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IGREJA:
CORPODE CRISTO
(Um estudo da epístola aos efésios)

João Parahyba Daronch da Silva

Publicação da Junta Geral de Ação Social
Da Igreja Metodista do Brasil
1966
OBS: Há algumas notas e adaptações do texto do livro em vermelho, feitas
especialmente para essa edição eletrônica.
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
REFLEXÕES SOBRE A EPÍSTOLA DE EFÉSIOS
1 - Natureza da Igreja
2 - Caráter da Epístola
3 - Conteúdo da Epístola em resumo
4 - Questões que oferecem problemas especiais
I - A PROCLAMAÇÃO DOS ATOS DE DEUS
1. A Separação destruída em Jesus Cristo
2. Confessar Jesus Cristo
3. A Ressurreição: um sobre todos
4. O Espírito: poder para comunicação.
II - A COMUNHÃO DO POVO DE DEUS
1. Revelação: nossa Salvação da morte
2. Igreja e Conhecimento
3. A Igreja não é do mundo, mas é no mundo
4. A Igreja: Povo constituído por Deus
III - A PRESENÇA DA IGREJA
1. Solidariedade: “Justificados e Pecadores”
2. Dimensões da Ética no “Evangelho da Paz”
3. O Ministério da Igreja
Conclusão: Unidade e Renovação da Igreja
APRESENTAÇÃO
"Mas, seguindo a Verdade em amor,
cresçamos em tudo naquele que é o
Cabeça, Cristo".
(Efésios 4:15)

Em momento mui oportuno o Gabinete Geral está sugerindo o estudo na
Epístola do apóstolo Paulo à comunidade cristã na cidade de Éfeso. Dentro das
linhas mestras do Plano Qüinqüenal em que se objetiva não apenas uma
redescoberta da mensagem que motivou e dinamizou o Movimento Wesleyano do
século XVIII, mas, em que se busca, acima de tudo, uma reafirmação inequívoca da
Responsabilidade Cristã da Igreja Metodista do Brasil na conjuntura
contemporânea, seguramente que uma reflexão sobre o grande documento aos
Efésios virá enriquecer a mente da Igreja abrindo-a para uma compreensão mais
ampla de sua Natureza e de sua Missão conferidas uma vez para sempre em Jesus
Cristo, o Senhor da Igreja e do Mundo.
Todo o panorama eclesiástico atual confirma a necessidade inadiável de um
re-exame da Igreja até à raiz mesma da totalidade de sua vida e de suas formas de
expressão na sociedade brasileira. Somos desafiados hoje como nunca a um
testemunho integral do "Evangelho do Reino de Deus" afim de que "a suprema
riqueza de Sua graça" seja comunicada aos séculos e não seja confundida com as
pequenas riquezas de "evangelismos de reinos religionistas". Pois, em verdade,
Jesus pregava o Evangelho do Reino de Deus contra todas as formas e
interpretações que pretendessem usurpar o lugar exclusivo da pessoa e da
autoridade graciosa de Deus. Devemos nos perguntar sempre sobre que tipo de
evangelho estamos mostrando como Igreja!
Este re-exame não pode ser feito pela Igreja à luz de si mesma, de sua própria
história mas à luz mais alta que é a Palavra viva do Deus vivo; é à Luz da Palavra de
Deus que a Igreja pode ver-se a si mesma e ver corretamente o que está
acontecendo no século e discernir o relevante do irrelevante, o significativo e
criativo de tudo quanto é vazio de significado e discernir os fundamentos da
verdade dos rudimentos do mundo.
"Natureza e Missão da Igreja" constitui o ponto de partida da eclesiologia
contemporânea porque este tema nos atira para dentro do fundamental que é a
Cristologia que dá validez e justificativa à existência da Igreja no mundo.
Seguramente o erro capital que podemos perceber na História da Igreja é a
resistência eclesiástica ao governo renovador e permanente de Jesus Cristo;
decisões de concílios que afetam o sentido da natureza e do ministério da Igreja
tomadas em completo divórcio dos fundamentos bíblicos e teológicos.
Dai todo um comprometimento alienante da Igreja com estruturas superadas e
que, de modo algum, constituem a Igreja de Jesus Cristo. Talvez a contribuição
máxima de Lutero para o pensamento teológico tenha sido precisamente o fato de
conseguir desvincular "Reino de Deus" de sua pecaminosa identificação com a
hierarquia eclesiástica. Aliás, esta é uma tensão permanente para a qual não
podemos estar desprevenidos, pois nunca poderemos capturar a realidade da
Igreja que é o Corpo de Jesus Cristo em nossas estruturas e tradições
denominacionais. Assim, antes de qualquer decisão nossa, antes de qualquer
Concílio em que se vai "definir" a Ordem da Igreja e o sentido das formas de sua
presença na sociedade, é imprescindível o estudo profundo da Natureza e da
Missão da Igreja a partir do Ministério de Jesus Cristo — o Servo de Deus que
determina a forma permanente da Igreja e a amplitude de sua presença no mundo
afim de que "a suprema riqueza de sua graça seja mostrada aos séculos
vindouros".
É exatamente o espírito de obediência reverente à Palavra do Servo de Deus,
que é o Senhor da Igreja, o fator determinante da medida de humildade própria da
Igreja para confessar-se arrependida a Jesus Cristo a fim de ser renovada por Ele
para Seu Serviço. Tal disposição não é uma simples opção para a Igreja; é um
imperativo de sua Natureza e de sua Missão dadas na Palavra Viva de Deus, que
cria, transforma, julga, salva e sustenta a Igreja.
A Igreja somente é seu verdadeiro ser quando existe para os membros da
humanidade "mundana": isto é, o homem na sociedade é concretamente o
endereço do amor de Deus em Jesus Cristo. Existir para os outros, existir em Jesus
Cristo, compartir o sofrimento de Deus pelo mundo, "descer até às partes mais
baixas da terra", transpor as "paredes de separação e inimizade", é a graça mais
cara e mais preciosa que foi dada à Igreja, A graça de Deus é uma graça "custosa",
seu alto preço consiste em arrancar o homem decisivamente de si mesmo,
incorporando-o à comunhão da família de Deus — Corpo de Cristo — onde impera
uma nova ordem de relações e uma nova e permanente possibilidade de vida.
A carta do apóstolo Paulo aos cristãos em Éfeso indica seguramente o
caminho do discipulado para a presente situação tanto da Igreja quanto do mundo.
Este discipulado não é uma nova forma de mérito humano ou alguma maneira sutil
de se alcançar a "santidade" e a "perfeição"; é uma disciplina concreta: isto é, uma
disciplina no Corpo de Cristo, uma disciplina em Cristo, que incluí basicamente
uma relação sacrificial com a comunidade cristã que é o corpo do amor em cujas
águas vivas somos batizados para não pertencermos mais a nós mesmos e não
vivermos mais para nós mesmos: "Se alguma Igreja quiser vir após Mim, negue-se
a si mesma...".
Assim, esperamos humildemente, que este estudo faculte, pela proteção e
direção do Espírito, em cada congregação onde dois ou três estiverem reunidos em
Cristo, uma crescente compreensão do ministério total da vida da Igreja bem como
auspicie uma tomada de consciência da imensa possibilidade aberta na situação
brasileira e em cujos tormentos o Senhor está supremamente interessado.
Este manual é apenas 'uma ferramenta para o serviço. Nele está o resultado
de uma tentativa de exegese do texto bíblico em que vão extraídas e sublinhadas
em simples esboço as grandes realidades do "mistério revelado no Evangelho".
Destas realidades nos poderemos alimentar em comunhão uns com os outros para
a responsabilidade cotidiana de servir ao Senhor; é pão para a jornada, mas é pão
que demanda meditação comunitária com o mais alto sentido de não nos
alimentarmos para nós mesmos, de não nos apascentarmos a nós mesmos senão
para vivermos no Corpo de Cristo que é o Corpo que existe em amor para com
todos os demais.
REFLEXÕES SOBRE A EPÍSTOLA
A carta do apóstolo Paulo aos "santos em Éfeso" é um documento a respeito
da Igreja de Jesus Cristo; não é uma carta sobre problemas particulares da
congregação, mas é uma carta capital cujo conteúdo versa sobre as dimensões
essenciais da Natureza e da Missão da Ecclesia de Jesus Cristo sublinhando:
a) Sua Unidade (Efésios 4);
b) Sua Integridade (Ef 1:4; Ef 5:27;
c) Sua Apostolicidade (Ef 2:20; Ef 3:1; Ef 4:7,11; Ef 6:15);
d) Sua Catolicidade (Ef 2:19; Ef 4:13; Ef 6:8 e 1:1).
1) NATUREZA DA IGREJA:
A natureza da Igreja é dada na epístola pelas relações que estabelecem
dependência permanente, constituindo laços indissolúveis entre a Igreja e:
1. Deus — o Pai (Ef 3:14)
2. Jesus Cristo — o Cabeça (Ef 1:22; Ef 4:13; Ef 5:29-32)
3. Espírito Santo — de quem procedem os carismas (Ef 1:13; 4:7).
d) Comunidade de Israel — (Ef 2:12, 19 e 22)
e) Comunidade gentílica — (Ef 4:17; Ef 5:5-13; Ef 6:11)
f) Com todos os santos — (Ef 1:15; 3:15; Ef 4:13; Ef 6:18-24)
Destas relações é que decorre a natureza da Igreja; é a natureza destas
relações que constituí a Igreja como Igreja. Toda verdade a respeito da Igreja (para
não dizer o próprio sentido da palavra Ecclesia nos é comunicada em termos destas
relações, desta ordem de relações criadas por Deus em Jesus Cristo e no Espírito
Santo. É na epístola aos Efésios que aparece pela primeira vez uma doutrina
especial sobre Igreja. A verdade "relacional" (ou dialógica) sobre a Igreja que
aparece em Efésios aparece em Colossenses onde se afirma que Cristo é a cabeça
da Igreja e que a Igreja é o corpo de Cristo. Em Efésios 3:21 e 5:32 Cristo e a Igreja
são colocados lado a lado, como que na mesma ordem; por outro lado, em outras
passagens fala-se de uma relação de subordinação da Igreja a Cristo). Esta
linguagem figurada parece ser empregada sem nenhum rigor lógico: Cristo é a
própria Igreja e esta é o seu corpo; e ainda: Cristo está acima da Igreja como sua
cabeça e como Aquele que é antes de todas as coisas e para quem todas
"convergem".
Todas essas fórmulas são intimamente relacionadas entre si. Em Efésios
Eclesiologia é Cristologia e vice-versa. Tudo o que se refere a Cristo e à Igreja é
pensamento de Deus, é obra de Deus, é resultado da ação de Deus. O clímax de
tudo é atingido no hino final no capítulo Ef 5:25-32. As imagens empregadas aí são
provenientes da linguagem mítica daquela época. As expressões da carta aos
Efésios sobre a Igreja e Cristo mostram uma visão unitária do mundo daquela
época e seu autor fala a linguagem de círculos gnósticos. O salvador que sobe aos
céus vence em seu caminho os poderes celestes (Ef 4:8ss) e rompe o muro de
divisão que separa o mundo do Reino de Deus (Ef 2:14ss); volta para junto de si
mesmo como o anthropos (o ser humano) supremo (Ef 4:13ss) . Contudo Ele é a
Cabeça sob cujo governo todas as coisas são reunidas; sendo assim Ele eleva os
seus membros, cria o "homem novo" e edifica seu corpo em que se revela a obra
inteira de Deus (Ef 3:8-19). O salvador ama e atende, purifica e salva a sua Igreja.
Ela é sua esposa, Ele é seu esposo, unidos um ao outro em obediência e amor (Ef
5:22-32). Este mundo de idéias, figuras e imagens empregadas na epístola são
adequadas a finalidade primordial de exprimir a relação indissolúvel entre Cristo e
Igreja; ainda mais; para explicar a realidade de que a Igreja não é instituição ou
sociedade humana apreensível pelas leis da sociologia e sim a resultante da ação
de Deus. O ponto decisivo da eclesiologia em Efésios é a comunhão com Cristo.
Somente a partir dessa comunhão com Cristo passa a existir a comunhão dos
homens entre si como irmãos. Contra as tentativas sociológicas em solver (explicar)
a questão da Igreja, devemos anotar que Paulo em suas epístolas não concebe
Eclesiologia senão em função da Cristologia.
Cristo alimenta e cuida da Igreja. Tem-se a impressão de que, numa
representação tão complexa, e ao mesmo tempo grandiosa pelas imagens usadas,
se encontram divagações em que a fé em Deus e em Sua assembléia divina é
interpretada dentro de uma moldura especulativa. Por mais que tal impressão se
imponha, é preciso repeli-la resoluta e radicalmente. A maneira como se fala da
Igreja mostra que não se trata de especulações sem base e muito menos de
afirmações esotéricas. Assim, quando o apóstolo trata da sabedoria e do
conhecimento de Deus não está tratando de intelectualismo e sim daquele
"conhecimento do coração", (Ef 1:18), que se realiza na obediência da fé que
relaciona o homem com os atos de Deus. É uma linguagem muito rica que não está
em função de si mesma, nem a serviço de especulação intelectual, mas é a aptidão
em que se expressa a verdade sobre a Igreja em sua natureza derivada da obra de
Deus em Jesus Cristo.
2) CARÁTER DA EPÍSTOLA:
a) Mais intensiva e extensivamente do que qualquer outro livro do Novo
Testamento, Efésios tem o caráter e a forma da oração. Não somente a primeira
metade (Ef 1:3 a 3:4), mas a exortação à conduta cristã e à unidade do Espírito na
segunda parte (Ef 4:1) são basicamente oração em sua forma; além dessas
expressões de adoração e de intercessão, a epístola nos dá vários chamados à
oração (Ef 5:14,19; Ef 6:18). "Lex orandi, lex credendi" — isto é, a verdade da fé tem
sentido somente como um ato de culto; Efésios nos dá um sentido bem profundo de
dogmática cristã que é o sentido da comunhão com Deus, pois a verdadeira fé é
matéria da mais verdadeira comunhão com Deus. Tudo o que a epístola nos
oferece sobre Fé e Vida, sabre Dogmática e Ética é precisamente na forma da
oração.
b) Efésios não apresenta o Evangelho na forma polêmica tradicional, a
despeito de estar em jogo todo o tremendo conflito entre cristianismo judaico e
étnico; também não nos dá o Evangelho pelos caminhos da argumentação racional
nem com lugares comuns de compaixão sentimentalista. Há apenas uma base que
para o autor é suficiente e que constitui a única possibilidade de preservação do
"mistério revelado em Jesus Cristo": são os grandes atos de Deus. Os atos de Deus
são a sua palavra, isto é, o que Deus tem feito e revelado em Jesus Cristo. A
sabedoria e a vontade, o amor e o propósito de Deus, a pregação, a morte a
ressurreição de Cristo, o poder do Espírito — na forma de carismas sobre a Igreja
para o desempenho do ministério. Qualquer outra base é passageira, vem e vai,
mas, os atos de Deus são, para empregar uma linguagem de Agostinho, "começos
absolutos ou eternos" — são permanentes, não sofrem nenhuma variação. Efésios
celebra o ágape de Deus (o amor) que ultrapassa toda forma de sabedoria (Ef 3:19)
; é exatamente neste amor que se apóia o Evangelho da Paz que prescinde, que
abre mão de todo e qualquer argumento para defendê-lo; o autor da epístola
dispensou inclusive a forma tradicional dos argumentos escriturísticos. Os atos de
Deus são proclamados e não argumentados apologeticamente. Efésios não é a
defesa de um Evangelho cheio de informações interessantes para nós, mas é a
proclamação do Evangelho em que estão dadas uma vez por todas as bases novas
a respeito de nós e de toda a criação em Jesus Cristo: o que Deus fez em nosso
favor e que nova situação a obra de Deus criou graciosamente para todas as
esferas e relações da vida.
3) CONTEÚDO DA EPÍSTOLA EM RESUMO:
 Capítulos 1 e 2:
São constituídos basicamente do que Deus, em Seu Amor e Vontade
soberana, tem proposto desde a eternidade;
 Capítulos 3 a 4:1-24:
São expressivos dos grandes atos de Deus; isto é: aquilo que Deus tem feito e
revelado como o "mistério do Evangelho" presente de forma total em Jesus Cristo;
 Capítulos 4:24 até o final da epístola:
Este longo trecho é uma repercussão dos Atos de Deus: Seu amor, Sua luz
através da vida da Igreja e sobre o mundo. É exatamente — após tratar das obras
de Deus que aqui dão a medida exata da Natureza da Igreja como resultado da
ação de Deus (a Igreja é obra de Deus em Jesus Cristo) — que a carta vai tratar da
Missão da Igreja no mundo também como resultado da mesma presença e obra de
Deus em Jesus Cristo; o sentido da presença da Igreja em todas as esferas e em
todas as fronteiras da vida é dado como uma resultante dos atos de Deus em Jesus
Cristo que criaram a nova ordem de relações (a comunidade cristã) e que constitui a
nova vida ou a boa nova de salvação para todos.
É muito extraordinário que o conteúdo de Efésios nos ofereça o mesmo
movimento teológico que temos no Evangelho segundo João e que se resume no
versículo 16 do terceiro capítulo: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que
deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha
a vida eterna". Os cristãos não vivem daquilo que negam, mas daquilo que podem
afirmar e confessar como os atos de Deus. Sobre Deus e sobre o homem, sobre a
comunidade e a respeito de pessoas, quanto a extensão do Reino de Jesus Cristo
sobre os poderes do século (aeon), aos cristãos é dado conhecer as novas de
salvação como atos praticados por Deus mesmo. Daí o método que a epístola
segue na proclamação do Evangelho apoiando-se não nas bases da argumentação
lógica que pode ter seu valor alterado como variável é o coração humano.
Se Deus mesmo é a base e o motivo, nenhuma variação deve ser receada. A
Igreja está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas sendo Jesus
Cristo mesmo a pedra angular (Ef 2:20). A Igreja obviamente está dispensada de
alicerçar-se e de fundamentar sua responsabilidade senão nos atos de Deus
mesmo. Há epístolas paulinas em que o apóstolo parece tomar uma posição
defensiva porque a verdade do Evangelho mesmo, a Igreja visada na carta ou a
própria pessoa do apóstolo estão sendo atacados seriamente. Em Efésios,
entretanto, um tom de júbilo triunfal, "falando entre vós com salmos, entoando e
louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais" (Ef 5:19),
determina o caráter de cada pensamento e de cada sentença. É o júbilo de quem
vive pelo privilégio de conhecer as boas novas concernentes a todos os homens,
tanto gentios como judeus que induz o autor a omitir até mesmo as "provas
escriturísticas" usadas nas outras cartas de modo geral.
Temos no caráter e na forma da epístola aos Efésios uma imagem muito rica
do apóstolo como "evangelista": ele mostra um Evangelho no qual confia
inteiramente, pois a dimensão do mesmo coincide com a Pessoa do próprio Deus.
Não há nenhum perigo de que falte real comunicação ou amor pelo homem,
quando um evangelista como Paulo testifica confiar no Evangelho como
SUFICIENTE!
Fora de qualquer dúvida, esta confiança faz parte inseparável da Missão da
Igreja — é um dos sentidos do próprio testemunho da Igreja. Tratar da restauração
desta confiança já em si seria uma verdadeira renovação dentro da Igreja e,
especificamente, uma total renovação de nossas formas tradicionais de 'pregação'
do Evangelho como 'sermões' dados dos púlpitos. Efésios nos auspicia pela forma
em que nos mostra o Evangelho (forma esta que o próprio Evangelho determina) a
possibilidade de exame dos métodos e do conteúdo bem como dos objetivos
daquilo que nós chamamos hoje de evangelização ou de responsabilidade
evangelística da Igreja.
4) QUESTÕES QUE OFERECEM PROBLEMAS ESPECIAIS:
Apresenta-nos a epístola algumas questões cuja solução racional nos escapa.
Todavia, não podemos deixar de encará-las humildemente. Aliás, devemos tratar
dessas questões para nos tornarmos mais conscientes da impossibilidade humana
em transformar a Palavra de Deus em mero objeto de pesquisa e curiosidade
intelectual. Os problemas levantados pela Epístola nos auspiciam uma atitude de
humildade perante o fato "invulgar" do Evangelho, mostrando-nos a medida exata
de nossa contingência humana e levando-nos a desistir da pecaminosa tentativa
em "desnaturar" o mistério da Palavra e violar o "escândalo" da mesma. Temos que
nos convencer de que os limites da razão humana não são os limites da Vida e
muito menos ainda os limites da Palavra de Deus. Nenhuma palavra humana pode
capturar a Palavra e esgotá-la em sua plena significação. Esta tentativa
pecaminosa gerou muito conflito ao longo da História por se pretender com uma
palavra (geralmente um conceito filosófico) aprisionar a Livre Palavra de Deus em
Jesus Cristo revelada para sempre.
1. "ELEIÇÃO" (erradamente chamada de predestinação) — é muito claro na
Epístola que o apóstolo proclama o Evangelho como a revelação de uma "decisão"
e uma "eleição" por iniciativa de Deus "antes da fundação do mundo" (Ef 1:11-14).
Há uma série de verbos indicativos desta realidade. Numa leitura superficial do
texto e mesmo num estudo mais cuidadoso do sentido etimológico é possível a
conclusão "fácil" de que o autor esteja tratando de um determinismo filosófico e
esteja de pleno acordo com a mentalidade tradicional da "dupla" ou "simples"
predestinação. Será real esta conclusão? As referências à eleição em Cristo podem
ser consubstanciadas numa doutrina ou crença determinista? Na simples fidelidade
ao texto, sem pretender solucionar a questão, devemos sublinhar certas realidades
que o autor busca explicitar:
a) o sujeito dos verbos empregados — Paulo emprega uma terminologia em
que procura comunicar precisamente a "gratuidade absoluta" do ato em que Deus
nos torna "herdeiros do seu amor" ou “filhos adotivos"; isto é os verbos conjugam o
amor (ágape), totalmente determinado por Deus em nosso favor. Entretanto, Paulo
emprega tais verbos (inclusive o verbo proorisas que aparece em Ef 1:11) , com o
grande propósito de adorar neste ato redentivo (a eleição em Cristo), o amor
soberanamente livre de Deus revelado. "Eleitos em Cristo" e "em amor" são
absolutamente sinônimos.
b) a fonte de todas as bênçãos — Paulo, por outro lado, comunica com este
sentido de "salvação antecipada" — a eleição na eternidade da vontade de Deus
em seu amor — que é o amor de Deus a fonte exclusiva de todas as bênçãos
concedidas à Igreja e que a Igreja é um resultado precisamente dessa decisão do
amor de Deus. Este é o sentido maior da grande palavra do Evangelho — a "graça"
que redime o pecador.
c) "proorisas hemas" - (“nos predestinou para Ele” - Ef 1:5) — Este particípio
subordinado ao verbo principal indica como foi que Deus nos elegeu e, com uma
precisão totalmente nova, indica a finalidade de nossa eleição. A eleição não
constitui um fim em si nem mesmo um fim para os eleitos. Ela é efetivada dentro do
movimento total e do propósito total do amor de Deus que determina tudo.
