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O Caminho de Santiago
de Compostela.
Rota do Novo Milênio.
Sergio José de Brito
Sergio José de Brito Filho
Ana Maria de Brito Gouvêa
Curitiba – PR
2000
Copyiright
ᓻ 2000 Sergio José de Brito, Sergio José de Brito
Filho, Ana Maria de Brito Gouvêa.
Editoração eletrônica – Área Informática Ltda.
Fotografias: Sergio Brito Filho.
Ilustração da capa: Sergio Brito Filho.
EDA/ BN: 208.886
Brito, Sergio José de 1922-
O Caminho de Santiago de Compostela: Rota do Novo Milênio
/ Sergio José de Brito, Sergio José de Brito Filho, Ana Maria de Brito
Gouvêa. - Curitiba:
, 2000.
236p. : il. col. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
1. Santiago de Compostela (Espanha) – Descrições e Viagens.
2. Peregrinos e peregrinações – Espanha – Santiago de Compostela. I.
Brito Filho, Sergio José de, 1959 –. Gouvêa, Ana Maria de Brito, 1947
-. III. Título
CDD (20a
. ed.)
914.6
ISBN – 85-901547-1-8
Catalogação realizada pela bibliotecária Mara Rejane Vicente Teixeira
2000
Proibida a reprodução total ou parcial
Os infratores serão processados na forma da lei
Contato com os autores
e-mail: sbf465@yahoo.com.br – sjb84@terra.com.br
PREFÁCIO
Peço que o leitor me permita, antes de falarmos dessa
obra, lembrar um antigo conto budista, que conta a história de
um mestre que passeava na montanha. Quando regressou, um
discípulo lhe perguntou:
- Mestre, onde fostes passear?
- Na montanha – respondeu o mestre.
O discípulo insistiu:
- Mas que caminho tomastes, que vistes?
Respondeu-lhe o mestre:
- Segui o aroma das flores e acompanhei o curso dos
brotos novos.
Esse ensinamento mostra que devemos deixar-nos guiar
pelas ervas e flores que medram sem propósito no nosso
caminho. O conto nos ensina que a verdadeira sabedoria deve
ser criada além do saber e da memória.
Dessa forma, os autores dessa obra, Sérgio José de Brito,
com 78 anos, seu filho, Sergio José de Brito Filho com 40 anos, e
Ana Maria de Brito Gouvêa, sua filha, com 52 anos, conseguiram
realizar o seu sonho.
Esse sonho nasceu logo após a morte de Jesus Cristo, em
Jerusalém, quando o apóstolo Tiago Maior, irmão de João
Evangelista, decidiu levar a mensagem de seu mestre além da
última fronteira de terra conhecida na época, que seria o
noroeste da Espanha, último cabo de navegação da Europa
Ocidental. Antes de morrer decapitado, Tiago teria pedido para
seus discípulos que o enterrassem na Espanha, em cerca de 44
d.C. Conta a lenda que um eremita chamado Pelayo, guiado por
uma chuva de estrelas, encontrou a tumba com os restos
mortais do apóstolo Tiago, dois séculos antes do primeiro
milênio. Assim nasceu o mito de São Tiago e uma das mais
importantes rotas de peregrinação, de aventura, fé e
autoconhecimento.
Além do poder espiritual, Santiago de Compostela
representa hoje um dos pontos de maior circulação turística do
mundo, mesmo com suas nuvens pesadas em quase todo o
percurso. Ao olharmos por esse prisma, o caminho de
peregrinação se torna um aprendizado para nós brasileiros, que
nascemos em um país rico em belezas naturais e que ainda não
conseguiu tornar o Turismo uma prioridade de
desenvolvimento, buscando resolver questões estruturais
necessárias para que tenhamos um mercado turístico de
qualidade.
Nesse sentido, em setembro de 1999, tivemos a
felicidade de assinar na cidade de Santiago de Compostela, o
acordo de cooperação nos setores econômico, cultural e
turístico, declarando o município de Florianópolis como cidade
irmã da cidade espanhola de Santiago de Compostela.
Esse livro retrata justamente a experiência dessa
caminhada, feita passo a passo, por cidades, paisagens tantas,
bosques encantados, os contrastes, as verdades vistas em cada
rosto encontrado no caminho, que certamente deu aos nossos
autores o sentido da importância de se acreditar nos sonhos.
O meu sonho é conseguir dar a todos os cidadãos de
Florianópolis uma cidade com qualidade de vida e por isso,
buscamos experiências tão longínquas para o desenvolvimento
turístico. Essa aproximação é permitida hoje com a globalização
de nossos conhecimentos e das informações.
Como o mestre, que citei no conto acima, devemos
buscar novas saídas e novos caminhos, de olhos abertos,
observando sempre a paisagem nova que se apresenta a cada
segundo. Disso se deve o desenvolvimento humano que deve
primar pela cidadania e o direito do bem viver.
ANGELA REGINA HEINZEN AMIN HELOU
Prefeita Municipal de Florianópolis
Julho de 2000.
