2. 1- Luz:
Esta é a historia do meu primeiro amor, daqueles que nunca
se esquecem e que nos mudam para o resto da vida. É
estranho, mas acho que a amei desde que nasci.
O seu nome é Luz, é linda, não de uma beleza de Hollywood,
mas sim de uma beleza genuína. Não sei dizer se é loira,
morena ou negra. Acho que não é nada disso! É mais
parecida com a beleza que têm as flores, as paisagens, o
pôr do Sol, e por isso tem uma força tão grande que sempre
me fez ver a vida tão lucida e tão bela.
O seu raciocino lógico era digno do mais genial cientista
e a sua atenção aos detalhes deixava qualquer perito
forense boquiaberto. Era capaz de encontrar alegria no
maior caos possível, beleza no cenário mais feio e
esperança até no fim de tudo!
Por ser muito mais velha do que eu contava-me histórias:
de como ajudou pessoas a resistir a doenças com apenas um
sorriso, de como ajudou o Martin Luther King a escrever o
seu mais celebre discurso, ou como lutou ao lado dos
prisioneiros da maior injustiça do seculo passado. Nunca
gostou muito de falar dessas coisas, mas sabia da
importancia que tinha para mim ouvi-las.
A minha avó também gostava muito dela e sempre me dizia:
-Nunca deixes a Fé!- nome que ela teimava em lhe chamar.
Não era só a Avó, já ouvi a chamarem-lhe assim quando
falavam dela em salas de espera de hospitais ou igrejas
embora nunca percebi o motivo porque gritavam por ela de
uma forma tão desesperada...
A luz fazia-me sentir forte, seguro e maios importante de
tudo, fazia-me sonhar. Era ela a responsável por me sentar
todas as noites a contar as estrelas, na esperança que um
dia as visitaria uma a uma, até adormecer.
A luz não me abandonou continua aqui, perto de mim, mas
talvez por andar muito ocupado raramente me cruzo com ela.
3. 2.
2- Ilusão
Foi já na entrada da adolescência que conheci a Ilusão, a
sua beleza perfeita ultrapassava a razão, e a sua
autoestima fez com que me apaixonasse perdidamente. Era
como se tivesse encontrado a minha outra metade.
Encontrei-a numa igreja, enquanto falava para uma multidão
fazendo-se passar pela Luz. Convidei-a para jantar e,
talvez pela companhia, aquele jantar soube-me como nunca
outro me tinha sabido. Saímos algumas vezes e ela emanava
uma felicidade tão grande que me fazia acreditar que os
sonhos também eram realidade.
Cada vez que ela me falava eu ficava mais forte. Cada vez
que me beijava, viajava pelo mundo e por outros mundos. A
cada abraço criava os mais belos textos alguma vez
escritos. Cada vez que fazíamos amor, eu tornava-me o dono
do mundo, sem duvidas, e mais certo que qualquer Sábio.
Com ela a meu lado consegui mudar o mundo, acabar com
todas as injustiças, maldades e com a fome, todos eram
felizes e não havia doença que não se curasse. Por tudo
isto, era o homem mais feliz do mundo.
Estava tão feliz que não consegui perceber que esta
realidade era só minha e que a Ilusão me estava a matar de
tanta felicidade. Só mais tarde percebi que os sítios por
onde viajei nunca existiram, os textos que criei nunca
foram escritos e que o mundo continuava o mesmo lugar
horrível de sempre! Com isto morreram as certezas e as
duvidas vieram de assalto, como se estivessem á espera
desta oportunidade há muito tempo...
Percebi com isto que a Ilusão me tinha abandonado e com
ela levou tudo o que pensei ter.
4. 3.
3- Indiferença:
Entrei num bar e vi a Indiferença distraída. Não era a
primeira vez que me cruzava com ela e com aquele olhar que
espelhava tudo o que via, como se fosse uma barreira que
não deixava entrar nada para dentro dela.
Prendi-me ao facto de tudo passar por ela como se nada
interessasse, não creio que fosse arrogância mas o que é
certo é que parecia completamente imune ao mundo. Penso
que foi exactamente isso que me levou a falar com ela.
