Esta história alegórica fala de um cão chamado Bernardo que tinha dificuldade em lidar com carinhos indesejados. Um dia, mordeu acidentalmente uma fada que o amaldiçoou com uma coleira de picos. Para se libertar, Bernardo teve de controlar sua irritação e aprender a lidar com os outros de forma paciente e compreensiva. Ao aconselhar um estranho, ele compreendeu a lição e a coleira desapareceu.
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DEDICATÓRIA
R – Com carinho e gratidão, dedicamos este livro aos nos-
sos maridos, fundadores da AMME.
M – E a todos os que, depois de lerem as nossas histórias – ou
de as ouvirem contadas por nós em sessões de contos –,
nos incentivaram a continuar…
R – E a todos os que estão a abrir os nossos livros pela pri-
meira vez…
M – No fundo, no fundo, a todos os que dão sentido a este tra-
balho. Vá, diz lá o que é a AMME.
R – Achas mesmo necessário? Era uma piada privada.
M – Conta lá, as pessoas querem saber.
R – Pronto, pronto, AMME é a Associação dos Maridos das
Mulheres Escritoras… E mais não digo!
5.
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R – Ora seja muito bem-vindo!
M – Ou reaparecido…
R – Reaparecido?…
M – Então, pode ser alguém que já tenha lido o nosso primeiro
livro, Histórias para Contar Consigo.
R – Tens razão, sim, pode ser alguém já nosso conhecido.
M – Mas não deixamos de o cumprimentar…
R – Claro, isso é que não! Sejam todos muito bem-vindos.
M – Bom, mas ainda não nos apresentámos… Eu sou a Marga-
rida.
R – E eu sou a Rita.
M – Este é um livro cheio de histórias escritas por nós… para si!
Histórias que ficam cá dentro a…
R – Então?! Vais dizer já o que acontece quando se lêem as
histórias?!
M – Não… Desculpa, excedi-me… Mas são histórias que nós
escrevemos, isso estava certo.
R – Certíssimo! E escrevemo-las com um enorme carinho.
M – Pois foi… para si…
R – Ah, e para quem já leu o primeiro livro, fica aqui um
esclarecimento: mandámos embora aqueles dois que
falavam.
M – Pois foi! Toda a gente pensava que éramos nós duas à con-
versa e então…
R – Achámos que podíamos mesmo ser nós. Hum… É aqui
que explicamos o livro?
7. Margarida Fonseca Santos e Rita Vilela
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M – Tem de ser, não podemos deixar os leitores a circular por aí
sem saber o que devem fazer.
R – Mas há uns que não ligam nenhuma ao que nós dize-
mos… Já no outro livro andaram a ler como lhes apete-
cia…
M – Mas nós explicamos na mesma, é para isso que aqui esta-
mos. Pois, caro leitor, ou leitora!, este livro é um jogo.
Mesmo se todos cumprissem as regras deste jogo, dificil-
mente haveria duas pessoas a ler o livro da mesma forma.
R – Bem, a verdade é que isso acontece sempre porque,
mesmo os que lêem como lhes apetece, acabam por
inventar maneiras diferentes de o ler.
M – Exacto. A nossa ideia é propor-lhe o seguinte: leia o pri-
meiro conto. Quando terminar, colocamos-lhe uma ques-
tão.
R – Dependendo da resposta que escolher, ser-lhe-á indi-
cada a história que deverá ler a seguir. Fácil, não?
M – De vez em quando, vamos aconselhá-lo a parar. Pode, nessa
altura, regressar às primeiras questões – experimente esco-
lher outra resposta. Aonde será que essa o leva?
R – Nós sabemos…
M – Então?!
R – Desculpa… É que acho mesmo engraçado isto de esco-
lherem e avançarem pelos caminhos que nós fomos cozi-
nhando!
M – Mas há uma novidade: neste livro, damos-lhe muita liber-
dade.
R – Pois é, muito mais liberdade! Depois vai ver.
M – Só um pequeno aviso… Pode acontecer-lhe querer voltar
atrás e…
8. Brincar com Coisas Sérias
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R – Nesses casos pode usar dois marcadores, para saber sem-
pre de onde veio e nunca se perder.
M – Mas no fundo, no fundo, pode avançar como quiser! O im-
portante é que se divirta!
R – Caro leitor, percebeu? Que tal experimentar?
M – Vamos à primeira história. Boa leitura e… boas escolhas!
9.
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ERA UMA VEZ…
Era uma vez uma ideia que visitava a mente de alguém.
Bom, para dizer a verdade, esta ideia já visitara a mente de
muitos alguéns nos quatro cantos do mundo… muitos mesmo!
