes cinzas
                        e janelas mortas
                        e abertas
                        tortas
                        ruelas voltas
                        e voltas
                        mortas
                        e tristes

                                   vilas e rodas vivas
                                   e noites
                                   vivas e mortas
                                   manhãs
                                   e tardes quentes
                                   e longas
faz frio na rua nua
frio de batê- queixo
faz cheiro de chuva molhada
vai ter pardal no fio
vai ter pinguinho nas folhas
que hoje eu sei que é orvalho

amanhã de manhã tem frio
tem cheiro de terra fresca
flor de jabuticaba
depois do aguaceiro
tapera é uma espera
no meio do nada
no veio do dia     plantada
no seio da noite    rebrotada

tapera      abando nada
            beira de ninguém sem eira
            na esteira do musgo
            e do lodo na esteira

tapera na capoeira
grota de vaca fugida
greta de visco ungido
       fundida no cisco
       fugido pro zóio
    doído de luz
    que tampa a tapera

         tapera      uma sombra
    salpicada de sol
       picada de noite
       no veio do dia
jurubeba é uma biloca verde
margosa
          feito fel
que levada ao céu
da boca leva a boca
ao céu

feito o amor
               depois da dor
feita a vida
               desfeita de uma ferida

jurubeba é um ensina
               dor
jurubeba é um amar
               gor

é uma esfera repleta de flor
antes e depois de flor
na embriagada língua
eufórica
sofrida
queimada de antiflor

jurubeba é um desvéu
                          que desvela
                                        o amargo-doce

é um favo de fel no céu
da boca ávida
               de mel

é mel          tão apurado que amarga
sou
o que lembro e o que lembro
é mandinga pr’eu ter sido
o que sonhei um dia ido
e dolorido não sei se setembro

não sei se me relembro ou a lembrança
que há de vir ao ar se insinuar
é o enchimento amanhã do esvaziar
que ficou    perdido na manhã esperança

acordes pobres de pardais     infância
fios de postes das catadupas ignoradas
pela alegria brincando sem nada
pensar sobre as pedras da rua     sem ânsia

sobre a perda a distância medita esferográfica
sobre a mesa dos tempos idos só doridos
e sarados neste retraçar florido
de alma velha    sem viço pra ginástica

ó pardais e jabuticabas bobos e bolos
cidade natal pós-modernamente em cacos
nesta cabaça podre que a guarda saco
de gatos lentos e sem unhas do desconsolo
arrasto um punhado de pó
             pelas ruas
arauto das casas desertas
             e puídas
pelo silêncio e pela treva
             carcomida
de luz entrante de uma fresta
             (festa de meninos)
gatos conhecem-na biblicamente
entre móveis silentes       calmamente
roçam pêlos nas suas entranhas
casa estranha       trêmulo vácuo
arrepio de frio sob a tarde de morrinhos
quintal    pomar escuro mar de podridão doce
muro de frinchas funcho e hortelã
lã estas redes de madeira teto
tateante alto de barro
                  piso       em falso
um braço de halo
sobra do sol
                   que arrasto
joaquim papudo
vagueias ruas alheias
   paradas    vivas
Uma luz quase nula

