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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
    DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA




                  Relatório Final


   A fotografia como representação da arquitetura:
     Estudo de caso, Centro Cultural São Paulo




                                    Bolsista: Caroline Cristina Pazini
                                    Orientador: Prof. Dr. Artur
                                    Rozestraten




                                    Relatório Final, referente ao
                                    programa de Iniciação
                                    Científica, ENSINAR COM
                                    PESQUISA 2010-2011,
                                    pertencente à Pró-Reitoria de
                                    Graduação da Universidade de
                                    São Paulo.




           SÃO PAULO/SP – BRASIL
                  MARÇO/2011
                                                                    1
A imagem revelada, é sempre um
duplo, emanação direta e física do
objeto, seu traço, fragmento e vestígio
do real, sua marca e prova, mas o que
ela revela, sobretudo, é a diferença, o
hiato, a separação irredutível entre o
real,    reservatório     infinito   e
inesgotável de todas as coisas, e o seu
duplo, pedaço eternizado de um
acontecimento que, ao ser fixado,
indiciará sua própria morte.


Lucia Santaella




                                          2
ÍNDICE


      RESUMO ................................................................................................4


  1. OBJETIVOS / METODOLOGIA..........................................................5


  2. INTRODUÇÃO .......................................................................................6


  3. REFLEXÕES
       A natureza da imagem fotográfica ............................................................9
      A fotografia no mundo ............................................................................19
       Considerações sobre a fotografia de arquitetura ….................................23


4. ESTUDO DE CASO
      O Centro Cultural São Paulo
      Contexto …...............................................................................................28
      Projeto ……..............................................................................................30
      Iluminação…............................................................................................37
      Cronologia das publicações ….................................................................41
       O imaginário proposto pelas publicações …............................................42
       Experimentando a arquitetura …..............................................................49


  5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................55


  6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................87


  7. ANEXOS
      Plantas, Cortes e Fachadas – Centro Cultural São Paulo….......................92
      Publicações – Centro Cultural São Paulo…...............................................92
      Comunicações / Documentos.....................................................................92
      DVD com arquivo de imagens...................................................................92
                                                                                                                    3
RESUMO


       Cada arquitetura possui um imaginário fotográfico criado por aqueles que a
vivenciaram e a registraram segundo suas próprias intenções. Hoje, a fotografia é uma
das principais ferramentas utilizadas pelo arquiteto, não somente como meio de
expressão e divulgação de seus projetos arquitetônicos, mas também como forma de
adquirir e produzir conhecimento. Porém, entre vivenciar uma arquitetura e conhecê-la
por meio de imagens existe um distanciamento, que só se revela quando
compreendemos integralmente a natureza representativa da imagem fotográfica. Tendo
como objeto de análise o edifício do Centro Cultural São Paulo, coube a este trabalho
delinear que tipo de conhecimento e de fantasia veiculam as fotografias ao representar a
arquitetura, quais são suas possibilidades, limitações e quais seus desdobramentos na
relação que se estabelece com os edifícios e os espaços urbanos.


         Palavras-chave:      arquitetura;    fotografia;   representação;     imagem;
imaginário; Centro Cultural São Paulo.




                                                                                      4
1. OBJETIVOS


         Este projeto de iniciação científica tem como objetivo estudar a natureza
específica da imagem fotográfica como representação da arquitetura, sua história,
possibilidades, limitações, suas relações complementares com outros meios como o
desenho e o texto, tomando como base o caso do imaginário iconográfico do Centro
Cultural São Paulo.




       1. METODOLOGIA


       O projeto se concentrou nos seguintes tópicos:
       • a fundamentação teórica-conceitual e a elaboração de critérios técnicos e
artísticos que orientaram a aproximação ao universo da fotografia de arquitetura,
priorizando a análise de textos que discorrem sobre a natureza da imagem fotográfica e
sua presença no mundo.
       • o estudo do imaginário fotográfico (entendido aqui como acervo de imagens e
discursos sobre tais imagens) produzido sobre o edifício do Centro Cultural São Paulo
(1982) de Luiz Benedito Castro Telles e Eurico Prado;
       • o estudo dos projetos e da história deste edifício.
       • a composição de ensaios fotográficos sobre tal arquitetura.


       Com relação aos ensaios fotográficos, foi utilizada uma câmera fotográfica
Canon EOS 400D. As imagens obtidas são em alta resolução (em média possuem 500
MB de tamanho de arquivo e 300 dpi de resolução), feitas no período de março de 2010
à março de 2011.




                                                                                    5
2. INTRODUÇÃO


       A arquitetura é um objeto concreto e presente no mundo. Ela comporta em sua
forma o resultado funcional e estético que aquele que a projetou intencionou lhe dar.
Mas esta forma somente se revela de maneira integral quando é vivenciada pelo próprio
corpo. Toda a arquitetura exige de quem a observa, antes de tudo, a presença: é o olhar
caminhante, que vivencia o espaço estando junto a ele, confrontando-o e o
experimentando, que a arquitetura presta-se inteiramente (ZEVI, 1996).
       Entretanto, a arquitetura, sendo criação humana e de sua cultura, foi submetida a
várias possibilidades de representação de que o homem lançou mão ao longo de sua
existência. Do desenho à pintura, até que se chegasse, em meados do século XIX, à
fotografia e, atualmente, às maquetes digitais, todas as formas de representação tiveram
a arquitetura como objeto de atenção particular, contribuindo, sem dúvida alguma, para
o legado histórico e documental que forma o imaginário da sociedade atual.
       Este vínculo estabelecido entre a arquitetura e os meios de representação operou-
se de acordo com a postura investigativa que o arquiteto assume perante o mundo no
exercício de sua profissão. Criar uma arquitetura, significa, acima de tudo, dar origem a
um “organismo”, que se manterá em relação constante com um território, com as
pessoas que ali habitam e, por fim, com toda a cultura que o envolve. Para o arquiteto,
buscar o entendimento da realidade, em seus desdobramentos mais recônditos, é uma
atividade necessária, pois são as particularidades deste “cenário” que se apresentarão
como a essência do projeto, justificando a escolha de um partido. Quanto mais ele se
aprofunda no conhecimento da realidade, mais harmoniosa será a relação de sua obra
com o homem e o mundo.
       Assim, ao longo da história da arquitetura, foi por meio das representações que o
arquiteto procurou registrar aquilo que o cercava, e também suas próprias ideias, de
forma a facilitar seu trabalho e construir um acervo que lhe proporcionasse acesso
imediato ao conteúdo outrora vivenciado, ou por ele imaginado. Os métodos de
representação recriam “em miniatura” o assunto visado, e assim fazendo, facilitam o
processo de análise e memorização, reinventando a história e produzindo o
conhecimento.
                                                                                       6
No entanto, é sabido que toda representação traz consigo defectividades
particulares ao interagir com o objeto que visa, mediando o contato que o observador
faz com este – neste caso, a arquitetura –, e o distorcendo, sendo sempre imperfeito,
parcial, incompleto e verossímil. Dentre esses modos, a fotografia, por razões próprias à
sua natureza, parece ter conquistado uma atenção especial.
       Por possuir sua existência intrinsecamente ligada à realidade, a fotografia
alavancou de forma imediata seu uso como registro. Se de um lado este elemento
garantiu ao homem uma forma de representação que reproduz o mundo com uma
riqueza de detalhes dificilmente alcançada pela mão de um pintor, de outro lado, a
existência destas supostas “cópias do real” ofuscou sua própria natureza representativa,
levando muitos a acreditarem que estas imagens, como produtos de um sistema ótico e
mecânico, são objetos técnicos desprovidos de qualquer tipo de subjetividade.
       Contudo, após o aparecimento da fotografia, a imagem, que antes era tida como
um objeto artesanal, sobre o qual o artista, gênio demiurgo, havia debruçado todas suas
virtudes, democratizou-se. O uso da técnica na sua produção e o fato de estas serem
passíveis de reprodução facilitou o fazer artístico e desvinculou este elemento de seu
valor material (BENJAMIN, 1994).
       Os avanços na industrialização dos equipamentos e materiais fotográficos
intensificaram esta transformação, contribuindo para a invenção da fotografia digital,
que se popularizou por volta do ano 2000. A facilidade na produção e veiculação das
imagens alavancou automaticamente seu uso em jornais, revistas e, mais adiante, na
internet, promovendo a formação de um novo acervo de informações que, quando
utilizado criteriosamente, de certo pode auxiliar na difusão de conhecimento.
       Sendo assim, coube a este trabalho refletir sobre as possibilidades e limitações
derivadas do uso da fotografia na esfera arquitetônica, já que este elemento tem se
mostrado presente como instrumento de acesso ao conhecimento de arquiteturas já
construídas, bem como à captação de informações para fins de projeto. Para tal intento,
fixou-se como objeto de estudo o edifício do Centro Cultural São Paulo, no bairro do
Paraíso, na cidade de São Paulo, buscando confrontar as considerações advindas da
própria experiência arquitetônica, expressa pelas “emoções” do homem que vivencia a
arquitetura, e o conteúdo proposto pelo imaginário fotográfico, que fora construído ao
                                                                                       7
longo dos anos pelas revistas e livros que publicaram material iconográfico a respeito
deste edifício.1
        Este percurso, aliado a produção de novas imagens, fez-se fundamental para a
compreensão do hiato existente entre as partes confrontadas, sugerindo, primeiramente,
um estudo mais aprofundado no que diz respeito à própria natureza da imagem
fotográfica.




1
Revistas como: Construção Hoje, A Construção em São Paulo, Veja, Projeto, Módulo, Arquitetura
Moderna Paulistana, Brazil Projects, Oase, Transfer, Projeto Design e São Paulo - Guia de Arquitetura
Contemporânea.
                                                                                                        8
3. REFLEXÕES


         A natureza da imagem fotográfica


         As representações, ou registros, como obra humana, evidentemente não
alcançam a totalidade ou a reprodução mimética do objeto a que se referem. Isto porque
elas se configuram como novos elementos, que carregam consigo apenas semelhanças
com o seu referente real.
         Os motivos pelos quais as representações adquirem determinada autonomia
encontram-se expressos na própria natureza dos meios utilizados para sua criação. Na
maioria dos casos2, aquele que esteve presente no momento do acontecimento medeia a
transcrição. Através de alguns materiais, meios ou técnicas, ele produz um novo
elemento que retrata aquilo que foi presenciado. Todos os métodos criados pelo homem,
que visam representar algo, desenvolvem o mesmo processo. Entretanto, cada qual
possui suas particularidades inerentes aos materiais envolvidos na atividade, exigindo
do produtor uma postura singular e do produto final uma certa “feição” (SANTAELLA,
2005).
         Veja-se o caso do desenho, por exemplo. Aquele que desenha um determinado
assunto submete-o as possibilidades do lápis, do papel e de suas habilidades visuais e
manuais. Desenhar é buscar o conhecimento integral de como os elementos se
apresentam na natureza. O artista debruça-se sobre o acontecimento disposto a
compreendê-lo, esmiuçando suas principais particularidades, sua forma, textura,
proporções e, enfim, sua relação com tudo aquilo que o cerca. Por certo, ele,
presenciando o assunto, o reconhecerá de diversas maneiras através do olhar, do toque,
do olfato, da audição, movimentando-se e comparando-o com outros elementos. No
entanto, ao buscar recriá-lo em imagem, este, como portador das “sensações” que
retratam o objeto de interesse, deve, obrigatoriamente, submeter seu conhecimento à
materialidade dos meios pelos quais a imagem irá existir. Ou seja, somente aquilo que o

2
Como já especificado acima, nem todas as representações se referem à elementos que existem no mundo.
Elas podem se referir também à elementos mentais, que, imaginados pelo seu criador, obviamente nunca
foram presenciados.
                                                                                                  9
artista conseguir subordinar às regras e aos princípios inerentes ao mecanismo e método
das ferramentas utilizadas irá compor a representação. Dessa forma, o produto final
deste trabalho é autônomo, novo, ele possuirá uma relação com o objeto visado, assim
como com a personalidade do artista, e também, com o próprio lápis e o papel.
       Já no caso da fotografia, aquele que fotografa submete o assunto às
possibilidades do aparelho fotográfico, do filme foto-sensível, do papel, dos químicos
reveladores e ainda, de sua sensibilidade visual, criando um novo elemento. Se no
desenho, o agente humano, observador, confronta o objeto, alvo de sua atenção,
promovendo uma relação de conhecimento que se prolonga e permeia toda a produção
da imagem, na fotografia, este confrontamento presencial se restringe ao momento da
captura. No entanto, o produto final desta técnica é a emanação física e direta do objeto
visado, que poderá ser conservada, transportada e reproduzida de acordo com os
interesses do produtor, gerando novas relações de conhecimento, ainda que distanciadas
do referente real.
         Neste método de representação, a produção das imagens é regulada pelo
aparelho fotográfico, e é a partir das possibilidades nele inseridas que o fotógrafo irá
trabalhar. Seu funcionamento é baseado num sistema ótico que trabalha em parceria à
um sistema mecânico. Juntos, eles configuram um instrumento profícuo de produção de
imagens que, com notável precisão, retrata os elementos que se encontram dispostos na
realidade.
       Se comparada ao processo da pintura, na fotografia a luz é a tinta e o mundo a
própria mão do pintor. Os objetos, quando submetidos à luz, tornam-se visíveis a todo e
qualquer aparato capaz de captá-la. E, é essa mesma luz, refletida pelos objetos, que
atravessa o sistema ótico das câmeras e vai sensibilizar o filme. As diferentes taxas de
iluminância refletidas por cada tipo de material, e/ou cada cor, é o que confere feição a
imagem, garantindo um registro rico em detalhes e aparente fidelidade ao real.
       No entanto, a formação da imagem fotográfica vai além do processo físico
descrito acima. Se de um lado este sistema ótico/mecânico é aquilo que garante
existência a uma imagem, de outro lado, é ele também que gera determinado hiato entre
a representação e o assunto representado.