2. "CONHECIMENTO" E "INTELECTUALISMO" — Efésios apresenta uma
ênfase sobre certas palavras que podem induzir a uma noção intelectualista da fé
cristã. São as palavras gregas “apokalypsis" (revelação), "sophias” (sabedoria),
“katalabesthai" (compreensão) e a palavra "gnosei" (conhecimento). Entretanto
esta palavra "gnosei" que teria dado margem para toda a confusão de gnosticismo
bíblico, não aparece como uma simples "glosei", pois Paulo lhe antepõe um "epi" e
emprega "epignosei" (que é muito freqüente em suas epístolas e é como aparece
no Evangelho de João). Não há então possibilidade de confusão, pois se trata
daquele conhecimento “que vem de cima”, que vem por revelação de Deus e não
por conquista humana. Paulo ora a Deus para que os cristãos sejam dotados do
"espírito de sabedoria" e de "revelação". Paulo está convencido de que os eleitos
são os que ouviram a "palavra da verdade" (Ef 1:13) e podem crescer em
conhecimento (Ef 1:17; Ef 3:19; Ef 4:13) e que são responsáveis pela comunicação
ao próprio universo (Ef 2:7; Ef 3:10) desta "multiforme sabedoria de Deus". Que
atitude de arrogância pode derivar dai para a Igreja em relação ao mundo? Será
que é pelo conhecimento de certas coisas extraordinárias que se justifica a conduta
de prioridade da Igreja sobre o mundo? Esta questão de suma gravidade vamos
tratar na exegese sobre a Igreja especificamente.
3.) "MISTÉRIO" ou "SUPERSTIÇÃO"? — É na Epístola aos Efésios que
encontramos certas realidades cuja ênfase tem sido dada pela melhor teologia
reformada; por exemplo: "que Deus atua por grande amor e graça" (Ef 2:4,7); que
"Deus ama" a Igreja até ao ponto de "entregar-se a si mesmo" em Jesus Cristo por
ela (Ef 5:2,25), e torna-se um exemplo de que cada um deve amar assim ao seu
próximo com mútua sujeição (Ef 5:21). Mas, Efésios apresenta um apelo com
respeito a Cristo num sentido e numa dimensão que se poderia chamar de uma
"cristologia redentiva de alcance cósmico"! Exatamente na Epístola em que se trata
tão intensamente da presença de Cristo "pela fé" no coração humano, apontando
certa noção de interioridade da fé cristã, é que somos surpreendidos com
expressões que apontam para "regiões celestes", para "habitantes dos ares", para
"potestades do maligno" e para as "hostes da maldade" (Ef 1:19; Ef 2:1; Ef 4:8; Ef
6:11).
Em Efésios temos duas ênfases: o amor de Cristo e o caminho de Cristo no
ser humano; a outra é a que assiná-la a Cristo como "aquele que desce às partes
inferiores da terra e que sobe às alturas celestiais" (Ef 4:8,10); Cristo é aquele em
quem Deus exerceu a eficácia do Seu poder a ressurreição tendo-o colocado à Sua
direita acima de todo poder, dando-lhe todo o domínio e submetendo tudo a seus
pés (1:20-22). Isto é, em Efésios, Jesus é maior que tudo e tudo está submetido à
sua autoridade, mesmo aqueles que se rebelam, tais como os "principados e
potestades (1:21; 3:10 6:12), os séculos (aeon) e das gerações (Ef 2:7; Ef 3:5), do
príncipe do ar, maldade ou maligno (Ef 2:2; Ef 4:27; Ef 6:11).
A totalidade do mundo (Ef 1:10), o ar, até regiões celestes (Ef 2:2), parecem
estar cheios e .dominados por tais espíritos. É muito impressionante que a epístola
fale tanto na "sabedoria e no conhecimento da verdade" e ao mesmo tempo use
uma constelação de expressões de conotação supersticiosa. Tal fato levanta
problemas muito sérios para a nossa compreensão da Cristologia dada na epístola
em que Cristo é a "cabeça sobre todo o universo" (Ef 1:10) — temos aí sem dúvida
uma dimensão cósmica da fé cristã. Mas, como em Colossenses, Cristo não está
em guerra com o Universo e sim "reconciliando todas as forças e fazendo a paz".
4) ECLESIASTICISMO: (OU VIDA COMUNITÁRIA)? — É, como já
dissemos, a epístola que trata, em sua verdadeira essência, da Igreja. Muitas
epístolas do Novo Testamento são endereçadas a uma ou outra Igreja em alguma
cidade do mundo Mediterrâneo; Efésios também. Mas, em adição, Efésios é uma
carta sobre a Igreja, sobre a Igreja com “I” Maiúsculo segundo podemos discernir
no grande documento do apóstolo. Não sobre os problemas de determinada
congregação local, mas da IGREJA em sua Unidade (Ef 4:3), em sua Santidade (Ef
1:4; Ef 5:27), em sua Apostolicidade (Ef 2:20; Ef 3:1; Ef 4:7,11; Ef 6:15-20) e em sua
Catolicidade (Ef 2:19; Ef 4:13; Ef 6:18). No foco da epístola está, mais uma vez, a
Igreja Universal em todas as Suas relações. A concentração de Efésios no tópico
"Igreja", encontra alguns paralelos no Evangelho de Mateus, na primeira Epístola
aos Coríntios, nas epístolas endereçadas a Timóteo e a Tito, em I Pedro e nas sete
cartas do Apocalipse em seus capítulos 2 e 3. Quanto mais a Igreja tem crescido
mais tem crescido o interesse dos estudiosos sobre a questão da "Natureza da
Igreja". Atualmente a Igreja Católica Romana e a Comissão de Fé e Ordem do
Conselho Mundial de Igrejas estão fascinados por este tema. Haverá apóio na
epístola aos Efésios para as noções de uma Igreja Mundial de acordo com o
pensamento Católico Romano e o pensamento Protestante?
Efésios nos ensina que a Igreja é o Corpo de Cristo (Ef 1:23; Ef 4:4, 12; Ef
5:30); que a Igreja é a "plenitude daquele que é tudo em todos" (Ef 1:23). Dai, será
possível concluir que a Igreja seja a 'extensão da encarnação', a "sociedade
redentiva" ou a expressão histórica da 'natureza divina'? Leitores que por natureza,
nascimento ou inclinação pessoal sejam Católicos Romanos ou Anglicanos parece
que sempre se regozijam em justificar com Efésios todo o seu eclesiasticismo! De
qualquer forma, ansiosos ou jubilosos, o fato é que todos nós temos a tendência de
justificar "nossa" Igreja como a portadora da real presença de Cristo e chegamos
até a tomar a decisão de determinar tal presença... Entretanto, face a tal problema
convém lembrar sempre que dois evangelistas narram o estranho acontecimento
em que a "assembléia em torno de Cristo" foi o obstáculo para que uma pessoa
tivesse acesso a Cristo (Lc 5:18-19 e Mc 2:1-4)! É possível que a Igreja constitua
uma parede a separar o homem de Cristo impedindo-lhe comunhão com Deus?
Haverá possibilidade de tal problema? A Igreja pode chegar à terrível tentação de
colocar-se como Igreja no lugar de Cristo? Tudo o que Efésios nos oferece sobre a
Igreja se refere à obra de Deus em Cristo em que a Igreja se deve inteiramente à
obra da graça do Senhor.
5) MORALISMO: (OU ÉTICA "EM AMOR")? — Nenhum pesquisador sério
da verdade e da sabedoria no campo da ética pessoal e comunitária pode
questionar o valor de termos como crescimento e perfeição amor e justiça, poder e
unidade. Tais conceitos brotam na epístola contra toda a mentalidade da impureza
do paganismo que contrasta com a nova vida que se abre em Jesus Cristo: (Ef
4:13,17-24; Ef 5:3,8). Paulo, entretanto, vai até ao detalhe especialmente no
chamado "código doméstico" (Haus-Tafeln) em que nos dá exortações
concernentes à vida cotidiana do homem e da mulher, pais e filhos, senhores e
servos (Ef 5:21 6:9). Tais exortações são dadas e fundadas em duas palavras
chaves do texto: "submissão" e "obediência" (Ef 5:21,33; Ef 6:1,5). Tal fato tem
feições que tendem a uma espécie de autoritarismo e conservadorismo moral que
não incluem justiça e possibilidade de mudança ou "revolução" nas relações
humanas. Parece agravar-se o problema quando alguns estudiosos observam
certa omissão da epístola quanto a doutrina da segunda vinda de Cristo. Embora
não se possa negar o silêncio da carta quanto a dimensão escatológica em
específico, pode-se pelo menos constatar uma ênfase unilateral na realidade da
vida terrena. No capítulo seis, especialmente, o autor dá claramente a idéia de uma
aceitação total, em submissão, do servo ao seu senhor sem encorajar qualquer luta
por modificação.
Parece, por outro lado, que o autor de Efésios ignora que "nós não temos aqui
nossa última cidade" (Hb 13:14) e parece esquecer que "nós somos estrangeiros e
peregrinos sobre a terra" (Hb 11:13; 1Pd 2:11). Enquanto outros livros do Novo
Testamento tratam claramente da dispersão da Igreja ou da vida cristã no mundo
como uma vida em "diáspora" (Tg 1:1; 1Pd 1:1), o autor de Efésios ensina
explicitamente que "vós não sois mais estrangeiros e forasteiros, mas sim
concidadãos dos santos e família de Deus" (Ef 2:19)! Que estranha parece ser esta
"casa de Deus"! Quão aprisionante sujeição (Ef 5:21 e Ef 6:5)! Que grande
inspiração para conselhos legalistas quando não há nem possibilidade de uma
porta aberta pata libertar o escravo do seu senhor autoritário, nem mesmo
possibilidade de emancipação da mulher ou do homem quando vítimas da injustiça
ou impiedade!
Aí estão as questões que oferecem os principais problemas para a exegese
nesta epístola do Novo Testamento. Os grandes perigos e problemas de
determinismo, intelectualismo, superstição demonológica, eclesiasticismo, e,
finalmente moralismo legalista! Referi assim cada problema não somente para
provocar nossa reflexão mais profunda e criativa, mas, especialmente, por
fidelidade aos textos e para desafiar-nos a uma visão mais integral de um estudo
bíblico que nos liberte da fragmentação da Palavra de Deus. Um dos mais sérios
problemas no estudo bíblico está precisamente nas interpretações que violentam o
sentido do Evangelho e o reduzem a "evangelho do nosso pobre reino individual,
deixando de ser o "Evangelho do Reino de Deus".
O único método de "preparação para o Evangelho da paz" (Ef 6:15) e a
correspondente tarefa da evangelização não é o estudo de "métodos de
evangelismo" e sim a comunhão com o Evangelho mesmo. É este o plano da
epístola aos Efésios; daí sua relevância para a nossa presente situação.
Tentaremos nas páginas seguintes acompanhar o autor na apresentação do
Evangelho que ele nos dá na proclamação aos "santos em Cristo e em Éfeso".
CAPÍTULO I

A PROCLAMAÇÃO DOS ATOS DE DEUS
"Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos, fez
um; e, tendo destruído a parede de separação que
estava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne a lei
dos mandamentos na forma de ordenanças para que
dos dois criasse em si mesmo novo homem, fazendo a
paz, e reconciliasse ambos em um só corpo em Deus,
por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade."
(Ef 2:14-16)

Efésios não parte de abstrações ou de princípios especulativos, mas sim de
eventos indicativos da Ação de Deus na História em Jesus Cristo especificamente.
É uma epístola que parte da conjugação dos verbos que proclamam, que
comemoram os grandes atos de Deus praticados em e por Jesus Cristo. Aqui, nesta
carta de Paulo, temos a explícita referência a "mão de obra" de Deus (Ef 2:10), a
"perfeita humanidade" (Ef 4:3), a um "novo homem" criado conforme à imagem de
Deus (Ef 4:24) ou "nova natureza", segundo a tradução RSV e conforme Cl 3:9). O
Evangelho que Paulo é comissionado a proclamar aos gentios (Ef 3:8), como "das
insondáveis riquezas de Cristo", é apresentado basicamente como a morte, a
ressurreição e o domínio universal de Jesus Cristo como expressão do amor de
Deus para com a humanidade no contexto do mundo "judeu-gentílico".
1.a) A SEPARAÇÃO DESTRUÍDA POR JESUS CRISTO
"PAREDE DA SEPARAÇÃO" (mesotoichon) - Ef 2:14
Estas duas expressões são chaves do conteúdo total da epístola: a chamada
"parede de separação" que foi removida ou aniquilada, tendo perdido totalmente
sua significação (por ter sido anulada) por Cristo. Na totalidade da carta o apóstolo
nos mostra que o Evangelho é a ação de Deus que se move sobre este eixo: Cristo
fez a Paz destruindo o muro de divisão. Eis porque a própria compreensão da Igreja
como uma realidade de "relações" não nos pode escapar no estudo desta epístola.
O eixo da ação de Deus em Filipenses, Colossenses e Romanos são argumentos
Cristológicos — o eixo em Efésios é a realização da Paz pela destruição da parede
de separação: (Cl 1:15-20; Cl 2:14; Fp 2:6-11; Rm 3:1-26, etc.)
QUE SIGNIFICA ESSA "PAREDE DE SEPARAÇÃO"?
Podemos examinar primeiramente quatro possibilidades de sua significação
na epístola:
a) A parede de separação pode ser uma alusão à parede divisória do
templo de Jerusalém que separava os judeus adoradores dos gentios
visitantes. Aquela parede sem dúvida, selou aos pagãos como aqueles que são
"do lado de fora". Pode também ser uma alusão ao anjo dando guarda em volta da
terra prometida em Gênesis 32:1-2. Há também uma referência na parábola
profética do Livro de Isaías 5:5 em que a Casa de Israel é chamada a "vinha do
Senhor" e Deus promete derrubar o seu muro afim de ser pisada.
Alguns estudiosos do Novo Testamento sustentam que a carta aos Efésios foi
escrita pelo ano 70. Neste caso Paulo não seria então seu autor. O elemento mais
forte para estes comentaristas é exatamente o nosso texto em Ef 2:14 que,
segundo eles, se refere à destruição de Jerusalém e do templo, em conseqüência,
pelos romanos. Mas, neste caso, nos parece muito estranho que a catástrofe
histórica que foi a queda de Jerusalém esteja servindo como objeto adornado com
um argumento da obra de Jesus Cristo, isto é, um argumento cristológico da mais
alta relevância pois sobre Ele repousa o sentido da obra de Jesus Cristo como autor
da paz, sendo usado para simplesmente adornar a queda de Jerusalém! O fato é
que o muro do templo e os muros de Jerusalém não esgotam o fundamento do texto
em sua significação.
b) Outra possibilidade de compreensão do pensamento de Paulo aos
Efésios é a referência à lei mosaica. A lei havia assumido uma função divisionista
segundo a interpretação rabínica que havia erigido um corpo de ordenanças e
estatutos estabelecidos em certo modo para facilitar o cumprimento da Lei. Tal
corpo de ordenanças era causa de divisão muito forte. Em Romanos, Gálatas e
Efésios há uma distinção idêntica entre a Lei do Senhor e as "interpretações" dos
rabinos fariseus (Rm 7:13; 3:31; Gl 3:19). Além do problema destas
"interpretações", denunciadas como verdadeira corrupção da Lei, o autor de
'Gálatas trata da função "tutelar" da Lei, implicando nisso, um sentido transitório da
Lei em relação ao sentido permanente da revelação da fé (Gl 3:23). A parede
abolida por Jesus Cristo poderia significar para o autor as ordenanças rabínicas ou
a própria Lei, em sua função de tutora até a chegada de Cristo. O capítulo terceiro
da segunda epístola aos Coríntios parece apoiar esta interpretação quando trata da
"remoção do véu" na antiga aliança pela nova aliança; ali o autor trata exata e
explicitamente da Lei como sendo o "ministério da condenação" escrito em tábuas
de pedra" — "glorioso", mas inferior à glória do "ministério da justiça"!
Paulo mostra, sem sombra de dúvida, em Gálatas e em Romanos que a paz
com Deus e a liberdade da vida dos filhos de Deus não se alcança à glória de
maneira nenhuma pela prática estatutária das "obras da lei". Somente uma atitude
escravizada à mentalidade legalista e formalista poderia sugerir a noção de que
haja alguma possibilidade de se alcançar "méritos" perante Deus mediante a
observação de certos deveres rituais. Com efeito, de acordo com Efésios 2:14-16
— a "lei de ordenanças e estatutos" — se constitui num instituto divisionista entre
Judeus e Gentios, colocando-os numa situação de inimizade mútua em face de
Deus. Na discussão das "obras" (Ef 2:5,8), Paulo focaliza a mesma perspectiva das
Epístolas aos Romanos e Gálatas.
Realmente, o ensino a respeito da Lei é o mesmo nas três epístolas paulinas.
A parede ou o muro destruído por Cristo pode significar precisamente a anulação
da função divisionista da Lei (motivada pela mentalidade legalista) sem ferir de
maneira alguma a validez da Lei na economia da redenção.
c) A "parede" que divide os homens uns dos outros e de Deus e que foi
removida por Cristo, pode ser uma referência à "cortina" ou "véu" do templo
de Jerusalém que separava o Santo dos Santos. Em Marcos 15:38 o incidente
em que se rompe o "véu do santuário" está relacionado diretamente à "hora" em
que Jesus Cristo "expira na cruz". Afirma o texto literalmente que o "véu rasgou-se
em duas partes de alto a baixo". Isto porque a morte de Cristo é o evento que
possibilita a abertura do caminho de acesso ao Pai. Em Hb 10:19-22 há a referência
precisamente a este sentido aqui mencionado.
d) Finalmente, a "parede abolida" — pode significar as barreiras entre
o homem e Deus, entre o homem e o homem, que consistem em "figuras" de
poder nomeados como "anjos", "principados", "potestades", "hostes do
maligno". O autor parece ter em mente um "reino invisível", formado de poderes
incontroláveis, idéias, normas, ordens de forças que verdadeiramente dividem e
separam a terra dos céus que Deus governa. Entretanto, Paulo também afirma a
presença desta "ordem de forças" nas "esferas celestiais". Aquilo que nós
chamamos pela palavra "inferno" pode significar este "reino" de forças de
separação. Então a "parede" de que Efésios trata afirmando que Cristo destruiu,
pode ser uma perfeita metáfora para os poderes dominantes de caráter angélico e
demoníaco que tornam a vida humana uma vida miserável. Estes poderes, na
Epístola aos Efésios não aparecem apenas em relação ao homem, mas são
tratados em sua relação cósmica. A "parede" de separação pode também envolver
os níveis "racionais", "irracionais", "mágico", "religioso", "individual" e "coletivo",
enfim todas as esferas de que participa a vida humana como as esferas de que ela
não participa. Efésios declara a "atuação" destes poderes sem discutir a natureza
dos mesmos.

Temos uma indicação cheia de significado para nossa compreensão, embora
não nos ofereça muita segurança, de que a compreensão "legalista e meritória" das
relações com Deus e os chamados "rudimentos cósmicos" são coisas idênticas. É
uma possível conclusão a que chegamos da leitura em Cl 2:8 e Gl 4:3-9 — onde a
"Lei" (como ordenação legalista) e os "rudimentos do mundo" (stoicheia tou
Kosmou) são a mesma coisa. Em Efésios 2:14 não só a parede da assim chamada
"lei natural", e das "obras meritórias", mas também a "parede" no sentido de
mentalidade ou de estruturas mentais da vida são declaradas dissolvidas. Parece
haver um relacionamento da "parede abolida" com a totalidade das forças que de
uma forma ou de outra, atingem a vida humana tanto de fora para dentro como de
dentro para fora.
A seleção de um dos quatro significados acima apontados para a expressão
do apóstolo que procura comunicar o significado da própria morte de Jesus Cristo
na Cruz, é muito improvável que possa ser feita. A variedade de significação de sua
linguagem e o fato de nela estar referido o sentido mais central da mensagem da
Igreja — o significado da morte do Senhor — nos adverte seriamente a não
limitarmos a realidade do texto paulino sobre a "parede destruída" à esfera
"religiosa". É inquestionável, quando lemos Efésios e, especificamente o versículo
quatorze do segundo capítulo, que se trata do Evangelho cujo poder e implicações
são concernentes às esferas políticas, cósmicas, intelectuais, morais ou éticas até
às distinções físicas e metafísicas de todas as estruturas da vida do homem e da
sociedade. Traduzindo na linguagem contemporânea: Efésios proclama o que
Jesus Cristo tem feito com as divisões existentes entre raças e nações, entre
ciência e ética, entre leis naturais e códigos sociais, povos primitivos e povos,
progressistas, os de fora e os de dentro, entre todas as instituições onde se joga
com o ser humano. O testemunho de Efésios a Jesus Cristo é inequívoco quanto ao
poder de sua morte para quebrar, destruir e superar todas as fronteiras e divisões
entre os homens. Ainda mais, Efésios proclama que Jesus Cristo reconciliou o
homem com Deus e criou a ordem nova das relações para todos os homens.
1.b.) CONFESSAR JESUS CRISTO.
Tal é o alvo fundamental. É afirmar em novas relações, a destruição definitiva
de todas as formas de forças divisionistas, de hostilidade, de inimizade, de
segregação e a nulidade de toda sorte de "gueto".
Nem rico, nem pobre, judeu ou grego, homem ou mulher, de qualquer cor ou
raça, pode pretender superioridade e, muito menos, apropriar-se de Jesus Cristo
com alguma ambição de exclusividade (Ef 4:22). Não tem sentido vermos o homem
pelos critérios divisionistas e artificiais que criamos — Deus revelou em JESUS
CRISTO uma NOVA HUMANIDADE, é através deste ato grandioso de Deus, que
se chama JESUS CRISTO, que podemos e devemos saber o que é o HOMEM. O
"velho homem" estabelecido pelos elementos da "concupiscência enganosa" foi
declarado irreal, totalmente vão, anulado e com ele toda ordem de relações que tal
"humanidade" estabeleceu.
Jesus Cristo criou uma realidade para todos os homens, uma vitória em
benefício de todos — para ambos — (Ef 2:14; Ef 4:21-24); não pode haver
discriminação alguma que já não haja sido condenada e anulada por Jesus Cristo.
Há agora um novo rosto de homem perante todos os homens. Podemos repetir com
Efésios que agora "há um novo homem criado segundo Deus" (Ef 4:24)! Não há
mais nenhum significado em permanecermos em nossas próprias obras, pois já
temos a "mão de obra" de Deus (o novo homem) criado em Jesus Cristo para as
"boas obras" (Ef 2:9)! É inteiramente vão chamarmos Jesus Cristo "Senhor,
Senhor", a não ser que signifiquemos por "Cristo" este novo homem, o fim das
divisões separatistas, "uma realidade nova feita de ambos", um "novo corpo" onde
morrem os dois antagonistas de Deus (Ef 2:14-16).
Dizer "Senhor, Senhor" significa afirmar o império de um Reino novo, uma
nova ordem de relações cujo critério é aquele "homem novo"; isto é, dizer Jesus
Cristo, significa dizer: RECONCILIAÇÃO, ou PAZ (Ef 2:16 e Ef 2:14,17). Em termos
negativos, significa dizer "abolição" e "ab-rogação" de cada hostilidade e de todas
as hostilidades (Ef 2:14)!
Abolição e Paz — estas grandes palavras nos arrancam da utopia, ou do
escárnio, de que o Cristianismo deve produzir uma espécie de humanidade sem
sexo, sem raça, sem diversidade de ocupação e situação social — um
"super-homem". As palavras "nem judeu, nem grego, nem escravo, nem livre, nem
homem ou mulher; todos sois um só em Jesus Cristo" (Gl 3:28; Cl 3:11; 1Co 12:13)
pelas quais Paulo descreve a obra de Cristo, não significam a inexistência de sexo,
nacionalidades, classes e ocupações. De outra forma Paulo não incluiria em suas
cartas exortações especificas a judeus e gregos (Rm 2:17; Rm 11:13), a esposas
(Ef 5:22; Cl 3:18), servos e senhores (Ef 6:5), etc. Mas, a fé em Jesus Cristo,
enquanto se trata de Cristo mesmo, significa as duas coisas — existem as
distinções —e, exatamente nele, elas são transformadas e incorporadas na
possibilidade de uma vida comum: os que estavam formalmente em oposição, que
se excluíam mutuamente, separados por circunstâncias que pareciam ser um
"muro" intransponível.