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  • 3. aviso aos marjnautas esta página expirou quando o poeta espirrou em seu zênite zen (auge transcen dente) ninguém (nenhum leitor) leitor marjnauta a espiou
  • 4. quero um texto claro preciso água límpida doce didática quase matemática lógica metros ritos incisivos sobre a carne das palavras reduzidas a osso e oco cubos e axiomas sem eco e depois de toda essa assepsia injetar algumas gotas de anexato o mínimo milímetro preciso para ante tanta limpidez desse deserto estontear todas as rotas suas corpo repleto
  • 5. sob o pre texto de en saio textos anex atos por onde possam passar uns fios de vida
  • 6.
  • 7. ela lendo como se fosse me lembra um falso a avó como se a voz que será a linha fosse a vó da lenda um fio sem fim de sempre sem meada a linda vó enleada em seu das vozes todas tecer dos meninos todos de todos como se fosse par os cantos um parecer de voz em voz de vez em vez me vem a voz talvez tal vez venha de muito longe embora apenas perto a vejo figura do meu ou vido vida vidra a voz desfigurada por mim por quem produz ida?
  • 8. narciso se vê na f(r)onte na f(r)onte de todos os mitos narciso se transforma
  • 9. errar a gramática errar a rima errar a raiva errar com raiva e força (e riso) errar tudo e tanto até o (de) sempre ser o último espanto até que reste apenas penas de um vôo errante
  • 10. e nas margens dos netgócios o net()ócio
  • 11. idílios de um burocrata
  • 12. vento nas folhas passar as tardes longe vendo o vidro mostrar-me o lento fluxo de tempo e a chuva chegando esquecer todos os manda-chuvas volver-me todo (e só sei se entregar-me se tragar-me até o último pulso) ao luxo de um frêmito de vácuo caos e acaso miríades ninguéns acolhei estas ondas quase domadas quase concêntricas em si (mim) lançai-as ao descompasso anexato do fluxo desta chuva não reconhecer-se esquecer todos os abismos apagar as cismas soltá-las prisma cacos nacos de lembranças refugadas num cisma nego-me e pego apenas penas flutuantes amantes de uma lua de rua chuva jamais me houve
  • 13. estar doente tem suas vantagens de ver assim meio de esgueio gente bicho coisa assim querendo cair a gente atravessa o mundo de lado meio deslumbrado meio soçobrado a vida trisca num quase num se ou numa frase nem doída nem satisfeita viver doente empestiado ou demente assim meio sem jeito é feito fazer de qualquer ponto da vida uma tangente
  • 14. aqui dentro bom dia doutor diz a secretária bom dia de volta e pensa: vou te comer salafrária e ela consigo: seu pança seu velho canalha me faz um favor doutor... aqui dentro bom dia doutor e lá fora barulhos de carros e danças de folhas ao vento na tarde calor de sol e de asfalto pedaços de céu nas vidraças um doido vadia as ruas cigarras dormem nos galhos como a vida mais vida valia se a vida fosse toda fora mais lia mais ria mais dia vadia vazando mais vida
  • 15. a vida toda um fora olharmo-nos nos olhos e esquecer as teias todas serpeando entre nós e o mundo esquecer inclusive nós mesmos nada mais oculto sob nosso olhar apenas ar e mar gelo e areia desertar desterrarmo-nos do mundo de tudo o que é profundo suspensos sem nenhum mistério gravidade alguma entre nosso olhar vazio de nós vadia calmo o caos
  • 16. a música vital transcorre na arritmia da viola incontrolável e sua báquica melodia embriaga as razões na harmonia do caos
  • 17. hoje amanheceu tão fresco não a manhã nem o ar nem esta brisa em mim tão leve amanheceu o dia em mim como há muito não fazia soprou uma brisa breve no meu pensamento fez-me esquecer de pensar esquecer do dia duro por vir esquecer de mim tão leve eu estive esta manhã a alma tão calma tão nova tão alva quase não havia como em menino tudo era descoberta e magia tão fresco amanheceu-me o dia
  • 18. oração da volta do supermercado carro trânsito compras serviço amanhã dívidas ontem são baco e santo orfeu protegei-me para que eu nunca perca o poder de perder-me num pôr de sol como este
  • 19. não ter que ler não ter que fazer não ter que ver se vai dar ou faltar não comedir nem se angustiar augusto o dia em que como você velho não ter que ter