                                                                                      10
Cabe-nos lembrar que o sistema presente no aparelho fotográfico foi construído
por pessoas que, inseridas em seu tempo, acreditavam profundamente nas lógicas que
regulavam a produção de imagens no âmbito da cultura ocidental. Desde o
Renascimento, afirmava-se que a perspectiva, por ser um sistema de representação
fundado nas leis científicas de construção do espaço – as leis euclidianas – era a forma
mais adequada de representar o mundo. Ela deveria nos proporcionar a reprodução
mais justa e fiel da realidade visível, aproximando-se até mesmo da própria visão
humana, como comentaram os autores Panofsky (1993), Francastel (1990) e Argan
(1992).
          A partir de então, o homem passou a buscar sistematicamente um grau mais
elevado de veracidade em suas representações. A utilização da máquina como
mediadora do processo marcou o aparecimento da fotografia e favoreceu a realização
deste propósito. O sistema ótico do aparelho fotográfico, pensado exatamente para
resolver o problema da obtenção automática da perspectiva, (MACHADO, 1984)
passou a reproduzir a lógica renascentista, originando imagens muito semelhantes aos
objetos reais.
          Contraditoriamente, com o passar dos anos, descobriu-se que o método de
formação das imagens presente na perspectiva se contrapunha ao modelo de visão
natural dos seres humanos. Isto porque, o primeiro pressuposto desta modalidade de
representação, é a existência de um olho único, imóvel e abstrato, que remete muito
mais à visão de um Cíclope que à visão de um homem (MACHADO, 1984).
          Nossa percepção visual se dá com dois olhos. Os mecanismos que possibilitam o
entendimento da tridimensionalidade encontram-se estritamente ligados ao sistema
binocular presente nos seres humanos. Cada olho permite a visão de um campo visual.
Separadamente, o campo de visão de um olho é restrito e pouco nítido. Entretanto,
quando utilizados em parceria, os dois olhos convergem para o objeto de interesse
permitindo a união de dois campos em uma só visão. Cada um dos dois olhos visualiza
uma parte diferente dos objetos que estão no campo visual de forma que a combinação
dessas duas imagens na mente permite-nos perceber relações de volume e profundidade
(ALONSO, 1994).


                                                                                     11
Contudo, nossos olhos precisam, ainda, movimentar-se para poder localizar e
focalizar os objetos. O movimento ocular é aquele que vasculha o território procurando
compreendê-lo. Isto porque, quando olhamos um objeto, focaliza-se a região a que este
objeto pertence, desfocalizando automaticamente todo o resto. No reconhecimento da
tridimensionalidade, nossos olhos se movimentam de modo a focalizar diferentes
porções de espaço, proporcionando-nos um entendimento mais generalizado da
situação. Se tivéssemos, como na perspectiva ou no aparelho fotográfico, somente um
olho e fixo, nosso ponto focal seria único e, obrigatoriamente, deveríamos nos
movimentar com o corpo para o reconhecimento de um espaço num ângulo de cento e
oitenta graus (ALONSO, 1994).
       Além disso, deve ser levado em conta que o olho possui uma forma esférica em
oposição à forma plana que a perspectiva e a fotografia admitem. Dessa forma, a
imagem retiniana não se projeta numa superfície plana, como um quadro ou uma folha
de papel, mas sim, numa superfície curva, côncava, específica do olho humano. Para se
construir uma imagem tridimensional num suporte plano, como o papel, necessita-se de
um mecanismo que adapte a tridimensionalidade a uma nova situação de
bidimensionalidade. A perspectiva corresponde a este mecanismo. Mas, este espaço
perspéctico “físico-matemático” opõe-se ao espaço psicofisiológico característico da
subjetividade perceptiva humana, pois normatiza e privilegia apenas uma forma de
percepção espacial.
       Além da reprodução da perspectiva, a forma como o aparelho captura as
imagens, ou seja, tudo aquilo relacionado à sua materialidade mecânica, revela outros
elementos presentes na fotografia que não são encontráveis na realidade, propondo uma
nova gama de questionamentos que tendem a enfatizar ainda mais o distanciamento
existente entre este elemento e seu referente real.
       Grosso modo, um dos principais objetivos/intenções do fotógrafo é registrar
cenas de um acontecimento. Mas, para isto, ele necessita de instrumentos que lhe
possibilite a fragmentação do acontecimento em cenas. A forma pela qual este
profissional alcançará este escopo se dará por meio de um recorte na própria realidade,
ou seja, um recorte no espaço e outro no tempo (FLUSSER, 2002). Os instrumentos que
lhe permite intervir desta forma se encontram organizados nas configurações do
                                                                                    12
aparelho fotográfico. São eles: o enquadramento do campo visual e a velocidade do
obturador.
       Ao captar uma cena, as decisões do fotógrafo são aquelas que definirão as
primeiras aparências da imagem. Ele deverá escolher a parcela de espaço que pretende
enquadrar e, acima de tudo, deverá controlar a quantidade de luz que o aparelho
fotográfico irá captar.
       O enquadramento é aquele que recorta uma porção de espaço da realidade
(DUBOIS, 1993). Ele registra um pequeno fragmento do assunto, excluindo
automaticamente todo o entorno que outrora complementava a cena captada. Trata-se da
fragmentação direta do espaço. Aquilo que antes participava de uma rede de
significações própria à realidade, após o ato fotográfico se transformará num elemento
autônomo, aberto a novos usos e interpretações.
       Evidentemente, este recorte se faz necessário para que a fotografia exista,
entretanto, ele também confere à imagem um primeiro componente visual, como uma
moldura, que se coloca de forma permanente e impositiva. O enquadramento dá origem
aos elementos básicos a partir dos quais se estrutura a composição plástica da fotografia,
pois o que é fotografado está inevitavelmente em relação formal com os limites
horizontais e verticais que encerram a imagem (OLIVEIRA, 2007). A retangularidade
do suporte se manifesta em momentos decisivos – como quando o fotógrafo deve
decidir pela organização posicional dos referentes, numa imagem simétrica ou
assimétrica, equilibrada ou não, centralizada ou descentralizada –, evidenciando sua
interferência pontual na aparência final da representação.
       Já o controle da quantidade de luz a ser captada se coloca como a tarefa mais
importante que o fotógrafo deverá administrar. Tal encargo se dará de acordo com a
luminosidade presente no ambiente e procurará permitir o registro detalhado de todos os
elementos que compõe a cena. Para isto, o obturador é o instrumento que regula a
parcela de luz que entrará no aparelho fotográfico e sensibilizará o material foto-
sensível. O tempo de sua abertura deverá ser ajustado para uma certa fração de
segundos que, de acordo com as intenções do fotógrafo, promoverá o registro da
imagem. Desta forma,      neste método de representação, o tempo se refere tanto à


                                                                                       13
quantidade de luz que será captada, quanto à fração de segundos que será registrada na
fotografia.
       E, assim como no caso do enquadramento, a captura de uma imagem, mediada
pelo aparelho fotográfico, recorta, além do espaço, a linha do tempo. A fotografia se
caracteriza, acima de tudo, como uma unidade descontínua, desprovida de continuidade
temporal e espacial. A interrupção promovida pelo aparelho exclui automaticamente
tudo aquilo que se encontra fora do tempo de captura da imagem, conferindo à
fotografia uma espécie de tempo zero (OLIVEIRA, 2007), que descola a cena de sua
continuidade temporal e atribui autonomia à imagem.
       Entretanto, a maior parte dos fenômenos não pode se revelar por completo numa
fração de segundo. O tempo é um fator essencial no exercício da percepção e
compreensão da realidade. Através dele, os processos se desenvolvem, podemos
perceber o espaço, as proporções, as cores, os materiais, podemos nos movimentar,
tocar, sentir o cheiro, a temperatura, ouvir os rumores etc. Dessa forma, entre a imagem
fotográfica e o seu referente inscreve-se este hiato dado pela anulação do tempo. A
fotografia nos mostra apenas um instante, dentre tantos outros que compõe a realidade
do assunto representado, conferindo-nos uma percepção fragmentada do mundo.
       Além disso, a imagem, ao ser fixada pelo aparelho fotográfico, permanecerá em
oposição ao prosseguimento do fluxo temporal. O assunto após captado se transforma
imediatamente em passado, deixando de existir. A fotografia se torna a única prova de
que aquilo que foi registrado realmente aconteceu. Ela substituirá a própria realidade.
Porém, por tratar-se de um elemento autônomo e descontextualizado, seu potencial
informativo somente poderá ser alcançado novamente na medida em que estes
fragmentos    forem   contextualizados   na   trama   histórica   em   seus   múltiplos
desdobramentos – sociais, políticos, religiosos, econômicos, artísticos, culturais – que
circunscreveram no espaço e no tempo o ato da tomada do registro. Caso contrário,
estas imagens permanecerão estagnadas em seu silêncio, como fragmentos
desconectados da memória, meras ilusões de um passado, que ninguém sabe ao certo
como aconteceu (KOSSOY, 1999).
       Contudo, o processo de criação da imagem fotográfica não se esgota na captura.
A revelação é uma etapa indissociável desta técnica. Neste momento, o fotógrafo
                                                                                     14
finaliza seu trabalho, conferindo à sua obra os últimos retoques. Todo o sistema de
manipulação da imagem, que está presente na fotografia digital e que em nossos dias
suscita tantos debates relacionados à questão da legitimidade, não somente já existia no
processo de revelação da fotografia analógica, como também foi aquilo que deu origem
a lógica dos aplicativos de edição de imagens. Ao revelar o filme e ampliar suas
imagens, o fotógrafo possui a liberdade de alterar o material outrora capturado,
produzindo novos recortes na imagem, modificando a coloração – através do uso de
filtros –, manipulando o contraste – por meio da composição e temperatura do químico
revelador, do tempo de revelação, da agitação do filme ou papel –, e até mesmo,
fazendo uso de máscaras que evidenciam ou ocultam certos elementos presentes na
imagem.
       Dessa forma, há que se reconhecer que fotografar, envolvendo captar, revelar e
ampliar as imagens, é essencialmente um ato de criação. A representação fotográfica
tem seu início no momento em que o fotógrafo seleciona os elementos que farão parte
da composição e seu fim no momento da revelação. Suas particularidades formais e
visuais revelam conceitos e juízos de quem a produziu, de sua época e seu lugar. A
fotografia, definitivamente, é a arte da verossimilhança, da marca, do símbolo, mas,
com a mesma intensidade, ela é a expressão de um conceito sobre um assunto, e de uma
maneira de representá-lo (OLIVEIRA, 2007).
       Ao participar de um certo contexto, o fotógrafo o percebe através da sua própria
ótica. Neste instante, o assunto se faz por completo e ele, buscando registrar, conforme
uma intenção, da forma mais objetiva possível, ou subjetiva, todas estas sensações que o
invadem continuamente, passa a analisar seu entorno em busca dos personagens, da
cena, dos ângulos, da posição, da iluminação, enfim, de uma composição que ele
considere mais significativa, segundo sua própria interpretação. E, ainda que o fotógrafo
presencie a realidade e a contemple analiticamente, aquilo que fica evidente é que o seu
principal interesse não se encontra de todo nela, e sim, na forma como esta poderá lhe
oferecer fotografias que correspondam às suas “emoções” e aos seus interesses. Desta
forma, esta busca pela situação ideal se configura como uma busca por eventos
fotogênicos, isto é, eventos que possivelmente deixam de lado parte dos elementos que
configuram a própria realidade.
                                                                                      15
A organização posicional dos referentes, a angulação e a nitidez da imagem são
alguns dos elementos que sugerem a opinião do fotógrafo e a maneira como ele
interpreta o seu referente, deixando clara a situação acima descrita.
       A posição dos objetos na imagem define não somente o grau de relevância
conferido pelo fotógrafo a cada elemento, como também as relações almejadas com os
outros referentes significantes presentes na composição. O descolocamento do ângulo
de captura, ou seja da incidência angular do eixo da objetiva sobre o eixo do objeto
fotografado, pode atribuir ao objeto novas proporções, apresentando-o em escalas
diferentes das escalas reais. Já a nitidez da imagem é definida pela profundidade de
campo. Ela seleciona a parte do espaço em que os objetos ou pessoas situados nele serão
vistos com clareza. Seu uso de forma consciente pelo fotógrafo passou a ser um
procedimento alternativo de produção de sentido, ela pode realçar ou ocultar
informações em um assunto. Todos estes elementos compõe o processo de construção
de uma combinação expressiva em imagem, que procurará enfatizar, além das
características físicas presentes na realidade, a nova apresentação que o fotógrafo
intencionou dar ao objeto retratado.
       Todavia, ainda que a imagem fotográfica pareça ocultar a realidade mais que
revelar, é incontestável o fato de que a fotografia possa trazer consigo importantes
informações sobre um determinado assunto. Afinal, “uma única imagem reúne, em seu
conteúdo, uma série de elementos icônicos que podem fornecer informações para
diferentes áreas do conhecimento” (KOSSOY, 1999, p. 51). Trata-se aqui de uma
linguagem extremamente sensível, que sugestiona uma leitura menos arbitrária quando
comparada ao texto, exigindo, entretanto, mais atenção, por sua não linearidade e
simultaneidade de apresentação dos elementos por ela veiculados.
       A fotografia revela muito mais características espaciais que temporais. As
informações visuais pertencem à porções de espaço, quanto maior a dimensão do espaço
capturado, mais informações visuais conterá a imagem. Já os outros tipos de
informação, como as auditivas, as olfativas, entre outras, pertencem à duração do
tempo. Neste sentido, quanto maior for o tempo capturado mais informação será
agregada. Como na fotografia a variável tempo se encontra suspensa, são as
características espaciais que prevalecem e testemunham uma espécie de “fisionomia” do
                                                                                    16
espaço (COSTA, 2010). A relação dos objetos entre si, os volumes, as formas, as cores,
as texturas e até mesmo a noção de profundidade são exemplos deste movimento.
       Além disso, fotografar é também registrar momentos e detalhes que nos passam
despercebidos. Produzir um elemento que se alicerça na paralisação do tempo é, sem
dúvida alguma, produzir uma artificialidade. Mas, por outro lado, tal possibilidade nos
proporciona visualizar um assunto particionado, facilitando a sua compreensão.
       Assim fazia Muybridge no fim do século XIX. Com o auxílio da fotografia, ele
passou a analisar o movimento dos cavalos (figura 1), descobrindo que estes não
“flutuavam" no momento do galope, e sim, alternavam seu apoio entre as patas traseiras
e as dianteiras, saltando na sequência. Tal fato, colocou em cheque toda uma tradição do
universo da pintura, que por inúmeras vezes havia retratado cavalos que, como aviões,
planavam no ar.




