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O marido da minha
       colega

A Teresa. Aquela quarentona trabalhadora.
Pelo tanto que se esforça e se desgasta,
nem aparenta idade. Parece ter uns 30,
mas bem sarados. Pelo tanto que é
empenhada, talvez lhe falte tempo até para
envelhecer. Cuidava de sua família como se
fosse uma mãe canguru. O filho era tão
inútil quanto um sopro num ventilador
ligado. Mas era estudioso e não lhe
aporrinhava a paciência. O pai era
trabalhador. Vivia em cima de uma
felicidade baseada em ver sua família bem
alimentada, sorridente e pançuda, mas
com saúde. Pelos conformes e trejeitos, a
família dava indícios de perfeccionismo. Só
indícios. Teresa reclamava aos quatro
cantos de seu bairro sobre como seu
relacionamento era morno. 19 anos
casados que, subtraídos dos anos em que
aproveitou alguma coisa ou se sentiu feliz,
não restavam nem um ano.

A coisa vinha de vento, mas não em popa.

Para a Darli, que era sua melhor amiga, ela
confidenciava os seus desejos mortos e
seus dramas insolúveis. Cada dia era um
pisa-fora diferente de seu marido.

- Ontem ele chegou tarde do serviço todo
abarrotado de sacolas. Era tanta coisa que
se bobear tinha até comida dentro da meia.
Ele entulhou tudo em cima da mesa,
bagunçou a cozinha e começou a desfiar o
frango da janta todo suado e sem camisa.
Cheguei amorosa e disposta a matar a
saudade, pois não nos víamos desde de
manhã. Me aproximei, na esperança de
levar um abraço e queria partilhar daquele
líquido no meu corpo. Mas nenhum sinal
do filho de rapariga ligar para mim. Ele
tinha uma faca em mãos, qualquer abuso
meu ele poderia fazer um estrago, mesmo
acidental, ou mesmo eu conhecendo bem
toda a calma que ele abusava em ter.
“Você não me ama”, dizia. Ele respondia
com um rangido. “E nem me responde”,
quase gritei. “Pronto. Falei”, disse baixinho.
“Só isso?”, saí pisando duro. “O marido da
minha colega diz que a ama todos os dias,
mesmo chegando cansado e mesmo sem
vontade, mas diz para a ver feliz”, disse aos
berros. “O marido da sua colega traz esse
tanto de comida todos os dias?”,
respondeu sufocando minha vontade de
discutir.

- Você não cansa dessa rotina?

- Eu não me canso. Eu aturo.

Darli era só uma das vítimas de Teresa. Ela
também despejava a avalanche de
infindáveis reclamações com Lucimara,
vizinha de frente para sua casa. Lucimara
era mais rígida, daquelas que capinam a
horta em baixo de sol e cospem na enxada
para lubrificá-la.

- Mas está difícil demais, viu, Lucimara.
Dessa vez eu cheguei em casa e meu
marido já estava lá borrifando as plantas da
horta com inseticida, colhendo umas
mudas de couve e umas laranjas e vez ou
outra removendo o excesso de mato que já
estava invadindo nossa casa. Ele terminou
o que estava fazendo e veio tomar banho.
Foi pegar a toalha no varal. Enquanto isso o
parei e dedilhei seu peito. “Vamos tomar
um banho juntos?”, perguntei. Não
respondeu, saiu andando e entrou para o
banho. “Ei, seu grosso, não vai nem me
responder?”, falei entre as gretas da porta.
“Já comecei a tomar, depois você entra”.
Impaciente, gritei espancando a porta: “O
marido da minha colega com certeza toma
banho com ela pelo menos uma vez por
semana”. “Que bom. Pelo menos o marido
da sua colega é higiênico”. Eu não me
aguento.

- Pelo menos em sua casa ele cuida bem da
horta.

- Da horta, sim. De mim, não.