  • 20. e agora zé literatura acabou contra-cultura é a favor utopia rodou pé na estrada é turismo ismo nenhum sobrou todo sonho so çobrou e agora zé droga é mercado marginal é orga nizado toda rima é suspeita de conspirar com uma cifra cisma alguma vai dar n’algum cisma e agora zé que fazer do que resta da festa que que eu faço com o agora
  • 21. palmo a palmo o espaço digital izado as margens sempre mais estreitas tornar-se mais rar efeito vazar pelos poros das mar gens tornar-se mais mar ginal
  • 22. ex-littera a metáfora desaforada o poema sem tema a tradição travestida a decadência da transcendência o resto dos mestres o simulacro sublime o todo didático do texto avali(z)ado a fábrica têxtil toda avariada
  • 23. a coisa é feita de ruídos puídos ou recém nascidos doloridos ou não não importam muito os idos desde que bem imbricados os ruídos é um ofício difícil precisa estar concentrado até o último lance de dados os neurônios todos ligados por outro lado é extrema mente fácil basta estar distraído (como dizia o leminski) pra (ou)vir um bom ruído a gente faz o que pode alguma vez vai bem na maior parte se fode
  • 24. leve como pluma na penumbra do sentido que se atreve insinuar desentendido nenhum papel me cabe vácuo virtual sou breve
  • 25. leve mais leve que uma pluma nem um tema que o queira mais profundo teorema menos denso que a espuma de uma onda tenso como o grito de uma corda (no espaço de um lapso) lema algum leva este pre texto ao abismo do sentido um risco ronda este dizer se tornar menos que isto traço ao infinito do não dito suma
  • 26. não declame poemas nem os cante no máximo sussurre-os eles odeiam cordas vocais amam somente o som silente atravessando a mente
  • 27. UMA LUZ QUASE NULA UMA VOZ QUASE MUDA UM POEMA QUASE NADA
  • 28. em silêncio dança no silêncio dança do silêncio
  • 29. PARTE II dizcurso a tradição travestida
  • 30. a morte no instante da morte é um corte e no instante do corte o gosto do gozo no instante do gozo a gosma num ácido instante e numenal semblante como a rosa aberta instantânea na tênue eterna névoa fragrante no ar a dama consorte a lavar e amar nossa sorte a planar aspirar expirar um acorde da sonata espiral
  • 31. o papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo do mundo (que) algo agouro um mal agouro do mundo e o papel do poeta não se encharca das tintas não é mais amarelo que amarela com o tempo e torna poroso e áspero que colorem as tintas que vão se descolorindo num sem tom descolor que são todas as cores: branca esbranquiçadas retornam por todos os poros e afloram tal qual primavera refloram por todos os cantos colorem de todas as cores reflorem não são mais tintas papéis e poetas não mais cores e poros e algo não sei mais
  • 32. lunar subi a escada decantada de ladrilhos pétreos comunguei ao pé da igreja velha um olhar para trás a cidade nebulosa viva sem alma viva que se mova a esta hora desta noite se movia a ouvia seu respirar vivaz eu a revia idosa revivia idade me movia em direção ao templo queria ver em tempo o que escondia densas ásperas pesadas paredes dessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizam as dobras do tecido duro frio não vaticina o vento arrepio sem pensar se move rumo à quina o mar revolto se revela vento revolvia olhar e via olhar o mar quebrar em branco silêncio ao mar a voz à voz volver o olhar daquela alva voz tenaz olhar fugaz contemplar todos os anos passados naquele ato inato um estender a mão um entender de fato a falta vestida pelo manto escuro véu cobrindo lisos talos que se deslizam aéreos pela alva tece o mar medita algo mar
  • 33. Amo-te demente caridoso morrerei remorsoso e mórbido culpar-te-ei. Culpar-te-ás e partirás também ao imaterial abraço de teu rei e escravo? Escravo e rei não hei de entristecer em meu sofrer pois me darei a ti e a ti possuirei como tantos, como tantos, por dever morrerei, morreramos pelo carma dum caudal impiedoso e ressuscitaremos eu pedra e tu a flor do outro monte que um pássaro num arco sobre as árvores trouxe o olor vago dissipado pelo vento da manhã um frescor ainda um frescor à rocha desventurada