                                         Figura 1. The horse in motion. Eadweard Muybridge


       Neste sentido, a fotografia nos mostra, separadamente, aspectos importantes do
assunto retratado. A interrupção temporal e o recorte espacial facilitam a análise ao
fragmentar o assunto, mostrando-nos elementos que outrora não foram notados devido a
continuidade espaço-temporal presente na apreensão da realidade.


                                                                                       17
Da mesma forma que um quebra-cabeças precisa de muitas partes para retomar
seu significado integral, a fotografia retoma esta mesma idéia. Ela não pode ser vista
como a síntese do objeto retratado, mas sim como uma parte autônoma composta a
partir do objeto real, que fora notada pelo fotógrafo, autor da imagem.
       Portanto, aquilo que fica evidente é que a fotografia, como um objeto artístico,
possibilita inúmeras interpretações, que somente um olhar mais atento poderá ordená-
las, mas nunca completamente ou definitivamente. Cabe ao receptor olhá-las, percebê-
las, descrevê-las, relacioná-las, e acima de tudo, refletir sobre estas imagens, de forma
que elas não se apresentem como verdades impostas e imediatas, mas sim, como
instrumentos que trazem à baila elementos que irão compor nossa própria interpretação
sobre um determinado assunto.




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A fotografia no mundo


       Como vimos, existem duas frentes que, embora pareçam contrárias, expressam,
juntas, a natureza da imagem fotográfica. A primeira desenvolve a ideia de que
fotografar é um ato de criação/construção. A segunda busca trabalha os laços icônicos
da fotografia com a realidade, enfatizando seu valor como registro.
       Por um lado, a realidade é a matéria prima com a qual o fotógrafo, como um
artista, esculpe sua representação. Como agente ativo, ele a manipula, selecionando
elementos dentre um assunto, pausando o fluxo temporal, recortando a continuidade
espacial, adaptando-a à natureza perspéctica do aparelho fotográfico, modificando-a no
momento da revelação e, por fim, confinando-a em seu suporte material, o papel. Por
outro lado, esta mesma composição, elaborada pelo fotógrafo, surge a partir de um
objeto real, configurando uma espécie de registro do mundo visível.
       Quando presente no mundo, esta peculiaridade das imagens fotográficas gera
relações ainda mais complexas. A fotografia permite, a um só tempo, perceber, registrar,
exibir e guardar o mundo de uma forma diferenciada, não sendo possível pensá-la como
um simples elemento portador de valores ideológicos, tampouco como produto de uma
técnica inovadora que reproduz a realidade. Ela é um dispositivo enunciador,
constantemente aberto, que tem seu ciclo iniciado com o próprio fotógrafo, na atividade
de produção da imagem, e continuado no imaginário dos receptores, já no momento de
contemplação e recepção.
       Para aquele que fotografa, a prática fotográfica revela uma sensibilidade mais
apurada para com o mundo, promovendo alterações na percepção do espaço e dos
eventos que nele se desenvolvem. Trata-se da produção de conhecimento sobre tudo
aquilo que se relaciona aos materiais, ao método e mecanismo envolvidos em
determinada técnica.
       Veja-se o caso da luz, por exemplo. Como elemento necessário para a formação
da imagem, ela possui características próprias, que reagem de forma singular, quando
em contato com cada elemento, material ou cor que se encontra disposto na realidade. O
uso do aparelho fotográfico desenvolve no fotógrafo uma postura observadora que o


                                                                                     19
leva a compreender as particularidades de cada tipo de luz, as sensações por elas
produzidas, o processo de formação das sombras, os ofuscamentos, entre outros.
       Para aquele que recebe as imagens fotográficas, a possibilidade de conhecimento
aberta pela fotografia, depende tanto dos meios que divulgarão as imagens, quanto do
repertório pessoal e cultural de cada receptor.
       A fotografia se coloca como uma ferramenta que facilita a comunicação. Sua
possibilidade de reprodução, distribuição e permanência, não somente democratiza o
conhecimento sobre o assunto fotografado, como também o perpetua. A imagem
fotográfica prevalece frente à própria realidade.
       Assim aconteceu no processo de transformação da cidade de São Paulo, por
exemplo. Grande parte dos edifícios históricos, construídos ao longo dos anos, foram
demolidos e substituídos por edifícios modernos. Aquilo que restou foram as imagens
de fotógrafos como Guilherme Gaensly e Militão Augusto de Azevedo (figura 2), que
retrataram o período.




                        Figura 2. São Paulo no início do século XX. Militão Augusto de Azevedo

                                                                                             20
Dessa forma, a fotografia sobrevive ao assunto, representa-o e o substitui
(GALIANO, 1994), funcionando como um dispositivo de dispersão tanto de conceitos,
quanto de informações. Cabe aos meios de divulgação o controle              desta fonte
conhecimento, pois uma mesma fotografia pode ser utilizada em diferentes discursos,
sejam eles artísticos, científicos ou mercadológicos (COSTA, 2010).
       Quanto à recepção destas imagens, embora elas proponham uma sistemática de
leitura mais livre e uma modelo de interpretação essencialmente plural, seu
entendimento se assemelha ao processo de compreensão de um texto, não basta
conhecer as letras, deve-se conhecer as palavras, e além disso, as ideias devem ser
familiares, caso contrário o leitor não alcançará entendimento da obra.
       A recepção deve ser amparada num aparato histórico-cultural, que auxiliará na
recomposição do contexto, que conferiu existência àquelas imagens. O receptor deverá
compor mentalmente o momento da captura, alcançando novamente a realidade, outrora
modificada pela intervenção do fotógrafo (DUBOIS, 1993).
       Quando tal aparato se faz presente, aquele que contempla a fotografia viabiliza o
conhecimento por meio das informações nela contidas. Do contrário, a recepção não se
completa, tornando-se parcial. O receptor não consegue reconstruir o ato da “tomada”
do registro, inviabilizando o conhecimento e passando a observar as fotografias “como
janelas para o mundo” (FLUSSER, 2002), simples cópias da mais pura realidade.
       Neste sentido, quais seriam os possíveis desdobramentos da contemplação e
recepção acrítica das imagens fotográficas?
       Como vimos, a fotografia, por ser ancorada na dicotomia criação/registro, coloca
o homem em movimento, desde o momento da produção até o momento da recepção.
São imagens que permanecem em relação dialética com o mundo, partindo da realidade
e retornando para ela, como num circulo vicioso, que se dá por meio do agente humano
envolvido no processo.
       Se por um lado, a fotografia pode auxiliar o receptor na construção de novos
conhecimentos sobre os mais variados assuntos, por outro lado, ela também pode
influenciá-lo, condicionando seus hábitos e comportamentos, sempre de acordo com as
intenções, tanto daquele que a produziu, como daqueles que a tornaram públicas.


                                                                                     21
Quando o receptor assume uma postura acrítica perante as fotografias, ele
incorpora um conhecimento simbólico e fragmentado, passando a reproduzi-lo em seus
próprios atos. Tal movimento completa o que chamamos de ciclo dialético da fotografia.
Ele transforma a imagem construída pelo fotógrafo em pura realidade, condenando o
receptor à reproduzir atos previamente controlados, que podem comprometer seu
desenvolvimento pessoal e impossibilitar o avanço das partes envolvidas.
       A existência de intenções de cunho ideológico vinculadas aos elementos que
viabilizam a propagação de ideias, como a fotografia, acontecerá progressivamente
devido à própria natureza representativa desta e ao contexto econômico-cultural no qual
vivemos. Neste sentido, é preciso retomar uma postura crítica sobre o mundo,
experimentá-lo em todos seus desdobramentos e compará-lo às interpretações que as
fotografias nos trazem, do contrário, como diria Fernando Fuão (1994), nossos olhos
estarão como cebolas, velos sobre velos, enuviados por uma catarata de imagens.




                                                                                    22
Considerações sobre a fotografia de arquitetura


        O conhecimento empírico do espaço é aquele que proporciona o entendimento
integral de uma arquitetura. Experienciar um ambiente significa perceber os estímulos
por ele suscitados em todos seus desdobramentos, sejam eles físicos, sociais ou
psicológicos. Para isto, o tempo e o movimento são dois fatores fundamentais na
percepção do espaço (ZEVI, 2002), pois um estímulo não se desenvolve numa fração de
segundo e uma arquitetura não se encerra numa só vista.
        Ao presenciar um edifício, logo de início, o olhar curioso é aquele que nos guia.
Ele vasculha o território, como num raio-x instantâneo, buscando se localizar e
compreender o espaço. Se permanecermos ali, mesmo parados, um barulho desavisado
poderá nos surpreender, o cheiro do ambiente poderá nos desagradar, a temperatura
poderá querer nos expulsar e a visualidade poderá nos encantar. Todos estes estímulos,
juntos, geram uma espécie de experiência multi-sensorial, que se faz essencial para a
construção do conhecimento, em suas origens mais elementares.
        No entanto, tal conhecimento é também limitado, pois nossa própria percepção
do espaço já é amplamente carregada de subjetividade. Até mesmo nossos sentidos são
guiados pela intenção. Aquilo que vemos, assim como o que ouvimos ou sentimos, não
nos é dado como absoluto e total, mas como matéria que a percepção seleciona, amplia
ou ignora, opera e modifica de acordo com a intencionalidade do receptor
(MACHADO, 1984). Dessa forma, muitas vezes não notamos algumas particularidades
de um determinado assunto e, mesmo o presenciando, sua recepção se faz parcial em
nossas mentes.
        Se por um lado a presença no espaço cria esta espécie de conhecimento
sensorial, por outro lado, quando nos deparamos com a necessidade de síntese é a
memória que entra em questão, evidenciando a necessidade de instrumentos que possam
auxiliar no registro e posterior acesso à estas informações.
        Veja-se a obra de Gaudí, por exemplo. Ao visitar sua arquitetura, poderíamos
tomá-lo, erroneamente, por um arquiteto excêntrico e estritamente visual. No entanto,
no que diz respeito à soluções estruturais, suas obras possuem projetos tão complexos
que não podem ser compreendidos em sua totalidade, tampouco construídos, sem o
                                                                                      23
auxilio de instrumentos que organizem os conceitos envolvidos. Ironicamente, é aí que
mora sua genialidade.
        Neste sentido, foi por meio das representações que o arquiteto procurou ampliar
seus conhecimentos, registrando suas ideias, seus conceitos e tudo aquilo que agrega
informação ao seu trabalho. O aparecimento da fotografia favoreceu este escopo. A
imagem fotográfica, não somente, capta um assunto a partir da realidade e o particiona,
facilitando a análise, como também institui a perspectiva, principal ferramenta
ordenadora do espaço tridimensional.
        O recorte espaço-temporal promove pausas em fenômenos que possuem fluxo
contínuo, registra detalhes e evidencia situações que, muitas vezes, nos escapam. Para o
arquiteto, isto significa ter acesso à informações que poderão contribuir em diversas
frentes de seu trabalho, como no reconhecimento do local de implantação de uma obra,
na idealização de um novo projeto e, até mesmo, na complementação de seus
conhecimentos sobre arquitetura.
        Já a instituição da perspectiva na imagem fotográfica readapta a arquitetura,
elemento tridimensional, ao papel, suporte bidimensional, quadriculando e organizando
o espaço, de modo a facilitar a compreensão do mesmo. Ainda que o caráter “físico-
matemático” do espaço perspéctico se oponha ao caráter psicofisiológico característico
da percepção humana, a perspectiva continua, ao longo dos anos, colocando-se como
um dos métodos que demonstra certa eficácia na representação do espaço. Isto porque,
na fotografia ou como representação gráfica, ela funciona como um instrumento que
torna “compreensível” o objeto representado, veiculando o conhecimento intrínseco à
ideia ou à obra propriamente dita.
        Por outro lado, a arquitetura, como um “organismo” que se mantém em relação
constante com o território, com as pessoas que ali habitam e, por fim, com toda a cultura
que o envolve, quando recortada de seu contexto espaço-temporal, perde tudo aquilo
que lhe dá sentido. A essência do projeto está diretamente ligada as soluções
encontradas pelo arquiteto para trabalhar harmonicamente com as características físicas,
sociais e geográficas do local de implantação da arquitetura. Sem estes elementos, a
obra perde suas raízes, seus propósitos e significados, transformando-se, no caso da


