O documento discute a interpretação da Constituição Federal em relação ao uso de crucifixos e bíblias em prédios públicos. Argumenta-se que tal uso não é ofensivo ao Estado laico e simboliza os fundamentos da dignidade humana reconhecida na Carta Magna. A influência do cristianismo na formação dos valores ocidentais também é apontada.
O Uso De Crucifixos E Bblias Em PréDios PúBlicos à Luz Da ConstituiçãO Federal
1. 1
O USO DE CRUCIFIXOS E BÍBLIAS EM PRÉDIOS
PÚBLICOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
1
Roberto Wagner Lima Nogueira
1. Fruto de uma interpretação propositalmente
equivocada da Constituição Federal, se vem formando no seio
da sociedade,, e especificamente no setor público, uma idéia
“laicista” de que o uso de crucifixos e Bíblias em prédios
públicos é uma ofensa a condição do Estado Laico brasileiro.
2. Como bem pontua o jornalista Carlos Alberto Di
Franco, do Jornal Estado de São Paulo, a laicidade é
importante, uma vez que consiste em reconhecer a
independência e a autonomia do Estado em relação a
qualquer religião ou igreja concreta, já o laicismo é uma
ideologia totalitária contra toda e qualquer manifestação
religiosa no campo público. A laicidade está agasalhada na
Constituição Federal em seu art. 19, I, já o laicismo é ofensivo
ao art. 5º, VI, da mesma Constituição Federal.
3. É na linha desta horrenda perspectiva laicista
totalitária, que agiu o Presidente do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro, Dr. Luis Zveiter, ao determinar a retirada dos
crucifixos das salas de audiências e dependências do
Tribunal de Justiça.
4. Olvidou o eminente magistrado, que o crucifixo e a
Bíblia, são símbolos que ultrapassam em muito uma mera
adesão de um Estado a uma religião, o crucifixo e a Bíblia são
fecundos símbolos do homem ocidental e de seu encontro
com sua humanidade.
5. A onda laicista totalitária não para por aí. O
deputado João Campos tem sido criticado na Câmara dos
Deputados, por ter presidido a Casa valendo-se em sua mesa,
do uso de uma Bíblia, sob o argumento também de que o
Estado é Laico como nos noticia o Ministro do Tribunal
1
Mestre em Direito Tributário – UCAM-RIO – Professor de Direito Constitucional, Financeiro e
Tributário da Universidade Católica de Petrópolis – Procurador do Município de Areal-RJ –
Advogado – Blog: www.rwnogueira.blog.uol.com.br .
2. 2
Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho2, o que
mereceu uma resposta adequada do nobre deputado, a saber,
“A resposta do deputado João Campos pareceu-me de muita
propriedade: a Bíblia é “fonte de inspiração” para o
Legislativo”. (grifos nossos)
6. Perfeito também é o raciocínio do eminente Ministro
do TST sobre a resposta do deputado,
“Por que não poderia sê-lo, se os valores cristãos permeiam
toda a nossa história e fazem parte de nossa cultura? No
Brasil, com a proclamação da República, o Estado brasileiro
deixou de ser confessional para ser laico, o que nunca
significou rejeição dos valores cristãos. A atual Constituição
Federal, nessa esteira, apenas veda a subvenção ou o
estabelecimento de cultos religiosos por parte do Estado,
estabelecendo os princípios básicos que regem as relações
Igreja-Estado no Brasil: autonomia, cooperação e liberdade
religiosa (arts. 5°, VI, VII e VIII, 19, I, 143, §§ 1° e 2° 150, VI,
b, 210, § 1°, 213 e 226, § 2°). Ou seja, Estado laico nunca foi
sinônimo de Estado ateu, como pretendem alguns
atualmente.” (grifos nossos).
7. É evidente e cristalina que esta onda interpretativa da
Constituição Federal, é apenas uma forma disfarçada de
negar ao homem a condição transcendente de sua
existência e mais, negar as raízes dos valores fundamentais
que informam e formam a vida do homem ocidental.