  • 34. era uma casa muito engraçada não tinha teto não tinha nada v.m. aquele que não posso ser está vivendo não sei o que ele quer na funda noite escura daquele quarto ao fundo que sequer eu entro a casa agora estranha e a amada não escuta a voz daquele eu mudo que agora já não ama desenvolta ela passeia e se deita em sua cama e o quarto não clareia e mesmo assim enche de luz este outro a possui enquanto a casa se revela antiqüíssima morada de deuses que conduz aquele eu cego a viver à luz de velas ver sem velas ou sol imponderáveis nuances dela casa sem piso oitão ou teto vizinha do infinito um rociar de eternidade impregna os cômodos disformes foi tudo ti culpada amada a voltear por cômodos famintos de não sei quê de além amor a entristecê-la enquanto dormes co’este outro e sem meu toque nos perdoe luz inconsciente a lumiar o mar profundo em que mergulha aquele que se diz eu na busca indefinida de um mapa o mar inunda cômodos e casa e tudo bóia e se perdeu do eu amar e amada cômodos e casa e aquele outro ainda chora o que não sinto e às vezes tem (tenho certeza) amada em leito seu e amor um pouco que (náufrago) não sei e luz é assim, às vezes vem...
  • 35. vela que o vento leva que o vento come vela suspensa no ar e no escuro mar vela que voa ao longo do horizonte vela que incendeia por sobre o monte vela do desatino do aventureiro vela que voga a lua na noite cheia vela inflada de uma lufada vela inflamável no fim do olhar vela que vela a luz do plenilúnio vela da tua vala vela velha comadre de um sino vela entre deus e meus olhos vela que me leva vela que me lava do escuro breu vela vento que passou vela luz que enluou vela vala de minh’alma valo do meu corpo morto caravela da vida tênue vela ao vento ao sopro do vento que a voa que apaga
  • 36. teus olhos são tão sol que molhas meu sol quando me olhas farol que me banha de tanta luz tamanha tanta cruz estranha soa no meu sol uma luz tamanha outra luz de tuas entranhas outra luz estranha a tua luz nua que luze em tua rua curva e turva e pura via para as tuas duas luas que me vias vias tão estreitas que diante de tua luz tamanha, estranha nas entranhas sãopuro leite vias leito impuro leite pleno leito plano lácteas de estrelas leite amplo leito estreito leito de estrelas divino leite leito profano estrada de sóis extracto de luz entre o teu leite e o teu leito as deito no desamparoluas na minha rua nua me tuas duas no teu jeito de me deixar sol de me deixar sou só no descampado desta luz tua: lua
  • 37. leite puro leito impuro leite pleno leito plano leite amplo leito estreito divino leite leito profano entre o teu leite e o teu leito me deito no desamparo no teu jeito de me deixar sol de me deixar sou só no descampado desta luz tua: lua
  • 38. ontem nasceu narciso fogo de ritos narciso de amor foge preso no próprio riso rio de narciso de mim não sei se preciso frio rio de lava nos lábios de narciso narciso se vê na fonte na fronte de todos os mitos narciso se transforma
  • 39. estava tão mudo em hades lodo de muro antigo pelas frestas pelas festas de dionísio um quintal me invade! tardes de narciso riso de narciso siso de narciso ris? rio calmo como a morte rio forte narciso se vê na fronte na fonte de todos os mitos narciso se transforma
  • 40. era narciso que falava fala de narciso de que falo era narciso entre as águas sai o eco de narciso pelas ondas zeros se es palham — zeus! da lágrima de narciso por um tris te narciso narciso se vê na fonte na fonte de todos os mitos narciso se transforma
  • 41. josarrá quem dera ter do mundo o silêncio que necessitas agora em que sentes sede de contemplar e o teu semblante destemido a pairar mal recobres o que descobre ao bulir em tais sonhos que tens teu olhar teu olhar, teu pobre olhar josarrá, mas há um cheiro negro no ar que colore os teus sonhos meninos e redescobre a cada olhar nos teus cantos, lugares, teu lar que enraíza o alicerce da casa e se espalha aos vãos de teu chão teu piso, e sobes enfim por teus móveis alcançando por fim teu telhado tuas vigas de cheiro ocreado tuas telhas de aranha que vêm que vão não em vão tua vida emaranha tantos casos de casa encantada pelo vão das paredes caminham caminham tanto e não chegam a lugar que luares tu queres panhar josarrá? não te notas, não queres notar não deves, não podes voar por teares tecidos de ar não deves negar tuas cores teu manto, teus tantos encantos de uma cor que de cores te enche solta o pranto que queres chorar e diz josarrá, diz que o cheiro permeia o ar que vem de tão longe e tanto tempo a jorrar e deságua num rompante de dor desnorteia o poente do sol que brotas agora em teu sonhar tua solidão, josarrá teu amar.