Por isso, não adianta nada começar esta história com era uma
vez, nem nada que se lhe pareça. Digamos só: vamos contar
a história de uma ideia que andava de mente em mente.
A ideia já viajara muito sem assentar, já se cansara de
entrar e sair de mentes tão diferentes umas das outras que a
deixavam espantada, e foi num dia de calor que tudo aconte-
ceu! Entrou na mente de alguém especial: um contador de his-
tórias. Não se sabe ao certo se era daqueles que as escrevem,
se era daqueles que as contam, se daqueles que as transfor-
mam em imagens. Mas este contador deixou-se deslumbrar
pela ideia, construiu um conto e… pô-lo a circular.
Conta a história deste conto, nascido dessa ideia, que
primeiro foi transportado de boca em boca com alguma fide-
lidade – fidelidade às palavras, ou ao som delas, ou às ima-
gens do que contava. Isto acontecia porque o respeito que
todos tinham pelo contador era grande. Depois… bom,
depois deu-se a transformação.
Num dia de festa, quando a noite já ia avançada e todos
pararam para contar e ouvir histórias, este conto foi apresen-
tado pela primeira vez de uma forma inesperada: o fim do
11. Margarida Fonseca Santos e Rita Vilela
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conto não foi explicado. Ficou apenas a pairar, espalhando
pensamentos e sensações, interpretações e sorrisos.
Diz-se que naquela noite o conto contado ganhou uma
vida diferente por cada mente que o escutou. E, tal como o
sol se espalha devagar pela planície ao raiar da manhã, assim
o conto foi recontado sem quebrar essa magia, avançando
com preguiça de mente em mente. Quem o ouviu deu-lhe
uma vida diferente… e voltou a contá-lo.
Mas, como a magia deste conto era poderosa, a inter-
pretação era sempre diferente, e o final que cada contador
dava ao conto contado ficava firmemente escondido, trans-
formando-se em vidas diferentes por cada mente que tocava.
Parece que ainda hoje anda por aí, ganhando a cada
mente sua vida, a cada ouvinte sua magia. Pensa-se que nunca
irá parar. E há quem diga que, enquanto o conto for assim
contado, o mundo vai poder sonhar acordado e adormecer
embalado.
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Que tipo de ideia mais o seduz?
Tirar prazer do que acontece
– siga para a pág. 51 – Um barco no lago
Mudar o que sente
– avance para a pág. 37 – O baile de máscaras
Livrar-se dos problemas
– continue e vá para a pág. 107 – Feira de trocas
Pôr fim ao sofrimento
– prossiga para a pág. 119 – Salvamentos
Avançar sem regras
– Força!
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A COLEIRA DO BERNARDO
Ele era um cachorro são-bernardo e tinha um pêlo
bonito, macio, que lhe dava um ar meigo e fofo, mas, em
família, chamavam-lhe Bernardo, apenas Bernardo, pois de
santo não tinha nada.
Acontece que o Bernardo tinha uma característica que
não conheço em mais nenhum animal: quando a vida não lhe
corria como desejava, ficava sensível, irritadiço, não gostava
que lhe tocassem.
Ora as crianças e os adultos, devido ao seu ar fofinho,
andavam sempre à volta dele a tentar fazer-lhe festas. E esses
carinhos, que os cães normalmente tanto apreciam, nessas
alturas, incomodavam-no.
Uma tarde, ele estava especialmente sensível. Para que
ninguém lhe tocasse, já tivera de mostrar os dentes a muita gente
e pôr a milhas muitos miúdos com latidos e rosnadelas. Ora
logo calhou ser nessa tarde que por ali passou uma fada que,
vendo tão bonito cão, se aproximou para lhe dar um carinho.
A paciência do Bernardo tinha-se esgotado. Ao sen-
tir mais uma festa indesejada, virou a cabeça e num impulso
mordeu os dedos que o afagavam. Quando viu o sangue a sair
da mão da fada, arrependeu-se, mas o mal já estava feito…
A fada, com um ar calmo e controlado, deixou que
da sua mão escorresse um fio de sangue sobre a terra, for-
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mando um círculo. Bernardo não queria acreditar: no local
onde caíra o sangue surgia agora uma coleira, uma coleira
vermelho-escura. Em seguida, a fada tocou na coleira com
a unha prateada do seu indicador e, em cada um dos pontos
que ela tocou, nasceu um pedaço de metal aguçado. Quando
terminou, com uma expressão triste, colocou aquela coleira
no pescoço do Bernardo, comentando: “Para se ver por fora
como estás por dentro.” Depois, partiu…
O Bernardo ficou fulo, maldisse a coleira, a fada, a
vida… Como é que lhe podia acontecer uma coisa daquelas,
justamente a ele, que detestava usar coisas ao pescoço?