Confessar Jesus Cristo, de conformidade com Efésios significa afirmar
simples e redentivamente: COMUNIDADE, CO-EXISTÊNCIA, NOVA VIDA,
RECONCILIAÇÃO, PAZ (Ef 2:14).
As implicações desta equação para a totalidade da vida da Igreja hoje são
enormes (JESUS CRISTO — RECONCILIAÇÃO — COMUNIDADE —
CO-EXISTÊNCIA — PAZ)! Podemos, graças à dádiva da Palavra de Deus em
Jesus Cristo, e devemos repensar sempre sobre a Natureza e a Missão da Igreja
como relevante em qualquer situação e face a qualquer ovelha ou nova fronteira
que desafie a nossa fé. Podemos pensar sobre a Natureza e a Missão exatamente
como a "nova humanidade" (esta forma que o amor de Deus tomou em Jesus Cristo
para estar presente na história e expressar-se como "nova humanidade serva"; aí
teremos a perspectiva para um re-exame fecundo e renovador (revitalizante) da
Missão Cristã frente às tensões reais e artificiais do mundo contemporâneo: - a
desordem das relações internacionais, a pré-potência de qualquer Nação sobre as
demais, desordem das relações eclesiásticas, a tensão das gerações e das
diferentes classes sociais, as tensões entre os diversos "mundos" que estão
tentando em “coisificar” o homem (transformar o homem reduzindo-o a uma coisa,
um objeto como, por exemplo, mão de obra, uma ficha, um número, etc.).
Efésios confessa e celebra com júbilo intenso (é uma carta cheia de melodia!)
a grandiosidade do Ato de Deus chamado JESUS CRISTO em cuja realidade da
morte e da ressurreição temos a criação da Nova Ordem das Relações.
Confessar Jesus Cristo é afirmar a nulidade de todas as formas e critérios de
relações que segregam e fragmentam a vida humana; é afirmar que, uma vez por
todas, Deus aniquilou, que Deus anulou a força de todos os "rudimentos do
mundo", reduziu a nada as "potestades" do século em torno às quais estava
estruturada a vida e todas as relações humanas.
Mas, COMO é que Cristo destruiu o "muro de separação" entre o homem e
Deus? Seguir o significado de Efésios é ir bem mais longe do que simplesmente
afirmar que Jesus Cristo é o "evento" de unificação social! Efésios coloca a maior
ênfase no fato de que "somente Jesus Cristo é aquele que traz a Paz e a
Reconciliação entre Deus e o homem". Isto é, somente Jesus Cristo é o EVENTO
REDENTOR.
Como é que Efésios proclama a efetividade da Paz? A resposta a esta
pergunta básica é uma resposta múltipla: "em seu sangue" (Ef 2:13); "em sua
carne", (Ef 2:15); "através da cruz", (Ef 2:16); "em si mesmo" (conforme o texto
grego de Ef 2:15-16) ; "em um espírito" (Ef 2:18). As palavras "sangue", "carne",
"um corpo", "um espírito" nenhuma outra realidade circunscrevem senão JESUS
CRISTO MESMO! Isto significa que a totalidade de sua humanidade, e, mais
especificamente, sua morte na cruz, seu sacrifício é o caminho único em que nos
vem a Paz. As palavras "em sua carne", "em seu sangue", em um corpo", são as
brutais palavras em que se traduz o concreto sacrifício do amor substitutivo — é
exatamente por "substituição" que somos redimidos e reconciliados com Deus e
para Deus — isto é — "EM JESUS CRISTO" somos salvos e não "EM NÓS
MESMOS"!
Em Efésios, a morte de Cristo na cruz não resulta em miséria, mas naquilo
que, se chama "at-one-ment", isto é, o resultado redentivo, reconciliador do homem
com Deus, a Paz do homem com Deus e com o homem é o saldo da morte de Cristo
para a humanidade. A epístola aos efésios não apresenta uma doutrina elaborada
da Encarnação ou da Expiação. Mas, trata a morte de Cristo explicitamente como
"uma entrega de si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus" (Ef 5:2)! Trata,
então dos resultados, dos efeitos permanentes da morte de Cristo, da ressurreição
de Cristo, de CRISTO MESMO, como o "evento" da reconciliação e da Paz! Ele é a
nossa Paz". Contudo, a cruz é mencionada como o meio da reconciliação; as
palavras sacrificiais "sangue" e "carne" expressam o tom do argumento (Ef
2:13-18). A dádiva de si mesmo "como oferta e sacrifício", em Efésios (Ef 5:2) é
afirmada exatamente para estampar perante seus leitores o "paradigma de Cristo"
para a nova vida inaugurada: da mesma forma como "Cristo vos amou e se
entregou a si mesmo por nós..." Em semelhante caminho podemos discernir em
Cl1:22, em Hb 2:14 e no Evangelho segundo João 1:14, que a carne e o sangue e a
morte de Cristo (isto é a totalidade da humanidade de Cristo sacrificada), são o
meio em que a Graça e a Verdade, a Reconciliação e a Vida, o Amor e a Paz, são
dados ao homem. Paulo é extremamente explícito: Ele declara em palavras que
não deixam dúvida alguma, que pregar significa "tornar conhecido e proclamado",
nada senão "Jesus Cristo e este crucificado" (1Co 1:23; 1Co 2:2).
Os termos sacrificiais "sangue" e "carne" usados em Efésios 5:2, a freqüência
com que a morte de Jesus Cristo no Novo Testamento é situada em referência ao
capítulo 53 do livro Isaías — tais fatos indicam claramente que temos, numa
compreensão conjunta dos textos do Antigo e do Novo Testamento, a mais vivida
resposta à questão do "por que e do como que a morte de Cristo "faz a Paz"!
Enquanto no Antigo Testamento o "muro" (o véu do templo!) está construído e
o rompimento do mesmo tem que ser feito por um "mediador", em Efésios o próprio
resultado da "dádiva" do mediador é apresentado. Não somente para Israel ("os
que estavam perto" — Ef 2:17), mas igualmente para os Gentios ("vós que antes
estáveis longe" — Ef 2:13) — a salvação é alcançada.
No Antigo Testamento o "muro" permanece para o povo de Israel enquanto
que no Novo Testamento ele é abolido. Esta é a diferença entre ambos. Contudo
em ambos, há o elemento essencial que lhes é comum: o homem escolhido por ato
de Deus como o "mediador", o "intercessor". Ele intercede perante Deus pelo
oferecimento de si mesmo e a totalidade de sua vida finalmente. Ele se coloca não
ao lado de Deus contra os pecadores a acusá-los, mas, ao contrário, Ele está,
estranhamente, ao lado dos “inimigos” (os que não têm comunhão e se rebelram
contra Deus na condição de pecadores) de Deus para orar, para interceder por Eles
diante de Deus — sua intercessão, sua oração é o oferecimento de si mesmo, seu
corpo, sua vida, sua honra, sua bênção, sua eleição, seu amor total a Deus "pelos
transgressores", os malfeitores (Isaias 53:12 e Efésios 5:2), "por nós"!
Como os Efésios têm "Paz" com Deus em Jesus Cristo"? Nós agora podemos
responder esta pergunta: porque Eles podem contar com UM que, do seu lado,
intercede por eles perante Deus. Eles não estão mais sozinhos. Por eles tem orado
Aquele que é Justo (1Jo 2:1) e que é "amado" (Ef 1:6). Aquilo que Efésios não diz
explicitamente sobre a intercessão de Cristo é claramente refletido em João
17:1-26; 1Jo 2:1, e Hb 5:7; Hb 7:25, e é dramaticamente descrito em todas as
narrativas dos evangelistas quando mostram a Jesus Cristo numa cruz entre dois
criminosos e ao mencionar as "últimas" palavras do crucificado. A intercessão feita
por Jesus Cristo é a soma total de sua vida e sofrimento que o símbolo dos
apóstolos expressou no uso dramático do verbo "Padeceu...". Esta realidade do
intercessor é totalmente nova, é inaudita a Israel. No antigo Testamento temos a
confissão de Moisés: "Eu não posso sozinho levar todo este povo, pois me é
pesado demais" (Nm 11:14-15 e Ex 18:18).
Efésios denuncia como completamente inúteis, estéreis, todos os meios e
engenhos do homem em fazer a Paz. Ela é a grande decorrência, a máxima
palavra, que vem do sacrifício de Jesus Cristo; é a realidade "pré-determinada" por
Deus em "seu filho amado" (Ef 1:4-6), o que efetivamente temos "em seu corpo"...
"através da cruz" (Ef 2:13) em que o "seu sangue", a "sua carne" aboliram a
muralha de separação entre o homem e Deus e entre homem e os demais homens:
"Paz aos que estavam longe e aos que estavam perto".
A profundeza, a verdade e o poder desta confissão do nosso próprio pecado e
a "entrega que Cristo fez de si mesmo" por nós é que nos torna possível
compreender a redenção como uma dádiva para todos que necessitam e não como
uma possessão privada de certa "classe" de pessoas (os do lado de dentro)! Se não
podemos crer que Jesus Cristo intercede, ora morre pelos "estrangeiros", pelos
"desesperados", pelos "a teus no m u n d o" (Ef 2:12), então não cremos que Ele
morreu por "nós".
Sua morte e seu chamado, a Paz e a Reconciliação que Ele criou são para
ambos e entre ambos: os de "perto" e os de "longe". Ou Cristo é a "boa nova" para
qualquer um ou, então, seu sacrifício será nulo e vão. Em Efésios 2:13-18, Paulo
proclama inequivocamente, e nós somos chamados a crer que a morte de Jesus
Cristo não foi em vão — que o muro de separação entre o homem e Deus, entre o
homem e o homem, foi destruído.
A boa nova da "destruição da parede de separação" e a "nova humanidade"
criada para a vida de paz é incondicional. Veneno é injetado no "Evangelho da Paz"
se nós limitamos sua validez por qualquer condição ou restrição.
Para falar em termos de Efésios: nós fomos eleitos em Jesus Cristo (fomos
aproximados a Deus e temos paz uns com os outros) não porque sejamos
"irrepreensíveis e santos", mas para que o sejamos "perante Ele" (Ef 1:4).
Cristo morreu por nós não por causa de "nossa pureza ou santidade", mas, ao
contrário, pela nossa impureza e iniqüidade, afim de "santificar a Igreja pela
purificação... e apresentá-la perante Ele em glória, sem mácula, ou ruga, nem
cousa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5:26,27). Temos que observar
nestas sentenças tão explícitas a completa ausência de qualquer condicional. A
obra de Cristo proclamada em favor do homem na carta aos Efésios desconhece
por completo o condicional "se"! E, por outro lado, não podemos deixar de observar
o uso freqüente das conjunções finais e consecutivas: "de modo que" e "afim de
que"!
A morte de Cristo, sua efetividade histórica, sua significação total é a
possibilidade suficiente da nova ordem de relações. Primeiro e sempre as "boas
novas": nós fomos alvo de intercessão e oração, do amor e do sacrifício de Jesus
Cristo; então, o chamado a "andarmos de maneira digna da vocação a que fomos
chamados" (Ef 4:1). Em primeiro lugar a eterna vontade e o eterno plano de Deus
em redimir-nos no "sangue" de Cristo "em amor" (Ef 1:7) é "acesso ao Pai" (Ef 2:18;
3.12). Antes de tudo Jesus Cristo desce "às partes mais baixas" e "ascende às
partes mais altas" com o propósito de "cumprir todas as cousas" (Ef 4:8-10; Ef
1:20); então, nós podemos ter esperança e intercede para que "sejamos cheios de
toda a plenitude de Deus" (Ef 3:19) . Em primeiro lugar somos "salvos pela graça...
então, segue: "afim de que andemos nelas" (Ef 2:10; Ef 4:1ss).
A novidade de vida e a retidão do nosso caminho são o propósito e a
conseqüência dos atos de Deus que celebramos na morte e na ressurreição de
Jesus Cristo (exatamente como em Romanos 6:3ss). Não existe nada que
estabeleça condicionamento do Evangelho. Qualquer tentativa em promover um
"evangelismo" que aprisione a mensagem da cruz a qualquer condição, que a
"suspenda" até que certos preparativos "espirituais" sejam feitos na Igreja e o
mundo possa observar, será sempre "um evangelismo nosso" e uma traição ao
Evangelho — atos de Deus — que coloca a cruz antes e acima de tudo. A
proclamação de Jesus Cristos crucificado é a pré-condição e o fundamento
exclusivo para a proclamação da nova vida e do novo caminho "de antemão
preparado" para que andemos segundo as "boas obras" que Deus mesmo
preparou (Ef 2:10. "Cristo crucificado" é muito mais do que certa qualificação da
mensagem dos cristãos para o mundo e de sua vida no mundo. Realmente, a
"crucificação do Senhor da Glória" (1Co 2:8), isto é, a suprema humilhação do Filho
de Deus" (Fl 2:6), é a verdadeira motivação, fundamento, centro e sentido de "tudo"
que os cristãos têm para testificar por palavras e por obras no mundo em todos os
tempos. E há apenas um evento, único em equivalência à crucificação de Cristo,
que permanece, uma vez para sempre, no coração mesmo do Evangelho que a
Igreja proclama: A RESSURREIÇÃO.
1.c. A RESSURREIÇÃO: UM SOBRE TODOS.
A ressurreição é o evento por excelência. Não nos é possível argumentá-la;
não podemos explicá-la; não podemos reduzi-la a um objeto de comprovação.
Podemos receber e participar, segundo a mensagem do Novo Testamento, de sua
significação. É básico sabermos que Efésios, como os demais livros do Novo
Testamento, não se preocupa em tratar de como foi que Cristo ressuscitou.
Em contraste com a literatura apócrifa e outros documentos de grupos
sectários, Efésios não pretende penetrar no secreto de "um evento" sem paralelo
algum na história e na experiência humana. Contudo, a significação, o poder e as
conseqüências demandam interpretações e proclamação. Podemos questionar
como pode a morte de um homem afetar e mudar o curso dos séculos e as vidas de
milhões e milhões de pessoas em todo o mundo!
A ressurreição de Cristo pelo poder de Deus é a solene aceitação do
"oferecimento sacrificial" de Cristo em favor do homem. O oferecimento feito a Deus
permanece na dependência da aceitação divina: (Ef 5:2; Gn 8:21; Ex 29:18; Ez
20:14). O caminho em que o sacrifício de Cristo é aceito por Deus corresponde à
totalidade da sua morte e à unicidade absoluta da crucificação. Esta é a
significação da ressurreição em Efésios; significa que o "mesmo Jesus Cristo que
desceu às partes mais baixas da terra" (Ef 4:9), é por um ato poderoso de Deus
levantado ao mais alto lugar de honra (Ef 1:19-22; Hb 2:9). Não somente as
palavras, (ensinos), os atos e os sofrimentos, mas a totalidade, Jesus Cristo
mesmo, é recebido por Deus e elevado à mão direita de Jesus (Ef 1:20) . Tudo que
encontramos no Novo Testamento é conexão inseparável com a morte de Cristo
torna permanente o evento da sua crucificação.
A ressurreição revela que o sacrifício feito na cruz é para Deus "aroma
aceitável". A ressurreição é a resposta de Deus à oração intercessória da
crucificação de seu Filho pelos pecadores. A ressurreição é a manifestação
gloriosa do amor que fez Jesus Cristo entregar-se até à morte na cruz; e Ele é a
fonte do nosso amor para com Deus e uns para com os outros.
Em Efésios três aspectos da significação da ressurreição são enfatizados
especificamente:
1º) A ressurreição de Cristo por Deus é um ato de tal graça e de tal
magnitude de poder que só-mente Deus pode mostrar. "A suprema grandeza
do seu poder" (Ef 1:19) e a "suprema riqueza da sua graça" (Ef 2:7). A ressurreição
significa que tal poder e tal graça se manifestam em "supremacia" como o
reverso da ordem normal "vida-morte" sob a qual estávamos cativos e sem
nenhuma esperança (Hb 2:15), estabelecendo a nova ordem: "morte-vida"!
"Aquele que desceu... é o mesmo que subiu..." (Ef 4:10); "Vós... nós os que
estávamos mortos... Ele deu vida... com o propósito de mostrar nos séculos
vindouros a suprema riqueza da sua graça em bondade para conosco em Jesus
Cristo" (2:1,5,7). "Pelo que diz: desperta tu que dormes, levanta-te de entre os
mortos e Cristo te iluminará" (Ef 5:14). Isto é, para o autor de Efésios, falar de Deus
significa falar do poder e da graça de Deus em favor do homem escravo na morte
sem nenhuma possibilidade de libertar-se! Efésios trata daquela graça que se
manifestou, o Deus que se revelou a si mesmo, pela derrota da morte no "evento"
da ressurreição de Cristo. Se silenciamos sobre a ressurreição não podemos falar
de Deus. Nossa "fé será fútil", ainda mais: "se nossa esperança em Cristo se limita
apenas a esta vida somos os mais infelizes de todos os homens" (1Co 15:17,19).
Dizer "DEUS", segundo Efésios, no vale da morte e das tribulações da vida,
significa crer em e dizer: "RESSURREIÇÃO"!
2º) A Ressurreição é um ato de Deus com dimensão e relevância
cósmica. Entre todos os principados, potestades e poderes que influenciam e
determinam o curso da vida, da natureza e da história da sociedade e da mente,
nenhum parece ser tão onipotente, final e devastador como a morte. A despeito de
todos os expedientes "atenuadores" e "embelezadores", apesar de todos os
subterfúgios religiosos, a morte não é chamada injustamente pela Palavra de Deus
como o "último inimigo" (1Co 15:26). Viver no presente mundo não significa nada
melhor do que viver para morrer, isto é viver sob o estigma, sob o espetro da morte;
isto significa viver "miseravelmente"! Mas, eis o "inaudito para os escravos da
morte": há um Deus que estabelece algo totalmente novo — "a eficácia da força do
seu poder exercido em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o
sentar à sua direita... acima de todo principado, e potestade, domínio e poder, e de
todo nome que se nomeia não só neste século (aeon), mas também no vindouro"
(Ef 1:19-21). Dizer "ressurreição" significa que há UM DEUS (para quem nenhuma
das esferas da vida humana é alheia) cujo domínio é soberano às leis da natureza a
que nós estamos submetidos. A Ressurreição é o triunfo sobre a morte.
3º) A Ressurreição é um ato "final", um ato de confirmação. De "onde"
Cristo está "assentado" (Ef 1:20), pode e tem o propósito de "levar todas as coisas à
plenitude" (Ef 1:23; 4:10), até mesmo o lugar da maior resistência — o coração e a
compreensão humana (Ef 3:17,19).
Não é aqui que devemos tratar da razão pela qual Efésios não menciona
explicitamente a segunda vinda de Cristo (Parousia). O julgamento final certamente
não foi esquecido (Ef 5:6; Ef 6:8), pois a vida do cristão é uma vida sob o "trono do
Senhor". Em Colossenses (Cl 3:4) uma direta referência, como em outros
documentos do Novo Testamento, ao aparecimento futuro de Cristo é feita. Em
Efésios o propósito da ressurreição e da ascensão do Senhor é lançar "luz",
iluminar com sua própria luz, todos os eventos futuros. Que significa, por exemplo,
o fato de Cristo ser "elevado à direita de Deus? Paulo explicitou o propósito: "afim
de levar todas as coisas à plenitude de Deus", ou, "afim de encher todas as cousas
com a plenitude de Deus". Porque nenhum outro senão o "crucificado", o
"intercessor", o Cristo que quebrou o muro e que triunfou sobre a morte", é que
pode responder a tais perguntas: a intercessão feita por Cristo tomou lugar à mão
direita de Deus! Ele vive sempre para interceder por nós" (Hb 7:25). Ele não
conquistou tal glória para si mesmo, ao contrário, sua glorificação, como decorrente
de sua humilhação até à morte na cruz, tem o propósito do amor de Deus em favor
do homem, para o homem pecador. A glorificação de Jesus Cristo não resultou de
nenhum plebiscito popular, não é um acidente da história ou um fato decorrente do
julgamento humano: "Deus o exaltou soberamente e lhe deu "o nome que está
acima de todo o nome" (Fp 2:15) .
O resultado da ressurreição é freqüentemente descrito em uma terminologia
de conotação "política". Se Cristo está "entronizado" (Ef 1:20) no trono de Deus, Ele
não apenas está numa relação de soberania com todas as formas de domínio e
com todas as expressões de poder, mas Ele está para ser reverenciado por todos
como Rei e Senhor (Fp 2:9-11). Em tal situação o "seu reinado", invariavelmente,
afeta a vida de todos os habitantes. Assim, Cristo exerce sua autoridade "acima de
todos" (Ef 1:21), não somente sobre poderes demoníacos ou angélicos, mas a
totalidade dos homens estão sujeitos ao domínio de seu poder. Nos relatos do
Evangelho assim como na epístola aos Efésios, o "Evangelho de Cristo", é
introduzido e apresentado como uma série de "novas" ou declarações "políticas".
Ele anuncia mudanças profundas que atingem o governo e que atingem a
situação social e concreta das comunidades humanas. Tal atuação tem aquele
sentido expresso nas símiles do Reino de Deus com o "fermento" e com a
"semente" e o "sal" (Mc 4:27). É uma obra de Deus; é completa. Mas é uma obra
que de princípio a fim envolve o homem. Em Efésios, termos como "estrangeiros"
(xenoi); "peregrinos" (paroikoi — "paroquianos"); "concidadãos" (sympolitai);
"comunidade" (politeia), são termos que assinalam muito claramente o caráter
"político" ou o sentido "citadino" (de “polis”), que o Reino de Deus implica. Paulo
afirma a nova ordem criada em Jesus Cristo como determinante da seguinte
relação: "vós não sois mais "paroquianos" (paroikoi), mas sois "concidadãos"
(sympolitai) dos santos..." (Ef 2:19). Na Epístola aos Colossenses Paulo usa a
mesma terminologia e indica claramente a ação de Jesus Cristo como a ação
"libertadora" que transfere a vida de uma esfera de domínio para outra, de um reino
para outro (Ef 1:13). Enfim, a ressurreição e entrosamento de Jesus Cristo são
eventos que revelam o domínio de Deus sobre todas as esferas de poder na
conseqüente criação de uma nova "humanidade", de uma nova "cidadania". Temos
que discernir aqui que Jesus Cristo é o "método" e o "espírito" do governo de Deus.
A ressurreição significa que Deus identifica solene e singularmente, de maneira
exclusiva e para sempre, o seu poder e o seu governo com a pessoa do
"intercessor" que destrói a "parede de separação".
O tema da ressurreição de Cristo é tratado em Efésios intensivamente. Os
termos "sofrimento", "tentação" e "tribulação", freqüentemente empregados nos
relatos dos evangelhos e das epístolas, são omitidos na carta aos Efésios. A morte
de Cristo que dá toda a perspectiva da "Teologia Crucis" é focalizada desde o
sentido mais profundo do triunfo da vida eterna no evento singular da ressurreição.
Enquanto a ênfase da Epístola aos Colossenses é o "morrer em Cristo" (Ef 2:20),
em Efésios é "em Cristo nós ressuscitamos". Caberia aqui um estudo bem
aprofundado desta realidade, pois a Epístola aos Efésios sublinha o "Já" da obra da
redenção — isto é, os resultados efetivos, atuais do Reino de Deus presente em
Jesus Cristo. O sentido em que a ressurreição é proclamada, bem como toda a
Cristologia dada na Epístola, indica um sentido de oposição à mentalidade
"dualista" a respeito do mundo; Paulo parece questionar aquilo que nós nos
habituamos superficialmente (conforme a filosofia medieval), a chamar e designar
por "milênio".