Falei de música, assunto que pensei que fosse do seu
interesse, mas não gostava. Tentei a política mas logo me
respondeu que disso não sabia nem queria saber.
Perguntei-lhe o que tinha lido ultimamente mas não obtive
resposta.
Desisti, mas só por aquela noite, não me perguntem o que
vi naquela mulher, era como se a cada vez que ela me
mostrasse desinteresse, crescesse o meu interesse por ela.
Havia quem dissesse que estava a enlouquecer!
Nos dias, nas semanas e nos meses seguintes fiz de tudo
para conseguir a sua atenção: estudei os mais diversos
assuntos, mudei tantas vezes de visual e tentei forçar me
a mudar de gostos, ao ponto de quase já não me reconhecer.
Enquanto isso a Indiferença continuava imutável, com o
mesmo olhar e a mesma apatia.
Revoltei-me! Perguntei-lhe se fazia ideia de todo o
esforço que tinha feito, só para conseguir um pouco da sua
atenção. Se queria dar comigo em louco!
Ela apenas sorriu e disse: "Desculpa, quem és tu?"
5. 4.
4- Melancolia:
Vi-a numa noite de fados, o seu olhar triste e a sua voz
rouca embalada pela música, deixaram-me preocupado.
Pediu-me um cigarro, ao mesmo tempo que mandava abaixo, de
uma só vez, um copo de whisky. Pediu mais um e a
curiosidade fez com que a acompanhasse, disse-me o nome:
Melancolia.
Conversamos e a sua voz misturava-se com a guitarra e tudo
se fundia numa melodia tão triste quanto penetrante. Já
não a conseguia ouvir, talvez por efeito do whisky, pensei
eu. O que é certo é que apenas conseguia pensar em tudo de
mal que me tinha acontecido no passado, as duvidas há
muito esclarecidas, os problemas resolvidos, as angustias
passadas, tudo isso voltava com o dobro do peso e, mesmo
sem dizer nada, ela sabia bem no que eu estava a pensar e
isso parecia anima-la. O seu olhar deixava de ser tão
triste, á medida que o meu escurecia.
Saímos da casa de fados e fomos ver o mar. A lua estava
mais brilhante do que nunca e o seu reflexo no mar era
digno do mais belo retrato. Mas eu apenas conseguia olhar
para o escuro da noite e todo aquele vazio absorvia-me. A
Melancolia enfeitiçou-me e quando dei por mim estávamos
abraçados, já despidos e fazíamos amor.
Sentia, a cada toque, Ela a romper-me cicatrizes há muito
saradas, a pele rasgava lentamente e cada milímetro era
acompanhado por pensamentos do passado, ora amargos ora
doces, mas todos eles me faziam doer, suar e sangrar. Não
reagi! Não sei se por dor ou cobardia. Se fui cobarde por
ter dor ou se tive dor por ser cobarde. A melancolia
tomava assim conta de mim...
Acordei, não sei se no dia seguinte ou muito tempo depois,
ferido e sem vontade de viver.
6. 5.
5- Paixão:
Foi num dia de verão que a conheci.
Era provavelmente a mulher mais extravagante que alguma
vez tinha visto. O seu longo cabelo loiro brilhava tanto
que por instantes fazia parecer que o sol se tinha
apagado. A sua pele era tão suave que dava a sensação de
não passar de espuma. Mas o seu olhar e, as suas sardas,
aquelas pequenas sardas, que tanto podiam ser de uma
menina inocente como de uma assassina procurada
mundialmente, faziam enlouquecer qualquer um.
E eu não fui excepção! A primeira vez que a Paixão me
fitou o olhar senti uma onda de energia tão grande que, se
convertida em volts, era capaz de iluminar uma cidade
inteira.
Era uma força tão poderosa que fez com conseguisse
trabalhar, ler, escrever, fazer exercício físico e pensar,
sobretudo pensar muito.
Estive neste registo semanas a fio, sem dormir, acho que
cheguei mesmo a esquecer o que era o cansaço.