  • 43. de um lado o lodo da noite do outro outro lodo e as gramas putrefatas vicejando esta faixa dura e noturna dividindo o deserto é uma serpente sem casa deglutindo metais e peidando gases vomitando vísceras ao pasto de lama indiferente tu: reflexo de serpente no olho perdido no horizonte perdido
  • 44. vieste para fugir mas encontraste buscar e voltas encontrarás vieste para encontrar o que por onde passou nunca deixou atrás deixou este fino olor quase partido este calor bafo e o amargor seco na boca este vago eco de amor quase um toque de dor branco do seu palor grito cego de uma flor alheia do seu compor pobre de uma só cor que insetos sabem de cor
  • 45. foges mas deves voltar sem nunca sair deste norte como nunca saíste do não norte e não um são sempre no mesmo lugar sempre no agora mesmo que o vento soprar mesmo que o norte voar
  • 46. no entanto a um passo está o norte no entanto um abismo de morte desenha entre nós este corte que o nada só o nada em acorde transpõe esta linha este forte apague dos olhos o norte cale o norte da boca e ouça! o vento do norte zunir a sua melô dia louca trazendo o norte pra dentro soprando na vela rouca
  • 47. norte ensaio de morte de onde voltamos cada vez mais deus ateus cada vez mais
  • 48. pelo que há de vão infindo no seio dele pela música que soa nadeante no seu silêncio pelo que ele não é sendo nas profundezas pelo desmarcamento das margens esparramadas pela marca da fluidez no seio dos demarcados
  • 49. apenas eu sem mim nesta cidade que me rodeia sem outros sem si mudos à minha volta nesta avenida absorta em si no seu barulho surdo ao lençol de silêncio dos olhos que me olham de dentro do meu nada mais p'ro fundo do negror de minha ausência pálidas nuvens passam ignoradas e sob plácidos lagos serenos dorme a morte que seremos e dentro dela com ela comungando e a corroendo um átimo de norte dói correndo e salta leve brisa raio vento fogo do pensamento e fura a vida da avenida
  • 50. ave em fúria gula sem nome que nos consome comida de nossas feridas que nos ilumina e a cada pedra destroçada do asfalto a cada ato ao acaso ao cheiro de gasolina a cada passo apressado mal sabe os homens o norte deste instante da face de joén nos seus semblantes do urro de prazer dos dois amantes da flor sem haste que brotou na face do tempo sem depois nem antes agora deste norte desnorteante
  • 51. todo o vento num momento todo o tento num instante o vento e seu ventre aberto entre dois semblantes sempre dois movimentos vendo o abismo deserto arco precário istmo arbitrário centelha dissipada de vísceras vácuo o nada desse buraco esse sovaco no cerrado olhar fixo de vossas vozes ávidas de barro e engasgadas de catarro esse pigarro cósmico semi desnatado e carcomido de fragmentos iaras e suas árias aéreas o norte e sua sorte incerta
  • 53. meus velhos versos de segunda vento e pássaros relva e rio dissolvo-me neles na esperança na esperança como nas lembranças em que vingo a má ventura onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina e o ritmo com as pulsações dentro e fora fora-se toda a fruidez e qualquer pertencimento à entidades obscuras que passaram a fluir transe e embriaguez doçura e tortura perderam-se, perdi-os e todos se lançaram e lancei junto com eles a qualquer alvo de água, de madeira ou de metal estou à salvo, não estou talvez... talvez...
  • 54. PARTE III o lugarejo da província sal-dades
  • 55. fala da palestrante a mulher do senador hermenegildo de moraes na época das frutas abria os portões da sua casa para que o povo desfrutasse da quantidade de frutas que vocêtinha dentro daquela casa!