A oposição a essa mentalidade "milenarista" é indicada na carta aos Efésios
de maneira muito radical e profunda no fato de que a obra de Deus em Jesus Cristo
— "o Evangelho da Paz" — é a destruição das "separações", a "anulação da parede
de divisão", é um ponto final na mentalidade "departamentalizada" da vida; ainda
mais positivamente, ela é a "congregação", a "unificação" de todas as coisas em
Jesus Cristo como "cabeça de tudo! Esta realidade em toda a amplitude de sua
dimensão está indicada em Efésios 1:10 onde o apóstolo emprega uma expressão
de tradução muito difícil e sempre incompleta, mas que no original parece abarcar o
significado do "Evangelho da Paz" — é o termo grego que o autor nos dá na
composição de "anakephalaiosasthai" — "convergir em Cristo (cabeça) todas as
coisas", reduzir tudo ao governo de Cristo", "unificando nEle todas as coisas" tanto
as que estão nos céus como as que estão sobre a terra! Este mesmo sentido de
"unificação", este rompimento radical do dualismo expresso na filosofia medieval, é
dado quando Paulo trata da morte (equivalente em Efésios à encarnação de
Cristo), e da ressurreição como "descer" e "subir"... para... (Ef 4:10).
1.d.) O ESPÍRITO: PODER PARA COMUNICAÇÃO
A "descida" e a "ascensão" de Cristo, a sua entrega total e sacrificial, sua
morte intercessória pelos mortos em pecado, a fé e a esperança de todos os que
vivem por meio dele, podem ficar reduzidos a nada mais do que símbolos a
despeito da firmeza do pensamento, da proclamação e dos escritos do apóstolo
Paulo.
A menos que toda esta realidade histórica e sua relevância permanente da
obra de Deus em Jesus Cristo sejam comunicados em sua validez, ela será vazia e
infrutífera. Neste ponto é que nos encontramos numa decisiva .encruzilhada Sem a
"comunicação" nos encontramos no abismo insuperável entre o que é verdadeiro
"nos lugares celestiais" e o que deve ser verdadeiro "sobre a terra", entre os
eventos e as dádivas de Deus e a nossa nebulosa apreensão desta revelação.
A vitória, a transposição deste abismo só é possível mediante uma genuína
"comunicação". Nós estamos super acostumados ao uso de "meios de
comunicação" que já chegamos mesmo a confundi-los com "evangelização". Meios
psicológicos, estatísticos, meios de propaganda, etc, não são o Evangelho nem a
evangelização. Efésios não faz uso deles. De acordo com Efésios, o problema da
comunicação é solucionado pelo próprio Deus e permanece em Suas mãos. O
poder do Espírito de Deus é que conduz o homem à compreensão, a aceitação e
obediência do que Deus tem feito. "Deus nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais" (Ef 1:3); “...ouvistes a palavra, o evangelho da vossa salvação, e nele
crendo, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, que é o penhor da nossa
herança" (Ef 1:13-14); "em um mesmo espírito temos acesso ao Pai" (Ef 2:18);
"estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito" (Ef 2:22); "...o
mistério... como agora foi revelado pelo Espírito" (Ef 3:3,5); "...esforçando-vos por
preservar a unidade do Espírito no vínculo, da paz" (Ef 4:3); "não entristeçais o
Espírito de Deus em que fostes selados" (Ef 4:30); "...mas enchei-vos do Espírito"
(Ef 5:18); "orai em todo o tempo no Espírito" (Ef 6:18).
O Espírito também é significativo quando fala do "dom de Cristo" como dádiva
a ele mesmo e a cada um dos membros da comunidade — Igreja (Ef 3:7; Ef 4:7 e
cf. 1Co 12:7). As riquezas e a medida dos dons dispensados em diferentes
ministérios entre os santos com o propósito de "equipá-los para o serviço a que
cada um é chamado (4:11) e na continuidade da edificação e crescimento do "corpo
de Cristo" (a Igreja) — (Ef 4 :12-16 e Ef 2:20-22).
Que mensagem podemos receber destas referências ao Espírito na carta aos
Efésios? A ênfase ao Espírito parece ser equivalente a ênfase na ressurreição de
Cristo. Para o autor de Efésios, o dom do Espírito é a evidência da ressurreição de
Cristo. Este dom, e Somente este, prova o interesse de Cristo pelos homens, e seu
poder para criar a comunhão entre o homem e Deus, para criar comunidade e o
serviço aceitável a Deus.
Sem a realidade do Espírito estamos sempre tentados a relegar a crucificação
e a ressurreição de Cristo ao mesmo plano de qualquer acontecimento humano;
podemos considerá-las simplesmente como qualquer outra história religiosa, lenda
ou mito. Ou, então, sem o Espírito, podemos considerá-las como eventos
"espúrios" e de uma era pré-científica ou de uma época de crenças miraculosas. É
exatamente o dom do Espírito que impede que um criticismo falso prevaleça
expressando-as como "não científicas" — "mitológicas" ou "antiquadas". Pela
dádiva do Espírito, Deus está sempre apto a surpreender o homem, por mais
superior que possa ser a feição científica que o homem tenha do mundo.
Nas obras do Espírito, Deus ainda está operando no "coração" da própria
história e experiência, na comunidade dos homens como em suas mentes. Os
grandes eventos da crucificação e da ressurreição, tornam-se contemporâneos no
Espírito. A atuação do Espírito sobre a terra na riqueza de seus ministérios são
provas para nós de que a obra redentora de Deus está se efetivando, não é um fato
passado, não é um "fato" completo da história. É pela sua própria continuidade e pela
sua auto-comunicação que a perfeição da obra de Deus é revelada mais claramente.
Quatro características desta permanente obra de Deus devem ser
assinaladas, quando lemos o testemunho de Efésios ao Espírito Santo:
d.1.) O Espírito Santo é o Poder de Deus — poder demonstrado pela
ressurreição de Cristo de maneira suficiente (Ef 1:19) e do Cristo ressurreto (Ef 4:7):
Efésios pressupõe, na liberdade com que fala do Espírito de Deus e do poder do
Cristo ressurreto, que Cristo e a dádiva do Espírito são inseparáveis. A glória de
Cristo é declarada pela dádiva do Espírito a Cristo e pela dádiva que Cristo faz do
Espírito aos membros da comunidade cristã. O Espírito Santo é o mesmo Espírito
do poder da ressurreição. Sua santidade é identificada com o poder peculiar que
realiza a dádiva da vida onde e quando a morte parece triunfar.
d.2.) O Espírito Santo é a poderosa "manifestação" de Deus. De acordo
com o Evangelho de João, o Espírito é o "Espírito da Verdade". Ele cumpre a
missão de "revelar", "ensinar", "lembrar", "testificar", "falar", "proclamar" e "conduzir
à toda a verdade" (Ef 14:17,26; Ef15:26; Ef 16:7). De acordo com o livro de Atos dos
Apóstolos (At 2:33; At 2:14) o Espírito "derrama" coisas para serem "vistas" e
também "ouvidas". Na primeira epístola aos Coríntios o dom de Deus é chamado de
"a manifestação do Espírito" (1Co 12:7). Efésios chama o Espírito Santo como o
"Espírito de Sabedoria e de Revelação no conhecimento" (conforme Isaías 11:2). A
revelação do "mistério" é efetuada por meio do Espírito (Ef 3:5) e o "selo" do
Espírito (Ef 1:13; Ef 4:30) é obviamente um evento de que Efésios está consciente.
O fato da manifestação do Espírito, segundo o Novo Testamento, sempre
implica como indispensável a comunicação do conhecimento da Verdade ou a
revelação; colocando num plano mais objetivo podemos dizer que a comunicação
do Espírito implica na informação para a inteligência do homem, para a mente
humana. Em Efésios o Espírito é a própria Sabedoria de Deus que se comunica,
como em João: "Ele vos ensinará todas as coisas e vos guiará em toda a Verdade
(Jo 14:26; Jo 16:13).
Não Somente no Evangelho de João e em Atos 2, mas também em Efésios, a
essência do Espírito como "revelador" pode ser assinalada como a ação através da
palavra", isto é, falar, testemunhar e ouvir! Claro está que não se trata de qualquer
palavra, mas sim daquela palavra que é a "espada do Espírito" (Ef 6:17). "Ouvindo
a Palavra da Verdade, o Evangelho... e crendo", e "sendo selados pelo Espírito...”
(Ef 1:13) são realidades que não podem ser separadas como se fossem diferentes
manifestações da "eleição de Deus". Efésios trata dos "ministérios da palavra":
"apostolado", "profecia", "evangelismo", "pastorado" e "ensino" quando trata do
"dom" do Cristo ressurreto à Igreja (Ef 4:7,11).
Também "orar" e "salmodiar" no Espírito, indicam que a Palavra e o Espírito
são inseparáveis. Tal fato traz implicações muito grandes para a Missão da Igreja,
pois condiciona ao evento do Espírito toda a atividade da mesma.
d.3.) O Espírito Santo é o poder da unificação. Ele congrega os homens
pela obra de Deus e debaixo da obra de Deus. O Espírito, que equipa a Igreja para
o ministério já dado em Jesus Cristo, atesta de maneira suprema o que temos
denominado a "perfeita obra de Deus" que é o próprio Cristo crucificado e
ressuscitado, e como já descrevemos, (com base em Efésios 2:13-18), como a
criação da Paz e a criação do novo homem em relação a Deus (que tem acesso ao
Pai).
O amor de Deus por seu Filho (Ef 1:6), e por nós (Ef 1:4; Ef 2:4; Ef 5:1), e o
amor entre os homens (Ef 1:15; Ef 4:2; Ef 5:25,33; Ef 6:21,23) — este amor — não
é assunto de simples palavras ou afetos apenas, mas é o amor em que fomos
amados em Jesus Cristo, criativo e efetivo! Conforme Romanos (Rm 5:5) "o amor
de Deus tem sido derramado em nossos corações pelo Espírito Santo" e conforme
Gálatas (Gl 6:2) "levai as cargas uns dos outros, desta maneira cumprireis a Lei de
Cristo" que vem em seqüência a todo um capítulo dedicado aos "frutos do Espírito".
Este amor tem o poder de criar a comunhão, de congregar o que estava separado
de unir o que estava desunido; Ele é o criador da Unidade (na língua inglesa há uma
palavra muito adequada a expressar esta realidade: "atonement" que traduz o ato
sacrificial de Cristo na cruz e ao mesmo tempo seu efeito na criação da unidade —
at-one-ment): RECONCILIAÇÃO. É precisamente o Espírito "o vínculo da paz" a
que estamos chamados a guardar com diligência (Ef 4:3).
Conhecer, pelo poder do Espírito, quais são as riquezas da glória de Deus, e
encontrar acesso a Ele pelo mesmo Espírito (Ef 1:18; Ef 2:18; Ef 4:7), este é o dom
de Deus que "edifica" e que causa o "crescimento" de uma comunidade sobre a
terra — que se chama "IGREJA" (Ef 2:22). A Igreja é obra do Espírito Santo; e a
Igreja — tal Igreja — a evidência explícita para a ressurreição do Cristo crucificado.
Agora podemos formular uma terceira significação para a expressão inicial:
"comunicação pelo Espírito". Ela significa não somente a ação de um poder que
"suplanta" e que "informa" com a Verdade tanto sobre a vida como sobre a morte;
significa também a criação de uma comunidade — uma comunidade com Deus e
com "aqueles" homens que eram estranhos uns aos outros.
O Cristo ressurreto manifesta-se a si mesmo na criação e sustentação, na
equipação (construção) e no crescimento da Igreja que é tal comunidade. A Igreja é
o povo que "vive em Cristo" como o "novo homem" (Ef 2:15). Ela permanece
perante Ele "gloriosa" (Ef 5:27). Dia a dia seus membros — defrontados pela
hostilidade do velho homem — são renovados no espírito de seus entendimentos
(Ef 4:22). Como "casa de Deus" e "família de Deus" — a comunidade resultante da
obra de Deus — constitui o "corpo de Cristo" que manifesta uma vida como o
apóstolo descreve em Colossenses 3:12: "eleitos de Deus, santos e amados", —
em afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de
longanimidade...". O sentido desta vida de comunidade, segundo Colossenses e
Efésios, se expressa como resultado do amor que é o "vínculo da perfeição" (Cl
3:12-14). A Igreja é a "fraternidade" criada por Deus (Ef 2:1)) ou a "armadura de
Deus" (Ef 6:11).
A comunidade da Igreja, criada pelo Espírito de Deus, é uma "unidade" que
cresce e que esta sendo "construída" (Ef 2:21; Ef 4:12-16); ela não é de modo
nenhum uma "sociedade histórica" cuja finalidade seja a de preservar o "status quo"
. Ela não é uma assembléia com compromissos de timidez, que, por medo não se
atreva a correr riscos, mas é a comunidade "fortalecida pelo Senhor e pela força do
seu poder" (Ef 6:10). A Igreja é a evangelista que, por sua presença, proclama a
remoção de todas as formas de "muros" entre os de dentro e os de "fora" do Reino
de Deus. Tal forma de presença da Igreja tem o sentido oposto à mentalidade que
somente julga e aceita como correto aquilo que está conforme ao seu próprio
interesse ou benefício. Com a mentalidade de somente "buscar o seu interesse" a
Igreja não seria IGREJA, mas seria "capitalismo" que procura e aceita somente o
que lhe traz vantagens e benefícios próprios.
A Igreja não pode justificar sua presença e sua segurança futura pela
construção e observação de demarcações e "cortinas" entre nações,
denominações, congregações, ou ordens leiga e clerical. Pelo contrário, sua
presença deve seguir, pela segurança do Espírito já derramado, a presença de
Cristo em sua solidariedade total, sua identificação com os famintos, os que têm
sede, os que são escravos, os explorados, até com os criminosos e presos que,
obviamente, não parecem ser seus discípulos nem membros da Igreja (Mt
25:31-46; Lc 23:32-43).
Pelo selo do Espírito Santo (Ef 1:13; Ef 4:30), não somente a comunidade dos
santos, mas a totalidade da humanidade está selada de certa forma, como a
circuncisão era um sinal que todos os judeus permaneciam para Deus (Ef 2:11). A
Igreja que vive pelo Espírito, no seio do mundo, é uma "estampa", um "sinal" de
Deus. Ela mostra que a totalidade do mundo, a totalidade da humanidade é
propriedade de Deus e que não há nenhuma chance de escapar ao fato de que
todas as coisas foram entregues ao domínio de Jesus Cristo como "Cabeça" (Ef
1:22). A menos que a Igreja creia na presença do Espírito atualmente na vida da
humanidade, sua missão não terá nenhum sentido.
d.4.) O Espírito Santo é a "fiança" da futura consumação. A mensagem
de Paulo em Efésios não é de modo algum uma perfeição individual ou de uma
felicidade pessoal. Sua prospectiva, sua meta é: "Jesus Cristo é o tudo em todas as
coisas" (Ef 1:23; Ef 4:10). É a esperança de que "todos" cheguem até à estatura da
plenitude de Cristo" (Ef 4:13). Paulo sublinha de forma tal a palavra “todos”, que
seria um grave pecado tentar ignorá-la ou desprezá-la. O triunfo do propósito de
Deus está manifesto nesta mesma dimensão e direção futura de "totalidade em
Cristo": "um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por todos e em todos" (Ef
4:6).
Efésios não encoraja nenhuma esperança futura na linha em que tal
esperança é alimentada pelos tradicionais "sistemas meritórios". Efésios é uma
epístola em que a "escatologia" (palavra do vocabulário bíblico que significa a
doutrina sobre as "últimas coisas", finais dos tempos), é colocada num outro nível e
numa outra perspectiva. A questão não é se haverá ou não um julgamento final (Ef
6:8), mas sim o fato da vitória de Cristo sobre "todas as coisas" (Ef 1:10; Ef 4:10), a
unidade final de "todos" perante e em o Único Filho de Deus (4:13). É uma tal
amplitude de esperança cristã assegurada para todos pela vitória de Cristo que nos
dá a linha básica em que Efésios trata da escatologia: a "promessa" (Ef 1:13; Ef
2:12; Ef 6:2), a "esperança" (Ef 1:18; Ef 2:12; Ef 4:4) e a "herança" (Ef 1:14,18; Ef
5:5) não apontam em vão para a mesma direção. Pelo Espírito Santo, a esperança
e o triunfo da obra de Deus não servem de apoio a nenhuma pretensão de interesse
privado e egoísta. Se Deus "é tudo em todos", não tem sentido algum qualquer
ansiedade quanto a existência individual futura. Efésios não promete "pastagens
celestiais" para determinadas pessoas, mas assegura e proclama o triunfo
completo da causa de Deus revelada em Jesus Cristo. O Espírito Santo é o selo de
que esta realidade não pode ser removida.
Temos que assinalar que a Obra que Deus realiza através de Jesus Cristo e
pelo Espírito Santo não significa apenas um aspecto ou um segmento de Deus. Em
Efésios não há nenhuma base para a idéia da Obra de Deus como manifestação ou
operação de Deus para Deus mesmo. Não podemos falar exceto falando deste
amor, deste plano, deste mistério e desta "palavra-ação" que tem sido revelada
pelo seu Filho e pelo seu Espírito. E não há uma forma de rendermos graças a Deus
ou de louvar Seu Nome exceto em referência ao que Ele nos tem dado no passado,
no presente e ao que está antecipado nas bênçãos futuras, em nome de Jesus
Cristo e com o selo do Espírito Santo (Ef 5:20).
Em Efésios o autor do que Deus tem feito e o que Ele tem feito corresponde
exatamente a expressão do "conselho de sua vontade" e o "seu beneplácito" (Ef
1:5,9,11). Esta vontade não é motivada por nenhum fator aparte de Deus mesmo
em seu amor. "Antes da fundação do mundo" (Ef 1:4), "de conformidade ao seu
beneplácito (1:5,9), "conforme às riquezas de sua graça" (Ef 1:7; Ef 2:7), "em
misericórdia", exatamente "por causa do seu grande amor com que nos amou" (Ef
2:4), tudo exclusiva e justamente por uma única forma e um único homem — "Jesus
Cristo", isto é, "em Cristo" (Ef 1:3-13) .
Devemos observar que nenhuma necessidade ou ansiedade humana é
apresentada como motivação para a Obra de Deus. Isto significa, por outro lado,
que não há necessidade humana que possa condicionar, anular ou mudar o
"beneplácito" de Deus. A misericórdia de Deus não está à mercê ou na
dependência da nossa miséria humana. Verdadeiramente segundo todo o Novo
Testamento, o que determina o curso da ação de Deus é exclusivamente o seu
"beneplácito" para nos amar. Daí o fato básico de Paulo não cessar de adorar
através da chamada "eleição" ou "predestinação" a inflexível gratuidade, a absoluta
gratuidade da redenção.
O plano de Deus referido em Efésios muitas vezes (1:10; 3:2,9) aparece em
conexão a um termo grego (oikonomia) que pode ser traduzido pela palavra
"economia". Esse termo grego significa administração de uma casa de família,
principio governamental, estratégia ou dispensação. Seja qual for o sentido que
preferirmos, Efésios torna claro que Jesus Cristo e a revelação de sua obra não são
uma parte, mas é o coração mesmo do Eterno plano de Deus.
CAPÍTULO II
A COMUNHÃO DO POVO DE DEUS
A Igreja em sua origem, constituição e vida depende de três elementos
básicos:
a) A auto-revelação de Deus, que manifesta seu beneplácito eterno para
salvar os homens da morte criando-lhes uma nova ordem de vida;
b) O conhecimento do mundo que procede de Deus, conhecimento que
determina o que é fundamentalmente necessário para que o homem participe
vitalmente do que é verdadeiro e bom;
c) A graça de Deus, que, de homens formalmente hostis uns aos outros, dá
origem uma "assembléia" (comunidade) que consciente e jubilosamente adora a
Deus e busca que os demais façam o mesmo.
Não há possibilidade de tratarmos da Natureza da Igreja sem redescobrirmos
o que está em sua base original:
1) REVELAÇÃO: nossa salvação da morte. Em Cristo, Deus planejou
eternamente nos amar; em Cristo a perfeita obra de Deus em seu amor foi
consumada; em Cristo "o mistério" da sua vontade nos foi dado a conhecer (Ef
1:19). Nele nós fomos selados pelo "evangelho da nossa salvação" (Ef 1:13). Mas,
uma eleição eterna, uma promessa e uma herança, uma obra perfeita, ficaria sem
valor se não tornasse conhecido que tal amor é real, ativo e efetivo. Amor que não
se declara a si mesmo e falha em criar uma livre resposta de amor não é totalmente
amor, ou, mais concretamente, não é o amor de Deus.
Este "propósito eterno" (Ef 3:11) realiza-se no momento histórico escolhido
por Deus: "Quando chegou a plenitude do tempo" (Gl 4:4), "na dispensação da
plenitude dos tempos" (Ef 1:10) "Cristo foi (constituído) cabeça de tudo. Mas, foi o
seu "beneplácito"... "para revelar nos séculos vindouros a suprema riqueza de sua
graça em bondade para conosco... em Cristo Jesus" (Ef 2:7), que "a Ele seja a
glória na Igreja e em Cristo Jesus por todas as gerações e para todo o sempre" (Ef
3:21).
Muito se tem dito e escrito sobre a necessidade do homem conhecer-se a si
mesmo afim de poder participar do seu ser "autêntico". O autor de Efésios,
entretanto, está pouco interessado no assunto do eu como objeto de conhecimento.
Este conhecimento é um objeto para oração e é uma questão de fé, Ele não nega,
mas assenta enfaticamente: "O Pai da glória vos conceda espírito de sabedoria e
de revelação no pleno conhecimento Dele..." está claro que não se trata do
conhecimento do "eu", conhecimento de mim mesmo, mas de "conhecer com todos
os santos".
Lendo Efésios percebe-se a insistência de Paulo na "revelação do mistério"
(Ef 3:3) e todas as suas "dimensões" como a totalidade do amor de Deus (Ef 3:18)
que "ultrapassa todo o entendimento" (Ef 3:19), — o "mistério de Cristo" (Ef 3:4), o
poder que atuou na ressurreição (Ef 1:19), e a esperança da herança dada aos
santos (Ef 1:18).
A revelação de Deus questiona e desafia a razão em lugar de negá-la. Ela não
exige de nós um "sacrifício da inteligência" para compreendermos "qual é a largura
e o cumprimento, a altura e profundidade do amor de Deus" (Ef 3:18). Pois, o amor
de Deus "ultrapassa o conhecimento", e exatamente essa transcendência do amor
de Deus é conhecida (Ef 3:19), realmente permanece um "mistério". Mas, nos foi
dado a conhecer pela "pregação do Evangelho" e, por meio da Igreja, "a multiforme
sabedoria de Deus" é manifesta ao mundo (Ef 3:4-10). A totalidade da obra de Deus
tem o caráter e o propósito da revelação. Aquilo que Ele fez em Cristo é com o
propósito de manifestação (o mesmo em Romanos 3:25-26 como em Ef 2:7). Afinal,
como é que podemos conhecer Deus? Somente pela Sua obra e revelação. Quão
impotentes e incompetentes somos nós para conhecer a grandeza da obra de Deus
que "não vem dos homens, mas procede de Deus" — "é dom de Deus" (Ef 2:8).
A natureza da revelação de Deus é proclamada em termos claros. Nunca em
proposições a respeito dos atributos de Deus (dizendo, por exemplo que Deus é
imortal, invisível, etc.), nem através de um código de vida moral, nem ainda como
uma lei perfeita de liberdade (como em Tiago 1:25); ao contrário, o que tem sido
revelado por Deus só o pode ser com base no fato de que: "Deus é rico em
misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou" (Ef 2:4).