                                                                                      24
fotografia, em mera forma plástica bidimensional, passível de abordagens artísticas e
pictóricas, mas não arquitetônicas.
        Dessa forma, que tipo de conhecimento revelam então as imagens fotográficas
como representação da arquitetura?
        Hoje, a fotografia pode ser considerada uma das principais ferramentas
utilizadas no universo da arquitetura. As principais atividades desenvolvidas com o
auxílio deste elemento se dividem em três frentes, que se entremeiam e se alimentam
constantemente. A saber: o      registro de informações, o processo de análise, e a
veiculação de conhecimento.
        Para registrar informações sobre um território, um terreno, ou uma obra, o
arquiteto moderno, buscando facilitar seu trabalho, faz uso de uma câmera fotográfica,
como uma ferramenta rápida e eficaz, que, muitas vezes, substitui a fatura de outros
tipos de registro.
        Uma vez presente no espaço, ele registra aquilo que vê e o que sente,
procurando construir um acervo de informações que possa ser acessado à distância. A
fotografia lhe serve como um dos instrumentos que sintetiza parte das sensações, ou
informações, recolhidas no local da obra. Sem esta síntese, grande parte do
conhecimento empírico adquirido poderia se perder. O registro facilita a análise,
proporcionando a revisão daquilo que outrora foi vivenciado.
        Em outro momento, este material fotográfico poderá ser divulgado, alimentando
um acervo geral de informações sobre uma determinada obra, ou local e, é este acervo
que irá dar suporte à alunos e profissionais da arquitetura no acesso ao conhecimento de
obras já construídas, bem como à tecnologias e materiais já utilizados. Neste sentido, as
imagens fotográficas passariam a alimentar o repertório pessoal daqueles que a elas
tiveram acesso, compondo um certo imaginário na mente de cada receptor.
        O conhecimento e a análise de um território, um terreno, uma obra, uma
tecnologia, ou um material, foram facilitados pelas possibilidades proporcionadas pela
fotografia e ampliados com o aparecimento das revistas especializadas em arquitetura e
a criação da internet. No entanto, quando a produção, bem como a recepção destas
imagens, são atividades acríticas, a fotografia nos torna próximos na apropriação
simbólica do mundo, porém distantes enquanto interação com o vivido (COSTA, 2010).
                                                                                      25
Para o arquiteto que presencia o espaço e utiliza a câmera como um instrumento
que substitui seu comportamento investigador, ativo e construtor de conhecimento,
produzir imagens se torna uma atividade alienante. O aparelho fotográfico se transforma
num prolongamento dos seus próprios olhos e o espaço passa a ser por ele percebido em
forma de fotografias. Sua presença no ambiente pouco importa, pois sua intenção está
focada na produção de imagens, e não na recepção de estímulos. Assim como aquele
que se ausenta por completo da atividade empírica, o arquiteto que acredita que as
imagens fotográficas podem substituir a experiência do real, adquire um conhecimento
fragmentado e incompleto, projetando-o mundo a fora, em forma de arquitetura,
igualmente alienadas.
        Segundo o fotógrafo Nelson Kon (2008), a construção de arquiteturas
puramente visuais é um dos resultados deste processo. O acesso a territórios, ou a
arquiteturas, mediado por fotografias, produzidas pelo próprio arquiteto, ou publicadas
em revistas e sites especializados, privilegia a visualidade do espaço, descartando as
outras variáveis que compõe a realidade.
        Além disso, as informações que foram captadas pela fotografia estão
profundamente vinculadas a própria natureza da imagem fotográfica. Como vimos,
aquele que as produziu estava subjugado às possibilidades dos materiais e do
mecanismo envolvido no processo. As fotografias, pensadas e construídas como meras
imagens, são novos elementos, que trazem consigo apenas semelhanças com o objeto
real.
        Neste sentido, a elaboração de novos projetos baseados em referências
fotográficas completa o ciclo dialético da fotografia no universo da arquitetura. As
informações veiculadas por estas imagens retornam para o mundo por meio do receptor.
Se o arquiteto mantém uma olhar crítico sobre as fotografias, ele as utiliza como
instrumentos que agregam conhecimento à sua obra. Do contrário, seus projetos estarão
intrinsecamente ligados à reprodução de parâmetros imagéticos e fotográficos, que
aleatoriamente visam transformar-se em arquitetura.
        Como num movimento de recorte e colagem, é provável que as obras assim
projetadas se distanciem da própria realidade - social, cultural, geográfica e econômica
- do local onde serão implantadas. São projetos que reproduzem belas perspectivas, que
                                                                                     26
multiplicam a fragmentação do espaço e que privilegiam o olhar fotográfico ao olhar
humano, pois foram por ele construídos.
       Contudo, de forma a facilitar a compreensão do trabalho, a abordagem descrita
acima se restringiu à duas possibilidades, geradas pelo uso da fotografia, que são
diametralmente opostas, o uso crítico e o acrítico. Por certo, o conhecimento veiculado
pelas imagens fotográficas é de natureza indeterminável, pois as relações por ela
proporcionadas tem ciclos infinitos, que dependem estritamente do grau de
profundidade da atividade receptiva.
       Não cabe a este trabalho definir conceitos ou parâmetros que encerrem esta
questão, pelo contrário, pretendeu-se apenas levantar as prováveis implicações desta
atividade em diferentes níveis. Buscar possíveis definições ou significados precisos no
universo da fotografia é uma posição contrária à própria natureza deste elemento.
Afinal, cada imagem resume um olhar, é uma versão de um espaço e de um tempo, que
se encontra ancorada na essência daquele que a criou, mas que irá se transformar na
mente daquele que a recebeu.




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4. ESTUDO DE CASO


       O Centro Cultural São Paulo


       Contexto


       A concepção do projeto do edifício do Centro Cultural São Paulo teve início em
julho de 1975, com os primeiros esboços de um programa arquitetônico, que daria
origem à Nova Biblioteca Central de São Paulo, localizada no bairro Paraíso, na cidade
de São Paulo. Com a construção iniciada em 1979, o projeto de arquitetura acabou
sendo reformulado e adaptado para abrigar o primeiro Centro Cultural da cidade,
inaugurado em maio de 1982.
       O período de elaboração e implantação do edifício foi marcado politicamente
pela obscuridade da ditadura militar (1964 a 1985) e economicamente por um
considerável desenvolvimento na economia do país, mais conhecido como o milagre
econômico brasileiro.
       O autoritarismo, a supressão dos direitos constitucionais, as perseguições
políticas, as prisões, as torturas e a morte compunham o cenário político da época. Todo
cidadão que fosse contrário ao regime seria calado. A repressão e a censura foram as
principais armas de que os militares se valeram para tolher a liberdade e impedir que
qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgada. A
imposição do silêncio e o controle dos meios de comunicação mantinham a imagem de
uma estabilidade política, enunciando uma nação em plena prosperidade.
       Viveu-se um ciclo inédito de desenvolvimento no Brasil; o governo divulgava
estes números na sua publicidade, e eles constituíam a viga mestra da política de
sustentação publicitária do governo militar. A aplicação de medidas econômicas de
combate à inflação gerou maior estabilidade monetária, alavancando a ampliação de
empréstimos no exterior, que impulsionariam os investimentos na industria de base –
siderurgia, energia, petroquímica – e, consequentemente, o crescimento de alguns
setores, como o da construção civil.
       Paradoxalmente, do ponto de vista social, houve um aumento na concentração de
                                                                                     28
renda e na pobreza. Ficaram famosas as explicações dadas na televisão em que Delfim
Netto, ministro da fazenda, defendia: “É preciso primeiro aumentar o 'bolo' (da renda
nacional), para depois reparti-lo”. A não adoção de políticas econômicas específicas
que corrigissem a já existente concentração de renda acarretou na distribuição desigual
do crescimento econômico. De um lado a classe média teve seu poder aquisitivo
ampliado e de outro lado permaneceu a maior parte da população, sem ser atingida por
este milagre.
         Neste contexto de grandes disparidades sociais, políticas e econômicas, foi
também por meio da música, do cinema, do teatro, das artes plásticas e da arquitetura
que artistas e intelectuais se constituíram como focos de resistência perante a situação.
Estabeleceu-se uma nova relação entre a arte e a política. As obras dos artistas passaram
a servir como veículo de protesto e denúncia, articulando a formação de uma cultura
alternativa de esquerda, que fortalecia um posicionamento de luta em favor do
restabelecimento da cidadania, dos direitos humanos e da liberdade de expressão. As
canções de protesto de Chico Buarque; o cinema novo de Gláuber Rocha; a obra
“Tropicália” de Hélio Oiticica; as provocações do Teatro Oficina de José Celso; e
arquitetura de Vilanova Artigas, são alguns exemplos deste movimento (TELLES,
2002).
         O projeto do Centro Cultural São Paulo, se desenvolve em meio a esta
realidade, assumindo um posicionamento de inclusão perante a sociedade e de
resistência perante ao autoritarismo do regime militar.




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Projeto


       Os arquitetos Luiz Benedito de Castro Telles e Eurico Prado buscaram criar uma
arquitetura que promovesse encontros e trocas, acesso ao conhecimento, à arte e à
cidadania. A ideia era abrir o edifício à cidade, proporcionar espaços convidativos,
contribuir para que os olhares transpusessem barreiras, fossem mais perspicazes,
investigadores e, também, se encontrassem (TELLES, 2002).
       O projeto teve como referência obras arquitetônicas que se relacionavam
diretamente com o programa a ser desenvolvido. Entre elas, o Centro Georges
Pompidou (1977), o Museu D'Orsay (espaço reformado e transformado em museu em
1977), ambos em Paris; o Centro J. Paul Getty (1997), em Los Angeles; o MASP –
Museu de Arte de São Paulo (1968); o SESC – Fábrica da Pompéia (1977); o Museu
Lasar Segall (1932); o MIS – Museu da imagem e do Som (1970) e o MAM – Museu da
Arte Moderna (1948), em São Paulo.
       O terreno onde a obra seria implantada foi anteriormente desapropriado pela
prefeitura de São Paulo, servindo de apoio à obra de construção da estação Vergueiro,
linha azul do metrô. Embora a região se encontrasse deteriorada devido à confluência de
grandes vias, às proporções monumentais dos edifícios adjacentes e à inexistência de
áreas arborizadas (figura 3), sua localização privilegiada manifestava grande potencial
para a aplicação de edifícios que possuíssem caráter público e importância social.




                     Figura 3. Obra em construção e seu entorno. Fonte: Arquivo Luiz Telles
                                                                                              30
Dessa forma, o projeto do CCSP procurou, não somente, integrar-se
harmoniosamente à paisagem local, como também, renovar urbanisticamente o
ambiente urbano, que constituía os arredores de sua implantação (figura 3).
       Para a equipe, o edifício não poderia se impor à paisagem urbana. Deveria ser
baixo, leve, convidativo e integrar-se ao terreno, incorporando seu formato e topografia
(TELLES, 2002).
       A arquitetura do CCSP, apesar de suas grandes dimensões, não se destaca pela
sua imponência ou monumentalidade. A utilização do desnível existente no local
proporcionou o desenvolvimento de um projeto prioritariamente horizontal (figura 4 e
5), que se agrega de forma discreta, mas não tímida, à paisagem urbana.
       Os arquitetos exploraram a aplicação de ambientes longitudinais, que se
desenvolvem paralelamente ao longo das avenidas laterais (ver desenhos arquitetônicos
no item X). Seus quatro pavimentos acompanham exatamente a forma do talude do
terreno. O edifício parece encaixado entre a Rua Vergueiro e a Avenida 23 de maio,
configurando um ambiente confortável, de leitura direta do espaço e das atividades ali
desenvolvidas.