Rota das Estrelas
Foto:
A hospitalidade e a tradição depositadas
por milhares de viajantes há 11 séculos em cada pedra,
cada árvore e cada rincão da rota Jacobea fazem deste
caminho, que corta a Espanha de leste a oeste até
Finisterra, uma experiência única no mundo.
A peregrinação a Santiago é uma viagem de 830
quilômetros ao interior de si mesmo, que cada um
empreende com sua própria bagagem e objetivos. Há
quem a inicie pelo prazer de caminhar, outros por
convicção religiosa ou pelo interesse artístico e histórico de
uma senda pela qual penetraram na península ibérica as
vanguardas estéticas e culturais do Ocidente; também é
freqüente fazê-la por uma promessa ou por um pouco de
todos os motivos. No entanto, ninguém, ao iniciá-lo, sabe
que nesse momento desencadeia-se um processo de
Foto:
O céu na noite de Itero de la Vega em Palencia.
renovação interior que lhe mudará o conceito de muitas
coisas.
Tem sentido a peregrinação por uma rota medieval
ao despontar do século XXI? É óbvio que o traçado
histórico desapareceu em alta percentagem debaixo do
asfalto das estradas ou pela rotatividade do cultivo da
terra. Onde antes havia bosques, lobos e bandidos, agora
há polígonos industriais e veículos a motor. E os
peregrinos, que antes pediam guarida, levam agora um
cartão de crédito no bolso. Mas a essência da via milenária
permanece com a mesma intensidade, pregada aos
bosques navarros, em cada prega das colinas riojanas, no
horizonte interminável das planícies castelhanoleonesas ou
na úmida obscuridade das corredeiras gallegas. O espírito
de aventura que tinha um final incerto e misterioso segue
cativando a quem o enfrenta.
A via aberta pelos peregrinos entre a Europa e a
Basílica Compostelana não foi só um caminho de
peregrinação.
Mesclados com campesinos, burgueses e nobres,
chegaram também artesãos, canteiros (trabalhadores da
pedra), cantores, pintores, escultores e ordens monásticas.
Aquele olho vibrante da reconquista se converteu
prontamente no duto ao qual se colaram, na península, as
vanguardas estéticas e culturais que imperavam no mundo
ocidental.
Foi a grande contribuição do Apóstolo Santiago ao
desenvolvimento artístico e humanístico da Espanha.
Primeiro chegou o românico, a arte mais intelectual
da história, com suas linhas tão características; mais tarde
as ordens monásticas francesas incorporaram o gosto pelo
altivo e a leveza do gótico. O barroco se encarregaria
depois de sobrecarregar tudo.
Juntos e amalgamados, fazem do Caminho de
Santiago um livro de História da Arte a céu aberto.
A credencial do peregrino com os
carimbos registrando sua
passagem pelos albergues do caminho.
Capítulo I
O Despertar
De Madri a Roncesvalles
Espanha, 03 de Setembro de
1999.
A manhã já se fazia adiantada enquanto
percorríamos os labirintos do aeroporto internacional de
Madri. Tudo parecia não estar verdadeiramente
acontecendo. Há quase dois anos antes daquele dia,
havíamos iniciado o planejamento de nossa viagem e,
agora, tudo estava prestes a acontecer. Procurávamos pelo
portão de embarque E-29, no terminal doméstico de
passageiros, caminhando pelos corredores frios do
aeroporto: eu, minha irmã e nosso pai. Cada um com visão
própria do que estava acontecendo, quando subitamente
chegávamos ao local desejado, ponto de partida para a
cidade de Pamplona, lugar próximo ao povoado de onde
iniciaríamos a caminhada.
Estávamos sentados, aguardando a hora do
embarque, quando avistamos um possível companheiro de
caminhada. Um rapaz com aproximadamente 30 anos de
idade, trajando roupas bastante apropriadas para uma
jornada de peregrinação de mais de 800 quilômetros pelo
interior da Espanha. Minha irmã se aproximou e
perguntou:
- De onde você vem? Sim, pois para onde vai já
posso imaginar.
- Venho do Brasil, como vocês. Sou de Londrina,
no Norte do Paraná e venho para fazer o
Caminho de Santiago.
- Ah é... é? - disse em tom de brincadeira. Pois
meu irmão e meu pai vêm de Curitiba e eu moro
em Florianópolis; decidimos fazer o caminho em
família e aqui estamos.
- Ora, isso é muito bom. Eu vim sozinho, pois
minha esposa, na última hora, não pôde deixar
compromissos de trabalho para me
acompanhar.
Depois das devidas apresentações e troca de
informações, fomos chamados ao embarque para
Pamplona. Menos de uma hora de voo e chegávamos à
cidade a qual atravessaríamos caminhando dois dias mais
tarde. A paisagem do final de verão era seca e pálida.
Muitos campos cultivados com o trigo recém colhido.
Nosso pai comentava que aqueles campos deveriam estar
exuberantes antes da colheita, o que naqueles dias já não
mais se podia contemplar. Desembarcamos em Pamplona
com o sol do meio-dia a pino e um calor de trinta e cinco
graus. Retiramos nossas bagagens na área de desembarque
do aeroporto e fomos em busca de um táxi que nos levasse
até o pequeno povoado de Roncesvalles.