Estava completamente rendido à Paixão e ela parecia até
gostar de mim. Tirando daquelas vezes em que parecia gozar
comigo retirando me, num ápice, toda a energia que
gentilmente me oferecera é mais alguma e, mais importante,
retirando me por completo a capacidade de foco, deixando
me perdido, completamente à deriva.
A minha relação com a Paixão era assim: ou me fazia sentir
um super herói ou um idiota.
Fizemos um acordo: eu prometi visita-la todos os dias e em
troca ela dava me energia, mas não para ser um super
herói, nem um tolo!
É assim que todos os dias me apaixono pelo mundo.
7. 6.
6- Determinação:
Esta não é uma história de amor, pelo menos no aspeto
relacional, embora possa dizer que a amei, que a amo e que
dificilmente a deixarei de amar. Mas é minha amiga. A
MINHA MELHOR AMIGA!
Tudo começou quando era miúdo e tinha muita dificuldade em
jogar à macaca. Pode parecer ridículo, mas todo aquele
alternar dos pés com um ou dois passos faziam com que me
sentisse um completo falhado. Então, isolava-me dos
restantes meninos para praticar, sem pressões, sem gozarem
comigo e sem me apontarem o dedo. Foi num desses dias que
conheci a Determinação.
Era um dia de outono e, apesar do frio, o sol brilhava
sobre o dourado das folhas caídas no recreio da escola e,
no canto mais longe de todos, lá estava eu aos saltos, aos
tropeções, às quedas e a chorar, não pelas feridas e
hematomas que ainda eram alguns, mas sobretudo pelo sangue
que me escorria na alma.
Lembro-me de estar agarrado ao joelho e entre lágrimas e
soluços perguntava: "Porquê que sou tão mau? Porque é que
não posso ser igual aos outros?". Enquanto isto uma sombra
tapava o sol que secava o sangue do meu joelho - "Precisas
de ajuda?" - Dizia uma voz doce de menina - "Sai daqui!" -
Disse eu envergonhado.
Não respondeu durante alguns minutos, mas também não se
mexeu. Passado algum tempo disse: "Olha para mim." Então,
vermelho, não sei se por ainda estar a chorar se pela
vergonha, levantei a cabeça.
Era incrível! As suas tranças loiras pareciam
prolongamentos dos raios de sol que irradiavam o recreio e
o seu olhar tão penetrante fazia-me sentir um misto de
conforto e medo.
-"Fiz-te uma pergunta: Precisas de ajuda?"
Não sei o que me deu! Talvez tenha sido efeito daquele
olhar, pois respondi-lhe sem descolar dele nem um segundo:
"Não há nada para ajudar! Sou um falhado. Serei sempre um
falhado!"
Soltou uma gargalhada e disse: "Hey, tu não és um falhado
por errares. Mas serás, sem dúvida um, se desistires! Anda
comigo e vais aprender a aprender!"
Com ela continuei a tropeçar, a cair, a sangrar. Mas nunca
mais a chorar! Em vez disso comecei a sorrir a cada passo
que dava em frente e, mais tarde, viria a ser o melhor da
turma a jogar à macaca.
E quem diria que era tão fácil! Com a Determinação aprendi
8. 7.
o que era autoestima e disciplina e sobretudo a regra que
trago sempre comigo: "Nunca me abandones e terás sempre um
lugar entre os melhores"
9. 8.
7- Inveja:
Já no início da idade adulta e ainda de mãos dadas
com a Determinação conheci a Inveja.
Não sei precisar o momento, nem tão pouco como aconteceu,
talvez por ter a sensação de que sempre a conheci. Era uma
mulher pálida como um vampiro, a contrastar com o seu tom
de pele o seu cabelo era tão negro como o mar numa noite
cerrada, os seus olhos tão claros que ainda hoje não sei
se teriam cor.
A Inveja caminhava solitária, mas nunca sozinha. Cada
pessoa que eu via na sua companhia ficava tão pálida
quanto ela.