                           Figura 4. Fachada da Avenida 23 de maio. Fonte: Arquivo Luiz Telles




                               Figura 5. Fachada da Rua Vergueiro. Fonte: Arquivo Luiz Telles

                                                                                           31
Segundo o arquiteto Luiz Telles, a preocupação e atenção com o usuário foi a
tônica do processo de implantação do CCSP. O perfil do cidadão comum balizou o
projeto. A arquitetura deveria promover o acesso facilitado aos serviços da biblioteca, e
também, instigar o usuário a se interessar e a participar de outras atividades culturais ali
desenvolvidas.
       Para isto, os arquitetos lançaram mão de uma série de artifícios que buscaram
alcançar esta meta. Todo o projeto privilegia uma visualidade com longa profundidade.
A configuração do edifício parece estar, a todo momento, motivando o usuário a realizar
um percurso, que o levará a experienciar, não somente, o projeto arquitetônico em todos
os seus desdobramentos, mas também as atividades que ali se desenvolvem, como aulas
de dança, teatro, shows, palestras, debates, entre outros.
       A criação de uma rua interna (figura 6 e 7), que atravessa todos os principais
ambientes, seguiu esta proposta. Como um percurso longitudinal que percorre a
arquitetura de ponta a ponta, ela, além de enfatizar ainda mais a horizontalidade do
edifício, parece instigar o usuário a movimentar-se.
       Aquele que caminha neste espaço, tem acesso visual aos ambientes destinados à
exposição, à biblioteca, às salas de espetáculo, à entrada dos cinemas, ao restaurante e à
vivência do jardim central. A adoção deste partido favoreceu a circulação entre os
ambientes, facilitou o acesso pelas ruas laterais e, ainda, configurou um modelo de
transição, que protege o edifício dos aspectos negativos de seu entorno – ruído, tráfego
intenso, ventos etc.




                                     Figura 6. Croqui da rua central. Fonte: Arquivo Luiz Telles


                                                                                             32
A presença de grandes ambientes envidraçados (figura 7), mas sempre abertos,
retoma esta mesma intenção. Ela facilita a circulação do ar e a passagem de luz,
evitando o aquecimento excessivo dos ambientes e dispensando o uso de ar
condicionado. Além disso, a transparência das salas, proporciona uma visão de longa
distância, privilegia a visualização das atividades em desenvolvimento e amplia o
espaço.
                                     É como um convite, um despertar de curiosidade com sentido
                                     de descobrir e se motivar, tomar parte das atividades. Os
                                     olhos do usuário percorrem esse caminho como se fosse uma
                                     câmara cinematográfica em “travelling” captando as funções,
                                     os espaços e elementos da arquitetura, as outras pessoas
                                     também em percurso ou participando das atividades culturais
                                     (TELLES, 2002)




                 Figura 7. Rua interna e espaços envidraçados. Fonte: acervo do autor


       Segundo o arquiteto Luiz Telles, projetar um edifício de grande porte e de
fundamental importância à cidade e à própria sociedade paulistana, exigiu um
aprofundamento dos profissionais envolvidos no universo da biblioteconomia e da
museologia.
       A biblioteca se coloca como o principal ambiente do edifício. Sua configuração
arquitetônica parece provocar a curiosidade do usuário. Ela incita aquele que passa pelo
local a percorrer seu espaço, mesmo que somente com os olhos, incentivando o ingresso

                                                                                             33
e a utilização de seu diferenciado acervo de livros, quadrinhos, vídeos e discos.
       A adoção do “livre acesso”, complementou as intenções dos arquitetos. Ela
objetivava aprimorar e facilitar o encontro do usuário com o acervo oferecido. As obras
estariam à disposição do usuário, não sendo mais justificadas as torres para guarda de
livros, até então comuns aos edifícios destinados a bibliotecas (TELLES, 2002).
       Arquitetonicamente, esta composição “provocativa” foi alcançada com a criação
de um pátio central, que dá acesso à diferentes pontos deste ambiente, configurando um
espaço fluído e facilmente permeável. O pátio possui o maior pé direto da obra,
acomodando um vazio interno, que permite a visualização das atividades desenvolvidas
na biblioteca (figura 9) e nos outros pisos laterais, destinados à exposição.




      Figura 8. Acessos múltiplos por rampas                  Figura 9. Vista do piso superior
                      Fonte: acervo do autor                          Fonte: acervo do autor


       As árvores existentes no terreno (figura 10), sobreviventes das obras do metrô,
foram preservadas, formando um grande jardim central que, em conjunto com um
jardim sobre laje, proporciona ao usuário uma área de lazer e de contemplação em
                                                                               34
oposição à agressiva paisagem urbana do local. Estes jardins parecem ainda,
redimensionar o espaço, fragmentando os trezentos metros de comprimento do edifício.




                   Figura 10. Desenho do jardim central. Fonte: Arquivo Luiz Telles


        A arquitetura do CCSP combina aço e concreto nos componentes da estrutura
(figura 11, 12 e 13), uma solução considerada avançada para o período pelo qual
passava a construção no Brasil. A escolha dos arquitetos proporcionou o
desenvolvimento da indústria e tecnologia local, pois o projeto se diferenciava dos
métodos convencionais. A técnica construtiva foi racionalizada, mas grande parte das
peças   possuíam   características   singulares,    sendo     construídas,    ou      moldadas,
individualmente, no local da construção.




                         Figura 11, 12, 13. Fotos da construção. Fonte: arquivo Luiz Telles

                                                                                              35
“O projeto foi considerado uma prova de que as técnicas construtivas podem
integrar-se de forma harmônica com o ambiente e o programa desenvolvido” (PIRES,
1982). Os componentes estruturais do edifício se encontram propositalmente colocados
à mostra, assim como outros materiais, como o tijolo e o concreto (figura 15). Este
procedimento proporciona riqueza visual aos ambientes. A estrutura substitui o papel do
ornamento, e também, funciona de forma didática, promovendo conhecimento sobre os
elementos construtivos, que remetem à própria atividade arquitetônica.
       Sua disposição é livre, e, quando combinada ao concreto parece proporcionar
leveza ao ambiente. Ela se desenvolve organicamente, participando da composição do
espaço (figura 14), sem se impor, e integrando-se à paisagem e às atividades cotidianas
dos usuários e trabalhadores do local.




            Figura 14. Elementos estruturais            Figura 15. Elementos Construtivos
                     Fonte: acervo do autor                        Fonte: acervo do autor


       Dentre as principais características do projeto especificadas acima, para o
enfoque desta pesquisa, um aspecto merece atenção especial: A iluminação.
                                                                                      36
Iluminação


        Se a fotografia depende estritamente da presença da luz para sua existência, a
formação das imagens dentro de um edifício, de certa forma, se encontra atrelada ao
projeto de iluminação do mesmo.
        Detalhes como a disposição dos pontos de iluminação natural e artificial; a
trajetória do sol dentro do ambiente; a reação dos materiais e das cores quando em
contato com a luz; os usos complementares da luz natural e artificial, certamente
interferem na produção e na composição das imagens.
        Sendo assim, para a análise do material iconográfico produzido sobre o Centro
Cultural São Paulo entender este aspecto se fez fundamental.


        Os arquitetos responsáveis pelo projeto buscaram utilizar de forma integral a
iluminação natural. Poucos ambientes se valem do uso de iluminação artificial. A planta,
praticamente simétrica, é composta por cinco aberturas na cobertura, sendo duas
completamente vazadas e três cobertas pelos domus (figura 16).




                Figura 16. Aberturas na cobertura. Fonte: arquivo Luiz Telles

                                                                                     37
Aliados à solução zenital, há caixilhos laterais que cercam todo o espaço coberto
do edifício. A luz zenital, que configura uma iluminação homogênea e uniforme, garante
a iluminação de todo o espaço, enquanto a lateral, heterogênea, promove uma percepção
mais acurada das formas, volumes e texturas. Há, entre ambas as soluções de
iluminação natural, uma complementação que promove, simultaneamente, a clareza
necessária para realização das atividades, o entendimento do espaço e a percepção da
passagem do tempo.
       Para dar riqueza espacial e textural aos ambientes, a iluminação presente no
Centro Cultural São Paulo, tanto natural como artificial, não se dispõe de forma frontal
(figura 18). A maioria das lâmpadas, componentes da iluminação artificial, é colocada
de forma inclinada, acompanhando a inclinação da estrutura do edifício. As aberturas
zenitais, quando não são inclinadas, são cobertas pelo domus acrílico (figura 17) que
apresenta uma curvatura capaz de difundir a luz de forma mais rica pelo ambiente.




                  Figura 17. Domus acrílico        Figura 18. Iluminação natural e artificial
                     Fonte: acervo do autor                          Fonte: acervo do autor
                                                                                          38
A iluminação do espaço da biblioteca é composta por diversas soluções de
iluminação natural, lateral e zenital (figura 20 e 22). Complementando-as, há a
iluminação artificial, disposta em uma modulação que dialoga com a estrutura metálica
do prédio (figura 21). Adjacente ao pátio, o espaço da biblioteca tem a entrada lateral de
luz natural filtrada pela cobertura vegetal do jardim (figura 19). Este recurso possibilita
a difusão da luz que, sem incidência direta, torna o ambiente mais fresco e agradável
para as atividades de concentração e reclusão nele realizadas.




   Figura 19. A vegetação como filtro natural       Figura 20. Iluminação natural e artificial
                       Fonte: acervo do autor                          Fonte: acervo do autor




 Figura 21. Iluminação artificial Inclinada                   Figura 22. Domus da biblioteca
                      Fonte: acervo do autor                          Fonte: acervo do autor




                                                                                           39
A iluminação do espaço do teatro é parte da solução do próprio programa
(figura 23). A abertura existente para entrada de luz sobre o palco é, simultaneamente, a
solução para disposição da plateia superior ao redor dele. Sobre este espaço, para
estabelecimento de uma luz mais difusa e apropriada às apresentações, há toldos
acoplados aos domus. Eles permitem maior controle e homogeneidade da iluminação
natural. O espaço do teatro é também provido de iluminação natural lateral. Sua parte
superior é inteiramente cercada por vidro o que permite uma transparência para as
atividades assim como eficiência lumínica.




                                       Figura 23. Iluminação no teatro. Fonte: acervo do autor




                                                                                           40
Cronologia das publicações - Revistas e livros que publicaram material
iconográfico sobre edifício do Centro Cultural São Paulo, em anexo.


18/05/1981 – Revista – Construção Hoje, nº 5


26/04/1982 – Revista – A Construção em São Paulo, nº 1785


19/05/1982 – Revista – Veja, nº 715


05/1982 – Revista – Projeto, nº 40


1982 – Revista – Módulo, nº 72


12/1983 – Revista – Projeto, nº 58


1983 – Livro – XAVIER, Alberto. LEMOS, Carlos. CORONA, Eduardo. A Arquitetura
Moderna Paulistana. São Paulo, SP: Editora Pini.


12/1988 – Revista – Projeto, nº 117


1988 – Revista – Brazil Projects
The Institute for Art and Urban Resources, Inc. / Sociedade Cultural Arte Brasil


2001 – Revista – Oase, nº 57


15/11/2002 – Revista – Transfer


12/2005 – Revista – Projeto Design, nº 300


2005 – Livro – SERAPIÃO, Fernando. São Paulo, Guia de Arquitetura
Contemporânea. São Paulo, SP: Editora Viana e Mosley.
                                                                                   41
O imaginário proposto pelas publicações


       Como vimos, a elaboração do projeto do Centro Cultural São Paulo teve início
em 1975, sua construção foi iniciada em 1979 e sua inauguração se deu em 1982.
       De forma a facilitar esta análise, optou-se por dividir as publicações, que tiveram
este edifício como tema, em cinco principais períodos, são eles:


       De 1981 à 1985 seis revistas publicaram textos e imagens que versavam sobre o
Centro Cultural São Paulo – “Construção hoje”; “A construção em São Paulo”; “Veja”;
“Módulo”; “Projeto” (duas vezes) e “Arquitetura Moderna Paulista”.
       De 1986 até 1990 foram duas as revistas – “Projeto”, “Brazil Projects”. Sendo
que a revista “Brazil Projects” foi a primeira publicação no exterior.
       De 1991 à 2000 não houveram publicações.
       De 2001 à 2005 foram quatro as revistas – “Oase”, “Transfer”, “Projeto Design”,
“SP Guia de Arquitetura Contemporânea”. Sendo que duas delas são estrangeiras – A
revista “Oase” é Holandesa e a revista “Transfer” é espanhola.
       Depois de 2005 não houveram publicações.


       Tal abordagem nos permitiu identificar quais as principais características do
conteúdo proposto pela abordagem das revistas e dos livros citados acima. Dentre estas
características, as descritas abaixo mereceram atenção especial.