  • 56. quando, ainda criança, me deparei com aquele livro misto de causos e exaltação dos grandes vultos morrinhenses (intelectuais, políticos, artísticos), cujo título MORRINHOS: DE CAPELA A CIDADE DOS POMARES pensei significar (por um desses equívocos que só as crianças podem cometer com sua prodigiosa imaginação) : MORRINHOS DE CAPELA: A CIDADE DOS POMARES então algo surrealista – uma cidade travestida de capela, carregando uma carapaça/capela – emergiu do texto... foi a melhor leitura que fiz do livro, até hoje benditos sejam erros meninos
  • 57. neste livro um soneto lírio parnaso florido em pleno pós-guerra de guilherme xavier poeta-doutor quando a língua de bilac já era dada como morta e enterrada: Meu coração é uma cidade antiga, De casas brancas e compridos muros, Com pomares amplíssimos, escuros, E gente simples de feição amiga. Seus habitantes não são todos puros, Talvez entre eles haja alguma intriga. Mas a harmonia geralmente abriga, E ajunta, rindo-se, os rivais mais duros. Sua alegria buliçosa e clara Esconde mágoas que ninguém suspeita Nem descobrir impertinente ousara. E julga-se feliz, pois, sem vaidade, Confunde na modéstia mais perfeita, Tranqüilidade com felicidade.
  • 58. é consenso considerar o parnasianismo um período literário muito renitente no caso do brasil (vide cândido e bosi) é preciso dizer que o parnaso foi mais [muito muito +] algo como um estado de espírito artístico-intelectual (uma economia mental) coisa de doutores e damas entre togas e cetins diga-se também (na companhia de bandeira) que o parnaso não deixou de ser uma continuação (+ contida) de seu suposto desafeto o romantismo – que por estas bandas é muito # de seu congênere europeu digamos então que impregnou o brasil fim de séc XIX um estado de espírito: romântico-parnasiano
  • 59. melhor que ―período‖, ―estado de espírito‖ ou ―economia mental‖ digamos que houve uma atmosfera: ATMOSFERA ROMÂNTICO-PARNASIANA (ARP) uma atmosfera é espacial, um período é temporal ela se dissipa, ele é superado ela é mais palpável (respirável) que um estado de espírito a ARP começou a se dissipar no brasil a partir de uma pequena explosão de luzes e ruídos, ocorrida na são paulo de 20, chamada modernismo: outra atmosfera se criava e se expandia contra as ondas bolorentas da antiga ARP mas sua dissipação foi muito mais lenta e custosa nos rincões mais remotos do país em plena década de 70 uma pessoa de faro mais fino podia sentir a persistência da ARP em lugares ermos como, por exemplo, na Cidade dos Pomares!
  • 60. mas uma província tem duas bandas duas atmosferas imbricadas a dos doutores damas e coronéis ARP freudiana perturbada complexo de inferioridade inconformada por não ser centro faz de tudo para que pelo menos em seu pequeno mundo haja quem seja umbigo haja quem seja mudo haja quem seja tudo haja quem nunca aja a outra banda-atmosfera a da gentalha analfabeta dos meninos e dos velhos bicho mato tapera (vide drummond ramos e barros) toda tosca sem pertences nem complexos ubiqüidade desumbigada alguns a chamam sertão (mar) essa é toda margem
  • 61. e pra complicar como estão imbricadas uma entra na outra de modo que a gentalha respira ARP e togas e cetins se impregnam de sertão nos dias de festa (de banda e discurso) vê-se bem como o povo respira e aspira a ARP embora casa grande e móveis coloniais com aquele ar de calma e fixidez amados pelo parnaso aquele ambiente aconchegante só pode ser pra uns poucos a custa do suor e do sangue de muitos na lida dura e mal paga do campo que a gentalha anônima têm de cumprir dia após dia pra que a sinhazinha leia no seu aconchego os seus romances românticos entre móveis coloniais e gatos perfumados encantando os poetas parnasianos que a chamarão de ninfa em seus virtuosos sonetos
  • 62. mas tudo tudo isto hoje são apenas lembranças de quem não viveu aquela atmosfera em seu esplendor e apenas passou menino pela cidade dos pomares quando restavam quase dissipados uns cheiros de ARP e restam ainda umas saudades doentias de velho daqueles móveis de jacarandá e peroba rosa nos quais quando se fecha os olhos vê-se ainda a donzela trêmula de amor sem objeto devorando seus folhetins umas saudades que são apenas mais uns cacos em meio aos fragmentos de agora outra atmosfera esta nem ARP nem sertão nem mesmo modernista cheia de máquinas mínimas e cálculos enormes