Pra finalizar o circuito de reclamações,
Teresa encurralava sua terceira vítima, a
Jecilda, que completava a tríade de fofocas
em seus dias. Jecilda não gostava nada do
que lhe era contado. Ela sentia vontade de
arrastar o cabra do marido de Teresa o
segurando pelas orelhas e dar-lhe umas
boas tamancadas na bunda. Mas não fazia
nada disso. Apenas berrava com Teresa
pedindo para ela dar um jeito naquele
homem.

- Ah, Jecilda, meu marido é que nem boi de
fazenda: ele faz os serviços bonitinhos, mas
vai tentar fazer carinho nele. É pedir pra
tomar um coice na hora. E eu tomei um
bem dado no dia em que ele chegou para
almoçar, jogou as contas em cima da mesa,
todas pagas, é claro, mas eu reclamei
“Sempre deixando para pagar no ultimo dia
de vencimento, né?”, joguei a direta.
“Tanto faz a data”, respondeu. “Você deixa
para pagar sempre em cima da hora,
exatamente para não sobrar dinheiro para
me levar para sair. Eu sei disso”, cobrei.
“Nada a ver. Que papo ruim, viu”, retrucou
bravo. “Eu tenho certeza que o marido da
minha colega sempre deixa sobrar um
dinheirinho das contas para levá-la para
passear”, joguei na face dele. “A sua colega
é o quê? Um bichinho de estimação?”,
disse enquanto saía pelo portão.

- Ruim seria se ele não te levasse para
passear e nem pagasse as contas, não?

- Eu queria que pagasse as contas. Mas de
um restaurante chique.

A colega, que tanto o marido ouvia sobre o
marido dela, a convidou para um churrasco
em sua casa. Dessa vez seria inevitável que
o marido a acompanhasse e saísse com ela,
afinal de contas o filho viajava em turnê
para uma terra longe daquelas discussões e
deixá-la ir sozinha seria como jogar uma
cabra numa alcateia de tios bêbados com
cantadas horrorosas. Sem contar que o dia
prometia um Armageddon, o dia de tirar
satisfações e saber se aquele cara seria
realmente esse Dom Juan tupiniquim. Ao
menos se a carne não estiver boa, o prazer
máximo de conhecer um romancista vivo já
valeria a saída.

Na casa da amiga, tudo muito
arrumadinho. As plantas regadas. O varal
vazio. O jardim sem folhas secas
espalhadas e com a grama aparada. Os
vidros das janelas mais pareciam espelhos
de tão bem limpos. Tudo condizente com o
lirismo de Teresa.
- Será toda essa organização obra do
marido da sua colega? Se for, eu já faço o
mesmo. – indagou ironicamente.

- Pena que é só isso. – respondeu Teresa.

- Oi, amiga. Entra. Meu marido ainda está
assando as carnes. Enquanto não fica
pronto, a gente precisa colocar os papos
em dia. O Sampaio está lá de olho nas
carnes, se quiser, pode ir trocar idéia com
ele. – disse gentilmente mostrando-o o
corredor.

No que parecia ser uma churrasqueira
muito bem montada com tijolos e grelhas
removíveis, estava o Sampaio. Com
avental, pano de prato no ombro e
toquinha de cozinheiro na cabeça. Todo
ornado com sua perfeição que é de praxe e
com sua utopia que não lhe falta.

- Opa, você deve ser o Sampaio, é isso?

- Sim, Sampaio Corrêa.
- Tipo o time de futebol ou eu não sou o
primeiro engraçadinho a falar isso?

- Não, eu sempre falo que meu nome é
esse para pegar os engraçadinhos.

- Ah, então seu nome não é esse?

- Sim, pior que é. Qual teu nome, meu
caro?

- Paulo Ricardo.

- Tipo o cantor ou eu também sou o
primeiro engraçadinho a falar isso?