Um dia, enquanto jantava no restaurante ela aproximou-se
de mim. Nunca a tinha visto tão de perto e, àquela
distância, não parecia ter um aspeto tão medonho como
antes, mas sim de uma menina indefesa à procura de
companhia.
- posso-me sentar? - perguntou ela. Sem consegue abrir a
boca acenei positivamente com a cabeça.
Começou por dizer que conhecia alguns dos meus textos e
que já há muito tempo não via algo com tanta qualidade,
elogiou também a minha capacidade de liderança e todos os
valores que defendo.
Nunca ninguém havia verbalizado tantos elogios como aquela
mulher.
Sem perceber bem como, a conversa já tinha mudado de tom,
os elogios tinham-se transformado numa espécie de
condescendência e desrespeito.
- É claro que só consegues tudo isso graças à
Determinação, é ela quem escreve os teus textos, quem guia
os teus alunos e atletas, não passas de um fantoche nas
suas mãos.
Foi nesse momento que vi, através do reflexo da colher de
sopa, que estava vampiro! Tão vampiro como todas as outras
pessoas que tinha visto com a Inveja.
Por revolta ou desespero talvez, soltei um berro. A coisa
de que mais me arrependo até aos dias de hoje...
-Cala-te! Não sabes o que dizes! Não preciso da
Determinação, nunca precisei.
10. 9.
Ela sorriu e levantou-se.
O meu coração gelou, eu sabia a merda que tinha feito!
Então, baixei a cabeça e disse: -Desculpa, não queria
dizer aquilo...
Atrás de mim estava a Determinação a chorar por não
acreditar no que tinha acabado de ouvir.
- Não quis dizer aquilo! Não sinto aquilo! Mas
aterrorizou-me a ideia de não ser ninguém, de que ela
tinha razão. És tu, sempre tu que me conduzes, que estás
por trás de todo o meu sucesso.
A Determinação abraçou-me, ainda a chorar, e disse:
- Não sou eu! Não és tu! Somos nós!
11. 10.
8- Nostalgia:
Já em adulto conheci um senhor, com uma certa idade e
com uma capacidade de contar histórias que deixavam
qualquer um rendido.
Com o passar do tempo fomos ficando amigos e a frequência
dos nossos encontros foi aumentando, com isso acredito ter
ouvido mais de uma centena de histórias, sobre diferentes
locais e épocas, mas de uma genialidade sublime. Umas eram
reais outras nem por isso, mas todas contadas de uma forma
tão apaixonante que me transportava completamente e me
faziam sentir os cheiros, a textura, o clima a tensão ou o
sossego que se vivia na história.
Eu tinha de descobrir como é que ele fazia aquilo!
Era, de longe, a melhor forma de arte que alguma vez tinha
visto! Aquele contar de histórias era como se na mesma
obra se juntasse: a pintura, a escultura, a fotografia, a
musica, a escrita e tudo aquilo se fundisse num espetáculo
inacreditável.
Certo dia ganhei coragem e perguntei qual era o segredo
daquelas historias, ele sorriu e disse:
- O segredo está na própria história! Não sou eu quem as
transforma em magnificas, elas já o são.
- E como é que cria uma historia assim?
- Aí está o segredo que nem eu te sei responder, não sou
eu quem as cria.
-Não?
-Não, é a minha esposa, Nostalgia. Porque não ficas cá
para jantar e lhe perguntas?
Fiquei em pulgas! Que raio de dom tinha aquela mulher para
fazer algo assim?
Chegou a hora do jantar, e confesso que nunca me senti tão
ansioso por um jantar. O ambiente da sala estava incrível,
tinha tanto de requintado como de aconchegante, todas as
pinturas e retratos observavam-me, não com aquele olhar
perseguidor típico dos retratos, mas sim com um olhar
dócil, que me fazia sentir que pertencia ali.
O mesmo aconteceu assim que vi a Nostalgia pela primeira
vez, uma mulher já com uma certa idade, mas com uma
elegância que fazia roer de inveja qualquer rapariga mais
jovem. Contudo foi o seu olhar que me prendeu, por
momentos vi naquele olhar a minha avó observando-me a
brincar.