Durante todo o dia, ele reclamou e tentou arrancar a
coleira com as patas de trás, roçou-a pelo chão, pelos tron-
cos, pelas paredes, sem qualquer sucesso, ela mantinha-se
bem firme no seu pescoço.
Nessa tarde rosnou a seis pessoas, arreganhando os
dentes e baixando as orelhas (o que lhe dava um ar perfeita-
mente assustador), ladrou a toda a gente que passava, e che-
gou mesmo a abocanhar três pessoas. Nos dias seguintes, o
cenário repetiu-se, e Bernardo andava cada vez mais infeliz.
Um amigo, ao ouvi-lo queixar-se, comentou:
– As fadas não fazem nada ao acaso! O que achas que
terás de fazer para quebrar o feitiço?
Bernardo achou que tinha descoberto, e decidiu que dali
para a frente não iria ladrar, não iria rosnar, não iria mostrar
os dentes: ele queria meeeeesmo libertar-se daquela coleira.
Durante uma semana, deixou as pessoas fazerem-
-lhe festas. Por dentro fervia, mas por fora nem uma reacção.
Bernardo permanecia quieto, engolindo tudo, suportando
em silêncio as festas que não desejava.
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E só à noite, em sonhos, se permitia rosnar e morder,
aos outros e a si próprio, maldizendo a vida e a sua sorte.
Passados uns dias, a coleira magoava, picava, torna-
ra-se insuportável…
– Não admira que te queixes – disse-lhe o amigo –,
a coleira está ao contrário, agora tem os picos virados para
a pele, assim deve incomodar imenso.
Apesar dos esforços empenhados de ambos, não con-
seguiram virar a coleira. A conclusão era evidente: aquela
mudança era obra da fada.
Revoltado, o Bernardo correu atrás de todos aqueles
que lhe haviam feito festas durante a semana e vingou-se,
distribuindo dentadas. No fim da tarde, a coleira continuava
firme no seu pescoço, mas voltara à sua posição inicial, com
os picos para fora.
Na manhã seguinte, um desconhecido aproximou-se
de Bernardo, que o olhou, desconfiado. Como este não lhe
tentou tocar, o cachorro permitiu-lhe que se sentasse ao
seu lado e deixou que falasse. O homem conversou com ele
durante um bocadinho e no fim contou-lhe um segredo: tinha
medo quando os cães, para o cumprimentarem, corriam na
sua direcção e lhe punham as patas em cima.
– E já explicou isso aos cães? Eles fazem isso porque
gostam de si, não podem adivinhar... – explicou o Bernardo.
Assim que acabou de falar acendeu-se uma luz dentro
da sua cabeça, e ele soube que aquilo que acabara de aconse-
lhar ao homem era a solução para o seu problema.
Nessa noite, a coleira desapareceu… para nunca mais
regressar.
Rita Vilela
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M – Gostava que deixasses aqui no livro aquelas frases que
dizes acerca do uso de histórias metafóricas ao longo dos
tempos…
R – Muito gostas tu dessa parte!
M – Vá lá, não sejas aborrecida…
R – Ao longo dos tempos, as histórias têm sido utilizadas para
transmitir mensagens, de pais para filhos, de educadores
para alunos, de líderes para seguidores…
M – E isto porquê? Porque, de facto, as histórias têm esta
capacidade de fazer viver determinadas experiências de
uma forma segura e resguardada. Aquilo que acontece,
acontece a outros (personagens), e não a nós, dá-nos pis-
tas sobre como avançar nas nossas vidas.
R – Quantas vezes já se viu na situação de ter de contar o
mesmo conto aterrador, vezes seguidas, a uma criança?
E isso sucede porque ela sabe que está a salvo, mas está
igualmente a aprender a sentir o medo, a dominá-lo,
a reenquadrá-lo, a contorná-lo.
M – Bom, mas estamos para aqui a falar e há quem esteja à
espera de umas perguntinhas, não é verdade?
R – Ora aqui estão!
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Num dia mau, o que pensa?
Estou num beco sem saída!
– siga para a pág. 119 – Salvamentos
Os meus problemas são maiores
que os dos outros!
– avance para a pág. 107 – Feira de trocas
O que vai ser o futuro?
– continue e vá para a pág. 69 – Na curva da vida
Antes, estava melhor!
– regresse ao ponto de onde veio.