Ele é o Pai, cuja riqueza foi "derramada sobre nós" (Ef 1:8). Ele é Espírito
Único, o Único Senhor, o Único Deus e Pai (Ef 4:3-6), revelou se a si mesmo na
criação de um novo homem (Ef 2:15), chamando-nos para sermos "um corpo" em
"uma esperança" e "em uma fé" (Ef 4:4) e na promessa de que "cheguemos à
unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus" (Ef 4:13). Deus aceita o
sacrifício como um "aroma agradável" que é oferecido pela Paz e que proclama a
Paz (Ef 2:14-18; Ef 5:2). Através de Cristo Ele faz com que os que estavam perto e
os que estavam longe sejam aproximados e tenham acesso ao Pai de todos (Ef
2:13-18; Ef 4:6). Ele concede ao homem as "armas" para uma luta contra poderes
sobre-humanos (Ef 6:10) — tudo isto e mais, é "revelado" como manifestação do
mistério do Deus que criou todas as coisas (Ef 3:9).
Observemos que é sempre um ato do Deus vivente, e não uma série de
informações a respeito de um "inativo" ser de Deus, quando Paulo trata da
"revelação" e do "conhecimento". Esta realidade não é exclusiva da epístola aos
Efésios: "... o que de Deus pode ser conhecido é evidente ... porque Deus o tem
manifesto. ...assim a criação do mundo, sua essência invisível (seu poder e
divindade eternos), são conhecidos por meio de suas obras" (Rm 1:19). "Conhecer
a Cristo" é "conhecer o poder de sua ressurreição e (a) comunhão em seus
sofrimentos" (Fp 3:10). "... mas temos recebido o Espírito que vem de Deus, para
que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente" (1Co 2:12).
Corpo de Cristo
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Corpo de Cristo

  • 1. IGREJA: CORPODE CRISTO (Um estudo da epístola aos efésios) João Parahyba Daronch da Silva Publicação da Junta Geral de Ação Social Da Igreja Metodista do Brasil 1966 OBS: Há algumas notas e adaptações do texto do livro em vermelho, feitas especialmente para essa edição eletrônica.
  • 2. ÍNDICE APRESENTAÇÃO REFLEXÕES SOBRE A EPÍSTOLA DE EFÉSIOS 1 - Natureza da Igreja 2 - Caráter da Epístola 3 - Conteúdo da Epístola em resumo 4 - Questões que oferecem problemas especiais I - A PROCLAMAÇÃO DOS ATOS DE DEUS 1. A Separação destruída em Jesus Cristo 2. Confessar Jesus Cristo 3. A Ressurreição: um sobre todos 4. O Espírito: poder para comunicação. II - A COMUNHÃO DO POVO DE DEUS 1. Revelação: nossa Salvação da morte 2. Igreja e Conhecimento 3. A Igreja não é do mundo, mas é no mundo 4. A Igreja: Povo constituído por Deus III - A PRESENÇA DA IGREJA 1. Solidariedade: “Justificados e Pecadores” 2. Dimensões da Ética no “Evangelho da Paz” 3. O Ministério da Igreja Conclusão: Unidade e Renovação da Igreja
  • 3. APRESENTAÇÃO "Mas, seguindo a Verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o Cabeça, Cristo". (Efésios 4:15) Em momento mui oportuno o Gabinete Geral está sugerindo o estudo na Epístola do apóstolo Paulo à comunidade cristã na cidade de Éfeso. Dentro das linhas mestras do Plano Qüinqüenal em que se objetiva não apenas uma redescoberta da mensagem que motivou e dinamizou o Movimento Wesleyano do século XVIII, mas, em que se busca, acima de tudo, uma reafirmação inequívoca da Responsabilidade Cristã da Igreja Metodista do Brasil na conjuntura contemporânea, seguramente que uma reflexão sobre o grande documento aos Efésios virá enriquecer a mente da Igreja abrindo-a para uma compreensão mais ampla de sua Natureza e de sua Missão conferidas uma vez para sempre em Jesus Cristo, o Senhor da Igreja e do Mundo. Todo o panorama eclesiástico atual confirma a necessidade inadiável de um re-exame da Igreja até à raiz mesma da totalidade de sua vida e de suas formas de expressão na sociedade brasileira. Somos desafiados hoje como nunca a um testemunho integral do "Evangelho do Reino de Deus" afim de que "a suprema riqueza de Sua graça" seja comunicada aos séculos e não seja confundida com as pequenas riquezas de "evangelismos de reinos religionistas". Pois, em verdade, Jesus pregava o Evangelho do Reino de Deus contra todas as formas e interpretações que pretendessem usurpar o lugar exclusivo da pessoa e da autoridade graciosa de Deus. Devemos nos perguntar sempre sobre que tipo de evangelho estamos mostrando como Igreja! Este re-exame não pode ser feito pela Igreja à luz de si mesma, de sua própria história mas à luz mais alta que é a Palavra viva do Deus vivo; é à Luz da Palavra de Deus que a Igreja pode ver-se a si mesma e ver corretamente o que está acontecendo no século e discernir o relevante do irrelevante, o significativo e criativo de tudo quanto é vazio de significado e discernir os fundamentos da verdade dos rudimentos do mundo. "Natureza e Missão da Igreja" constitui o ponto de partida da eclesiologia contemporânea porque este tema nos atira para dentro do fundamental que é a Cristologia que dá validez e justificativa à existência da Igreja no mundo. Seguramente o erro capital que podemos perceber na História da Igreja é a resistência eclesiástica ao governo renovador e permanente de Jesus Cristo; decisões de concílios que afetam o sentido da natureza e do ministério da Igreja tomadas em completo divórcio dos fundamentos bíblicos e teológicos.
  • 4. Dai todo um comprometimento alienante da Igreja com estruturas superadas e que, de modo algum, constituem a Igreja de Jesus Cristo. Talvez a contribuição máxima de Lutero para o pensamento teológico tenha sido precisamente o fato de conseguir desvincular "Reino de Deus" de sua pecaminosa identificação com a hierarquia eclesiástica. Aliás, esta é uma tensão permanente para a qual não podemos estar desprevenidos, pois nunca poderemos capturar a realidade da Igreja que é o Corpo de Jesus Cristo em nossas estruturas e tradições denominacionais. Assim, antes de qualquer decisão nossa, antes de qualquer Concílio em que se vai "definir" a Ordem da Igreja e o sentido das formas de sua presença na sociedade, é imprescindível o estudo profundo da Natureza e da Missão da Igreja a partir do Ministério de Jesus Cristo — o Servo de Deus que determina a forma permanente da Igreja e a amplitude de sua presença no mundo afim de que "a suprema riqueza de sua graça seja mostrada aos séculos vindouros". É exatamente o espírito de obediência reverente à Palavra do Servo de Deus, que é o Senhor da Igreja, o fator determinante da medida de humildade própria da Igreja para confessar-se arrependida a Jesus Cristo a fim de ser renovada por Ele para Seu Serviço. Tal disposição não é uma simples opção para a Igreja; é um imperativo de sua Natureza e de sua Missão dadas na Palavra Viva de Deus, que cria, transforma, julga, salva e sustenta a Igreja. A Igreja somente é seu verdadeiro ser quando existe para os membros da humanidade "mundana": isto é, o homem na sociedade é concretamente o endereço do amor de Deus em Jesus Cristo. Existir para os outros, existir em Jesus Cristo, compartir o sofrimento de Deus pelo mundo, "descer até às partes mais baixas da terra", transpor as "paredes de separação e inimizade", é a graça mais cara e mais preciosa que foi dada à Igreja, A graça de Deus é uma graça "custosa", seu alto preço consiste em arrancar o homem decisivamente de si mesmo, incorporando-o à comunhão da família de Deus — Corpo de Cristo — onde impera uma nova ordem de relações e uma nova e permanente possibilidade de vida. A carta do apóstolo Paulo aos cristãos em Éfeso indica seguramente o caminho do discipulado para a presente situação tanto da Igreja quanto do mundo. Este discipulado não é uma nova forma de mérito humano ou alguma maneira sutil de se alcançar a "santidade" e a "perfeição"; é uma disciplina concreta: isto é, uma disciplina no Corpo de Cristo, uma disciplina em Cristo, que incluí basicamente uma relação sacrificial com a comunidade cristã que é o corpo do amor em cujas águas vivas somos batizados para não pertencermos mais a nós mesmos e não vivermos mais para nós mesmos: "Se alguma Igreja quiser vir após Mim, negue-se a si mesma...". Assim, esperamos humildemente, que este estudo faculte, pela proteção e direção do Espírito, em cada congregação onde dois ou três estiverem reunidos em Cristo, uma crescente compreensão do ministério total da vida da Igreja bem como auspicie uma tomada de consciência da imensa possibilidade aberta na situação brasileira e em cujos tormentos o Senhor está supremamente interessado.
  • 5. Este manual é apenas 'uma ferramenta para o serviço. Nele está o resultado de uma tentativa de exegese do texto bíblico em que vão extraídas e sublinhadas em simples esboço as grandes realidades do "mistério revelado no Evangelho". Destas realidades nos poderemos alimentar em comunhão uns com os outros para a responsabilidade cotidiana de servir ao Senhor; é pão para a jornada, mas é pão que demanda meditação comunitária com o mais alto sentido de não nos alimentarmos para nós mesmos, de não nos apascentarmos a nós mesmos senão para vivermos no Corpo de Cristo que é o Corpo que existe em amor para com todos os demais.
  • 6. REFLEXÕES SOBRE A EPÍSTOLA A carta do apóstolo Paulo aos "santos em Éfeso" é um documento a respeito da Igreja de Jesus Cristo; não é uma carta sobre problemas particulares da congregação, mas é uma carta capital cujo conteúdo versa sobre as dimensões essenciais da Natureza e da Missão da Ecclesia de Jesus Cristo sublinhando: a) Sua Unidade (Efésios 4); b) Sua Integridade (Ef 1:4; Ef 5:27; c) Sua Apostolicidade (Ef 2:20; Ef 3:1; Ef 4:7,11; Ef 6:15); d) Sua Catolicidade (Ef 2:19; Ef 4:13; Ef 6:8 e 1:1). 1) NATUREZA DA IGREJA: A natureza da Igreja é dada na epístola pelas relações que estabelecem dependência permanente, constituindo laços indissolúveis entre a Igreja e: 1. Deus — o Pai (Ef 3:14) 2. Jesus Cristo — o Cabeça (Ef 1:22; Ef 4:13; Ef 5:29-32) 3. Espírito Santo — de quem procedem os carismas (Ef 1:13; 4:7). d) Comunidade de Israel — (Ef 2:12, 19 e 22) e) Comunidade gentílica — (Ef 4:17; Ef 5:5-13; Ef 6:11) f) Com todos os santos — (Ef 1:15; 3:15; Ef 4:13; Ef 6:18-24) Destas relações é que decorre a natureza da Igreja; é a natureza destas relações que constituí a Igreja como Igreja. Toda verdade a respeito da Igreja (para não dizer o próprio sentido da palavra Ecclesia nos é comunicada em termos destas relações, desta ordem de relações criadas por Deus em Jesus Cristo e no Espírito Santo. É na epístola aos Efésios que aparece pela primeira vez uma doutrina especial sobre Igreja. A verdade "relacional" (ou dialógica) sobre a Igreja que aparece em Efésios aparece em Colossenses onde se afirma que Cristo é a cabeça da Igreja e que a Igreja é o corpo de Cristo. Em Efésios 3:21 e 5:32 Cristo e a Igreja são colocados lado a lado, como que na mesma ordem; por outro lado, em outras passagens fala-se de uma relação de subordinação da Igreja a Cristo). Esta linguagem figurada parece ser empregada sem nenhum rigor lógico: Cristo é a própria Igreja e esta é o seu corpo; e ainda: Cristo está acima da Igreja como sua cabeça e como Aquele que é antes de todas as coisas e para quem todas "convergem". Todas essas fórmulas são intimamente relacionadas entre si. Em Efésios Eclesiologia é Cristologia e vice-versa. Tudo o que se refere a Cristo e à Igreja é pensamento de Deus, é obra de Deus, é resultado da ação de Deus. O clímax de tudo é atingido no hino final no capítulo Ef 5:25-32. As imagens empregadas aí são provenientes da linguagem mítica daquela época. As expressões da carta aos Efésios sobre a Igreja e Cristo mostram uma visão unitária do mundo daquela época e seu autor fala a linguagem de círculos gnósticos. O salvador que sobe aos céus vence em seu caminho os poderes celestes (Ef 4:8ss) e rompe o muro de
  • 7. divisão que separa o mundo do Reino de Deus (Ef 2:14ss); volta para junto de si mesmo como o anthropos (o ser humano) supremo (Ef 4:13ss) . Contudo Ele é a Cabeça sob cujo governo todas as coisas são reunidas; sendo assim Ele eleva os seus membros, cria o "homem novo" e edifica seu corpo em que se revela a obra inteira de Deus (Ef 3:8-19). O salvador ama e atende, purifica e salva a sua Igreja. Ela é sua esposa, Ele é seu esposo, unidos um ao outro em obediência e amor (Ef 5:22-32). Este mundo de idéias, figuras e imagens empregadas na epístola são adequadas a finalidade primordial de exprimir a relação indissolúvel entre Cristo e Igreja; ainda mais; para explicar a realidade de que a Igreja não é instituição ou sociedade humana apreensível pelas leis da sociologia e sim a resultante da ação de Deus. O ponto decisivo da eclesiologia em Efésios é a comunhão com Cristo. Somente a partir dessa comunhão com Cristo passa a existir a comunhão dos homens entre si como irmãos. Contra as tentativas sociológicas em solver (explicar) a questão da Igreja, devemos anotar que Paulo em suas epístolas não concebe Eclesiologia senão em função da Cristologia. Cristo alimenta e cuida da Igreja. Tem-se a impressão de que, numa representação tão complexa, e ao mesmo tempo grandiosa pelas imagens usadas, se encontram divagações em que a fé em Deus e em Sua assembléia divina é interpretada dentro de uma moldura especulativa. Por mais que tal impressão se imponha, é preciso repeli-la resoluta e radicalmente. A maneira como se fala da Igreja mostra que não se trata de especulações sem base e muito menos de afirmações esotéricas. Assim, quando o apóstolo trata da sabedoria e do conhecimento de Deus não está tratando de intelectualismo e sim daquele "conhecimento do coração", (Ef 1:18), que se realiza na obediência da fé que relaciona o homem com os atos de Deus. É uma linguagem muito rica que não está em função de si mesma, nem a serviço de especulação intelectual, mas é a aptidão em que se expressa a verdade sobre a Igreja em sua natureza derivada da obra de Deus em Jesus Cristo. 2) CARÁTER DA EPÍSTOLA: a) Mais intensiva e extensivamente do que qualquer outro livro do Novo Testamento, Efésios tem o caráter e a forma da oração. Não somente a primeira metade (Ef 1:3 a 3:4), mas a exortação à conduta cristã e à unidade do Espírito na segunda parte (Ef 4:1) são basicamente oração em sua forma; além dessas expressões de adoração e de intercessão, a epístola nos dá vários chamados à oração (Ef 5:14,19; Ef 6:18). "Lex orandi, lex credendi" — isto é, a verdade da fé tem sentido somente como um ato de culto; Efésios nos dá um sentido bem profundo de dogmática cristã que é o sentido da comunhão com Deus, pois a verdadeira fé é matéria da mais verdadeira comunhão com Deus. Tudo o que a epístola nos oferece sobre Fé e Vida, sabre Dogmática e Ética é precisamente na forma da oração. b) Efésios não apresenta o Evangelho na forma polêmica tradicional, a despeito de estar em jogo todo o tremendo conflito entre cristianismo judaico e étnico; também não nos dá o Evangelho pelos caminhos da argumentação racional nem com lugares comuns de compaixão sentimentalista. Há apenas uma base que para o autor é suficiente e que constitui a única possibilidade de preservação do
  • 8. "mistério revelado em Jesus Cristo": são os grandes atos de Deus. Os atos de Deus são a sua palavra, isto é, o que Deus tem feito e revelado em Jesus Cristo. A sabedoria e a vontade, o amor e o propósito de Deus, a pregação, a morte a ressurreição de Cristo, o poder do Espírito — na forma de carismas sobre a Igreja para o desempenho do ministério. Qualquer outra base é passageira, vem e vai, mas, os atos de Deus são, para empregar uma linguagem de Agostinho, "começos absolutos ou eternos" — são permanentes, não sofrem nenhuma variação. Efésios celebra o ágape de Deus (o amor) que ultrapassa toda forma de sabedoria (Ef 3:19) ; é exatamente neste amor que se apóia o Evangelho da Paz que prescinde, que abre mão de todo e qualquer argumento para defendê-lo; o autor da epístola dispensou inclusive a forma tradicional dos argumentos escriturísticos. Os atos de Deus são proclamados e não argumentados apologeticamente. Efésios não é a defesa de um Evangelho cheio de informações interessantes para nós, mas é a proclamação do Evangelho em que estão dadas uma vez por todas as bases novas a respeito de nós e de toda a criação em Jesus Cristo: o que Deus fez em nosso favor e que nova situação a obra de Deus criou graciosamente para todas as esferas e relações da vida. 3) CONTEÚDO DA EPÍSTOLA EM RESUMO:  Capítulos 1 e 2: São constituídos basicamente do que Deus, em Seu Amor e Vontade soberana, tem proposto desde a eternidade;  Capítulos 3 a 4:1-24: São expressivos dos grandes atos de Deus; isto é: aquilo que Deus tem feito e revelado como o "mistério do Evangelho" presente de forma total em Jesus Cristo;  Capítulos 4:24 até o final da epístola: Este longo trecho é uma repercussão dos Atos de Deus: Seu amor, Sua luz através da vida da Igreja e sobre o mundo. É exatamente — após tratar das obras de Deus que aqui dão a medida exata da Natureza da Igreja como resultado da ação de Deus (a Igreja é obra de Deus em Jesus Cristo) — que a carta vai tratar da Missão da Igreja no mundo também como resultado da mesma presença e obra de Deus em Jesus Cristo; o sentido da presença da Igreja em todas as esferas e em todas as fronteiras da vida é dado como uma resultante dos atos de Deus em Jesus Cristo que criaram a nova ordem de relações (a comunidade cristã) e que constitui a nova vida ou a boa nova de salvação para todos. É muito extraordinário que o conteúdo de Efésios nos ofereça o mesmo movimento teológico que temos no Evangelho segundo João e que se resume no versículo 16 do terceiro capítulo: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". Os cristãos não vivem daquilo que negam, mas daquilo que podem afirmar e confessar como os atos de Deus. Sobre Deus e sobre o homem, sobre a comunidade e a respeito de pessoas, quanto a extensão do Reino de Jesus Cristo sobre os poderes do século (aeon), aos cristãos é dado conhecer as novas de salvação como atos praticados por Deus mesmo. Daí o método que a epístola
  • 9. segue na proclamação do Evangelho apoiando-se não nas bases da argumentação lógica que pode ter seu valor alterado como variável é o coração humano. Se Deus mesmo é a base e o motivo, nenhuma variação deve ser receada. A Igreja está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas sendo Jesus Cristo mesmo a pedra angular (Ef 2:20). A Igreja obviamente está dispensada de alicerçar-se e de fundamentar sua responsabilidade senão nos atos de Deus mesmo. Há epístolas paulinas em que o apóstolo parece tomar uma posição defensiva porque a verdade do Evangelho mesmo, a Igreja visada na carta ou a própria pessoa do apóstolo estão sendo atacados seriamente. Em Efésios, entretanto, um tom de júbilo triunfal, "falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais" (Ef 5:19), determina o caráter de cada pensamento e de cada sentença. É o júbilo de quem vive pelo privilégio de conhecer as boas novas concernentes a todos os homens, tanto gentios como judeus que induz o autor a omitir até mesmo as "provas escriturísticas" usadas nas outras cartas de modo geral. Temos no caráter e na forma da epístola aos Efésios uma imagem muito rica do apóstolo como "evangelista": ele mostra um Evangelho no qual confia inteiramente, pois a dimensão do mesmo coincide com a Pessoa do próprio Deus. Não há nenhum perigo de que falte real comunicação ou amor pelo homem, quando um evangelista como Paulo testifica confiar no Evangelho como SUFICIENTE! Fora de qualquer dúvida, esta confiança faz parte inseparável da Missão da Igreja — é um dos sentidos do próprio testemunho da Igreja. Tratar da restauração desta confiança já em si seria uma verdadeira renovação dentro da Igreja e, especificamente, uma total renovação de nossas formas tradicionais de 'pregação' do Evangelho como 'sermões' dados dos púlpitos. Efésios nos auspicia pela forma em que nos mostra o Evangelho (forma esta que o próprio Evangelho determina) a possibilidade de exame dos métodos e do conteúdo bem como dos objetivos daquilo que nós chamamos hoje de evangelização ou de responsabilidade evangelística da Igreja. 4) QUESTÕES QUE OFERECEM PROBLEMAS ESPECIAIS: Apresenta-nos a epístola algumas questões cuja solução racional nos escapa. Todavia, não podemos deixar de encará-las humildemente. Aliás, devemos tratar dessas questões para nos tornarmos mais conscientes da impossibilidade humana em transformar a Palavra de Deus em mero objeto de pesquisa e curiosidade intelectual. Os problemas levantados pela Epístola nos auspiciam uma atitude de humildade perante o fato "invulgar" do Evangelho, mostrando-nos a medida exata de nossa contingência humana e levando-nos a desistir da pecaminosa tentativa em "desnaturar" o mistério da Palavra e violar o "escândalo" da mesma. Temos que nos convencer de que os limites da razão humana não são os limites da Vida e muito menos ainda os limites da Palavra de Deus. Nenhuma palavra humana pode capturar a Palavra e esgotá-la em sua plena significação. Esta tentativa pecaminosa gerou muito conflito ao longo da História por se pretender com uma