       •   De 1981 à 1985: o contexto político


       Em 1982 as revistas “A Construção em São Paulo” e “Veja” apontam a
Construção do Centro Cultural São Paulo como um marco para a história da cidade.
Uma atmosfera progressista parece tomar conta dos textos e das imagens. O edifício é
colocado como uma obra da prefeitura amplamente voltada aos interesses da população.
Ambas as revistas citam o prefeito Reinaldo de Barros e o secretário Mario Chamie
empenhados na promoção de uma nova política cultural em São Paulo. O Centro
Cultural aparece como símbolo da democracia paulistana, procurando abranger um
                                                                                       42
público heterogêneo, que inclua desde a classe alta até as camadas mais baixas da
população.
       Sabidamente, o governo militar passou a fazer grandes investimentos,
principalmente no setor da construção civil, buscando empregar a acumulação de capital
vinda do milagre econômico e evidenciar a imagem de um país em crescimento. São
exemplos deste momento: a construção da Ponte Rio-Niterói, da Trans Amazônica, da
Rodovia Belém-Brasília, da hidrelétrica de Itaipú e de vários conjuntos habitacionais do
período.
       No entanto, algumas destas obras eram também voltadas ao divertimento da
população. A política social do período funcionava como uma espécie de política “pão e
circo”. Ela procurava distrair o povo, de forma a mascarar os problemas sociais e evitar
qualquer tipo de manifestação contra o governo. A construção de inúmeros estádios de
futebol é sua melhor expressão, tenha-se como exemplo os estádios Lourival Batista, no
Sergipe; Estádio Municipal Lomanto Júnior, em Vitória da Conquista, na Bahia; Estádio
Municipal Alberto Oliveira, em Feira de Santana, também na Bahia; Estádio Municipal
de Brasília, atualmente Estádio Mané Garrincha, no Distrito Federal; entre outros, todos
construídos no período da ditadura.
       Neste contexto, entra em cena a construção do edifício do Centro Cultural São
Paulo, que, por este viés, também comprometia-se com a função de aproximar a
população da ideologia da ditadura. As revistas que publicaram qualquer tipo de
material versando sobre esta obra, não somente ignoraram esta conjuntura, como
também se posicionaram a favor da construção da imagem de um Brasil grande e em
desenvolvimento. Na década de 80, somente a revista “Projeto” cita que “o momento de
construção do Centro Cultural São Paulo foi um momento político difícil”, não se
aprofundando no assunto.
       Entretanto, cabe ressaltar que a construção de uma Biblioteca/Centro Cultural,
por mais que revelasse uma postura estratégica, ideológica, por parte do governo da
ditadura, é uma obra que, por certo, agrega valores humanos – culturais e educacionais
– tanto à população, quanto à própria cidade. Tal fato evidencia que a concepção deste
projeto surgiu num processo de abertura, como um sinal de possível transformação,
inusitada no período. Dessa forma, o Centro Cultural São Paulo era apresentado à
                                                                                     43
população como parte do programa da ditadura, porém seu conteúdo já conspirava
contra este mesmo sistema.
       Neste sentido, até 1985, a maior parte das publicações procurou enfatizar o
caráter inovador e progressista da obra. O uso da estrutura mista de concreto e aço era
uma novidade no panorama arquitetônico brasileiro, sendo por inúmeras vezes
evidenciado e discutido nas imagens e textos publicados pelas revistas. Pilares e vigas
também são constantemente colocados à mostra, pois a solução estrutural aplicada foi
considerada ousada para o período. A imagem de um Brasil em marcha é a que fica,
operários trabalhando, o edifício crescendo, a indústria se aprimorando, e,
supostamente, a cidade e a população caminhando junto, rumo ao progresso e ao
desenvolvimento.


       •   De 1985 à 2005: a busca por uma identidade


       Depois de 1985 até 2005 a ênfase das publicações passa a estar centrada numa
comparação entre a arquitetura do Centro Cultural São Paulo e as obras modernistas da
arquitetura paulista. Aproximações e distanciamentos se fazem presentes.
       Em 2005, a revista “Projeto Design” compara os pilares do Centro Cultural São
Paulo aos pilares da rodoviária da cidade de Jaú, projeto de Vilanova Artigas (1973).
Por outro lado, esta mesma revista afirma que as formas livres e o desenho sinuoso do
edifício são elementos que o afastam das características desta produção.
       A maioria dos textos parecem buscar encaixar o edifício num determinado estilo
arquitetônico. O sistema estrutural escolhido pelos arquitetos parece ser a “peça chave”
da discussão. É ele que aparenta aproximar ou distanciar a obra dos modelos já
conhecidos da arquitetura da “escola paulista”.
       Dessa forma, o uso da estrutura livre na concepção do projeto é evidenciado a
todo momento, pois foi esta escolha que permitiu liberdade formal ao edifício,
distanciando-o da produção arquitetônica dos anos 60, e aproximando-o de uma
provável nova fase da arquitetura brasileira.
       No entanto, cabe ressaltar que todas as publicações discutem superficialmente o
sistema estrutural, a configuração espacial e a interação urbana do próprio projeto do
                                                                                     44
edifício. Algumas citam elementos utilizados, outras fazem comparações, todas num
formato curto e, acima de tudo, afirmativo, parecendo-lhes importante nomear os usos,
as técnicas, os materiais, como forma de, ao final, classificar também o projeto.


       •   A continuidade da construção


       Aproximadamente a partir de 1985, as imagens e textos publicados deixam de
relatar o período da construção do edifício e passam a mostrar um Centro Cultural em
plena função. Porém, o que estas publicações não revelam é que o edifício passou por
um longo período funcionando parcialmente, pela falta de investimentos públicos, que
pudessem concluir a obra.
       No período de transição do regime militar para a democracia, o governo optou
por manter seus projetos de desenvolvimento, elevando a dívida externa a patamares
altíssimos. O modelo desenvolvimentista brasileiro se mostrou falido, ocasionando o
mais longo período de recessão da economia no país. Tal fato, restringiu os
investimentos públicos, condenando ao abandono grande parte das obras que não
haviam sido concluídas.
       O edifício do Centro Cultural São Paulo se encaixa nesta realidade. Em 1983 e
1988, somente a revista “Projeto” anuncia, superficialmente, que a obra sofre com
problemas relativos às dificuldades para sua conclusão, comparando-a à grande parte
das obras de caráter público. Mesmo inacabado, o edifício prosseguiu aberto à
população, passando até mesmo por reformas antes da sua finalização.
       Hoje, sabemos que o Centro Cultural, apesar de possuidor de uma estrutura
imensa, ainda não é utilizado em todo seu potencial. Parte do projeto referente ao
subsolo foi engavetado, permanecendo inacabado até os nossos dias.
       Com o passar do tempo, este pavimento tornou-se subutilizado, não sendo
explorado pelas revistas e livros que tiveram o edifício como tema. Dessa forma, por
descaso das políticas públicas, o projeto se mostra mutilado tanto àqueles que o
conhecem por meio do imaginário construído pelas publicações, quanto àqueles que
frequentam e vivenciam o local.


                                                                                    45
•   O entorno do edifício


       Notou-se que a maior parte da publicações, independente da data, discursam
sobre o interior do projeto do Centro Cultural. São poucas as fotografias que mostram o
entorno da obra e aquelas que o fazem mostram ou uma vista aérea, ou a fachada lateral
da Avenida 23 de março. A fachada da Rua Vergueiro, aparece em poucas fotos.
       É provável que as grandes dimensões do edifício, somada a sua horizontalidade,
dificultem a apreensão de imagens pelo seu exterior. Afinal, para capturar uma obra
externamente, em todas as suas proporções, é importante que haja um certo
distanciamento da mesma.
       Neste caso, a fachada da Avenida 23 de março pode ser considerada uma fachada
mais “fotogênica”, que a fachada da Rua Vergueiro. A existência de um vazio,
proporcionado pelas grandes dimensões da própria avenida, permite ao fotógrafo incluir
na imagem maior parte da construção. Tal fato não ocorre na Rua Vergueiro, pois os
edifícios que compõe o entorno são mais próximos, não permitindo uma visão de longa
profundidade.
       Outro fator que pode ter colaborado com esta deficiência é a agressividade do
ambiente externo, quando comparado aos ambientes internos desta arquitetura. O
projeto do Centro Cultural São Paulo parece naturalmente privilegiar seu interior,
abrindo grandes vazios, que se configuram como ambientes isolados de qualquer
estímulo externo. Além disso, o fotógrafo presente no local, provavelmente, se sente
mais a vontade num espaço sombreado e sem a presença de carros, produzindo maior
número de imagens na parte interna deste edifício.
       Neste sentido, o conteúdo publicado pelas revistas e livros não revela parte das
fachadas que compõem esta arquitetura, devido às dificuldades derivadas das
características presentes nas imediações do edifício. Os textos procuram suprir este
desfalque, descrevendo este entorno, mas, na maioria dos casos, aquilo que se sobrepõe
são as descrições dos ambientes internos, evidenciando uma incompletude por parte do
imaginário veiculado pelas publicações.




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•   Elementos recorrentes nas imagens


       Alguns elementos são recorrentes em quase todas as publicações, são eles: as
vigas, os pilares, as rampas e as árvores do jardim central. Toma-se a parte pelo todo,
conferindo assim qualidade icônica à estes elementos.
       Por um lado, é provável que esta predileção por determinados elementos tenha
surgido gradativamente, de acordo com o conteúdo que as revistas e livros procuraram
exaltar. Por outro lado, existe a possibilidade de que tais elementos sejam esteticamente
apreciados, ao ponto de serem constantemente fotografados, ao longo dos anos.
       Ambas possibilidades não se excluem, pois a formação de um imaginário
fotográfico sobre uma obra se auto-alimenta. As primeiras imagens deram início a esta
formação imaginativa. Por meio das revistas, dos livros e da internet, estas fotografias
foram divulgadas, passando a compor um certo universo particular na mente de cada
receptor. Este imaginário influenciará na concepção de novas imagens, dando origem a
um acervo de fotografias que, muitas vezes, repetem o mesmo tema, ainda que estas
tenham sido produzidas por diferentes pessoas, e em diferentes períodos da história de
um edifício.
       Veja-se o caso da recorrência dos pilares e vigas nas imagens que já foram
publicadas sobre o Centro Cultural. Como foi ressaltado anteriormente, as primeiras
publicações visavam enfatizar o desenvolvimento da indústria e o avanço das técnicas
construtivas no Brasil. Dessa forma as primeiras imagens do edifício versam,
especialmente, a respeito dos elementos estruturais presentes na obra, retratando, em
diversos ângulos e vistas, as vigas e os pilares, em meio à construção.
       Além disso, a disposição destes elementos no conjunto da obra, não deixa de ser
poética e, até mesmo, inspiradora. Ao meu ver, os pilares, como desenhados, remetem à
galhos de árvores, como os compõe o jardim ao lado da biblioteca. Já as curvas das
vigas podem significar um prolongamento destes mesmos galhos, fechando-se e
formando um grande habitáculo vegetal, que se mantém em contraste com a
artificialidade da cidade, de concreto e pedra, que envolve esta arquitetura. Todos estes
elementos, juntos, me parecem dignos de um registro, ou até mesmo, de uma
composição sensível que relate estas minhas impressões.
                                                                                      47
Definir com precisão as origens desta repetição se faz uma tarefa impossível,
pois a elaboração das imagens se dá de acordo com a percepção do espaço e o repertório
de cada um. Em contrapartida, a partir desta constatação, podemos dizer que as imagens
que dão preferência a estes elementos distanciam-se dos verdadeiros valores de uma
arquitetura, pois apresentam o Centro Cultural na forma de materiais, objetos e técnicas,
sempre apartados daquilo que lhe confere sentido: a sua relação com o homem.
       Se arquitetura somente se revela quando o homem dela se apropria, criando uma
relação com o espaço, identificando-se com ele, complementando-o e o resignificando
de acordo com os seus interesses. Será esta a melhor forma de representar uma obra
arquitetônica?
       A resposta para esta pergunta, pertence à uma gama de proposições de alta
subjetividade. Neste sentido, quaisquer considerações sobre este assunto não se esgota
neste estudo.
       Cabe aqui questionar, comparar e analisar, de forma a viabilizar a construção de
nossas próprias opiniões interpretativas, sejam elas a respeito de uma arquitetura, ou de
um imaginário arquitetônico.
       A forma de desenvolvimento de aproximações críticas a estas questões aqui
formuladas, considera, nesta pesquisa, além do texto, a própria imagem fotográfica, que
a partir deste ponto será predominante.




                                                                                      48
Experimentando a arquitetura


       Perceber um espaço é também descobri-lo por meio da recepção dos estímulos
por ele proporcionados. No entanto, como vimos, a interpretação destes estímulos se dá
na mente daquele que presencia o espaço, alterando-se conforme seus repertórios
pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas concepções ideológicas, suas convicções
morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos, profissionais, seus mitos etc.
       Dessa forma, nos próximos parágrafos procurei por meio do texto registrar a
minha interpretação sobre os estímulos que presenciei ao visitar o edifício do Centro
Cultural São Paulo.   Assim como a fotografia, a escrita funciona tanto como registro
quanto como meio expressão. Ela possibilita descrever as cores, as texturas, as formas,
as sensações, o contexto, comparar os elementos, ilustrá-los, evidenciá-los, mascará-los,
ou até mesmo reconstruí-los. Trata-se de uma ferramenta livre que, de certa forma,
comporta não somente uma gama de informações sobre um determinado assunto, mas
também, parte da trajetória daquele que lhe conferiu existência.
       Cabe ressaltar que, embora o conteúdo deste texto tenha partido de uma vivência
pessoal somada à um método próprio de recriação, procurou-se respeitar as experiências
vividas no espaço, sem alterá-las. Esta iniciativa possibilitou a organização das minhas
ideias e de meus pareceres no que diz respeito ao edifício, seu contexto e história, mas
também criou novos elementos, que agora se agregam ao imaginário do Centro Cultural
São Paulo.
       Neste sentido, pretendeu-se com este escrito registrar as informações que vão
além das possibilidades da imagem fotográfica, e ainda, evidenciar o quanto são
subjetivas as representações, sejam elas em forma de texto, ou fotografia.