Nosso amigo brasileiro, Luiz, iria até a fronteira da
Espanha com a França, pois iniciaria a peregrinação de lá,
na localidade de Saint Jean Pied-de-Port, uns vinte
quilômetros antes do local de onde partiríamos. Tentamos
uma barganha com o motorista do táxi, quanto ao preço da
corrida, porém, em vão. O valor foi estipulado por ele sem
possibilidade de desconto ou qualquer outra redução.
O taxista permaneceu sério e calado até chegarmos
ao centro da cidade de Pamplona, quando Luiz precisou
parar alguns minutos em um hotel, para procedimentos de
câmbio em moeda local. Nosso pai, então, pôs em ação seu
espanhol, aprendido em um curso rápido de três meses,
que fizéramos no Brasil antes da viagem, e estabeleceu um
diálogo com o motorista. Esse, então, muito solícito, após
sentir nossa receptividade, disse se chamar Gonzalez e
passou a nos explicar alguns detalhes do Caminho, por
aquela região. Achou absolutamente fenomenal o fato de
estarmos empreendendo a caminhada em família, com
nosso pai de setenta e sete anos de idade e termos vindo
de tão longe para isso. Disse-nos que ele, mesmo morando
praticamente à beira do Caminho, nunca pensou em
percorrê-lo até Santiago. Luiz retornou, embarcou no táxi e
seguimos viagem até Roncesvalles, distante
aproximadamente cinquenta quilômetros dali. Nesse
trajeto, o Sr. Gonzalez nos apontou ao longe os Pirineus, os
locais por onde passava o Caminho e atrações visíveis da
rota, quando pudemos então avistar, pela primeira vez, um
peregrino que andava pelo acostamento da rodovia em
direção a Santiago de Compostela.
Uma paisagem esplendorosa se sucedia ante nossos
olhos, como se fosse composta por centenas de painéis
fotográficos sucessivamente substituídos, como uma
apresentação interativa em realidade virtual, porém ali
tudo já era real e palpável. A topografia da região tornava-
se cada vez mais acidentada, à medida que nos
aproximávamos do nosso destino, e o ar puro prenunciava
a presença de grandes bosques distribuídos por aquelas
terras.
Tudo nos soava como uma grande novidade; como
se passássemos a fazer parte de um filme sobre o qual
tínhamos apenas ouvido falar. Finalmente, o táxi parou
ante uma construção medieval restaurada e nos foi
informado nosso destino.
- É aqui amigos! Avisou o Sr. Gonzalez, como se
dissesse: agora é com vocês...
- Muchas gracias señor! Disse nosso pai, já
desembarcando.
Despedimo-nos do motorista e de Luiz, vendo-nos
então à beira da rodovia, pela primeira vez a sós com
nossas mochilas, sem carregadores, esteiras rolantes ou
qualquer outro veículo para levá-las, exceto nossos braços
e pernas. Fez-se então um breve silêncio enquanto
escutávamos o ruído do táxi sumindo ao longe, levando
nosso primeiro amigo encontrado no caminho e que não
seria mais visto por nós durante todo o restante do trajeto.
Roncesvalles se define como o marco inicial da
peregrinação a Compostela, dentro da península ibérica,
datando do ano de 1.127, quando o rei Alfonso el
Batallador inicia uma campanha para tornar Navarra o
único caminho para os reinos mais ocidentais. Incentivando
a entrada direta da França, através de seu reino, o
monarca vitaliza o mítico passo de Roncesvalles, apoiando-
se na lenda de Carlos Magno para atrair a todos quantos
viajam para abraçar o Apóstolo, mas visando, acima de
tudo, interesses políticos e, especialmente, econômicos.
As peregrinações movimentam grandes quantidades de
dinheiro e, ao converter seu reino na nova fronteira
jacobea com a França, suas rendas com impostos e dízimos
aumentaram consideravelmente. A revitalização de
Roncesvalles começa com a construção, no mesmo ano, de
um grande hospital. Os hospitais realizaram, na época,
uma enorme função auxiliar no Caminho, oferecendo
grande soma de serviços aos peregrinos. Em 1.209, Sancho
el Fuerte ordena a construção de uma grande basílica.
Hoje, a colegiata tem três naves, sendo a central maior e
mais alta, com uma cúpula poligonal com grandes janelões
em cada um de seus cinco lados. Um dos elementos que
chamam a atenção é o estilo da construção: o primeiro
templo gótico do Caminho, levantado com técnicas
importadas da França. A planta da colegiata, assim como
seus elementos construtivos, guardam uma grande
semelhança com a de Notre Dame de Paris, convertendo o
templo navarro em uma embaixada religiosa da França no
início do trecho espanhol do Caminho. A colegiata sofreu
várias reformas, sendo a mais importante a que no século
XVII a adaptou ao barroco, e a reconstrução funcional dos
anos quarenta, uma das primeiras manifestações religioso-
imperiais do franquismo.