  • 10. palavra (geralmente um conceito filosófico) aprisionar a Livre Palavra de Deus em Jesus Cristo revelada para sempre. 1. "ELEIÇÃO" (erradamente chamada de predestinação) — é muito claro na Epístola que o apóstolo proclama o Evangelho como a revelação de uma "decisão" e uma "eleição" por iniciativa de Deus "antes da fundação do mundo" (Ef 1:11-14). Há uma série de verbos indicativos desta realidade. Numa leitura superficial do texto e mesmo num estudo mais cuidadoso do sentido etimológico é possível a conclusão "fácil" de que o autor esteja tratando de um determinismo filosófico e esteja de pleno acordo com a mentalidade tradicional da "dupla" ou "simples" predestinação. Será real esta conclusão? As referências à eleição em Cristo podem ser consubstanciadas numa doutrina ou crença determinista? Na simples fidelidade ao texto, sem pretender solucionar a questão, devemos sublinhar certas realidades que o autor busca explicitar: a) o sujeito dos verbos empregados — Paulo emprega uma terminologia em que procura comunicar precisamente a "gratuidade absoluta" do ato em que Deus nos torna "herdeiros do seu amor" ou “filhos adotivos"; isto é os verbos conjugam o amor (ágape), totalmente determinado por Deus em nosso favor. Entretanto, Paulo emprega tais verbos (inclusive o verbo proorisas que aparece em Ef 1:11) , com o grande propósito de adorar neste ato redentivo (a eleição em Cristo), o amor soberanamente livre de Deus revelado. "Eleitos em Cristo" e "em amor" são absolutamente sinônimos. b) a fonte de todas as bênçãos — Paulo, por outro lado, comunica com este sentido de "salvação antecipada" — a eleição na eternidade da vontade de Deus em seu amor — que é o amor de Deus a fonte exclusiva de todas as bênçãos concedidas à Igreja e que a Igreja é um resultado precisamente dessa decisão do amor de Deus. Este é o sentido maior da grande palavra do Evangelho — a "graça" que redime o pecador. c) "proorisas hemas" - (“nos predestinou para Ele” - Ef 1:5) — Este particípio subordinado ao verbo principal indica como foi que Deus nos elegeu e, com uma precisão totalmente nova, indica a finalidade de nossa eleição. A eleição não constitui um fim em si nem mesmo um fim para os eleitos. Ela é efetivada dentro do movimento total e do propósito total do amor de Deus que determina tudo. 2. "CONHECIMENTO" E "INTELECTUALISMO" — Efésios apresenta uma ênfase sobre certas palavras que podem induzir a uma noção intelectualista da fé cristã. São as palavras gregas “apokalypsis" (revelação), "sophias” (sabedoria), “katalabesthai" (compreensão) e a palavra "gnosei" (conhecimento). Entretanto esta palavra "gnosei" que teria dado margem para toda a confusão de gnosticismo bíblico, não aparece como uma simples "glosei", pois Paulo lhe antepõe um "epi" e emprega "epignosei" (que é muito freqüente em suas epístolas e é como aparece no Evangelho de João). Não há então possibilidade de confusão, pois se trata daquele conhecimento “que vem de cima”, que vem por revelação de Deus e não por conquista humana. Paulo ora a Deus para que os cristãos sejam dotados do
  • 11. "espírito de sabedoria" e de "revelação". Paulo está convencido de que os eleitos são os que ouviram a "palavra da verdade" (Ef 1:13) e podem crescer em conhecimento (Ef 1:17; Ef 3:19; Ef 4:13) e que são responsáveis pela comunicação ao próprio universo (Ef 2:7; Ef 3:10) desta "multiforme sabedoria de Deus". Que atitude de arrogância pode derivar dai para a Igreja em relação ao mundo? Será que é pelo conhecimento de certas coisas extraordinárias que se justifica a conduta de prioridade da Igreja sobre o mundo? Esta questão de suma gravidade vamos tratar na exegese sobre a Igreja especificamente. 3.) "MISTÉRIO" ou "SUPERSTIÇÃO"? — É na Epístola aos Efésios que encontramos certas realidades cuja ênfase tem sido dada pela melhor teologia reformada; por exemplo: "que Deus atua por grande amor e graça" (Ef 2:4,7); que "Deus ama" a Igreja até ao ponto de "entregar-se a si mesmo" em Jesus Cristo por ela (Ef 5:2,25), e torna-se um exemplo de que cada um deve amar assim ao seu próximo com mútua sujeição (Ef 5:21). Mas, Efésios apresenta um apelo com respeito a Cristo num sentido e numa dimensão que se poderia chamar de uma "cristologia redentiva de alcance cósmico"! Exatamente na Epístola em que se trata tão intensamente da presença de Cristo "pela fé" no coração humano, apontando certa noção de interioridade da fé cristã, é que somos surpreendidos com expressões que apontam para "regiões celestes", para "habitantes dos ares", para "potestades do maligno" e para as "hostes da maldade" (Ef 1:19; Ef 2:1; Ef 4:8; Ef 6:11). Em Efésios temos duas ênfases: o amor de Cristo e o caminho de Cristo no ser humano; a outra é a que assiná-la a Cristo como "aquele que desce às partes inferiores da terra e que sobe às alturas celestiais" (Ef 4:8,10); Cristo é aquele em quem Deus exerceu a eficácia do Seu poder a ressurreição tendo-o colocado à Sua direita acima de todo poder, dando-lhe todo o domínio e submetendo tudo a seus pés (1:20-22). Isto é, em Efésios, Jesus é maior que tudo e tudo está submetido à sua autoridade, mesmo aqueles que se rebelam, tais como os "principados e potestades (1:21; 3:10 6:12), os séculos (aeon) e das gerações (Ef 2:7; Ef 3:5), do príncipe do ar, maldade ou maligno (Ef 2:2; Ef 4:27; Ef 6:11). A totalidade do mundo (Ef 1:10), o ar, até regiões celestes (Ef 2:2), parecem estar cheios e .dominados por tais espíritos. É muito impressionante que a epístola fale tanto na "sabedoria e no conhecimento da verdade" e ao mesmo tempo use uma constelação de expressões de conotação supersticiosa. Tal fato levanta problemas muito sérios para a nossa compreensão da Cristologia dada na epístola em que Cristo é a "cabeça sobre todo o universo" (Ef 1:10) — temos aí sem dúvida uma dimensão cósmica da fé cristã. Mas, como em Colossenses, Cristo não está em guerra com o Universo e sim "reconciliando todas as forças e fazendo a paz". 4) ECLESIASTICISMO: (OU VIDA COMUNITÁRIA)? — É, como já dissemos, a epístola que trata, em sua verdadeira essência, da Igreja. Muitas epístolas do Novo Testamento são endereçadas a uma ou outra Igreja em alguma cidade do mundo Mediterrâneo; Efésios também. Mas, em adição, Efésios é uma carta sobre a Igreja, sobre a Igreja com “I” Maiúsculo segundo podemos discernir no grande documento do apóstolo. Não sobre os problemas de determinada
  • 12. congregação local, mas da IGREJA em sua Unidade (Ef 4:3), em sua Santidade (Ef 1:4; Ef 5:27), em sua Apostolicidade (Ef 2:20; Ef 3:1; Ef 4:7,11; Ef 6:15-20) e em sua Catolicidade (Ef 2:19; Ef 4:13; Ef 6:18). No foco da epístola está, mais uma vez, a Igreja Universal em todas as Suas relações. A concentração de Efésios no tópico "Igreja", encontra alguns paralelos no Evangelho de Mateus, na primeira Epístola aos Coríntios, nas epístolas endereçadas a Timóteo e a Tito, em I Pedro e nas sete cartas do Apocalipse em seus capítulos 2 e 3. Quanto mais a Igreja tem crescido mais tem crescido o interesse dos estudiosos sobre a questão da "Natureza da Igreja". Atualmente a Igreja Católica Romana e a Comissão de Fé e Ordem do Conselho Mundial de Igrejas estão fascinados por este tema. Haverá apóio na epístola aos Efésios para as noções de uma Igreja Mundial de acordo com o pensamento Católico Romano e o pensamento Protestante? Efésios nos ensina que a Igreja é o Corpo de Cristo (Ef 1:23; Ef 4:4, 12; Ef 5:30); que a Igreja é a "plenitude daquele que é tudo em todos" (Ef 1:23). Dai, será possível concluir que a Igreja seja a 'extensão da encarnação', a "sociedade redentiva" ou a expressão histórica da 'natureza divina'? Leitores que por natureza, nascimento ou inclinação pessoal sejam Católicos Romanos ou Anglicanos parece que sempre se regozijam em justificar com Efésios todo o seu eclesiasticismo! De qualquer forma, ansiosos ou jubilosos, o fato é que todos nós temos a tendência de justificar "nossa" Igreja como a portadora da real presença de Cristo e chegamos até a tomar a decisão de determinar tal presença... Entretanto, face a tal problema convém lembrar sempre que dois evangelistas narram o estranho acontecimento em que a "assembléia em torno de Cristo" foi o obstáculo para que uma pessoa tivesse acesso a Cristo (Lc 5:18-19 e Mc 2:1-4)! É possível que a Igreja constitua uma parede a separar o homem de Cristo impedindo-lhe comunhão com Deus? Haverá possibilidade de tal problema? A Igreja pode chegar à terrível tentação de colocar-se como Igreja no lugar de Cristo? Tudo o que Efésios nos oferece sobre a Igreja se refere à obra de Deus em Cristo em que a Igreja se deve inteiramente à obra da graça do Senhor. 5) MORALISMO: (OU ÉTICA "EM AMOR")? — Nenhum pesquisador sério da verdade e da sabedoria no campo da ética pessoal e comunitária pode questionar o valor de termos como crescimento e perfeição amor e justiça, poder e unidade. Tais conceitos brotam na epístola contra toda a mentalidade da impureza do paganismo que contrasta com a nova vida que se abre em Jesus Cristo: (Ef 4:13,17-24; Ef 5:3,8). Paulo, entretanto, vai até ao detalhe especialmente no chamado "código doméstico" (Haus-Tafeln) em que nos dá exortações concernentes à vida cotidiana do homem e da mulher, pais e filhos, senhores e servos (Ef 5:21 6:9). Tais exortações são dadas e fundadas em duas palavras chaves do texto: "submissão" e "obediência" (Ef 5:21,33; Ef 6:1,5). Tal fato tem feições que tendem a uma espécie de autoritarismo e conservadorismo moral que não incluem justiça e possibilidade de mudança ou "revolução" nas relações humanas. Parece agravar-se o problema quando alguns estudiosos observam certa omissão da epístola quanto a doutrina da segunda vinda de Cristo. Embora não se possa negar o silêncio da carta quanto a dimensão escatológica em específico, pode-se pelo menos constatar uma ênfase unilateral na realidade da vida terrena. No capítulo seis, especialmente, o autor dá claramente a idéia de uma
  • 13. aceitação total, em submissão, do servo ao seu senhor sem encorajar qualquer luta por modificação. Parece, por outro lado, que o autor de Efésios ignora que "nós não temos aqui nossa última cidade" (Hb 13:14) e parece esquecer que "nós somos estrangeiros e peregrinos sobre a terra" (Hb 11:13; 1Pd 2:11). Enquanto outros livros do Novo Testamento tratam claramente da dispersão da Igreja ou da vida cristã no mundo como uma vida em "diáspora" (Tg 1:1; 1Pd 1:1), o autor de Efésios ensina explicitamente que "vós não sois mais estrangeiros e forasteiros, mas sim concidadãos dos santos e família de Deus" (Ef 2:19)! Que estranha parece ser esta "casa de Deus"! Quão aprisionante sujeição (Ef 5:21 e Ef 6:5)! Que grande inspiração para conselhos legalistas quando não há nem possibilidade de uma porta aberta pata libertar o escravo do seu senhor autoritário, nem mesmo possibilidade de emancipação da mulher ou do homem quando vítimas da injustiça ou impiedade! Aí estão as questões que oferecem os principais problemas para a exegese nesta epístola do Novo Testamento. Os grandes perigos e problemas de determinismo, intelectualismo, superstição demonológica, eclesiasticismo, e, finalmente moralismo legalista! Referi assim cada problema não somente para provocar nossa reflexão mais profunda e criativa, mas, especialmente, por fidelidade aos textos e para desafiar-nos a uma visão mais integral de um estudo bíblico que nos liberte da fragmentação da Palavra de Deus. Um dos mais sérios problemas no estudo bíblico está precisamente nas interpretações que violentam o sentido do Evangelho e o reduzem a "evangelho do nosso pobre reino individual, deixando de ser o "Evangelho do Reino de Deus". O único método de "preparação para o Evangelho da paz" (Ef 6:15) e a correspondente tarefa da evangelização não é o estudo de "métodos de evangelismo" e sim a comunhão com o Evangelho mesmo. É este o plano da epístola aos Efésios; daí sua relevância para a nossa presente situação. Tentaremos nas páginas seguintes acompanhar o autor na apresentação do Evangelho que ele nos dá na proclamação aos "santos em Cristo e em Éfeso".
  • 14. CAPÍTULO I A PROCLAMAÇÃO DOS ATOS DE DEUS "Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos, fez um; e, tendo destruído a parede de separação que estava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças para que dos dois criasse em si mesmo novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo em Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade." (Ef 2:14-16) Efésios não parte de abstrações ou de princípios especulativos, mas sim de eventos indicativos da Ação de Deus na História em Jesus Cristo especificamente. É uma epístola que parte da conjugação dos verbos que proclamam, que comemoram os grandes atos de Deus praticados em e por Jesus Cristo. Aqui, nesta carta de Paulo, temos a explícita referência a "mão de obra" de Deus (Ef 2:10), a "perfeita humanidade" (Ef 4:3), a um "novo homem" criado conforme à imagem de Deus (Ef 4:24) ou "nova natureza", segundo a tradução RSV e conforme Cl 3:9). O Evangelho que Paulo é comissionado a proclamar aos gentios (Ef 3:8), como "das insondáveis riquezas de Cristo", é apresentado basicamente como a morte, a ressurreição e o domínio universal de Jesus Cristo como expressão do amor de Deus para com a humanidade no contexto do mundo "judeu-gentílico". 1.a) A SEPARAÇÃO DESTRUÍDA POR JESUS CRISTO "PAREDE DA SEPARAÇÃO" (mesotoichon) - Ef 2:14 Estas duas expressões são chaves do conteúdo total da epístola: a chamada "parede de separação" que foi removida ou aniquilada, tendo perdido totalmente sua significação (por ter sido anulada) por Cristo. Na totalidade da carta o apóstolo nos mostra que o Evangelho é a ação de Deus que se move sobre este eixo: Cristo fez a Paz destruindo o muro de divisão. Eis porque a própria compreensão da Igreja como uma realidade de "relações" não nos pode escapar no estudo desta epístola. O eixo da ação de Deus em Filipenses, Colossenses e Romanos são argumentos Cristológicos — o eixo em Efésios é a realização da Paz pela destruição da parede de separação: (Cl 1:15-20; Cl 2:14; Fp 2:6-11; Rm 3:1-26, etc.)
  • 15. QUE SIGNIFICA ESSA "PAREDE DE SEPARAÇÃO"? Podemos examinar primeiramente quatro possibilidades de sua significação na epístola: a) A parede de separação pode ser uma alusão à parede divisória do templo de Jerusalém que separava os judeus adoradores dos gentios visitantes. Aquela parede sem dúvida, selou aos pagãos como aqueles que são "do lado de fora". Pode também ser uma alusão ao anjo dando guarda em volta da terra prometida em Gênesis 32:1-2. Há também uma referência na parábola profética do Livro de Isaías 5:5 em que a Casa de Israel é chamada a "vinha do Senhor" e Deus promete derrubar o seu muro afim de ser pisada. Alguns estudiosos do Novo Testamento sustentam que a carta aos Efésios foi escrita pelo ano 70. Neste caso Paulo não seria então seu autor. O elemento mais forte para estes comentaristas é exatamente o nosso texto em Ef 2:14 que, segundo eles, se refere à destruição de Jerusalém e do templo, em conseqüência, pelos romanos. Mas, neste caso, nos parece muito estranho que a catástrofe histórica que foi a queda de Jerusalém esteja servindo como objeto adornado com um argumento da obra de Jesus Cristo, isto é, um argumento cristológico da mais alta relevância pois sobre Ele repousa o sentido da obra de Jesus Cristo como autor da paz, sendo usado para simplesmente adornar a queda de Jerusalém! O fato é que o muro do templo e os muros de Jerusalém não esgotam o fundamento do texto em sua significação. b) Outra possibilidade de compreensão do pensamento de Paulo aos Efésios é a referência à lei mosaica. A lei havia assumido uma função divisionista segundo a interpretação rabínica que havia erigido um corpo de ordenanças e estatutos estabelecidos em certo modo para facilitar o cumprimento da Lei. Tal corpo de ordenanças era causa de divisão muito forte. Em Romanos, Gálatas e Efésios há uma distinção idêntica entre a Lei do Senhor e as "interpretações" dos rabinos fariseus (Rm 7:13; 3:31; Gl 3:19). Além do problema destas "interpretações", denunciadas como verdadeira corrupção da Lei, o autor de 'Gálatas trata da função "tutelar" da Lei, implicando nisso, um sentido transitório da Lei em relação ao sentido permanente da revelação da fé (Gl 3:23). A parede abolida por Jesus Cristo poderia significar para o autor as ordenanças rabínicas ou a própria Lei, em sua função de tutora até a chegada de Cristo. O capítulo terceiro da segunda epístola aos Coríntios parece apoiar esta interpretação quando trata da "remoção do véu" na antiga aliança pela nova aliança; ali o autor trata exata e explicitamente da Lei como sendo o "ministério da condenação" escrito em tábuas de pedra" — "glorioso", mas inferior à glória do "ministério da justiça"! Paulo mostra, sem sombra de dúvida, em Gálatas e em Romanos que a paz com Deus e a liberdade da vida dos filhos de Deus não se alcança à glória de maneira nenhuma pela prática estatutária das "obras da lei". Somente uma atitude escravizada à mentalidade legalista e formalista poderia sugerir a noção de que haja alguma possibilidade de se alcançar "méritos" perante Deus mediante a observação de certos deveres rituais. Com efeito, de acordo com Efésios 2:14-16 — a "lei de ordenanças e estatutos" — se constitui num instituto divisionista entre
  • 16. Judeus e Gentios, colocando-os numa situação de inimizade mútua em face de Deus. Na discussão das "obras" (Ef 2:5,8), Paulo focaliza a mesma perspectiva das Epístolas aos Romanos e Gálatas. Realmente, o ensino a respeito da Lei é o mesmo nas três epístolas paulinas. A parede ou o muro destruído por Cristo pode significar precisamente a anulação da função divisionista da Lei (motivada pela mentalidade legalista) sem ferir de maneira alguma a validez da Lei na economia da redenção. c) A "parede" que divide os homens uns dos outros e de Deus e que foi removida por Cristo, pode ser uma referência à "cortina" ou "véu" do templo de Jerusalém que separava o Santo dos Santos. Em Marcos 15:38 o incidente em que se rompe o "véu do santuário" está relacionado diretamente à "hora" em que Jesus Cristo "expira na cruz". Afirma o texto literalmente que o "véu rasgou-se em duas partes de alto a baixo". Isto porque a morte de Cristo é o evento que possibilita a abertura do caminho de acesso ao Pai. Em Hb 10:19-22 há a referência precisamente a este sentido aqui mencionado. d) Finalmente, a "parede abolida" — pode significar as barreiras entre o homem e Deus, entre o homem e o homem, que consistem em "figuras" de poder nomeados como "anjos", "principados", "potestades", "hostes do maligno". O autor parece ter em mente um "reino invisível", formado de poderes incontroláveis, idéias, normas, ordens de forças que verdadeiramente dividem e separam a terra dos céus que Deus governa. Entretanto, Paulo também afirma a presença desta "ordem de forças" nas "esferas celestiais". Aquilo que nós chamamos pela palavra "inferno" pode significar este "reino" de forças de separação. Então a "parede" de que Efésios trata afirmando que Cristo destruiu, pode ser uma perfeita metáfora para os poderes dominantes de caráter angélico e demoníaco que tornam a vida humana uma vida miserável. Estes poderes, na Epístola aos Efésios não aparecem apenas em relação ao homem, mas são tratados em sua relação cósmica. A "parede" de separação pode também envolver os níveis "racionais", "irracionais", "mágico", "religioso", "individual" e "coletivo", enfim todas as esferas de que participa a vida humana como as esferas de que ela não participa. Efésios declara a "atuação" destes poderes sem discutir a natureza dos mesmos. Temos uma indicação cheia de significado para nossa compreensão, embora não nos ofereça muita segurança, de que a compreensão "legalista e meritória" das relações com Deus e os chamados "rudimentos cósmicos" são coisas idênticas. É uma possível conclusão a que chegamos da leitura em Cl 2:8 e Gl 4:3-9 — onde a "Lei" (como ordenação legalista) e os "rudimentos do mundo" (stoicheia tou Kosmou) são a mesma coisa. Em Efésios 2:14 não só a parede da assim chamada "lei natural", e das "obras meritórias", mas também a "parede" no sentido de mentalidade ou de estruturas mentais da vida são declaradas dissolvidas. Parece haver um relacionamento da "parede abolida" com a totalidade das forças que de
  • 17. uma forma ou de outra, atingem a vida humana tanto de fora para dentro como de dentro para fora. A seleção de um dos quatro significados acima apontados para a expressão do apóstolo que procura comunicar o significado da própria morte de Jesus Cristo na Cruz, é muito improvável que possa ser feita. A variedade de significação de sua linguagem e o fato de nela estar referido o sentido mais central da mensagem da Igreja — o significado da morte do Senhor — nos adverte seriamente a não limitarmos a realidade do texto paulino sobre a "parede destruída" à esfera "religiosa". É inquestionável, quando lemos Efésios e, especificamente o versículo quatorze do segundo capítulo, que se trata do Evangelho cujo poder e implicações são concernentes às esferas políticas, cósmicas, intelectuais, morais ou éticas até às distinções físicas e metafísicas de todas as estruturas da vida do homem e da sociedade. Traduzindo na linguagem contemporânea: Efésios proclama o que Jesus Cristo tem feito com as divisões existentes entre raças e nações, entre ciência e ética, entre leis naturais e códigos sociais, povos primitivos e povos, progressistas, os de fora e os de dentro, entre todas as instituições onde se joga com o ser humano. O testemunho de Efésios a Jesus Cristo é inequívoco quanto ao poder de sua morte para quebrar, destruir e superar todas as fronteiras e divisões entre os homens. Ainda mais, Efésios proclama que Jesus Cristo reconciliou o homem com Deus e criou a ordem nova das relações para todos os homens. 1.b.) CONFESSAR JESUS CRISTO. Tal é o alvo fundamental. É afirmar em novas relações, a destruição definitiva de todas as formas de forças divisionistas, de hostilidade, de inimizade, de segregação e a nulidade de toda sorte de "gueto". Nem rico, nem pobre, judeu ou grego, homem ou mulher, de qualquer cor ou raça, pode pretender superioridade e, muito menos, apropriar-se de Jesus Cristo com alguma ambição de exclusividade (Ef 4:22). Não tem sentido vermos o homem pelos critérios divisionistas e artificiais que criamos — Deus revelou em JESUS CRISTO uma NOVA HUMANIDADE, é através deste ato grandioso de Deus, que se chama JESUS CRISTO, que podemos e devemos saber o que é o HOMEM. O "velho homem" estabelecido pelos elementos da "concupiscência enganosa" foi declarado irreal, totalmente vão, anulado e com ele toda ordem de relações que tal "humanidade" estabeleceu. Jesus Cristo criou uma realidade para todos os homens, uma vitória em benefício de todos — para ambos — (Ef 2:14; Ef 4:21-24); não pode haver discriminação alguma que já não haja sido condenada e anulada por Jesus Cristo. Há agora um novo rosto de homem perante todos os homens. Podemos repetir com Efésios que agora "há um novo homem criado segundo Deus" (Ef 4:24)! Não há mais nenhum significado em permanecermos em nossas próprias obras, pois já temos a "mão de obra" de Deus (o novo homem) criado em Jesus Cristo para as "boas obras" (Ef 2:9)! É inteiramente vão chamarmos Jesus Cristo "Senhor, Senhor", a não ser que signifiquemos por "Cristo" este novo homem, o fim das divisões separatistas, "uma realidade nova feita de ambos", um "novo corpo" onde morrem os dois antagonistas de Deus (Ef 2:14-16).