8. Não é demais, inclusive, lembrar com arrimo nas
lições do eminente Prof. Dr. Thomas E, Woods, Jr3, pela
Universidade de Columbia nos EUA, que o direito ocidental é
devedor em muito, da Igreja Católica, porquanto,
“Foi no direito canônico da Igreja que o Ocidente viu o
primeiro exemplo de um sistema legal moderno, à luz do
qual ganhou forma a moderna tradição legal do Ocidente. De
igual modo, a lei penal ocidental foi profundamente
influenciada, não só pelos princípios legais da lei canônica,
mas também pelas idéias teológicas, particularmente pela
doutrina da reparação desenvolvida por Santo Anselmo. E,
por último, a própria idéia dos direitos naturais, que
2
Cf. “O Estado Laico” O GLOBO, Primeiro Caderno, 14/04/2009.
3
“Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental”. São Paulo: Quadrante, 2008, p.
190.
3. 3
durante muito tempo se considerou ter surgido e
alcançado sua plena formulação por obra dos
pensadores liberais dos Séculos XVII e XVIII, teve a
origem no trabalho dos canonistas, papas, professores
universitários e filósofos católicos. Quanto mais os
estudiosos pesquisam o direito ocidental, mas nítida se
apresenta a marca que a Igreja Católica imprimiu à nossa
civilização e mais nos convencemos de que foi ela a sua
arquiteta”. (negritos são nossos).
9. Com tanta influência assim do cristianismo em todo
ocidente, como assinala o professor norte-americano Thomas
Woods, como podemos admitir uma interpretação
constitucional que venha a suprimir os crucifixos e as
Bíblias de nossos prédios públicos, porque o Estado é laico.
Alto lá, isto é um absurdo hermenêutico!
10. Antes de fazermos uma abordagem sobre o
Preâmbulo de nossa Constituição Federal, pensemos um
pouco sobre a origem da concepção humanista que alimenta
os direitos fundamentais dias atuais.
11. O Prof. Fábio Konder Comparato em seu livro clássico,
“Ética. Direito, Moral e Religião no mundo moderno”,4
afirma a importância decisiva de Jesus Cristo e do
Cristianismo na história da Ética de toda humanidade,
porque foi Ele quem ao verberar a condição divina do homem,
pontuou que todos somos chamados a construir uma
sociedade comunitária, em que todos se irmanem na busca
de seu destino comum (o “Reino dos Céus”), com isto,
“Introduziu-se, assim, na ética, a consciência de seu caráter
evolutivo, fato que viria a exercer um papel da maior
importância nos séculos seguintes. São Tomás retomou o
argumento em relação à lei natural, e a teoria
contemporânea dos direitos humanos dele se serve para
sustentar, de um lado, a irrevogabilidade dos direitos
fundamentais já declarados nas Constituições e tratados
internacionais e, de outro, a legitimidade de sua ampliação
progressiva, conforme a inevitável evolução da consciência
ética da humanidade.” (grifos meus).
4
“Ética. Direito, Moral e Religião no mundo moderno”. São Paulo: Companhia das Letras,
2006, p. 72.
4. 4
12. A própria distinção entre Estado e Religião, como
bem salienta Fabio Konder Comparato, já era frisada com
tintas fortes por Jesus quando ensinava, “Dai a César o que
é de César e a Deus o que é de Deus”.5
13. De maneira que o fato dos prédios públicos atuais
terem em suas dependências, o uso de crucifixos e Bíblias,
longe de afirmar um Estado confessional ou religioso, está a
afirmar um Estado fundado nas origens dos direitos
humanos, na doutrina humanista cristã que alimenta toda
a cultura ocidental.
14. Somente uma visão ateia do homem pode extrair do
Texto Constitucional a ilação de que os prédios públicos não
podem ostentar crucifixos e Bíblias, o que, diga-se de
passagem, é uma interpretação frontalmente ofensiva ao
preâmbulo de nossa Carta que assim dispõe,
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, SOB A PROTEÇÃO DE DEUS,
a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL.”