- É o primeiro a falar servindo essa ótima
alcatra. É só Paulo. Aliás, você que organiza
tudo por aqui? Vi essa casa limpinha, essa
organização nos móveis, a pia sem vasilhas.
Como é que funcionam as coisas? Você
praticamente é a base da perfeição. Olha,
vai soar meio estranho o que vou dizer,
mas minha mulher te tem como ídolo,
como base de um cara perfeito, o que não
erra, o faz tudo, o cara retirado dos livros.
Ela compara minhas supostas imperfeições
com seus adjetivos. Isso tudo é verdade?
Você é mesmo desse jeito?

- Às vezes nem tudo que minha mulher diz
para a sua é verdade.

- Quer dizer que há um pouco de exagero?

- Não. Eu realmente faço tudo.

- Então por que diz que nem tudo que sua
mulher diz é verdade?

- Ela pode citar as características, mas
esquecer dos defeitos.

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- A minha mulher vive me comparando a
um marido de uma colega dela.

- Será que esse marido sou eu?

- Não sei. Mas ela diz que sente falta de um
pouco de frieza da minha parte. Diz que
sou perfeito demais, não a maltrato, não
nego um beijo, não nego um “eu te amo” e
nem fujo para as colinas quando ela quer
se abrir comigo, fico sempre parado à
ouvidos. Ela diz que nosso relacionamento
segue em linha reta, sem o perigo das
curvas, sem ser escrito por linhas tortas e
desafiadoras. As amigas têm sempre do
que reclamar; ela não.

- Então somos respectivamente cada lado
de uma moeda.

- Um lado enferrujado e um lado polido.

- Mas o importante é que temos o mesmo
valor. Ou estou enganado?

- O mesmo eu não sei, mas acho que nunca
atingiremos o valor perfeito que elas tanto
procuram.

As esposas voltaram para verificar se a
carne já estava no ponto. Na porta, Teresa
tropeça no meio-feio e deixa a bolsa cair.
Uma foto de seu marido cai junto de alguns
trocados e batons.

- Ai, amiga, não sei o motivo de carregar
essa bolsa, sendo que não carrego nada
valioso dentro, se é que você me entende.
– disse catando os objetos junto de sua
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- É, eu também carrego e também não
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                             Tiago Peçanha.

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O marido da colega e a rotina de reclamações