  • 18. Dizer "Senhor, Senhor" significa afirmar o império de um Reino novo, uma nova ordem de relações cujo critério é aquele "homem novo"; isto é, dizer Jesus Cristo, significa dizer: RECONCILIAÇÃO, ou PAZ (Ef 2:16 e Ef 2:14,17). Em termos negativos, significa dizer "abolição" e "ab-rogação" de cada hostilidade e de todas as hostilidades (Ef 2:14)! Abolição e Paz — estas grandes palavras nos arrancam da utopia, ou do escárnio, de que o Cristianismo deve produzir uma espécie de humanidade sem sexo, sem raça, sem diversidade de ocupação e situação social — um "super-homem". As palavras "nem judeu, nem grego, nem escravo, nem livre, nem homem ou mulher; todos sois um só em Jesus Cristo" (Gl 3:28; Cl 3:11; 1Co 12:13) pelas quais Paulo descreve a obra de Cristo, não significam a inexistência de sexo, nacionalidades, classes e ocupações. De outra forma Paulo não incluiria em suas cartas exortações especificas a judeus e gregos (Rm 2:17; Rm 11:13), a esposas (Ef 5:22; Cl 3:18), servos e senhores (Ef 6:5), etc. Mas, a fé em Jesus Cristo, enquanto se trata de Cristo mesmo, significa as duas coisas — existem as distinções —e, exatamente nele, elas são transformadas e incorporadas na possibilidade de uma vida comum: os que estavam formalmente em oposição, que se excluíam mutuamente, separados por circunstâncias que pareciam ser um "muro" intransponível. Confessar Jesus Cristo, de conformidade com Efésios significa afirmar simples e redentivamente: COMUNIDADE, CO-EXISTÊNCIA, NOVA VIDA, RECONCILIAÇÃO, PAZ (Ef 2:14). As implicações desta equação para a totalidade da vida da Igreja hoje são enormes (JESUS CRISTO — RECONCILIAÇÃO — COMUNIDADE — CO-EXISTÊNCIA — PAZ)! Podemos, graças à dádiva da Palavra de Deus em Jesus Cristo, e devemos repensar sempre sobre a Natureza e a Missão da Igreja como relevante em qualquer situação e face a qualquer ovelha ou nova fronteira que desafie a nossa fé. Podemos pensar sobre a Natureza e a Missão exatamente como a "nova humanidade" (esta forma que o amor de Deus tomou em Jesus Cristo para estar presente na história e expressar-se como "nova humanidade serva"; aí teremos a perspectiva para um re-exame fecundo e renovador (revitalizante) da Missão Cristã frente às tensões reais e artificiais do mundo contemporâneo: - a desordem das relações internacionais, a pré-potência de qualquer Nação sobre as demais, desordem das relações eclesiásticas, a tensão das gerações e das diferentes classes sociais, as tensões entre os diversos "mundos" que estão tentando em “coisificar” o homem (transformar o homem reduzindo-o a uma coisa, um objeto como, por exemplo, mão de obra, uma ficha, um número, etc.). Efésios confessa e celebra com júbilo intenso (é uma carta cheia de melodia!) a grandiosidade do Ato de Deus chamado JESUS CRISTO em cuja realidade da morte e da ressurreição temos a criação da Nova Ordem das Relações. Confessar Jesus Cristo é afirmar a nulidade de todas as formas e critérios de relações que segregam e fragmentam a vida humana; é afirmar que, uma vez por
  • 19. todas, Deus aniquilou, que Deus anulou a força de todos os "rudimentos do mundo", reduziu a nada as "potestades" do século em torno às quais estava estruturada a vida e todas as relações humanas. Mas, COMO é que Cristo destruiu o "muro de separação" entre o homem e Deus? Seguir o significado de Efésios é ir bem mais longe do que simplesmente afirmar que Jesus Cristo é o "evento" de unificação social! Efésios coloca a maior ênfase no fato de que "somente Jesus Cristo é aquele que traz a Paz e a Reconciliação entre Deus e o homem". Isto é, somente Jesus Cristo é o EVENTO REDENTOR. Como é que Efésios proclama a efetividade da Paz? A resposta a esta pergunta básica é uma resposta múltipla: "em seu sangue" (Ef 2:13); "em sua carne", (Ef 2:15); "através da cruz", (Ef 2:16); "em si mesmo" (conforme o texto grego de Ef 2:15-16) ; "em um espírito" (Ef 2:18). As palavras "sangue", "carne", "um corpo", "um espírito" nenhuma outra realidade circunscrevem senão JESUS CRISTO MESMO! Isto significa que a totalidade de sua humanidade, e, mais especificamente, sua morte na cruz, seu sacrifício é o caminho único em que nos vem a Paz. As palavras "em sua carne", "em seu sangue", em um corpo", são as brutais palavras em que se traduz o concreto sacrifício do amor substitutivo — é exatamente por "substituição" que somos redimidos e reconciliados com Deus e para Deus — isto é — "EM JESUS CRISTO" somos salvos e não "EM NÓS MESMOS"! Em Efésios, a morte de Cristo na cruz não resulta em miséria, mas naquilo que, se chama "at-one-ment", isto é, o resultado redentivo, reconciliador do homem com Deus, a Paz do homem com Deus e com o homem é o saldo da morte de Cristo para a humanidade. A epístola aos efésios não apresenta uma doutrina elaborada da Encarnação ou da Expiação. Mas, trata a morte de Cristo explicitamente como "uma entrega de si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus" (Ef 5:2)! Trata, então dos resultados, dos efeitos permanentes da morte de Cristo, da ressurreição de Cristo, de CRISTO MESMO, como o "evento" da reconciliação e da Paz! Ele é a nossa Paz". Contudo, a cruz é mencionada como o meio da reconciliação; as palavras sacrificiais "sangue" e "carne" expressam o tom do argumento (Ef 2:13-18). A dádiva de si mesmo "como oferta e sacrifício", em Efésios (Ef 5:2) é afirmada exatamente para estampar perante seus leitores o "paradigma de Cristo" para a nova vida inaugurada: da mesma forma como "Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós..." Em semelhante caminho podemos discernir em Cl1:22, em Hb 2:14 e no Evangelho segundo João 1:14, que a carne e o sangue e a morte de Cristo (isto é a totalidade da humanidade de Cristo sacrificada), são o meio em que a Graça e a Verdade, a Reconciliação e a Vida, o Amor e a Paz, são dados ao homem. Paulo é extremamente explícito: Ele declara em palavras que não deixam dúvida alguma, que pregar significa "tornar conhecido e proclamado", nada senão "Jesus Cristo e este crucificado" (1Co 1:23; 1Co 2:2). Os termos sacrificiais "sangue" e "carne" usados em Efésios 5:2, a freqüência com que a morte de Jesus Cristo no Novo Testamento é situada em referência ao capítulo 53 do livro Isaías — tais fatos indicam claramente que temos, numa
  • 20. compreensão conjunta dos textos do Antigo e do Novo Testamento, a mais vivida resposta à questão do "por que e do como que a morte de Cristo "faz a Paz"! Enquanto no Antigo Testamento o "muro" (o véu do templo!) está construído e o rompimento do mesmo tem que ser feito por um "mediador", em Efésios o próprio resultado da "dádiva" do mediador é apresentado. Não somente para Israel ("os que estavam perto" — Ef 2:17), mas igualmente para os Gentios ("vós que antes estáveis longe" — Ef 2:13) — a salvação é alcançada. No Antigo Testamento o "muro" permanece para o povo de Israel enquanto que no Novo Testamento ele é abolido. Esta é a diferença entre ambos. Contudo em ambos, há o elemento essencial que lhes é comum: o homem escolhido por ato de Deus como o "mediador", o "intercessor". Ele intercede perante Deus pelo oferecimento de si mesmo e a totalidade de sua vida finalmente. Ele se coloca não ao lado de Deus contra os pecadores a acusá-los, mas, ao contrário, Ele está, estranhamente, ao lado dos “inimigos” (os que não têm comunhão e se rebelram contra Deus na condição de pecadores) de Deus para orar, para interceder por Eles diante de Deus — sua intercessão, sua oração é o oferecimento de si mesmo, seu corpo, sua vida, sua honra, sua bênção, sua eleição, seu amor total a Deus "pelos transgressores", os malfeitores (Isaias 53:12 e Efésios 5:2), "por nós"! Como os Efésios têm "Paz" com Deus em Jesus Cristo"? Nós agora podemos responder esta pergunta: porque Eles podem contar com UM que, do seu lado, intercede por eles perante Deus. Eles não estão mais sozinhos. Por eles tem orado Aquele que é Justo (1Jo 2:1) e que é "amado" (Ef 1:6). Aquilo que Efésios não diz explicitamente sobre a intercessão de Cristo é claramente refletido em João 17:1-26; 1Jo 2:1, e Hb 5:7; Hb 7:25, e é dramaticamente descrito em todas as narrativas dos evangelistas quando mostram a Jesus Cristo numa cruz entre dois criminosos e ao mencionar as "últimas" palavras do crucificado. A intercessão feita por Jesus Cristo é a soma total de sua vida e sofrimento que o símbolo dos apóstolos expressou no uso dramático do verbo "Padeceu...". Esta realidade do intercessor é totalmente nova, é inaudita a Israel. No antigo Testamento temos a confissão de Moisés: "Eu não posso sozinho levar todo este povo, pois me é pesado demais" (Nm 11:14-15 e Ex 18:18). Efésios denuncia como completamente inúteis, estéreis, todos os meios e engenhos do homem em fazer a Paz. Ela é a grande decorrência, a máxima palavra, que vem do sacrifício de Jesus Cristo; é a realidade "pré-determinada" por Deus em "seu filho amado" (Ef 1:4-6), o que efetivamente temos "em seu corpo"... "através da cruz" (Ef 2:13) em que o "seu sangue", a "sua carne" aboliram a muralha de separação entre o homem e Deus e entre homem e os demais homens: "Paz aos que estavam longe e aos que estavam perto". A profundeza, a verdade e o poder desta confissão do nosso próprio pecado e a "entrega que Cristo fez de si mesmo" por nós é que nos torna possível compreender a redenção como uma dádiva para todos que necessitam e não como uma possessão privada de certa "classe" de pessoas (os do lado de dentro)! Se não podemos crer que Jesus Cristo intercede, ora morre pelos "estrangeiros", pelos
  • 21. "desesperados", pelos "a teus no m u n d o" (Ef 2:12), então não cremos que Ele morreu por "nós". Sua morte e seu chamado, a Paz e a Reconciliação que Ele criou são para ambos e entre ambos: os de "perto" e os de "longe". Ou Cristo é a "boa nova" para qualquer um ou, então, seu sacrifício será nulo e vão. Em Efésios 2:13-18, Paulo proclama inequivocamente, e nós somos chamados a crer que a morte de Jesus Cristo não foi em vão — que o muro de separação entre o homem e Deus, entre o homem e o homem, foi destruído. A boa nova da "destruição da parede de separação" e a "nova humanidade" criada para a vida de paz é incondicional. Veneno é injetado no "Evangelho da Paz" se nós limitamos sua validez por qualquer condição ou restrição. Para falar em termos de Efésios: nós fomos eleitos em Jesus Cristo (fomos aproximados a Deus e temos paz uns com os outros) não porque sejamos "irrepreensíveis e santos", mas para que o sejamos "perante Ele" (Ef 1:4). Cristo morreu por nós não por causa de "nossa pureza ou santidade", mas, ao contrário, pela nossa impureza e iniqüidade, afim de "santificar a Igreja pela purificação... e apresentá-la perante Ele em glória, sem mácula, ou ruga, nem cousa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5:26,27). Temos que observar nestas sentenças tão explícitas a completa ausência de qualquer condicional. A obra de Cristo proclamada em favor do homem na carta aos Efésios desconhece por completo o condicional "se"! E, por outro lado, não podemos deixar de observar o uso freqüente das conjunções finais e consecutivas: "de modo que" e "afim de que"! A morte de Cristo, sua efetividade histórica, sua significação total é a possibilidade suficiente da nova ordem de relações. Primeiro e sempre as "boas novas": nós fomos alvo de intercessão e oração, do amor e do sacrifício de Jesus Cristo; então, o chamado a "andarmos de maneira digna da vocação a que fomos chamados" (Ef 4:1). Em primeiro lugar a eterna vontade e o eterno plano de Deus em redimir-nos no "sangue" de Cristo "em amor" (Ef 1:7) é "acesso ao Pai" (Ef 2:18; 3.12). Antes de tudo Jesus Cristo desce "às partes mais baixas" e "ascende às partes mais altas" com o propósito de "cumprir todas as cousas" (Ef 4:8-10; Ef 1:20); então, nós podemos ter esperança e intercede para que "sejamos cheios de toda a plenitude de Deus" (Ef 3:19) . Em primeiro lugar somos "salvos pela graça... então, segue: "afim de que andemos nelas" (Ef 2:10; Ef 4:1ss). A novidade de vida e a retidão do nosso caminho são o propósito e a conseqüência dos atos de Deus que celebramos na morte e na ressurreição de Jesus Cristo (exatamente como em Romanos 6:3ss). Não existe nada que estabeleça condicionamento do Evangelho. Qualquer tentativa em promover um "evangelismo" que aprisione a mensagem da cruz a qualquer condição, que a "suspenda" até que certos preparativos "espirituais" sejam feitos na Igreja e o mundo possa observar, será sempre "um evangelismo nosso" e uma traição ao Evangelho — atos de Deus — que coloca a cruz antes e acima de tudo. A
  • 22. proclamação de Jesus Cristos crucificado é a pré-condição e o fundamento exclusivo para a proclamação da nova vida e do novo caminho "de antemão preparado" para que andemos segundo as "boas obras" que Deus mesmo preparou (Ef 2:10. "Cristo crucificado" é muito mais do que certa qualificação da mensagem dos cristãos para o mundo e de sua vida no mundo. Realmente, a "crucificação do Senhor da Glória" (1Co 2:8), isto é, a suprema humilhação do Filho de Deus" (Fl 2:6), é a verdadeira motivação, fundamento, centro e sentido de "tudo" que os cristãos têm para testificar por palavras e por obras no mundo em todos os tempos. E há apenas um evento, único em equivalência à crucificação de Cristo, que permanece, uma vez para sempre, no coração mesmo do Evangelho que a Igreja proclama: A RESSURREIÇÃO. 1.c. A RESSURREIÇÃO: UM SOBRE TODOS. A ressurreição é o evento por excelência. Não nos é possível argumentá-la; não podemos explicá-la; não podemos reduzi-la a um objeto de comprovação. Podemos receber e participar, segundo a mensagem do Novo Testamento, de sua significação. É básico sabermos que Efésios, como os demais livros do Novo Testamento, não se preocupa em tratar de como foi que Cristo ressuscitou. Em contraste com a literatura apócrifa e outros documentos de grupos sectários, Efésios não pretende penetrar no secreto de "um evento" sem paralelo algum na história e na experiência humana. Contudo, a significação, o poder e as conseqüências demandam interpretações e proclamação. Podemos questionar como pode a morte de um homem afetar e mudar o curso dos séculos e as vidas de milhões e milhões de pessoas em todo o mundo! A ressurreição de Cristo pelo poder de Deus é a solene aceitação do "oferecimento sacrificial" de Cristo em favor do homem. O oferecimento feito a Deus permanece na dependência da aceitação divina: (Ef 5:2; Gn 8:21; Ex 29:18; Ez 20:14). O caminho em que o sacrifício de Cristo é aceito por Deus corresponde à totalidade da sua morte e à unicidade absoluta da crucificação. Esta é a significação da ressurreição em Efésios; significa que o "mesmo Jesus Cristo que desceu às partes mais baixas da terra" (Ef 4:9), é por um ato poderoso de Deus levantado ao mais alto lugar de honra (Ef 1:19-22; Hb 2:9). Não somente as palavras, (ensinos), os atos e os sofrimentos, mas a totalidade, Jesus Cristo mesmo, é recebido por Deus e elevado à mão direita de Jesus (Ef 1:20) . Tudo que encontramos no Novo Testamento é conexão inseparável com a morte de Cristo torna permanente o evento da sua crucificação. A ressurreição revela que o sacrifício feito na cruz é para Deus "aroma aceitável". A ressurreição é a resposta de Deus à oração intercessória da crucificação de seu Filho pelos pecadores. A ressurreição é a manifestação gloriosa do amor que fez Jesus Cristo entregar-se até à morte na cruz; e Ele é a fonte do nosso amor para com Deus e uns para com os outros. Em Efésios três aspectos da significação da ressurreição são enfatizados
  • 23. especificamente: 1º) A ressurreição de Cristo por Deus é um ato de tal graça e de tal magnitude de poder que só-mente Deus pode mostrar. "A suprema grandeza do seu poder" (Ef 1:19) e a "suprema riqueza da sua graça" (Ef 2:7). A ressurreição significa que tal poder e tal graça se manifestam em "supremacia" como o reverso da ordem normal "vida-morte" sob a qual estávamos cativos e sem nenhuma esperança (Hb 2:15), estabelecendo a nova ordem: "morte-vida"! "Aquele que desceu... é o mesmo que subiu..." (Ef 4:10); "Vós... nós os que estávamos mortos... Ele deu vida... com o propósito de mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça em bondade para conosco em Jesus Cristo" (2:1,5,7). "Pelo que diz: desperta tu que dormes, levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará" (Ef 5:14). Isto é, para o autor de Efésios, falar de Deus significa falar do poder e da graça de Deus em favor do homem escravo na morte sem nenhuma possibilidade de libertar-se! Efésios trata daquela graça que se manifestou, o Deus que se revelou a si mesmo, pela derrota da morte no "evento" da ressurreição de Cristo. Se silenciamos sobre a ressurreição não podemos falar de Deus. Nossa "fé será fútil", ainda mais: "se nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida somos os mais infelizes de todos os homens" (1Co 15:17,19). Dizer "DEUS", segundo Efésios, no vale da morte e das tribulações da vida, significa crer em e dizer: "RESSURREIÇÃO"! 2º) A Ressurreição é um ato de Deus com dimensão e relevância cósmica. Entre todos os principados, potestades e poderes que influenciam e determinam o curso da vida, da natureza e da história da sociedade e da mente, nenhum parece ser tão onipotente, final e devastador como a morte. A despeito de todos os expedientes "atenuadores" e "embelezadores", apesar de todos os subterfúgios religiosos, a morte não é chamada injustamente pela Palavra de Deus como o "último inimigo" (1Co 15:26). Viver no presente mundo não significa nada melhor do que viver para morrer, isto é viver sob o estigma, sob o espetro da morte; isto significa viver "miseravelmente"! Mas, eis o "inaudito para os escravos da morte": há um Deus que estabelece algo totalmente novo — "a eficácia da força do seu poder exercido em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sentar à sua direita... acima de todo principado, e potestade, domínio e poder, e de todo nome que se nomeia não só neste século (aeon), mas também no vindouro" (Ef 1:19-21). Dizer "ressurreição" significa que há UM DEUS (para quem nenhuma das esferas da vida humana é alheia) cujo domínio é soberano às leis da natureza a que nós estamos submetidos. A Ressurreição é o triunfo sobre a morte. 3º) A Ressurreição é um ato "final", um ato de confirmação. De "onde" Cristo está "assentado" (Ef 1:20), pode e tem o propósito de "levar todas as coisas à plenitude" (Ef 1:23; 4:10), até mesmo o lugar da maior resistência — o coração e a compreensão humana (Ef 3:17,19). Não é aqui que devemos tratar da razão pela qual Efésios não menciona explicitamente a segunda vinda de Cristo (Parousia). O julgamento final certamente não foi esquecido (Ef 5:6; Ef 6:8), pois a vida do cristão é uma vida sob o "trono do
  • 24. Senhor". Em Colossenses (Cl 3:4) uma direta referência, como em outros documentos do Novo Testamento, ao aparecimento futuro de Cristo é feita. Em Efésios o propósito da ressurreição e da ascensão do Senhor é lançar "luz", iluminar com sua própria luz, todos os eventos futuros. Que significa, por exemplo, o fato de Cristo ser "elevado à direita de Deus? Paulo explicitou o propósito: "afim de levar todas as coisas à plenitude de Deus", ou, "afim de encher todas as cousas com a plenitude de Deus". Porque nenhum outro senão o "crucificado", o "intercessor", o Cristo que quebrou o muro e que triunfou sobre a morte", é que pode responder a tais perguntas: a intercessão feita por Cristo tomou lugar à mão direita de Deus! Ele vive sempre para interceder por nós" (Hb 7:25). Ele não conquistou tal glória para si mesmo, ao contrário, sua glorificação, como decorrente de sua humilhação até à morte na cruz, tem o propósito do amor de Deus em favor do homem, para o homem pecador. A glorificação de Jesus Cristo não resultou de nenhum plebiscito popular, não é um acidente da história ou um fato decorrente do julgamento humano: "Deus o exaltou soberamente e lhe deu "o nome que está acima de todo o nome" (Fp 2:15) . O resultado da ressurreição é freqüentemente descrito em uma terminologia de conotação "política". Se Cristo está "entronizado" (Ef 1:20) no trono de Deus, Ele não apenas está numa relação de soberania com todas as formas de domínio e com todas as expressões de poder, mas Ele está para ser reverenciado por todos como Rei e Senhor (Fp 2:9-11). Em tal situação o "seu reinado", invariavelmente, afeta a vida de todos os habitantes. Assim, Cristo exerce sua autoridade "acima de todos" (Ef 1:21), não somente sobre poderes demoníacos ou angélicos, mas a totalidade dos homens estão sujeitos ao domínio de seu poder. Nos relatos do Evangelho assim como na epístola aos Efésios, o "Evangelho de Cristo", é introduzido e apresentado como uma série de "novas" ou declarações "políticas". Ele anuncia mudanças profundas que atingem o governo e que atingem a situação social e concreta das comunidades humanas. Tal atuação tem aquele sentido expresso nas símiles do Reino de Deus com o "fermento" e com a "semente" e o "sal" (Mc 4:27). É uma obra de Deus; é completa. Mas é uma obra que de princípio a fim envolve o homem. Em Efésios, termos como "estrangeiros" (xenoi); "peregrinos" (paroikoi — "paroquianos"); "concidadãos" (sympolitai); "comunidade" (politeia), são termos que assinalam muito claramente o caráter "político" ou o sentido "citadino" (de “polis”), que o Reino de Deus implica. Paulo afirma a nova ordem criada em Jesus Cristo como determinante da seguinte relação: "vós não sois mais "paroquianos" (paroikoi), mas sois "concidadãos" (sympolitai) dos santos..." (Ef 2:19). Na Epístola aos Colossenses Paulo usa a mesma terminologia e indica claramente a ação de Jesus Cristo como a ação "libertadora" que transfere a vida de uma esfera de domínio para outra, de um reino para outro (Ef 1:13). Enfim, a ressurreição e entrosamento de Jesus Cristo são eventos que revelam o domínio de Deus sobre todas as esferas de poder na conseqüente criação de uma nova "humanidade", de uma nova "cidadania". Temos que discernir aqui que Jesus Cristo é o "método" e o "espírito" do governo de Deus. A ressurreição significa que Deus identifica solene e singularmente, de maneira exclusiva e para sempre, o seu poder e o seu governo com a pessoa do "intercessor" que destrói a "parede de separação".
  • 25. O tema da ressurreição de Cristo é tratado em Efésios intensivamente. Os termos "sofrimento", "tentação" e "tribulação", freqüentemente empregados nos relatos dos evangelhos e das epístolas, são omitidos na carta aos Efésios. A morte de Cristo que dá toda a perspectiva da "Teologia Crucis" é focalizada desde o sentido mais profundo do triunfo da vida eterna no evento singular da ressurreição. Enquanto a ênfase da Epístola aos Colossenses é o "morrer em Cristo" (Ef 2:20), em Efésios é "em Cristo nós ressuscitamos". Caberia aqui um estudo bem aprofundado desta realidade, pois a Epístola aos Efésios sublinha o "Já" da obra da redenção — isto é, os resultados efetivos, atuais do Reino de Deus presente em Jesus Cristo. O sentido em que a ressurreição é proclamada, bem como toda a Cristologia dada na Epístola, indica um sentido de oposição à mentalidade "dualista" a respeito do mundo; Paulo parece questionar aquilo que nós nos habituamos superficialmente (conforme a filosofia medieval), a chamar e designar por "milênio". A oposição a essa mentalidade "milenarista" é indicada na carta aos Efésios de maneira muito radical e profunda no fato de que a obra de Deus em Jesus Cristo — "o Evangelho da Paz" — é a destruição das "separações", a "anulação da parede de divisão", é um ponto final na mentalidade "departamentalizada" da vida; ainda mais positivamente, ela é a "congregação", a "unificação" de todas as coisas em Jesus Cristo como "cabeça de tudo! Esta realidade em toda a amplitude de sua dimensão está indicada em Efésios 1:10 onde o apóstolo emprega uma expressão de tradução muito difícil e sempre incompleta, mas que no original parece abarcar o significado do "Evangelho da Paz" — é o termo grego que o autor nos dá na composição de "anakephalaiosasthai" — "convergir em Cristo (cabeça) todas as coisas", reduzir tudo ao governo de Cristo", "unificando nEle todas as coisas" tanto as que estão nos céus como as que estão sobre a terra! Este mesmo sentido de "unificação", este rompimento radical do dualismo expresso na filosofia medieval, é dado quando Paulo trata da morte (equivalente em Efésios à encarnação de Cristo), e da ressurreição como "descer" e "subir"... para... (Ef 4:10). 1.d.) O ESPÍRITO: PODER PARA COMUNICAÇÃO A "descida" e a "ascensão" de Cristo, a sua entrega total e sacrificial, sua morte intercessória pelos mortos em pecado, a fé e a esperança de todos os que vivem por meio dele, podem ficar reduzidos a nada mais do que símbolos a despeito da firmeza do pensamento, da proclamação e dos escritos do apóstolo Paulo. A menos que toda esta realidade histórica e sua relevância permanente da obra de Deus em Jesus Cristo sejam comunicados em sua validez, ela será vazia e infrutífera. Neste ponto é que nos encontramos numa decisiva .encruzilhada Sem a "comunicação" nos encontramos no abismo insuperável entre o que é verdadeiro "nos lugares celestiais" e o que deve ser verdadeiro "sobre a terra", entre os eventos e as dádivas de Deus e a nossa nebulosa apreensão desta revelação.