                                                                                         49
A primeira vez que passei diante do edifício do Centro Cultural São Paulo
chovia. Ainda me recordo do som das buzinas e do bafo quente no interior do carro, que
não possuía ar condicionado e era mantido com as janelas fechadas por causa da chuva.
O trânsito em São Paulo nos dias chuvosos, como bem sabemos, é insalubre, podendo
transformar pessoas tranquilas e bem humoradas em seres violentos, e sem humor
algum.
         Presa no trânsito, dentro de um carro lotado, tive a oportunidade de visualizar ao
longe o que a primeira vista me pareceu ser um imenso jardim com uma cobertura
sobressalente. Como o carro se movimentava por volta de dez metros a cada meia hora,
o tempo foi suficiente para que eu pudesse abrir a janela e observar com calma o
edifício que se encontrava silencioso em meio ao caos da hora do rush paulistano.
         Fiquei curiosa ao perceber que de seu interior brotavam galhos gigantes, que
anunciavam um outro espaço, inalcançável naquela situação. O jardim e as plantas
foram aquilo que mais me impressionou. É quase uma miragem poder visualizar um
possível espaço de conforto e tranquilidade, num ambiente tão impessoal e agressivo
como o da avenida 23 de maio.
         A curiosidade foi tão grande que dias depois peguei minha bicicleta, porque de
ônibus corria o risco de ficar presa no trânsito novamente, e fui conhecer aquele lugar,
que outrora havia me despertado interesse.
         O concreto e o asfalto blindavam o solo. O sol escaldava as cabeças daqueles
que pela rua caminhavam. Os motores dos carros funcionavam num ritmo frenético,
como num punk rock infinito, que liberava cada vez mais poluição e mais calor. Pra
variar, o trânsito estava parado em toda a avenida Vital Brasil. E eu, que saía da USP
com a minha bicicleta, que não polui e nem produz calor, ultrapassava todos os carros a
caminho da avenida Paulista, pensando nos descompassos da metrópole pós-moderna.
         Há pouco tempo a prefeitura de São Paulo implantou um sistema que permite
transportar bicicletas nos vagões do metrô. Assim, sem muitos esforços, cheguei ao
Centro Cultural pelo acesso da estação Vergueiro.
         Logo de cara, notei que este acesso promove uma sensação de isolamento com
relação ao entorno que acomoda o edifício. E somente caminhando um pouco mais,
pude visualizar, ao longe, a parte superior dos edifícios gigantes, que se localizam do
                                                                                        50
outro lado da avenida 23 de maio e da rua Vergueiro, pois dois grandes jardins protegem
esta entrada.
       Foi com dificuldades que deixei minha bicicleta no bicicletário do próprio
Centro Cultural.    Lá, o paraciclo é do tipo “pendurado” e eu nunca tenho força
suficiente para levantar a bicicleta até a altura ideal. Por sorte era sábado, e havia vários
meninos dançando break logo na entrada do edifício. Um deles me ajudou a pendurá-la.
Agradeci ao menino e fiquei mais um tempo ali parada, vendo eles dançarem.
       O sol estava tão forte, que mesmo sob a cobertura que protege as laterais desta
entrada, a temperatura era alta e a quantidade de luz causava uma espécie de
desconforto aos meus olhos. Talvez seja pelo concreto que reveste o piso deste páteo, e
que, nos dias ensolarados, acaba liberando muito calor e refletindo muita luz. Coloquei
meus óculos e fui tomar água no bebedouro que ficava próximo ao banheiro. Mas, a
sensação térmica era tanta, que desisti de olhar os meninos dançarem e fui adentrando o
Centro Cultural.
       Percorri o local com passos lentos, vasculhando o ambiente. A cada passo o
edifício se mostrava mais amplo. Parecia um espaço infinito e sem portas. Como uma
realidade a parte de tudo aquilo que se desenvolvia ao exterior.
       Haviam várias pessoas ali. Eram velhos, jovens e também crianças, de todas as
idades. Naquele momento, o Centro Cultural me pareceu sobretudo um espaço de
permanência, como uma praça de cidade pequena, onde as pessoas se reúnem as vezes
sem muitas pretensões, as vezes dispostos a discutir os mais diversos assuntos. Lá as
pessoas pareciam tranquilas, algumas estavam uniformizadas e descansavam, como se
estivessem no horário de almoço, outras estavam concentradas estudando, e havia ainda
aquelas que pareciam somente estar curtindo aquela tarde de sábado, junto com os
amigos.
       Entrando pelo corredor, notei uma movimentação logo adiante. Escutei também
uma música, que invadia o espaço e convidava as pessoas para dançar. Foi quando
avistei a sala de espetáculos que entendi o que estava acontecendo. O Centro Cultural
estava desenvolvendo uma programação para cegos, proporcionando-lhes acesso à
atividades que geralmente não fazem parte do cotidiano de uma pessoa com deficiência
visual. Os que não eram cegos usavam um tecido sobre os olhos, de forma que naquele
                                                                                          51
instante, libertos do tribunal da visão, todos eram iguais e estavam livres para dançar,
sem preconceitos. Só lhes cabia sentir.
       A música é a arte que tem o poder de colocar nossos corpos em movimento.
Como um tecido oscilando ao vento, num vai e vem sereno e desregrado, que o faz de
bailarina e transforma um simples balanço em pura poesia. Fiquei ali parada
observando, escutando a música, vendo as pessoas dançarem e imaginando como seria
diferente o mundo se todos não pudessem ver.
       Até que um moço de pele escura, cabelo desgrenhado e roupas sujas, me chamou
a atenção. Ele balançava a cabeça e dançava como se escutasse sua música preferida
depois de meses sem ouvi-la. Era um morador de rua que ali encontrava a oportunidade
de incluir-se novamente na sociedade, que outrora havia lhe excluído.
       Me lembro que algumas vezes ouvi amigos dizerem que as salas de cinema do
Centro Cultural tinham um mau cheiro por conta dos moradores de rua que
participavam das sessões.
       Naquele momento, vendo-o dançar, pensei que bom seria se todas as salas de
cinema da cidade de São Paulo tivessem esse cheiro. Talvez assim, algumas pessoas se
incomodariam e se questionariam de sua própria posição, perante a posição
desfavorecida daquele que se encontra ao seu lado.
       Ao final do concerto, continuei minha caminhada pelo edifício e, após poucos
passos, me deparei com, nada mais nada menos, que um campeonato de xadrez. Eu
adoro xadrez. Aprendi a jogar há pouco tempo, mas, quanto mais aprendo, mais tenho
vontade de jogar.
       Os participantes pareciam todos mais velhos. Logo de início, imaginei que fosse
um campeonato de xadrez para idosos, mas quando olhei mais atentamente, vi o quão
estúpida era esta hipótese, pois também haviam vários jovens participando.
Subitamente, fui acometida por uma vontade imensa de jogar, mas, como não me sinto
preparada para competições, e tampouco estava inscrita no campeonato, achei melhor
continuar minha caminhada.
       Quando cheguei próximo à biblioteca, um garoto, montado numa bicicleta, me
chamou. Ele se apresentou e me perguntou se eu gostaria de viver uma experiência nova
e emocionante, que certamente eu ainda não havia vivido. Confesso que fiquei um
                                                                                     52
pouco confusa, e me perguntei desconfiada: que tipo de experiência nova e emocionante
aquele menino poderia querer me proporcionar?
       Mesmo sem saber a resposta, aceitei o desafio, e o menino rapidamente me
pediu que sentasse no banco de trás da bicicleta. Eu ri, e só depois entendi que se tratava
de um passeio de bicicleta para cegos. Assim como no concerto, aqueles que não eram
deficientes visuais também podiam participar, mas com a condição de estarem com os
olhos vendados.
       Coloquei a venda e me sentei no banco de trás da bicicleta. Logo de início, me
senti insegura e com firmeza segurei na cintura do menino que guiava o passeio. Ele
saiu pedalando pelo Centro Cultural e, conforme nos movimentávamos, fui me
habituando à escuridão que se dava ao meu redor.
       Como eu ainda não conhecia o lugar, percebi o quanto era difícil reconhecer um
espaço sem poder vê-lo. Minhas sensações pareciam desordenadas. E talvez por falta de
costume, tornou-se difícil me sentir segura. Foi aí que me lembrei que, há algum tempo,
li uma pesquisa que dizia que o Centro Cultural é o lugar preferido dos cegos, em toda a
cidade de São Paulo.
       A partir de então, resolvi relaxar. Os sons, os odores e as sensações passaram a
ser meus principais guias e, pouco a pouco, comecei a relacioná-los aos ambientes que
passávamos. Quando cruzamos o restaurante, foi fácil saber onde estávamos, pois as
vozes aumentaram, ouvi o som dos talheres batendo nos pratos e senti o cheiro de que
comida cobria o lugar.
       Logo depois, senti que diminuímos a velocidade e, aos solavancos, percebi que o
menino fazia força para subir em algum lugar. Lá, o barulho dos carros já anunciava que
estávamos próximos à uma saída. Mas, não consegui reconhecer exatamente nossa
posição no edifício. Conforme o menino continuou pedalando, notei que o barulho foi
se afastando e tudo foi ficando mais silencioso.
       Até que de repente, ele me pediu que abrisse os braços e eu, mesmo receosa, fiz
como ele havia dito, deixando-me levar, em busca das sensações. Rapidamente, senti a
bicicleta aumentar a velocidade e uma espécie de vento bateu em meu rosto. Percebi
que estávamos descendo. Era como um voo descontrolado em meio a escuridão. Fiquei
com medo e agarrei novamente na cintura do menino. Em resposta, ele se pôs a rir,
                                                                                        53
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A fotografia e o Centro Cultural São Paulo