Entramos em um pequeno restaurante, à beira da
rodovia, e perguntamos se havia a possibilidade de nos
servirem almoço. A resposta foi negativa, pois o horário de
refeições já se havia encerrado. Pedimos permissão para
desfazermos as embalagens plásticas de proteção das
mochilas e as vestimos no corpo, pela primeira vez, da
forma como seriam conduzidas dali por diante, e, por
muitos dias.
Nesse momento deixamos nossas identidades
originais, nossas profissões, posição social e cultural para
assumirmos, de forma plena, a marca que nos
acompanharia pelos próximos trinta ou trinta e cinco dias:
passaríamos a ser chamados apenas de Peregrinos. Tudo
aquilo que fizera parte de nossas vidas, algumas horas
antes, deixara de fazer sentido perante aquela nova
realidade. Dificilmente conseguiríamos vivenciar essa
situação de outra forma, sem que tivéssemos que abrir
mão permanentemente de nossas vidas anteriores, mas o
Caminho proporciona uma possibilidade temporária a
quem se propõe percorrê-lo.
Estávamos famintos e, então, nos dirigimos ao
único bar do povoado, pensando em um sanduíche
suculento, já que naquele horário fazer uma refeição
completa seria difícil, porém o que havia era apenas
“bocadillos de jamon con queso”, ou seja, pão tipo
baguette, em tamanho gigante, recheado com presunto
serrano e queijo. Pedimos três “bocadillos”, refrigerantes e
nosso pai pediu uma “caña”, que equivale a um chopp aqui
no Brasil.
Eram aproximadamente dezessete horas e fomos
até a Colegiata de Roncesvalles para retirar nossas
credenciais de peregrino: o documento que assegura a
acolhida do caminhante nos refúgios, durante todo o
trajeto. Após recebermos as credenciais, pelas mãos de
Javier, o atendente voluntário daquele dia, fomos até um
bazar instalado no próprio prédio da Colegiata, onde
adquirimos o “kit peregrino” composto por: um cajado de
madeira para ser usado como apoio durante a caminhada e
também para proteção contra cães que eventualmente
podem atacar o caminhante; um guia mostrando todo o
trajeto detalhadamente e a Vieira, que é a concha-símbolo
da peregrinação.
Dirigimo-nos para um prédio muito antigo,
localizado ao lado da igreja, quando encontramos um rapaz
calçando chinelos e passeando pelos jardins em frente à
construção. Então, fiz um sinal a ele e perguntei:
- Olá! Você sabe onde fica o refúgio de
peregrinos?
- Sim, vocês também são brasileiros? De onde?
- Somos do Sul. E você?
- Sou de Minas Gerais. Meu nome é Raí. Se
quiserem se acomodar no refúgio podem entrar
e ir se apossando. É assim que as coisas
funcionam por aqui... Eu acho...
Foi muito confortante encontrar um brasileiro,
futuro companheiro de caminhada, já na chegada.
Trocamos mais algumas informações e logo nos dirigimos
aos aposentos do refúgio de peregrinos.
O prédio, em estilo medieval, alojava os peregrinos
em seu andar superior. Para subir percorremos uma ampla
escadaria em madeira maciça, muito antiga, que dava em
uma sala onde se fazia a recepção dos recém chegados. O
hospitaleiro imediatamente nos recebeu, anotou nossos
dados no livro de entrada de peregrinos, carimbou nossas
credenciais e nos encaminhou para o dormitório ao lado. O
dormitório era amplo, equipado com camas do tipo
beliche. O piso, em madeira, contrastava com as paredes
brancas revestidas com um reboco muito rústico. O teto,
suportado por imensas vigas de madeira, complementava
o aposento onde dormiriam, aproximadamente, vinte ou
vinte e cinco peregrinos, naquela noite. Os banheiros, bem
asseados, contavam com água quente e um tanque para a
lavação de roupas, bem como outros utensílios, além de
lavatórios e sanitários. Tudo extremamente simples, mas
proporcionando exatamente o conforto que os peregrinos
necessitavam naquele final de dia. Nós não havíamos
caminhado ainda, porém muitos peregrinos acabavam de
chegar exaustos, procedentes de Saint Jean Pied-de-Port,
onde haviam iniciado sua jornada pelos Pirineus.
Após o banho, nos dirigimos à igreja, para a missa e
benção aos peregrinos que ali dormiriam por aquela noite.
A homilia do pároco foi voltada para a importância da fé e
da força de vontade na superação de obstáculos pelo ser
humano. Os ritos, acompanhados pelo som de um
maravilhoso órgão de tubos, fizeram da missa uma
verdadeira celebração de força e elevação espiritual.
Terminada a celebração da missa fomos para o
dormitório, a fim de recuperarmos o ânimo para o primeiro
dia de caminhada. Ao deitar fiz uma oração e agradeci a
Deus por permitir que estivéssemos ali prestes a iniciar o
Caminho. Rezei por minha família, minha mulher e filhinha,
amigos e por toda a humanidade, de uma forma como
jamais fizera antes. A hierarquia dos sentimentos parecia
não fazer o menor sentido diante de tudo, e, pela primeira
vez no início do caminho, me senti invadido por um
sentimento de amor incondicional e que jamais
experimentara em outra ocasião.