  • 63. benedito ventura que (nesta vida) só foi velho e menino afável e bonachão com aquele ar de bobão mas só pra quem não olha nos olhos perdidos de sertão poeta da província um pouco douto outro caipira-caipora respirador de dois ares cheio de vícios e ofícios tribunas e altares mas também de sóis de luares taperas e margens como deixaria de ser o que é? mestre bené
  • 64. PARTE IV Benedito Ventura Poeta do gran circo imperial das togas
  • 65. não chores amada mia que choras de amarga a vida pois saibas que a vida vinha devindo das idas mias até que a vida um dia envia por não sei vias ao pranto que tão doía à vida que então se via sem vida e que só temia que amargo não cessaria amada que amar-me-ia não digas amada meiga que o pranto quer não quer queira pois saibas amada mia despenca da ribanceira que a dor do ir existe não chores amada amiga pois saibas que a dor insiste pois olhas e então me diga que a vida porém persiste se alguma qualquer ferida e saibas que amar permite se achou maior um dia que saibas que embora triste que um dia de alegria mui triste que o amor existe na vida de amada mia há chama alegre da vida maior que a dor da vida que o sol do meio dia sabes que a dor existe eu sei e sabes que o pranto insiste e tens saberes que a sina é triste e bem sabes que a dor persiste e vem vindo demais e tensa e hei de querer e embora não sei da dor que existe intensa a lei que amar de amar e de amar demais que amar te tenho e te tenho paz
  • 66. Ora! Tudo que quero é dizer que amo. Amo-te de um amor menino. Só um velho como eu pode dizer tal coisa, hoje. Mas que redundância! Queres coisa mais infantil Amo-te Que amar infante? De incondicional amor intransitivo Como o dos poetas, como tem que ser. Amo-te simplesmente Mas isto também já foi dito por muitos Como o amor dos tolos, de um se dar desmedido. (por todos os que amam) Como os profetas, cegos de amar e ver. Mas não importa para quem ama. De um amor lascivo como o de animais, Se algo importasse para quem ama Puro instinto e violência, sangue e gozo. não haveria amor. Como poesia não haveria O amor do Cristo que me purificais se o poeta pensasse antes. Límpido e eterno, cristalino, água e fogo. Se o amante pensasse antes não haveria amante, Do amor que flui de dentro para fora, não haverias tu, amada e exaltada De fora para dentro como o teu olhar em mim. por esta alma desarmada, desarrumada. Nem alma, se me permita Deus, havia Do amor que fica, mesmo indo embora, se amor não houvesse. Tão dentro e forte ante a distância sem fim Pois que amo-te enfim Da morte ou de um simples ir em meio à tempestade Para outro cômodo que não sei seguir. e em princípio é princípio meu amar a ti e amando-te transbordar Amo-te de um amor impossível, o amor. De impossível exprimir. E amar a todos e a tudo, Mas tão impossível a mim e amar o amor. Que nem espremo palavras Para vos dizer. Amo-te como quem ama. Quem saiba assim o diga Neste sereno não dizer...
  • 67. noite grande da cidade casas depois de tantas casas luzes que tampam estrelas postes e mais postes teia de fios metálicos estalando lâmpadas no ar ruas depois de ruas teias de ruas sem fim deste quarto pequeninim este magro meninim solta a imaginação até o mais longe desvão mas não há desvão! cada vão cada vale vale um pedaço de casa desta teia de casa até onde? desta teia que o fio se esconde esta noite tem tanta invenção destas veias noturnas escorrem luminosa ela tem tanto escurél carros roncando pra onde de noite grande sonha-se a noite que move cada carro pros confins pelos morros ondula a malha de luzes asfálticos da sua pele há luzes a mais depois dos morros? morro de vontade dissolver-me nesta idade nesta cidade nesta sede de enredar-me nesta rede vede!