  • 26. A vitória, a transposição deste abismo só é possível mediante uma genuína "comunicação". Nós estamos super acostumados ao uso de "meios de comunicação" que já chegamos mesmo a confundi-los com "evangelização". Meios psicológicos, estatísticos, meios de propaganda, etc, não são o Evangelho nem a evangelização. Efésios não faz uso deles. De acordo com Efésios, o problema da comunicação é solucionado pelo próprio Deus e permanece em Suas mãos. O poder do Espírito de Deus é que conduz o homem à compreensão, a aceitação e obediência do que Deus tem feito. "Deus nos abençoou com todas as bênçãos espirituais" (Ef 1:3); “...ouvistes a palavra, o evangelho da vossa salvação, e nele crendo, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, que é o penhor da nossa herança" (Ef 1:13-14); "em um mesmo espírito temos acesso ao Pai" (Ef 2:18); "estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito" (Ef 2:22); "...o mistério... como agora foi revelado pelo Espírito" (Ef 3:3,5); "...esforçando-vos por preservar a unidade do Espírito no vínculo, da paz" (Ef 4:3); "não entristeçais o Espírito de Deus em que fostes selados" (Ef 4:30); "...mas enchei-vos do Espírito" (Ef 5:18); "orai em todo o tempo no Espírito" (Ef 6:18). O Espírito também é significativo quando fala do "dom de Cristo" como dádiva a ele mesmo e a cada um dos membros da comunidade — Igreja (Ef 3:7; Ef 4:7 e cf. 1Co 12:7). As riquezas e a medida dos dons dispensados em diferentes ministérios entre os santos com o propósito de "equipá-los para o serviço a que cada um é chamado (4:11) e na continuidade da edificação e crescimento do "corpo de Cristo" (a Igreja) — (Ef 4 :12-16 e Ef 2:20-22). Que mensagem podemos receber destas referências ao Espírito na carta aos Efésios? A ênfase ao Espírito parece ser equivalente a ênfase na ressurreição de Cristo. Para o autor de Efésios, o dom do Espírito é a evidência da ressurreição de Cristo. Este dom, e Somente este, prova o interesse de Cristo pelos homens, e seu poder para criar a comunhão entre o homem e Deus, para criar comunidade e o serviço aceitável a Deus. Sem a realidade do Espírito estamos sempre tentados a relegar a crucificação e a ressurreição de Cristo ao mesmo plano de qualquer acontecimento humano; podemos considerá-las simplesmente como qualquer outra história religiosa, lenda ou mito. Ou, então, sem o Espírito, podemos considerá-las como eventos "espúrios" e de uma era pré-científica ou de uma época de crenças miraculosas. É exatamente o dom do Espírito que impede que um criticismo falso prevaleça expressando-as como "não científicas" — "mitológicas" ou "antiquadas". Pela dádiva do Espírito, Deus está sempre apto a surpreender o homem, por mais superior que possa ser a feição científica que o homem tenha do mundo. Nas obras do Espírito, Deus ainda está operando no "coração" da própria história e experiência, na comunidade dos homens como em suas mentes. Os grandes eventos da crucificação e da ressurreição, tornam-se contemporâneos no Espírito. A atuação do Espírito sobre a terra na riqueza de seus ministérios são provas para nós de que a obra redentora de Deus está se efetivando, não é um fato passado, não é um "fato" completo da história. É pela sua própria continuidade e pela sua auto-comunicação que a perfeição da obra de Deus é revelada mais claramente.
  • 27. Quatro características desta permanente obra de Deus devem ser assinaladas, quando lemos o testemunho de Efésios ao Espírito Santo: d.1.) O Espírito Santo é o Poder de Deus — poder demonstrado pela ressurreição de Cristo de maneira suficiente (Ef 1:19) e do Cristo ressurreto (Ef 4:7): Efésios pressupõe, na liberdade com que fala do Espírito de Deus e do poder do Cristo ressurreto, que Cristo e a dádiva do Espírito são inseparáveis. A glória de Cristo é declarada pela dádiva do Espírito a Cristo e pela dádiva que Cristo faz do Espírito aos membros da comunidade cristã. O Espírito Santo é o mesmo Espírito do poder da ressurreição. Sua santidade é identificada com o poder peculiar que realiza a dádiva da vida onde e quando a morte parece triunfar. d.2.) O Espírito Santo é a poderosa "manifestação" de Deus. De acordo com o Evangelho de João, o Espírito é o "Espírito da Verdade". Ele cumpre a missão de "revelar", "ensinar", "lembrar", "testificar", "falar", "proclamar" e "conduzir à toda a verdade" (Ef 14:17,26; Ef15:26; Ef 16:7). De acordo com o livro de Atos dos Apóstolos (At 2:33; At 2:14) o Espírito "derrama" coisas para serem "vistas" e também "ouvidas". Na primeira epístola aos Coríntios o dom de Deus é chamado de "a manifestação do Espírito" (1Co 12:7). Efésios chama o Espírito Santo como o "Espírito de Sabedoria e de Revelação no conhecimento" (conforme Isaías 11:2). A revelação do "mistério" é efetuada por meio do Espírito (Ef 3:5) e o "selo" do Espírito (Ef 1:13; Ef 4:30) é obviamente um evento de que Efésios está consciente. O fato da manifestação do Espírito, segundo o Novo Testamento, sempre implica como indispensável a comunicação do conhecimento da Verdade ou a revelação; colocando num plano mais objetivo podemos dizer que a comunicação do Espírito implica na informação para a inteligência do homem, para a mente humana. Em Efésios o Espírito é a própria Sabedoria de Deus que se comunica, como em João: "Ele vos ensinará todas as coisas e vos guiará em toda a Verdade (Jo 14:26; Jo 16:13). Não Somente no Evangelho de João e em Atos 2, mas também em Efésios, a essência do Espírito como "revelador" pode ser assinalada como a ação através da palavra", isto é, falar, testemunhar e ouvir! Claro está que não se trata de qualquer palavra, mas sim daquela palavra que é a "espada do Espírito" (Ef 6:17). "Ouvindo a Palavra da Verdade, o Evangelho... e crendo", e "sendo selados pelo Espírito...” (Ef 1:13) são realidades que não podem ser separadas como se fossem diferentes manifestações da "eleição de Deus". Efésios trata dos "ministérios da palavra": "apostolado", "profecia", "evangelismo", "pastorado" e "ensino" quando trata do "dom" do Cristo ressurreto à Igreja (Ef 4:7,11). Também "orar" e "salmodiar" no Espírito, indicam que a Palavra e o Espírito são inseparáveis. Tal fato traz implicações muito grandes para a Missão da Igreja, pois condiciona ao evento do Espírito toda a atividade da mesma. d.3.) O Espírito Santo é o poder da unificação. Ele congrega os homens pela obra de Deus e debaixo da obra de Deus. O Espírito, que equipa a Igreja para
  • 28. o ministério já dado em Jesus Cristo, atesta de maneira suprema o que temos denominado a "perfeita obra de Deus" que é o próprio Cristo crucificado e ressuscitado, e como já descrevemos, (com base em Efésios 2:13-18), como a criação da Paz e a criação do novo homem em relação a Deus (que tem acesso ao Pai). O amor de Deus por seu Filho (Ef 1:6), e por nós (Ef 1:4; Ef 2:4; Ef 5:1), e o amor entre os homens (Ef 1:15; Ef 4:2; Ef 5:25,33; Ef 6:21,23) — este amor — não é assunto de simples palavras ou afetos apenas, mas é o amor em que fomos amados em Jesus Cristo, criativo e efetivo! Conforme Romanos (Rm 5:5) "o amor de Deus tem sido derramado em nossos corações pelo Espírito Santo" e conforme Gálatas (Gl 6:2) "levai as cargas uns dos outros, desta maneira cumprireis a Lei de Cristo" que vem em seqüência a todo um capítulo dedicado aos "frutos do Espírito". Este amor tem o poder de criar a comunhão, de congregar o que estava separado de unir o que estava desunido; Ele é o criador da Unidade (na língua inglesa há uma palavra muito adequada a expressar esta realidade: "atonement" que traduz o ato sacrificial de Cristo na cruz e ao mesmo tempo seu efeito na criação da unidade — at-one-ment): RECONCILIAÇÃO. É precisamente o Espírito "o vínculo da paz" a que estamos chamados a guardar com diligência (Ef 4:3). Conhecer, pelo poder do Espírito, quais são as riquezas da glória de Deus, e encontrar acesso a Ele pelo mesmo Espírito (Ef 1:18; Ef 2:18; Ef 4:7), este é o dom de Deus que "edifica" e que causa o "crescimento" de uma comunidade sobre a terra — que se chama "IGREJA" (Ef 2:22). A Igreja é obra do Espírito Santo; e a Igreja — tal Igreja — a evidência explícita para a ressurreição do Cristo crucificado. Agora podemos formular uma terceira significação para a expressão inicial: "comunicação pelo Espírito". Ela significa não somente a ação de um poder que "suplanta" e que "informa" com a Verdade tanto sobre a vida como sobre a morte; significa também a criação de uma comunidade — uma comunidade com Deus e com "aqueles" homens que eram estranhos uns aos outros. O Cristo ressurreto manifesta-se a si mesmo na criação e sustentação, na equipação (construção) e no crescimento da Igreja que é tal comunidade. A Igreja é o povo que "vive em Cristo" como o "novo homem" (Ef 2:15). Ela permanece perante Ele "gloriosa" (Ef 5:27). Dia a dia seus membros — defrontados pela hostilidade do velho homem — são renovados no espírito de seus entendimentos (Ef 4:22). Como "casa de Deus" e "família de Deus" — a comunidade resultante da obra de Deus — constitui o "corpo de Cristo" que manifesta uma vida como o apóstolo descreve em Colossenses 3:12: "eleitos de Deus, santos e amados", — em afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade...". O sentido desta vida de comunidade, segundo Colossenses e Efésios, se expressa como resultado do amor que é o "vínculo da perfeição" (Cl 3:12-14). A Igreja é a "fraternidade" criada por Deus (Ef 2:1)) ou a "armadura de Deus" (Ef 6:11). A comunidade da Igreja, criada pelo Espírito de Deus, é uma "unidade" que cresce e que esta sendo "construída" (Ef 2:21; Ef 4:12-16); ela não é de modo
  • 29. nenhum uma "sociedade histórica" cuja finalidade seja a de preservar o "status quo" . Ela não é uma assembléia com compromissos de timidez, que, por medo não se atreva a correr riscos, mas é a comunidade "fortalecida pelo Senhor e pela força do seu poder" (Ef 6:10). A Igreja é a evangelista que, por sua presença, proclama a remoção de todas as formas de "muros" entre os de dentro e os de "fora" do Reino de Deus. Tal forma de presença da Igreja tem o sentido oposto à mentalidade que somente julga e aceita como correto aquilo que está conforme ao seu próprio interesse ou benefício. Com a mentalidade de somente "buscar o seu interesse" a Igreja não seria IGREJA, mas seria "capitalismo" que procura e aceita somente o que lhe traz vantagens e benefícios próprios. A Igreja não pode justificar sua presença e sua segurança futura pela construção e observação de demarcações e "cortinas" entre nações, denominações, congregações, ou ordens leiga e clerical. Pelo contrário, sua presença deve seguir, pela segurança do Espírito já derramado, a presença de Cristo em sua solidariedade total, sua identificação com os famintos, os que têm sede, os que são escravos, os explorados, até com os criminosos e presos que, obviamente, não parecem ser seus discípulos nem membros da Igreja (Mt 25:31-46; Lc 23:32-43). Pelo selo do Espírito Santo (Ef 1:13; Ef 4:30), não somente a comunidade dos santos, mas a totalidade da humanidade está selada de certa forma, como a circuncisão era um sinal que todos os judeus permaneciam para Deus (Ef 2:11). A Igreja que vive pelo Espírito, no seio do mundo, é uma "estampa", um "sinal" de Deus. Ela mostra que a totalidade do mundo, a totalidade da humanidade é propriedade de Deus e que não há nenhuma chance de escapar ao fato de que todas as coisas foram entregues ao domínio de Jesus Cristo como "Cabeça" (Ef 1:22). A menos que a Igreja creia na presença do Espírito atualmente na vida da humanidade, sua missão não terá nenhum sentido. d.4.) O Espírito Santo é a "fiança" da futura consumação. A mensagem de Paulo em Efésios não é de modo algum uma perfeição individual ou de uma felicidade pessoal. Sua prospectiva, sua meta é: "Jesus Cristo é o tudo em todas as coisas" (Ef 1:23; Ef 4:10). É a esperança de que "todos" cheguem até à estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4:13). Paulo sublinha de forma tal a palavra “todos”, que seria um grave pecado tentar ignorá-la ou desprezá-la. O triunfo do propósito de Deus está manifesto nesta mesma dimensão e direção futura de "totalidade em Cristo": "um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por todos e em todos" (Ef 4:6). Efésios não encoraja nenhuma esperança futura na linha em que tal esperança é alimentada pelos tradicionais "sistemas meritórios". Efésios é uma epístola em que a "escatologia" (palavra do vocabulário bíblico que significa a doutrina sobre as "últimas coisas", finais dos tempos), é colocada num outro nível e numa outra perspectiva. A questão não é se haverá ou não um julgamento final (Ef 6:8), mas sim o fato da vitória de Cristo sobre "todas as coisas" (Ef 1:10; Ef 4:10), a unidade final de "todos" perante e em o Único Filho de Deus (4:13). É uma tal amplitude de esperança cristã assegurada para todos pela vitória de Cristo que nos
  • 30. dá a linha básica em que Efésios trata da escatologia: a "promessa" (Ef 1:13; Ef 2:12; Ef 6:2), a "esperança" (Ef 1:18; Ef 2:12; Ef 4:4) e a "herança" (Ef 1:14,18; Ef 5:5) não apontam em vão para a mesma direção. Pelo Espírito Santo, a esperança e o triunfo da obra de Deus não servem de apoio a nenhuma pretensão de interesse privado e egoísta. Se Deus "é tudo em todos", não tem sentido algum qualquer ansiedade quanto a existência individual futura. Efésios não promete "pastagens celestiais" para determinadas pessoas, mas assegura e proclama o triunfo completo da causa de Deus revelada em Jesus Cristo. O Espírito Santo é o selo de que esta realidade não pode ser removida. Temos que assinalar que a Obra que Deus realiza através de Jesus Cristo e pelo Espírito Santo não significa apenas um aspecto ou um segmento de Deus. Em Efésios não há nenhuma base para a idéia da Obra de Deus como manifestação ou operação de Deus para Deus mesmo. Não podemos falar exceto falando deste amor, deste plano, deste mistério e desta "palavra-ação" que tem sido revelada pelo seu Filho e pelo seu Espírito. E não há uma forma de rendermos graças a Deus ou de louvar Seu Nome exceto em referência ao que Ele nos tem dado no passado, no presente e ao que está antecipado nas bênçãos futuras, em nome de Jesus Cristo e com o selo do Espírito Santo (Ef 5:20). Em Efésios o autor do que Deus tem feito e o que Ele tem feito corresponde exatamente a expressão do "conselho de sua vontade" e o "seu beneplácito" (Ef 1:5,9,11). Esta vontade não é motivada por nenhum fator aparte de Deus mesmo em seu amor. "Antes da fundação do mundo" (Ef 1:4), "de conformidade ao seu beneplácito (1:5,9), "conforme às riquezas de sua graça" (Ef 1:7; Ef 2:7), "em misericórdia", exatamente "por causa do seu grande amor com que nos amou" (Ef 2:4), tudo exclusiva e justamente por uma única forma e um único homem — "Jesus Cristo", isto é, "em Cristo" (Ef 1:3-13) . Devemos observar que nenhuma necessidade ou ansiedade humana é apresentada como motivação para a Obra de Deus. Isto significa, por outro lado, que não há necessidade humana que possa condicionar, anular ou mudar o "beneplácito" de Deus. A misericórdia de Deus não está à mercê ou na dependência da nossa miséria humana. Verdadeiramente segundo todo o Novo Testamento, o que determina o curso da ação de Deus é exclusivamente o seu "beneplácito" para nos amar. Daí o fato básico de Paulo não cessar de adorar através da chamada "eleição" ou "predestinação" a inflexível gratuidade, a absoluta gratuidade da redenção. O plano de Deus referido em Efésios muitas vezes (1:10; 3:2,9) aparece em conexão a um termo grego (oikonomia) que pode ser traduzido pela palavra "economia". Esse termo grego significa administração de uma casa de família, principio governamental, estratégia ou dispensação. Seja qual for o sentido que preferirmos, Efésios torna claro que Jesus Cristo e a revelação de sua obra não são uma parte, mas é o coração mesmo do Eterno plano de Deus.
  • 31. CAPÍTULO II A COMUNHÃO DO POVO DE DEUS A Igreja em sua origem, constituição e vida depende de três elementos básicos: a) A auto-revelação de Deus, que manifesta seu beneplácito eterno para salvar os homens da morte criando-lhes uma nova ordem de vida; b) O conhecimento do mundo que procede de Deus, conhecimento que determina o que é fundamentalmente necessário para que o homem participe vitalmente do que é verdadeiro e bom; c) A graça de Deus, que, de homens formalmente hostis uns aos outros, dá origem uma "assembléia" (comunidade) que consciente e jubilosamente adora a Deus e busca que os demais façam o mesmo. Não há possibilidade de tratarmos da Natureza da Igreja sem redescobrirmos o que está em sua base original: 1) REVELAÇÃO: nossa salvação da morte. Em Cristo, Deus planejou eternamente nos amar; em Cristo a perfeita obra de Deus em seu amor foi consumada; em Cristo "o mistério" da sua vontade nos foi dado a conhecer (Ef 1:19). Nele nós fomos selados pelo "evangelho da nossa salvação" (Ef 1:13). Mas, uma eleição eterna, uma promessa e uma herança, uma obra perfeita, ficaria sem valor se não tornasse conhecido que tal amor é real, ativo e efetivo. Amor que não se declara a si mesmo e falha em criar uma livre resposta de amor não é totalmente amor, ou, mais concretamente, não é o amor de Deus. Este "propósito eterno" (Ef 3:11) realiza-se no momento histórico escolhido por Deus: "Quando chegou a plenitude do tempo" (Gl 4:4), "na dispensação da plenitude dos tempos" (Ef 1:10) "Cristo foi (constituído) cabeça de tudo. Mas, foi o seu "beneplácito"... "para revelar nos séculos vindouros a suprema riqueza de sua graça em bondade para conosco... em Cristo Jesus" (Ef 2:7), que "a Ele seja a glória na Igreja e em Cristo Jesus por todas as gerações e para todo o sempre" (Ef 3:21). Muito se tem dito e escrito sobre a necessidade do homem conhecer-se a si mesmo afim de poder participar do seu ser "autêntico". O autor de Efésios, entretanto, está pouco interessado no assunto do eu como objeto de conhecimento. Este conhecimento é um objeto para oração e é uma questão de fé, Ele não nega, mas assenta enfaticamente: "O Pai da glória vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento Dele..." está claro que não se trata do conhecimento do "eu", conhecimento de mim mesmo, mas de "conhecer com todos os santos".
  • 32. Lendo Efésios percebe-se a insistência de Paulo na "revelação do mistério" (Ef 3:3) e todas as suas "dimensões" como a totalidade do amor de Deus (Ef 3:18) que "ultrapassa todo o entendimento" (Ef 3:19), — o "mistério de Cristo" (Ef 3:4), o poder que atuou na ressurreição (Ef 1:19), e a esperança da herança dada aos santos (Ef 1:18). A revelação de Deus questiona e desafia a razão em lugar de negá-la. Ela não exige de nós um "sacrifício da inteligência" para compreendermos "qual é a largura e o cumprimento, a altura e profundidade do amor de Deus" (Ef 3:18). Pois, o amor de Deus "ultrapassa o conhecimento", e exatamente essa transcendência do amor de Deus é conhecida (Ef 3:19), realmente permanece um "mistério". Mas, nos foi dado a conhecer pela "pregação do Evangelho" e, por meio da Igreja, "a multiforme sabedoria de Deus" é manifesta ao mundo (Ef 3:4-10). A totalidade da obra de Deus tem o caráter e o propósito da revelação. Aquilo que Ele fez em Cristo é com o propósito de manifestação (o mesmo em Romanos 3:25-26 como em Ef 2:7). Afinal, como é que podemos conhecer Deus? Somente pela Sua obra e revelação. Quão impotentes e incompetentes somos nós para conhecer a grandeza da obra de Deus que "não vem dos homens, mas procede de Deus" — "é dom de Deus" (Ef 2:8). A natureza da revelação de Deus é proclamada em termos claros. Nunca em proposições a respeito dos atributos de Deus (dizendo, por exemplo que Deus é imortal, invisível, etc.), nem através de um código de vida moral, nem ainda como uma lei perfeita de liberdade (como em Tiago 1:25); ao contrário, o que tem sido revelado por Deus só o pode ser com base no fato de que: "Deus é rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou" (Ef 2:4). Ele é o Pai, cuja riqueza foi "derramada sobre nós" (Ef 1:8). Ele é Espírito Único, o Único Senhor, o Único Deus e Pai (Ef 4:3-6), revelou se a si mesmo na criação de um novo homem (Ef 2:15), chamando-nos para sermos "um corpo" em "uma esperança" e "em uma fé" (Ef 4:4) e na promessa de que "cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus" (Ef 4:13). Deus aceita o sacrifício como um "aroma agradável" que é oferecido pela Paz e que proclama a Paz (Ef 2:14-18; Ef 5:2). Através de Cristo Ele faz com que os que estavam perto e os que estavam longe sejam aproximados e tenham acesso ao Pai de todos (Ef 2:13-18; Ef 4:6). Ele concede ao homem as "armas" para uma luta contra poderes sobre-humanos (Ef 6:10) — tudo isto e mais, é "revelado" como manifestação do mistério do Deus que criou todas as coisas (Ef 3:9). Observemos que é sempre um ato do Deus vivente, e não uma série de informações a respeito de um "inativo" ser de Deus, quando Paulo trata da "revelação" e do "conhecimento". Esta realidade não é exclusiva da epístola aos Efésios: "... o que de Deus pode ser conhecido é evidente ... porque Deus o tem manifesto. ...assim a criação do mundo, sua essência invisível (seu poder e divindade eternos), são conhecidos por meio de suas obras" (Rm 1:19). "Conhecer a Cristo" é "conhecer o poder de sua ressurreição e (a) comunhão em seus sofrimentos" (Fp 3:10). "... mas temos recebido o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente" (1Co 2:12).