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O Caminho de Santiago: A jornada espiritual de uma família brasileira

  • 1.
  • 2. O Caminho de Santiago de Compostela. Rota do Novo Milênio. Sergio José de Brito Sergio José de Brito Filho Ana Maria de Brito Gouvêa Curitiba – PR 2000
  • 3. Copyiright ᓻ 2000 Sergio José de Brito, Sergio José de Brito Filho, Ana Maria de Brito Gouvêa. Editoração eletrônica – Área Informática Ltda. Fotografias: Sergio Brito Filho. Ilustração da capa: Sergio Brito Filho. EDA/ BN: 208.886 Brito, Sergio José de 1922- O Caminho de Santiago de Compostela: Rota do Novo Milênio / Sergio José de Brito, Sergio José de Brito Filho, Ana Maria de Brito Gouvêa. - Curitiba: , 2000. 236p. : il. col. ; 21 cm. Inclui bibliografia 1. Santiago de Compostela (Espanha) – Descrições e Viagens. 2. Peregrinos e peregrinações – Espanha – Santiago de Compostela. I. Brito Filho, Sergio José de, 1959 –. Gouvêa, Ana Maria de Brito, 1947 -. III. Título CDD (20a . ed.) 914.6 ISBN – 85-901547-1-8 Catalogação realizada pela bibliotecária Mara Rejane Vicente Teixeira 2000 Proibida a reprodução total ou parcial Os infratores serão processados na forma da lei Contato com os autores e-mail: sbf465@yahoo.com.br – sjb84@terra.com.br
  • 4. PREFÁCIO Peço que o leitor me permita, antes de falarmos dessa obra, lembrar um antigo conto budista, que conta a história de um mestre que passeava na montanha. Quando regressou, um discípulo lhe perguntou: - Mestre, onde fostes passear? - Na montanha – respondeu o mestre. O discípulo insistiu: - Mas que caminho tomastes, que vistes? Respondeu-lhe o mestre: - Segui o aroma das flores e acompanhei o curso dos brotos novos. Esse ensinamento mostra que devemos deixar-nos guiar pelas ervas e flores que medram sem propósito no nosso caminho. O conto nos ensina que a verdadeira sabedoria deve ser criada além do saber e da memória. Dessa forma, os autores dessa obra, Sérgio José de Brito, com 78 anos, seu filho, Sergio José de Brito Filho com 40 anos, e Ana Maria de Brito Gouvêa, sua filha, com 52 anos, conseguiram realizar o seu sonho. Esse sonho nasceu logo após a morte de Jesus Cristo, em Jerusalém, quando o apóstolo Tiago Maior, irmão de João Evangelista, decidiu levar a mensagem de seu mestre além da última fronteira de terra conhecida na época, que seria o noroeste da Espanha, último cabo de navegação da Europa Ocidental. Antes de morrer decapitado, Tiago teria pedido para seus discípulos que o enterrassem na Espanha, em cerca de 44 d.C. Conta a lenda que um eremita chamado Pelayo, guiado por uma chuva de estrelas, encontrou a tumba com os restos mortais do apóstolo Tiago, dois séculos antes do primeiro milênio. Assim nasceu o mito de São Tiago e uma das mais importantes rotas de peregrinação, de aventura, fé e autoconhecimento.
  • 5. Além do poder espiritual, Santiago de Compostela representa hoje um dos pontos de maior circulação turística do mundo, mesmo com suas nuvens pesadas em quase todo o percurso. Ao olharmos por esse prisma, o caminho de peregrinação se torna um aprendizado para nós brasileiros, que nascemos em um país rico em belezas naturais e que ainda não conseguiu tornar o Turismo uma prioridade de desenvolvimento, buscando resolver questões estruturais necessárias para que tenhamos um mercado turístico de qualidade. Nesse sentido, em setembro de 1999, tivemos a felicidade de assinar na cidade de Santiago de Compostela, o acordo de cooperação nos setores econômico, cultural e turístico, declarando o município de Florianópolis como cidade irmã da cidade espanhola de Santiago de Compostela. Esse livro retrata justamente a experiência dessa caminhada, feita passo a passo, por cidades, paisagens tantas, bosques encantados, os contrastes, as verdades vistas em cada rosto encontrado no caminho, que certamente deu aos nossos autores o sentido da importância de se acreditar nos sonhos. O meu sonho é conseguir dar a todos os cidadãos de Florianópolis uma cidade com qualidade de vida e por isso, buscamos experiências tão longínquas para o desenvolvimento turístico. Essa aproximação é permitida hoje com a globalização de nossos conhecimentos e das informações. Como o mestre, que citei no conto acima, devemos buscar novas saídas e novos caminhos, de olhos abertos, observando sempre a paisagem nova que se apresenta a cada segundo. Disso se deve o desenvolvimento humano que deve primar pela cidadania e o direito do bem viver. ANGELA REGINA HEINZEN AMIN HELOU Prefeita Municipal de Florianópolis Julho de 2000.