15. É sabido que o preâmbulo contém uma proclamação
de princípios para o ordenamento que acaba de se
implantar. O preâmbulo é sim um decisivo elemento de
interpretação e integração dos diversos artigos que lhe
seguem. É o que nos ensina Alexandre de Moraes6,
“Apesar de não fazer parte do texto constitucional
propriamente dito e, conseqüentemente não conter normas
constitucionais de valor jurídico autônomo, o preâmbulo
não é juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser
observado como elemento de interpretação e integração
dos diversos artigos que lhe seguem. (o negrito não
consta do original)
5
Cf. Fábio Konder Comparato, op. cit. p. 78.
6
Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 15.
5. 5
16. Assim sendo, preâmbulo não é despiciendo para o
operador do direito, porquanto o seu valor de elemento de
interpretação e integração adere a outros artigos e
enunciados da Constituição para que assim sejam aplicados
fielmente os valores protegidos pelo povo brasileiro.
17. Enquanto elemento de integração e interpretação
não autônomo, na dicção acertada de Alexandre Moraes, o
preâmbulo é instrumento decisivo para o alcance e
interpretação de todas as normas constitucionais. Ou, no
dizer de Juan Bautista Alberdi, o preâmbulo serve de fonte
interpretativa para dissipar as obscuridades das questões
práticas e de rumo para atividade política do governo.7
18. Entendido o preâmbulo como fonte interpretativa
das normas constitucionais, já podemos afirmar sem
qualquer receio de erro, que a Constituição Federal
reconhece que a dignidade da pessoa humana está fundada
na existência de DEUS. É um nítido reconhecimento
Constitucional da natureza espiritual do homem.
19. Atenção caro e dileto leitor. Não consta aqui a
afirmação de que o Estado brasileiro adota esta ou aquela
religião. O que se está a dizer, porque juridicamente possível,
é que para nossa Constituição o homem possui dignidade
como pessoa humana por que fundado em DEUS. É a
leitura que se deve fazer do preâmbulo em conexão com o
art. 1º, III, da Carta Maior.
20. Indagamos, então: e o que mais poderia simbolizar a
dignidade da pessoa humana do que um crucifixo e uma
Bíblia? Evidentemente, que nada lhes é superior no que
concerne aos fundamentos de nossa existência, porque
ambos sintetizam a idéia do homem e de seus valores
fundantes e de sua própria origem.
21. É verdade que o Brasil, existe a separação entre o
Estado e a Igreja, sendo assim o Estado brasileiro é leigo,
laico ou não-confessional como bem anota Pedro Lenza.8
7
Apud. Alexandre de Moraes. op. cit. p. 15.
8
Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. São Paulo: Método. 2006. p. 62.
6. 6
Inclusive, consoante art. 5º, VI, “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e suas liturgias”. Agora, insistimos, o Estado é
laico, não tem religião, porém, está fundado sob a proteção
de DEUS, por força da norma interpretativa oriunda do
preâmbulo, o que implica a dizer que a Constituição
brasileira delineia de forma límpida, a afirmação de que o
nosso Estado adota um humanismo teocêntrico, noutro
dizer, um humanismo fundado em Deus e não no homem
(humanismo antropocêntrico).
22. Parafraseando Leonardo Boff, podemos dizer que nos
escritórios, nos gabinetes dos magistrados, onde se
desenvolve o direito enquanto jogo de puro poder
econômico, pode até triunfar o cinismo, o descrédito em
tudo e em todos. Porém, não podemos desprezar a aurora
que vem, não podemos desfazer o olhar inocente da uma
criança, não podemos contemplar com indiferença a
profundidade do céu estrelado sem cair no silencio e na
profunda reverência, nos perguntando o que se esconde atrás
das estrelas, qual é o caminho da minha vida, o que posso
esperar dela? O que é o ser humano que sou e os que me
rodeiam? Para que serve o meu trabalho? Qual o sentido do
meu trabalhar? São perguntas que o ser humano sempre se
coloca, e, ao colocá-las revela-se como ser religioso, e,
sobretudo com dignidade, uma vez que a dignidade da
pessoa humana é valor imanente a todo e qualquer homem.
23. Precisamos avançar no sentido de coibir estas
interpretações que só tendem a diminuir a dignidade do
homem, de seus valores e de sua vocação à transcendência. É
preciso que ouçamos o Ministro Ives Gandra da Silva
Martins9, quando assinala a importância do cristianismo e
de seus valores para que construamos uma magistratura
fecunda,
“No caso da magistratura, os valores cristãos se tornam
ainda mais fortemente “fonte de inspiração” para as
decisões, uma vez que “fazer justiça” é, de certo modo,
9
“Estado Laico” op cit.