Falamos durante horas e, quando finalmente ganhei coragem,
perguntei:
12. 11.
-Como é que consegue fazer isso? Como
Ela, afagando-me a cabeça, responde:
-Qualquer pessoa carrega consigo histórias incríveis. A
tua melhor história está num lugar chamado passado. Só o
tempo refinará a história e lhe dará os elementos certos.
Não estás a perceber, pois não? Eu explico:
Imagina um determinado acontecimento na tua vida, um
concerto por exemplo, quando assistes ao concerto estás a
criar uma história, mas que ainda não está pronta para ser
contada, só o tempo te vai clarificar o que vias na
altura, o que sentias, o que cheiravas... Tudo isso é
diferente anos mais tarde, é mais completo, mas
apaixonante. Essa é a diferença de uma história
Isto foi o que aprendi com a nostalgia, a contar
histórias.
13. 12.
9- Solidão:
Fui apresentado à Solidão por uma artista, uma fantástica,
que pintou dos melhores quadros alguma vez traçados pelos
pincéis. De facto ainda hoje não consigo perceber porque
razão nunca ficou conhecida, em vez disso passava as
manhãs junto ao mar a desenhar de uma forma divinal, um
pouco de tudo o que via: as ondas, as gaivotas, as
crianças e os namorados. Sempre acompanhada pela sua
amiga, a Solidão.
Conheceu-a há muitos anos, após a morte do marido na
guerra estupida e sangrenta que se travou em África.
Era a Solidão a única amiga com quem falava, discutia
arte, ideias, mostrava as suas pinturas e recordava os
tempos vividos antes do marido partir.
Pareciam inseparáveis, tal como eu e a Determinação.
Falou-me da forma de como a Solidão a inspirava:
- estás a ver estas cores? É a Solidão quem as escolhe...
De facto era aí que residia a principal diferença do
trabalho dela em relação a tudo que já tinha visto. Uma
visão tão sombria quanto apaziguadora.
-devo muito à Solidão. -acrescentou ela -ajuda me a
trabalhar e a manter a cabeça sã. Sem guerras nem
discussões...
-E também sem alegrias ou carinho... - interrompi, quase
sem dar conta -desculpa, não queria dizer isto.
Para minha surpresa, ela desata à gargalhada e diz-me em
tom sereno:
- ter a Solidão como amiga é melhor do que parece,
continuo a ter alegrias e partilho-as com ela. Não, não
tenho amor, mas também não tenho desilusão, mentiras e
desanimo.
Expliquei-lhe que também eu já me tinha cruzado com a
Solidão algumas vezes e que a sua companhia tinha sido
extremamente desagradável, entediante e, sobretudo,
sufocante.
-pois é, a Solidão e o seu mau feitio.
Não é fácil lidar com ela mas quando aprendes e te
aproximas dela pode ser muito útil, pois está carregada de
sensatez. Até hoje não conheci melhor conselheira.
Desde esse dia que comecei a olhar para a Solidão com
outros olhos.
Encontrei nela um ponto de refúgio para pensar e escrever.
14. 13.
Ainda hoje a visito, pontualmente, e quando ela me tenta
seduzir a ficar com ela agradeço e prometo voltar em
breve.
Sei que gosta de mim e hoje posso dizer, que também eu,
gosto muito dela.
15. 14.
10- Esperança:
Com o passar do tempo a minha relação com a Determinação
ficou cada vez mais forte e mais cúmplice.
Apesar de termos a plena noção de que éramos apenas
amigos, por carência, envolvemo-nos algumas vezes.
Numa dessas noites em que os nossos corpos se juntavam no
sofá enquanto nós conversávamos em Vênus, aconteceu algo
que nos iria juntar para sempre: o universo ofereceu nos a
dádiva e a responsabilidade de uma menina que, por
insistência da mãe se havia de chamar Esperança.