  • 6. Rota das Estrelas Foto: A hospitalidade e a tradição depositadas por milhares de viajantes há 11 séculos em cada pedra, cada árvore e cada rincão da rota Jacobea fazem deste caminho, que corta a Espanha de leste a oeste até Finisterra, uma experiência única no mundo. A peregrinação a Santiago é uma viagem de 830 quilômetros ao interior de si mesmo, que cada um empreende com sua própria bagagem e objetivos. Há quem a inicie pelo prazer de caminhar, outros por convicção religiosa ou pelo interesse artístico e histórico de uma senda pela qual penetraram na península ibérica as vanguardas estéticas e culturais do Ocidente; também é freqüente fazê-la por uma promessa ou por um pouco de todos os motivos. No entanto, ninguém, ao iniciá-lo, sabe que nesse momento desencadeia-se um processo de Foto: O céu na noite de Itero de la Vega em Palencia.
  • 7. renovação interior que lhe mudará o conceito de muitas coisas. Tem sentido a peregrinação por uma rota medieval ao despontar do século XXI? É óbvio que o traçado histórico desapareceu em alta percentagem debaixo do asfalto das estradas ou pela rotatividade do cultivo da terra. Onde antes havia bosques, lobos e bandidos, agora há polígonos industriais e veículos a motor. E os peregrinos, que antes pediam guarida, levam agora um cartão de crédito no bolso. Mas a essência da via milenária permanece com a mesma intensidade, pregada aos bosques navarros, em cada prega das colinas riojanas, no horizonte interminável das planícies castelhanoleonesas ou na úmida obscuridade das corredeiras gallegas. O espírito de aventura que tinha um final incerto e misterioso segue cativando a quem o enfrenta. A via aberta pelos peregrinos entre a Europa e a Basílica Compostelana não foi só um caminho de peregrinação. Mesclados com campesinos, burgueses e nobres, chegaram também artesãos, canteiros (trabalhadores da pedra), cantores, pintores, escultores e ordens monásticas. Aquele olho vibrante da reconquista se converteu prontamente no duto ao qual se colaram, na península, as vanguardas estéticas e culturais que imperavam no mundo ocidental. Foi a grande contribuição do Apóstolo Santiago ao desenvolvimento artístico e humanístico da Espanha.
  • 8. Primeiro chegou o românico, a arte mais intelectual da história, com suas linhas tão características; mais tarde as ordens monásticas francesas incorporaram o gosto pelo altivo e a leveza do gótico. O barroco se encarregaria depois de sobrecarregar tudo. Juntos e amalgamados, fazem do Caminho de Santiago um livro de História da Arte a céu aberto.
  • 9. A credencial do peregrino com os carimbos registrando sua passagem pelos albergues do caminho.
  • 10. Capítulo I O Despertar De Madri a Roncesvalles Espanha, 03 de Setembro de 1999. A manhã já se fazia adiantada enquanto percorríamos os labirintos do aeroporto internacional de Madri. Tudo parecia não estar verdadeiramente acontecendo. Há quase dois anos antes daquele dia, havíamos iniciado o planejamento de nossa viagem e, agora, tudo estava prestes a acontecer. Procurávamos pelo portão de embarque E-29, no terminal doméstico de passageiros, caminhando pelos corredores frios do aeroporto: eu, minha irmã e nosso pai. Cada um com visão
  • 11. própria do que estava acontecendo, quando subitamente chegávamos ao local desejado, ponto de partida para a cidade de Pamplona, lugar próximo ao povoado de onde iniciaríamos a caminhada. Estávamos sentados, aguardando a hora do embarque, quando avistamos um possível companheiro de caminhada. Um rapaz com aproximadamente 30 anos de idade, trajando roupas bastante apropriadas para uma jornada de peregrinação de mais de 800 quilômetros pelo interior da Espanha. Minha irmã se aproximou e perguntou: - De onde você vem? Sim, pois para onde vai já posso imaginar. - Venho do Brasil, como vocês. Sou de Londrina, no Norte do Paraná e venho para fazer o Caminho de Santiago. - Ah é... é? - disse em tom de brincadeira. Pois meu irmão e meu pai vêm de Curitiba e eu moro em Florianópolis; decidimos fazer o caminho em família e aqui estamos. - Ora, isso é muito bom. Eu vim sozinho, pois minha esposa, na última hora, não pôde deixar compromissos de trabalho para me acompanhar. Depois das devidas apresentações e troca de informações, fomos chamados ao embarque para Pamplona. Menos de uma hora de voo e chegávamos à cidade a qual atravessaríamos caminhando dois dias mais tarde. A paisagem do final de verão era seca e pálida.