7. 7
exercer um atributo divino. A justiça humana será tanto
menos falha quanto mais se inspirar na justiça divina.
Com efeito, quando se perde a dimensão vertical da filiação
divina, torna-se mais difícil vivenciar a dimensão
horizontal da fraternidade humana, tendendo-se para uma
sociedade de castas, de exploração de uns pelos outros,
com o direito sendo mero instrumento de dominação de
uma classe sobre outra, como vaticinou Marx. Só podemos
nos chamar realmente irmãos, porque temos um Pai comum.
Por outro lado, Cristo mostrou a dignidade imensa do mais
humilde dos homens, fazendo-se trabalhador manual e,
sendo mestre, lavando os pés dos seus discípulos.
A influência dos valores cristãos é ainda mais sensível para
a magistratura do Trabalho, da qual faço parte, pois uma das
principais fontes materiais da CLT, segundo o ministro
Arnaldo Süssekind, único consolidador vivo, foi a doutrina
social cristã.
Os princípios da dignidade da pessoa humana, do bem
comum, da destinação universal dos bens, da
subsidiariedade, da dignidade do trabalho humano, da
primazia do trabalho sobre o capital, da solidariedade e da
proteção são norte seguro para a interpretação das leis
trabalhistas e solução dos conflitos laborais.” (negritos não
constam do original).
24. Merece profundos elogios jurídicos a forma como o
Ministro do TST, Milton de Moura França, abre as sessões do
tribunal, “invocando a proteção de Deus para os
trabalhos”, como nos informa Ives Gandra da Silva Martins
Filho, assim como também o faz o Ministro Ives em sua
turma, a 7ª Turma da Corte. Trabalhando desta forma estão
eles, ministros, aplicando a Constituição Federal e seus
valores fundantes.
25. Pela importância do texto, abrimos aspas novamente
para as palavras do Ministro Ives10, sobre o uso dos sinais
religiosos da cruz e da simbologia dos crucifixos, no
Tribunal Superior do Trabalho, vejamos,
“Na presidência do TST, o quadro de Leão XIII nos
recorda sua encíclica Rerum Novarum, reconhecida
mundialmente como a carta magna da justiça social, por
10
Cf. “O Estado Laico” op. cit.
8. 8
mostrar o caminho para escapar dos escolhos de um
capitalismo selvagem e de um coletivismo desumanizante.
Nas sessões do pleno, vejo os ministros Carlos Alberto Reis
de Paula e Maria Cristina Peduzzi, que se sentam ao meu
lado, fazerem o sinal da cruz ao iniciar a sessão. Durante
os julgamentos, em casos mais intrincados, os crucifixos
colocados nas paredes das salas de sessão do tribunal
nos servem de inspiração para acertar. Parece-me
salutar, para um magistrado, a consciência humilde de sua
falibilidade, sabendo que não julga os outros por estar acima
deles, mas é apenas um igual a quem foi confiada a
missão de julgar.
Essas são apenas algumas das razões pelas quais entendo
que os símbolos cristãos devem continuar engalanando
nossos pretórios, lembrando-nos nossas origens, nossa
cultura, nossos valores, em estrito cumprimento de nossa
carta política, promulgada “sob a proteção de Deus”, como
alardeado por nossos constituintes. (os negritos não
constam do original).
26. Enfim, os crucifixos e as Bíblias existentes em
nossos prédios públicos, compreendendo-se aqui as salas de
audiências, reuniões, bibliotecas e tudo o mais - devem ser
entendidos muito antes de uma ofensa à condição de Estado
Laico - como fontes de inspiração e como símbolos de um
profundo chamado à ordem de que o homem foi feito para
servir. Servir, sobretudo aos mais necessitados e em
obediência estrita aos mais importantes valores humanos: o
direito à vida, à liberdade e à igualdade, e sob a proteção
de Deus como quer o preâmbulo de nossa Constituição
Federal.