Do pai herdou os olhos verdes e uma crença num mundo
melhor, uma visão utópica de sociedade pacífica e
harmoniosa. E com a beleza extraordinária e a persistência
da Mãe, a Esperança começou desde cedo a revelar ser
especial. Tinha uma calma e clareza que os monges budistas
demoram anos para atingir e a sua facilidade em emanar
isso fazia a proeza de, com apenas alguns anos de vida,
conseguir apaziguar a pior das dores, com apenas um
sorriso.
Era como se aquele pequeno rosto absorvesse todo que nos
atormenta e em troca nos enchesse de uma crença de que
tudo iria melhorar.
Foi o que aconteceu quando perdi o emprego e, desesperado,
fui para o escritório sem saber o que fazer. A Esperança
bateu à porta e, com a sua voz doce mas decidida (tal como
a mãe), perguntou:
-Papá, posso entrar?
-Claro, minha filha.
Ao sentar-se no meu colo e sem eu dizer nada, deu-me um
abraço e disse:
- És o melhor do mundo naquilo que fazes, vai correr tudo
bem...
Nesse momento deixei de sentir tudo, excepto as lágrimas
que me corriam rosto abaixo. Aos poucos voltei a Sentir-me
vivo e com uma energia sobre-humana, capaz de fazer tudo.
Voltei a arranjar emprego e nunca mais me esqueci que por
muito mal que a vida me corra, continuo a ser o melhor do
mundo.
Quanto à Esperança, agora no início da idade adulta,
dedica-se todos os dias a ajudar pessoas e está presente
em enumeras lutas, sempre acompanhada pelos pais.
16. 15.
11 - Liberdade: a despedida.
Esta carta é destinada a todos os que me são queridos.
É com profunda tristeza e já saudade que vos anuncio que
esta será, provavelmente, a última vez que terão notícias
minhas.
Não sei quando morrerei, mas sei que será para breve.
Tudo começou há muitos anos quando conheci a Liberdade. A
mulher que mais amei em toda a minha vida. Apesar da
diferença de idades (ela é bastante mais velha do que eu),
tudo me atraía naquela mulher. Com um olhar de felino,
umas curvas dignas da mais bela flor e com o cabelo tão
longo que parecia o mais lindo rio do mundo. Mas não foi
apenas a sua beleza que me seduziu, toda a sua vida era
fascinante: desde que nasceu que era perseguida por
tiranos, ignorantes, corruptos, entre outra escumalha.
Contou-me de como, em nome de Deus, alguns povos a
tentaram matar escravizando os donos daquele lugar. De
todos os crimes, contra ela, cometidos pelos líderes
mundiais do século passado. Da forma que algumas pessoas
como o Luther king, Ghandi entre outros deram a vida por
ela.
Da forma como, em Portugal, ela se transformou em cravos
num abril da década de 70.
Explicou-me que milhares de homens, mulheres e crianças
fogem dos seus países natais por não conseguirem viver sem
ela.
Confessou-me que mantém uma relação de amor com Luaty
Beirão que há poucos anos quase morreu por ela.
No entanto a liberdade continua a ser atacada e, por isso
decidi declarar guerra à todos os opressores que cometem
estes crimes contra esta mulher.
Declaro guerra: a esta economia capitalista que nos oprime
todos os dias. À comunicação social que, pela sua sede de
escândalos e audiências tenta todos os dias atacar a
liberdade naquilo que lhe é mais íntimo violando-a. À
igreja por tentar manipular a liberdade e com isso
aniquilá-la. Ao jogo de poder e falsas retóricas a que
chamamos de política e com isso a todos os tiranos que
ainda perpetuam nos dias de hoje, desde o panda do kim ao
palhaço do trump.
E por fim, declaro guerra a esta sociedade que se castra a
ela mesmo, desvalorizando a Liberdade e ignorando a
cultura. É que com isso criam os seus próprios opressores.
17. 16.
A minha vida (ou o que resta dela) só tem uma missão
defender a liberdade!
Sei que tenho a Determinação e à Esperança comigo.
Quanto a vocês não estou à espera que percebam, mas por
favor aceitem.
Até sempre,
Ruben Aguiar