  • 12. Muitos campos cultivados com o trigo recém colhido. Nosso pai comentava que aqueles campos deveriam estar exuberantes antes da colheita, o que naqueles dias já não mais se podia contemplar. Desembarcamos em Pamplona com o sol do meio-dia a pino e um calor de trinta e cinco graus. Retiramos nossas bagagens na área de desembarque do aeroporto e fomos em busca de um táxi que nos levasse até o pequeno povoado de Roncesvalles. Nosso amigo brasileiro, Luiz, iria até a fronteira da Espanha com a França, pois iniciaria a peregrinação de lá, na localidade de Saint Jean Pied-de-Port, uns vinte quilômetros antes do local de onde partiríamos. Tentamos uma barganha com o motorista do táxi, quanto ao preço da corrida, porém, em vão. O valor foi estipulado por ele sem possibilidade de desconto ou qualquer outra redução. O taxista permaneceu sério e calado até chegarmos ao centro da cidade de Pamplona, quando Luiz precisou parar alguns minutos em um hotel, para procedimentos de câmbio em moeda local. Nosso pai, então, pôs em ação seu espanhol, aprendido em um curso rápido de três meses, que fizéramos no Brasil antes da viagem, e estabeleceu um diálogo com o motorista. Esse, então, muito solícito, após sentir nossa receptividade, disse se chamar Gonzalez e passou a nos explicar alguns detalhes do Caminho, por aquela região. Achou absolutamente fenomenal o fato de estarmos empreendendo a caminhada em família, com nosso pai de setenta e sete anos de idade e termos vindo de tão longe para isso. Disse-nos que ele, mesmo morando praticamente à beira do Caminho, nunca pensou em percorrê-lo até Santiago. Luiz retornou, embarcou no táxi e
  • 13. seguimos viagem até Roncesvalles, distante aproximadamente cinquenta quilômetros dali. Nesse trajeto, o Sr. Gonzalez nos apontou ao longe os Pirineus, os locais por onde passava o Caminho e atrações visíveis da rota, quando pudemos então avistar, pela primeira vez, um peregrino que andava pelo acostamento da rodovia em direção a Santiago de Compostela. Uma paisagem esplendorosa se sucedia ante nossos olhos, como se fosse composta por centenas de painéis fotográficos sucessivamente substituídos, como uma apresentação interativa em realidade virtual, porém ali tudo já era real e palpável. A topografia da região tornava- se cada vez mais acidentada, à medida que nos aproximávamos do nosso destino, e o ar puro prenunciava a presença de grandes bosques distribuídos por aquelas terras. Tudo nos soava como uma grande novidade; como se passássemos a fazer parte de um filme sobre o qual tínhamos apenas ouvido falar. Finalmente, o táxi parou ante uma construção medieval restaurada e nos foi informado nosso destino. - É aqui amigos! Avisou o Sr. Gonzalez, como se dissesse: agora é com vocês... - Muchas gracias señor! Disse nosso pai, já desembarcando. Despedimo-nos do motorista e de Luiz, vendo-nos então à beira da rodovia, pela primeira vez a sós com nossas mochilas, sem carregadores, esteiras rolantes ou
  • 14. qualquer outro veículo para levá-las, exceto nossos braços e pernas. Fez-se então um breve silêncio enquanto escutávamos o ruído do táxi sumindo ao longe, levando nosso primeiro amigo encontrado no caminho e que não seria mais visto por nós durante todo o restante do trajeto. Roncesvalles se define como o marco inicial da peregrinação a Compostela, dentro da península ibérica, datando do ano de 1.127, quando o rei Alfonso el Batallador inicia uma campanha para tornar Navarra o único caminho para os reinos mais ocidentais. Incentivando a entrada direta da França, através de seu reino, o monarca vitaliza o mítico passo de Roncesvalles, apoiando- se na lenda de Carlos Magno para atrair a todos quantos viajam para abraçar o Apóstolo, mas visando, acima de tudo, interesses políticos e, especialmente, econômicos. As peregrinações movimentam grandes quantidades de dinheiro e, ao converter seu reino na nova fronteira jacobea com a França, suas rendas com impostos e dízimos aumentaram consideravelmente. A revitalização de Roncesvalles começa com a construção, no mesmo ano, de um grande hospital. Os hospitais realizaram, na época, uma enorme função auxiliar no Caminho, oferecendo grande soma de serviços aos peregrinos. Em 1.209, Sancho el Fuerte ordena a construção de uma grande basílica. Hoje, a colegiata tem três naves, sendo a central maior e mais alta, com uma cúpula poligonal com grandes janelões em cada um de seus cinco lados. Um dos elementos que chamam a atenção é o estilo da construção: o primeiro templo gótico do Caminho, levantado com técnicas importadas da França. A planta da colegiata, assim como seus elementos construtivos, guardam uma grande