  • 68. noite grande do sertão vede esta noite longa larga noite profunda vede esta noite de redes vede esta noite de malhas vede este céu repicado vede o repisque de estrelas vede este cheiro de noite e o cheiro do galho picado salpicado de orvalho esta noite picadas escuras esta cíclica noite de luas três luas e não lua vede esta noite sem ruas deste carro ou desta o cheiro verde vai entranhando as narinas tapera solta no sertão a poeira não passa o vento não vem solta o menino a sua ilusão nem vai nesta noite imóvel que nos cerca de ver o invisível que não sabe teias de terras teias de verdes teias o indizível que não se vê de tantos galhos que se cruzam no cruzeiro saindo de si sobre a serrania teias de quanto mistério quantas grotas sem seu olhar brotam agora neste instante de noite fulgurante? tantas formigas fervilhando e estrelas nos olhando estalando a nos brilhar
  • 69. noite minha pequenininha noite contida eu sei de cada canto seu cada recanto de breu ou brilho noite pequena eu sei só não sei porque o de todo dia toda noite eu não sei mais noite mais íntima sei onde acabas com as casas onde as asas se divisam onde as abas desta noite só não sei porque estas beiras me cheiram sem eira nem beira não sei porque que te beijam meus beiços com tanto ardor tu és em cada poste cada luz cada lua e cada estrela lua cheia de quintal cada telha cada casa encheste o meu portal e casa-te com cada para- para o sem fim de mim lelepípedo negro de amor tão pequeninim que te carrega de dia noite do meu morrim e se consome de noite no seu fulgor abraçando-nos brincando-nos de nós nos nós do futuro noite o futuro é escuro quero-te passada luz-minada
  • 70. o nariz frio do cachorro alegre e um portão monstruoso o muro alto velho verde de lodo e descascado cascas de árvores e passeios de praças bicicletas e bolas bobas meninas e meninos sonsos e tristes alegres e tristes postes de luzes cinzas e janelas mortas e abertas tortas ruelas voltas e voltas mortas e tristes vilas e rodas vivas e noites vivas e mortas manhãs e tardes quentes e longas
  • 71. faz frio na rua nua frio de batê- queixo faz cheiro de chuva molhada vai ter pardal no fio vai ter pinguinho nas folhas que hoje eu sei que é orvalho amanhã de manhã tem frio tem cheiro de terra fresca flor de jabuticaba depois do aguaceiro
  • 72. tapera é uma espera no meio do nada no veio do dia plantada no seio da noite rebrotada tapera abando nada beira de ninguém sem eira na esteira do musgo e do lodo na esteira tapera na capoeira grota de vaca fugida greta de visco ungido fundida no cisco fugido pro zóio doído de luz que tampa a tapera tapera uma sombra salpicada de sol picada de noite no veio do dia
  • 73. jurubeba é uma biloca verde margosa feito fel que levada ao céu da boca leva a boca ao céu feito o amor depois da dor feita a vida desfeita de uma ferida jurubeba é um ensina dor jurubeba é um amar gor é uma esfera repleta de flor antes e depois de flor na embriagada língua eufórica sofrida queimada de antiflor jurubeba é um desvéu que desvela o amargo-doce é um favo de fel no céu da boca ávida de mel é mel tão apurado que amarga
  • 74. sou o que lembro e o que lembro é mandinga pr’eu ter sido o que sonhei um dia ido e dolorido não sei se setembro não sei se me relembro ou a lembrança que há de vir ao ar se insinuar é o enchimento amanhã do esvaziar que ficou perdido na manhã esperança acordes pobres de pardais infância fios de postes das catadupas ignoradas pela alegria brincando sem nada pensar sobre as pedras da rua sem ânsia sobre a perda a distância medita esferográfica sobre a mesa dos tempos idos só doridos e sarados neste retraçar florido de alma velha sem viço pra ginástica ó pardais e jabuticabas bobos e bolos cidade natal pós-modernamente em cacos nesta cabaça podre que a guarda saco de gatos lentos e sem unhas do desconsolo
  • 75. arrasto um punhado de pó pelas ruas arauto das casas desertas e puídas pelo silêncio e pela treva carcomida de luz entrante de uma fresta (festa de meninos) gatos conhecem-na biblicamente entre móveis silentes calmamente roçam pêlos nas suas entranhas casa estranha trêmulo vácuo arrepio de frio sob a tarde de morrinhos quintal pomar escuro mar de podridão doce muro de frinchas funcho e hortelã lã estas redes de madeira teto tateante alto de barro piso em falso um braço de halo sobra do sol que arrasto
  • 76. joaquim papudo vagueias ruas alheias paradas vivas