  • 1. O marido da minha colega A Teresa. Aquela quarentona trabalhadora. Pelo tanto que se esforça e se desgasta, nem aparenta idade. Parece ter uns 30, mas bem sarados. Pelo tanto que é empenhada, talvez lhe falte tempo até para envelhecer. Cuidava de sua família como se fosse uma mãe canguru. O filho era tão inútil quanto um sopro num ventilador ligado. Mas era estudioso e não lhe aporrinhava a paciência. O pai era trabalhador. Vivia em cima de uma felicidade baseada em ver sua família bem alimentada, sorridente e pançuda, mas com saúde. Pelos conformes e trejeitos, a família dava indícios de perfeccionismo. Só indícios. Teresa reclamava aos quatro cantos de seu bairro sobre como seu
  • 2. relacionamento era morno. 19 anos casados que, subtraídos dos anos em que aproveitou alguma coisa ou se sentiu feliz, não restavam nem um ano. A coisa vinha de vento, mas não em popa. Para a Darli, que era sua melhor amiga, ela confidenciava os seus desejos mortos e seus dramas insolúveis. Cada dia era um pisa-fora diferente de seu marido. - Ontem ele chegou tarde do serviço todo abarrotado de sacolas. Era tanta coisa que se bobear tinha até comida dentro da meia. Ele entulhou tudo em cima da mesa, bagunçou a cozinha e começou a desfiar o frango da janta todo suado e sem camisa. Cheguei amorosa e disposta a matar a saudade, pois não nos víamos desde de manhã. Me aproximei, na esperança de levar um abraço e queria partilhar daquele líquido no meu corpo. Mas nenhum sinal do filho de rapariga ligar para mim. Ele
  • 3. tinha uma faca em mãos, qualquer abuso meu ele poderia fazer um estrago, mesmo acidental, ou mesmo eu conhecendo bem toda a calma que ele abusava em ter. “Você não me ama”, dizia. Ele respondia com um rangido. “E nem me responde”, quase gritei. “Pronto. Falei”, disse baixinho. “Só isso?”, saí pisando duro. “O marido da minha colega diz que a ama todos os dias, mesmo chegando cansado e mesmo sem vontade, mas diz para a ver feliz”, disse aos berros. “O marido da sua colega traz esse tanto de comida todos os dias?”, respondeu sufocando minha vontade de discutir. - Você não cansa dessa rotina? - Eu não me canso. Eu aturo. Darli era só uma das vítimas de Teresa. Ela também despejava a avalanche de infindáveis reclamações com Lucimara, vizinha de frente para sua casa. Lucimara
  • 4. era mais rígida, daquelas que capinam a horta em baixo de sol e cospem na enxada para lubrificá-la. - Mas está difícil demais, viu, Lucimara. Dessa vez eu cheguei em casa e meu marido já estava lá borrifando as plantas da horta com inseticida, colhendo umas mudas de couve e umas laranjas e vez ou outra removendo o excesso de mato que já estava invadindo nossa casa. Ele terminou o que estava fazendo e veio tomar banho. Foi pegar a toalha no varal. Enquanto isso o parei e dedilhei seu peito. “Vamos tomar um banho juntos?”, perguntei. Não respondeu, saiu andando e entrou para o banho. “Ei, seu grosso, não vai nem me responder?”, falei entre as gretas da porta. “Já comecei a tomar, depois você entra”. Impaciente, gritei espancando a porta: “O marido da minha colega com certeza toma banho com ela pelo menos uma vez por semana”. “Que bom. Pelo menos o marido
  • 5. da sua colega é higiênico”. Eu não me aguento. - Pelo menos em sua casa ele cuida bem da horta. - Da horta, sim. De mim, não. Pra finalizar o circuito de reclamações, Teresa encurralava sua terceira vítima, a Jecilda, que completava a tríade de fofocas em seus dias. Jecilda não gostava nada do que lhe era contado. Ela sentia vontade de arrastar o cabra do marido de Teresa o segurando pelas orelhas e dar-lhe umas boas tamancadas na bunda. Mas não fazia nada disso. Apenas berrava com Teresa pedindo para ela dar um jeito naquele homem. - Ah, Jecilda, meu marido é que nem boi de fazenda: ele faz os serviços bonitinhos, mas vai tentar fazer carinho nele. É pedir pra tomar um coice na hora. E eu tomei um bem dado no dia em que ele chegou para