  • 15. semelhança com a de Notre Dame de Paris, convertendo o templo navarro em uma embaixada religiosa da França no início do trecho espanhol do Caminho. A colegiata sofreu várias reformas, sendo a mais importante a que no século XVII a adaptou ao barroco, e a reconstrução funcional dos anos quarenta, uma das primeiras manifestações religioso- imperiais do franquismo. Entramos em um pequeno restaurante, à beira da rodovia, e perguntamos se havia a possibilidade de nos servirem almoço. A resposta foi negativa, pois o horário de refeições já se havia encerrado. Pedimos permissão para desfazermos as embalagens plásticas de proteção das mochilas e as vestimos no corpo, pela primeira vez, da forma como seriam conduzidas dali por diante, e, por muitos dias. Nesse momento deixamos nossas identidades originais, nossas profissões, posição social e cultural para assumirmos, de forma plena, a marca que nos acompanharia pelos próximos trinta ou trinta e cinco dias: passaríamos a ser chamados apenas de Peregrinos. Tudo aquilo que fizera parte de nossas vidas, algumas horas antes, deixara de fazer sentido perante aquela nova realidade. Dificilmente conseguiríamos vivenciar essa situação de outra forma, sem que tivéssemos que abrir mão permanentemente de nossas vidas anteriores, mas o Caminho proporciona uma possibilidade temporária a quem se propõe percorrê-lo. Estávamos famintos e, então, nos dirigimos ao único bar do povoado, pensando em um sanduíche
  • 16. suculento, já que naquele horário fazer uma refeição completa seria difícil, porém o que havia era apenas “bocadillos de jamon con queso”, ou seja, pão tipo baguette, em tamanho gigante, recheado com presunto serrano e queijo. Pedimos três “bocadillos”, refrigerantes e nosso pai pediu uma “caña”, que equivale a um chopp aqui no Brasil. Eram aproximadamente dezessete horas e fomos até a Colegiata de Roncesvalles para retirar nossas credenciais de peregrino: o documento que assegura a acolhida do caminhante nos refúgios, durante todo o trajeto. Após recebermos as credenciais, pelas mãos de Javier, o atendente voluntário daquele dia, fomos até um bazar instalado no próprio prédio da Colegiata, onde adquirimos o “kit peregrino” composto por: um cajado de madeira para ser usado como apoio durante a caminhada e também para proteção contra cães que eventualmente podem atacar o caminhante; um guia mostrando todo o trajeto detalhadamente e a Vieira, que é a concha-símbolo da peregrinação. Dirigimo-nos para um prédio muito antigo, localizado ao lado da igreja, quando encontramos um rapaz calçando chinelos e passeando pelos jardins em frente à construção. Então, fiz um sinal a ele e perguntei: - Olá! Você sabe onde fica o refúgio de peregrinos? - Sim, vocês também são brasileiros? De onde? - Somos do Sul. E você?
  • 17. - Sou de Minas Gerais. Meu nome é Raí. Se quiserem se acomodar no refúgio podem entrar e ir se apossando. É assim que as coisas funcionam por aqui... Eu acho... Foi muito confortante encontrar um brasileiro, futuro companheiro de caminhada, já na chegada. Trocamos mais algumas informações e logo nos dirigimos aos aposentos do refúgio de peregrinos. O prédio, em estilo medieval, alojava os peregrinos em seu andar superior. Para subir percorremos uma ampla escadaria em madeira maciça, muito antiga, que dava em uma sala onde se fazia a recepção dos recém chegados. O hospitaleiro imediatamente nos recebeu, anotou nossos dados no livro de entrada de peregrinos, carimbou nossas credenciais e nos encaminhou para o dormitório ao lado. O dormitório era amplo, equipado com camas do tipo beliche. O piso, em madeira, contrastava com as paredes brancas revestidas com um reboco muito rústico. O teto, suportado por imensas vigas de madeira, complementava o aposento onde dormiriam, aproximadamente, vinte ou vinte e cinco peregrinos, naquela noite. Os banheiros, bem asseados, contavam com água quente e um tanque para a lavação de roupas, bem como outros utensílios, além de lavatórios e sanitários. Tudo extremamente simples, mas proporcionando exatamente o conforto que os peregrinos necessitavam naquele final de dia. Nós não havíamos caminhado ainda, porém muitos peregrinos acabavam de chegar exaustos, procedentes de Saint Jean Pied-de-Port, onde haviam iniciado sua jornada pelos Pirineus.
  • 18. Após o banho, nos dirigimos à igreja, para a missa e benção aos peregrinos que ali dormiriam por aquela noite. A homilia do pároco foi voltada para a importância da fé e da força de vontade na superação de obstáculos pelo ser humano. Os ritos, acompanhados pelo som de um maravilhoso órgão de tubos, fizeram da missa uma verdadeira celebração de força e elevação espiritual. Terminada a celebração da missa fomos para o dormitório, a fim de recuperarmos o ânimo para o primeiro dia de caminhada. Ao deitar fiz uma oração e agradeci a Deus por permitir que estivéssemos ali prestes a iniciar o Caminho. Rezei por minha família, minha mulher e filhinha, amigos e por toda a humanidade, de uma forma como jamais fizera antes. A hierarquia dos sentimentos parecia não fazer o menor sentido diante de tudo, e, pela primeira vez no início do caminho, me senti invadido por um sentimento de amor incondicional e que jamais experimentara em outra ocasião.