  • 6. almoçar, jogou as contas em cima da mesa, todas pagas, é claro, mas eu reclamei “Sempre deixando para pagar no ultimo dia de vencimento, né?”, joguei a direta. “Tanto faz a data”, respondeu. “Você deixa para pagar sempre em cima da hora, exatamente para não sobrar dinheiro para me levar para sair. Eu sei disso”, cobrei. “Nada a ver. Que papo ruim, viu”, retrucou bravo. “Eu tenho certeza que o marido da minha colega sempre deixa sobrar um dinheirinho das contas para levá-la para passear”, joguei na face dele. “A sua colega é o quê? Um bichinho de estimação?”, disse enquanto saía pelo portão. - Ruim seria se ele não te levasse para passear e nem pagasse as contas, não? - Eu queria que pagasse as contas. Mas de um restaurante chique. A colega, que tanto o marido ouvia sobre o marido dela, a convidou para um churrasco
  • 7. em sua casa. Dessa vez seria inevitável que o marido a acompanhasse e saísse com ela, afinal de contas o filho viajava em turnê para uma terra longe daquelas discussões e deixá-la ir sozinha seria como jogar uma cabra numa alcateia de tios bêbados com cantadas horrorosas. Sem contar que o dia prometia um Armageddon, o dia de tirar satisfações e saber se aquele cara seria realmente esse Dom Juan tupiniquim. Ao menos se a carne não estiver boa, o prazer máximo de conhecer um romancista vivo já valeria a saída. Na casa da amiga, tudo muito arrumadinho. As plantas regadas. O varal vazio. O jardim sem folhas secas espalhadas e com a grama aparada. Os vidros das janelas mais pareciam espelhos de tão bem limpos. Tudo condizente com o lirismo de Teresa.
  • 8. - Será toda essa organização obra do marido da sua colega? Se for, eu já faço o mesmo. – indagou ironicamente. - Pena que é só isso. – respondeu Teresa. - Oi, amiga. Entra. Meu marido ainda está assando as carnes. Enquanto não fica pronto, a gente precisa colocar os papos em dia. O Sampaio está lá de olho nas carnes, se quiser, pode ir trocar idéia com ele. – disse gentilmente mostrando-o o corredor. No que parecia ser uma churrasqueira muito bem montada com tijolos e grelhas removíveis, estava o Sampaio. Com avental, pano de prato no ombro e toquinha de cozinheiro na cabeça. Todo ornado com sua perfeição que é de praxe e com sua utopia que não lhe falta. - Opa, você deve ser o Sampaio, é isso? - Sim, Sampaio Corrêa.
  • 9. - Tipo o time de futebol ou eu não sou o primeiro engraçadinho a falar isso? - Não, eu sempre falo que meu nome é esse para pegar os engraçadinhos. - Ah, então seu nome não é esse? - Sim, pior que é. Qual teu nome, meu caro? - Paulo Ricardo. - Tipo o cantor ou eu também sou o primeiro engraçadinho a falar isso? - É o primeiro a falar servindo essa ótima alcatra. É só Paulo. Aliás, você que organiza tudo por aqui? Vi essa casa limpinha, essa organização nos móveis, a pia sem vasilhas. Como é que funcionam as coisas? Você praticamente é a base da perfeição. Olha, vai soar meio estranho o que vou dizer, mas minha mulher te tem como ídolo, como base de um cara perfeito, o que não erra, o faz tudo, o cara retirado dos livros.
  • 10. Ela compara minhas supostas imperfeições com seus adjetivos. Isso tudo é verdade? Você é mesmo desse jeito? - Às vezes nem tudo que minha mulher diz para a sua é verdade. - Quer dizer que há um pouco de exagero? - Não. Eu realmente faço tudo. - Então por que diz que nem tudo que sua mulher diz é verdade? - Ela pode citar as características, mas esquecer dos defeitos. - Quais são os seus defeitos, por exemplo? - A minha mulher vive me comparando a um marido de uma colega dela. - Será que esse marido sou eu? - Não sei. Mas ela diz que sente falta de um pouco de frieza da minha parte. Diz que sou perfeito demais, não a maltrato, não
  • 11. nego um beijo, não nego um “eu te amo” e nem fujo para as colinas quando ela quer se abrir comigo, fico sempre parado à ouvidos. Ela diz que nosso relacionamento segue em linha reta, sem o perigo das curvas, sem ser escrito por linhas tortas e desafiadoras. As amigas têm sempre do que reclamar; ela não. - Então somos respectivamente cada lado de uma moeda. - Um lado enferrujado e um lado polido. - Mas o importante é que temos o mesmo valor. Ou estou enganado? - O mesmo eu não sei, mas acho que nunca atingiremos o valor perfeito que elas tanto procuram. As esposas voltaram para verificar se a carne já estava no ponto. Na porta, Teresa tropeça no meio-feio e deixa a bolsa cair.
  • 12. Uma foto de seu marido cai junto de alguns trocados e batons. - Ai, amiga, não sei o motivo de carregar essa bolsa, sendo que não carrego nada valioso dentro, se é que você me entende. – disse catando os objetos junto de sua amiga. - É, eu também carrego e também não entendo. Tiago Peçanha.