  • 1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA Relatório Final A fotografia como representação da arquitetura: Estudo de caso, Centro Cultural São Paulo Bolsista: Caroline Cristina Pazini Orientador: Prof. Dr. Artur Rozestraten Relatório Final, referente ao programa de Iniciação Científica, ENSINAR COM PESQUISA 2010-2011, pertencente à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo. SÃO PAULO/SP – BRASIL MARÇO/2011 1
  • 2. A imagem revelada, é sempre um duplo, emanação direta e física do objeto, seu traço, fragmento e vestígio do real, sua marca e prova, mas o que ela revela, sobretudo, é a diferença, o hiato, a separação irredutível entre o real, reservatório infinito e inesgotável de todas as coisas, e o seu duplo, pedaço eternizado de um acontecimento que, ao ser fixado, indiciará sua própria morte. Lucia Santaella 2
  • 3. ÍNDICE RESUMO ................................................................................................4 1. OBJETIVOS / METODOLOGIA..........................................................5 2. INTRODUÇÃO .......................................................................................6 3. REFLEXÕES A natureza da imagem fotográfica ............................................................9 A fotografia no mundo ............................................................................19 Considerações sobre a fotografia de arquitetura ….................................23 4. ESTUDO DE CASO O Centro Cultural São Paulo Contexto …...............................................................................................28 Projeto ……..............................................................................................30 Iluminação…............................................................................................37 Cronologia das publicações ….................................................................41 O imaginário proposto pelas publicações …............................................42 Experimentando a arquitetura …..............................................................49 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................55 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................87 7. ANEXOS Plantas, Cortes e Fachadas – Centro Cultural São Paulo….......................92 Publicações – Centro Cultural São Paulo…...............................................92 Comunicações / Documentos.....................................................................92 DVD com arquivo de imagens...................................................................92 3
  • 4. RESUMO Cada arquitetura possui um imaginário fotográfico criado por aqueles que a vivenciaram e a registraram segundo suas próprias intenções. Hoje, a fotografia é uma das principais ferramentas utilizadas pelo arquiteto, não somente como meio de expressão e divulgação de seus projetos arquitetônicos, mas também como forma de adquirir e produzir conhecimento. Porém, entre vivenciar uma arquitetura e conhecê-la por meio de imagens existe um distanciamento, que só se revela quando compreendemos integralmente a natureza representativa da imagem fotográfica. Tendo como objeto de análise o edifício do Centro Cultural São Paulo, coube a este trabalho delinear que tipo de conhecimento e de fantasia veiculam as fotografias ao representar a arquitetura, quais são suas possibilidades, limitações e quais seus desdobramentos na relação que se estabelece com os edifícios e os espaços urbanos. Palavras-chave: arquitetura; fotografia; representação; imagem; imaginário; Centro Cultural São Paulo. 4
  • 5. 1. OBJETIVOS Este projeto de iniciação científica tem como objetivo estudar a natureza específica da imagem fotográfica como representação da arquitetura, sua história, possibilidades, limitações, suas relações complementares com outros meios como o desenho e o texto, tomando como base o caso do imaginário iconográfico do Centro Cultural São Paulo. 1. METODOLOGIA O projeto se concentrou nos seguintes tópicos: • a fundamentação teórica-conceitual e a elaboração de critérios técnicos e artísticos que orientaram a aproximação ao universo da fotografia de arquitetura, priorizando a análise de textos que discorrem sobre a natureza da imagem fotográfica e sua presença no mundo. • o estudo do imaginário fotográfico (entendido aqui como acervo de imagens e discursos sobre tais imagens) produzido sobre o edifício do Centro Cultural São Paulo (1982) de Luiz Benedito Castro Telles e Eurico Prado; • o estudo dos projetos e da história deste edifício. • a composição de ensaios fotográficos sobre tal arquitetura. Com relação aos ensaios fotográficos, foi utilizada uma câmera fotográfica Canon EOS 400D. As imagens obtidas são em alta resolução (em média possuem 500 MB de tamanho de arquivo e 300 dpi de resolução), feitas no período de março de 2010 à março de 2011. 5
  • 6. 2. INTRODUÇÃO A arquitetura é um objeto concreto e presente no mundo. Ela comporta em sua forma o resultado funcional e estético que aquele que a projetou intencionou lhe dar. Mas esta forma somente se revela de maneira integral quando é vivenciada pelo próprio corpo. Toda a arquitetura exige de quem a observa, antes de tudo, a presença: é o olhar caminhante, que vivencia o espaço estando junto a ele, confrontando-o e o experimentando, que a arquitetura presta-se inteiramente (ZEVI, 1996). Entretanto, a arquitetura, sendo criação humana e de sua cultura, foi submetida a várias possibilidades de representação de que o homem lançou mão ao longo de sua existência. Do desenho à pintura, até que se chegasse, em meados do século XIX, à fotografia e, atualmente, às maquetes digitais, todas as formas de representação tiveram a arquitetura como objeto de atenção particular, contribuindo, sem dúvida alguma, para o legado histórico e documental que forma o imaginário da sociedade atual. Este vínculo estabelecido entre a arquitetura e os meios de representação operou- se de acordo com a postura investigativa que o arquiteto assume perante o mundo no exercício de sua profissão. Criar uma arquitetura, significa, acima de tudo, dar origem a um “organismo”, que se manterá em relação constante com um território, com as pessoas que ali habitam e, por fim, com toda a cultura que o envolve. Para o arquiteto, buscar o entendimento da realidade, em seus desdobramentos mais recônditos, é uma atividade necessária, pois são as particularidades deste “cenário” que se apresentarão como a essência do projeto, justificando a escolha de um partido. Quanto mais ele se aprofunda no conhecimento da realidade, mais harmoniosa será a relação de sua obra com o homem e o mundo. Assim, ao longo da história da arquitetura, foi por meio das representações que o arquiteto procurou registrar aquilo que o cercava, e também suas próprias ideias, de forma a facilitar seu trabalho e construir um acervo que lhe proporcionasse acesso imediato ao conteúdo outrora vivenciado, ou por ele imaginado. Os métodos de representação recriam “em miniatura” o assunto visado, e assim fazendo, facilitam o processo de análise e memorização, reinventando a história e produzindo o conhecimento. 6
  • 7. No entanto, é sabido que toda representação traz consigo defectividades particulares ao interagir com o objeto que visa, mediando o contato que o observador faz com este – neste caso, a arquitetura –, e o distorcendo, sendo sempre imperfeito, parcial, incompleto e verossímil. Dentre esses modos, a fotografia, por razões próprias à sua natureza, parece ter conquistado uma atenção especial. Por possuir sua existência intrinsecamente ligada à realidade, a fotografia alavancou de forma imediata seu uso como registro. Se de um lado este elemento garantiu ao homem uma forma de representação que reproduz o mundo com uma riqueza de detalhes dificilmente alcançada pela mão de um pintor, de outro lado, a existência destas supostas “cópias do real” ofuscou sua própria natureza representativa, levando muitos a acreditarem que estas imagens, como produtos de um sistema ótico e mecânico, são objetos técnicos desprovidos de qualquer tipo de subjetividade. Contudo, após o aparecimento da fotografia, a imagem, que antes era tida como um objeto artesanal, sobre o qual o artista, gênio demiurgo, havia debruçado todas suas virtudes, democratizou-se. O uso da técnica na sua produção e o fato de estas serem passíveis de reprodução facilitou o fazer artístico e desvinculou este elemento de seu valor material (BENJAMIN, 1994). Os avanços na industrialização dos equipamentos e materiais fotográficos intensificaram esta transformação, contribuindo para a invenção da fotografia digital, que se popularizou por volta do ano 2000. A facilidade na produção e veiculação das imagens alavancou automaticamente seu uso em jornais, revistas e, mais adiante, na internet, promovendo a formação de um novo acervo de informações que, quando utilizado criteriosamente, de certo pode auxiliar na difusão de conhecimento. Sendo assim, coube a este trabalho refletir sobre as possibilidades e limitações derivadas do uso da fotografia na esfera arquitetônica, já que este elemento tem se mostrado presente como instrumento de acesso ao conhecimento de arquiteturas já construídas, bem como à captação de informações para fins de projeto. Para tal intento, fixou-se como objeto de estudo o edifício do Centro Cultural São Paulo, no bairro do Paraíso, na cidade de São Paulo, buscando confrontar as considerações advindas da própria experiência arquitetônica, expressa pelas “emoções” do homem que vivencia a arquitetura, e o conteúdo proposto pelo imaginário fotográfico, que fora construído ao 7
  • 8. longo dos anos pelas revistas e livros que publicaram material iconográfico a respeito deste edifício.1 Este percurso, aliado a produção de novas imagens, fez-se fundamental para a compreensão do hiato existente entre as partes confrontadas, sugerindo, primeiramente, um estudo mais aprofundado no que diz respeito à própria natureza da imagem fotográfica. 1 Revistas como: Construção Hoje, A Construção em São Paulo, Veja, Projeto, Módulo, Arquitetura Moderna Paulistana, Brazil Projects, Oase, Transfer, Projeto Design e São Paulo - Guia de Arquitetura Contemporânea. 8
  • 9. 3. REFLEXÕES A natureza da imagem fotográfica As representações, ou registros, como obra humana, evidentemente não alcançam a totalidade ou a reprodução mimética do objeto a que se referem. Isto porque elas se configuram como novos elementos, que carregam consigo apenas semelhanças com o seu referente real. Os motivos pelos quais as representações adquirem determinada autonomia encontram-se expressos na própria natureza dos meios utilizados para sua criação. Na maioria dos casos2, aquele que esteve presente no momento do acontecimento medeia a transcrição. Através de alguns materiais, meios ou técnicas, ele produz um novo elemento que retrata aquilo que foi presenciado. Todos os métodos criados pelo homem, que visam representar algo, desenvolvem o mesmo processo. Entretanto, cada qual possui suas particularidades inerentes aos materiais envolvidos na atividade, exigindo do produtor uma postura singular e do produto final uma certa “feição” (SANTAELLA, 2005). Veja-se o caso do desenho, por exemplo. Aquele que desenha um determinado assunto submete-o as possibilidades do lápis, do papel e de suas habilidades visuais e manuais. Desenhar é buscar o conhecimento integral de como os elementos se apresentam na natureza. O artista debruça-se sobre o acontecimento disposto a compreendê-lo, esmiuçando suas principais particularidades, sua forma, textura, proporções e, enfim, sua relação com tudo aquilo que o cerca. Por certo, ele, presenciando o assunto, o reconhecerá de diversas maneiras através do olhar, do toque, do olfato, da audição, movimentando-se e comparando-o com outros elementos. No entanto, ao buscar recriá-lo em imagem, este, como portador das “sensações” que retratam o objeto de interesse, deve, obrigatoriamente, submeter seu conhecimento à materialidade dos meios pelos quais a imagem irá existir. Ou seja, somente aquilo que o 2 Como já especificado acima, nem todas as representações se referem à elementos que existem no mundo. Elas podem se referir também à elementos mentais, que, imaginados pelo seu criador, obviamente nunca foram presenciados. 9
  • 10. artista conseguir subordinar às regras e aos princípios inerentes ao mecanismo e método das ferramentas utilizadas irá compor a representação. Dessa forma, o produto final deste trabalho é autônomo, novo, ele possuirá uma relação com o objeto visado, assim como com a personalidade do artista, e também, com o próprio lápis e o papel. Já no caso da fotografia, aquele que fotografa submete o assunto às possibilidades do aparelho fotográfico, do filme foto-sensível, do papel, dos químicos reveladores e ainda, de sua sensibilidade visual, criando um novo elemento. Se no desenho, o agente humano, observador, confronta o objeto, alvo de sua atenção, promovendo uma relação de conhecimento que se prolonga e permeia toda a produção da imagem, na fotografia, este confrontamento presencial se restringe ao momento da captura. No entanto, o produto final desta técnica é a emanação física e direta do objeto visado, que poderá ser conservada, transportada e reproduzida de acordo com os interesses do produtor, gerando novas relações de conhecimento, ainda que distanciadas do referente real. Neste método de representação, a produção das imagens é regulada pelo aparelho fotográfico, e é a partir das possibilidades nele inseridas que o fotógrafo irá trabalhar. Seu funcionamento é baseado num sistema ótico que trabalha em parceria à um sistema mecânico. Juntos, eles configuram um instrumento profícuo de produção de imagens que, com notável precisão, retrata os elementos que se encontram dispostos na realidade. Se comparada ao processo da pintura, na fotografia a luz é a tinta e o mundo a própria mão do pintor. Os objetos, quando submetidos à luz, tornam-se visíveis a todo e qualquer aparato capaz de captá-la. E, é essa mesma luz, refletida pelos objetos, que atravessa o sistema ótico das câmeras e vai sensibilizar o filme. As diferentes taxas de iluminância refletidas por cada tipo de material, e/ou cada cor, é o que confere feição a imagem, garantindo um registro rico em detalhes e aparente fidelidade ao real. No entanto, a formação da imagem fotográfica vai além do processo físico descrito acima. Se de um lado este sistema ótico/mecânico é aquilo que garante existência a uma imagem, de outro lado, é ele também que gera determinado hiato entre a representação e o assunto representado. 10
  • 11. Cabe-nos lembrar que o sistema presente no aparelho fotográfico foi construído por pessoas que, inseridas em seu tempo, acreditavam profundamente nas lógicas que regulavam a produção de imagens no âmbito da cultura ocidental. Desde o Renascimento, afirmava-se que a perspectiva, por ser um sistema de representação fundado nas leis científicas de construção do espaço – as leis euclidianas – era a forma mais adequada de representar o mundo. Ela deveria nos proporcionar a reprodução mais justa e fiel da realidade visível, aproximando-se até mesmo da própria visão humana, como comentaram os autores Panofsky (1993), Francastel (1990) e Argan (1992). A partir de então, o homem passou a buscar sistematicamente um grau mais elevado de veracidade em suas representações. A utilização da máquina como mediadora do processo marcou o aparecimento da fotografia e favoreceu a realização deste propósito. O sistema ótico do aparelho fotográfico, pensado exatamente para resolver o problema da obtenção automática da perspectiva, (MACHADO, 1984) passou a reproduzir a lógica renascentista, originando imagens muito semelhantes aos objetos reais. Contraditoriamente, com o passar dos anos, descobriu-se que o método de formação das imagens presente na perspectiva se contrapunha ao modelo de visão natural dos seres humanos. Isto porque, o primeiro pressuposto desta modalidade de representação, é a existência de um olho único, imóvel e abstrato, que remete muito mais à visão de um Cíclope que à visão de um homem (MACHADO, 1984). Nossa percepção visual se dá com dois olhos. Os mecanismos que possibilitam o entendimento da tridimensionalidade encontram-se estritamente ligados ao sistema binocular presente nos seres humanos. Cada olho permite a visão de um campo visual. Separadamente, o campo de visão de um olho é restrito e pouco nítido. Entretanto, quando utilizados em parceria, os dois olhos convergem para o objeto de interesse permitindo a união de dois campos em uma só visão. Cada um dos dois olhos visualiza uma parte diferente dos objetos que estão no campo visual de forma que a combinação dessas duas imagens na mente permite-nos perceber relações de volume e profundidade (ALONSO, 1994). 11
  • 12. Contudo, nossos olhos precisam, ainda, movimentar-se para poder localizar e focalizar os objetos. O movimento ocular é aquele que vasculha o território procurando compreendê-lo. Isto porque, quando olhamos um objeto, focaliza-se a região a que este objeto pertence, desfocalizando automaticamente todo o resto. No reconhecimento da tridimensionalidade, nossos olhos se movimentam de modo a focalizar diferentes porções de espaço, proporcionando-nos um entendimento mais generalizado da situação. Se tivéssemos, como na perspectiva ou no aparelho fotográfico, somente um olho e fixo, nosso ponto focal seria único e, obrigatoriamente, deveríamos nos movimentar com o corpo para o reconhecimento de um espaço num ângulo de cento e oitenta graus (ALONSO, 1994). Além disso, deve ser levado em conta que o olho possui uma forma esférica em oposição à forma plana que a perspectiva e a fotografia admitem. Dessa forma, a imagem retiniana não se projeta numa superfície plana, como um quadro ou uma folha de papel, mas sim, numa superfície curva, côncava, específica do olho humano. Para se construir uma imagem tridimensional num suporte plano, como o papel, necessita-se de um mecanismo que adapte a tridimensionalidade a uma nova situação de bidimensionalidade. A perspectiva corresponde a este mecanismo. Mas, este espaço perspéctico “físico-matemático” opõe-se ao espaço psicofisiológico característico da subjetividade perceptiva humana, pois normatiza e privilegia apenas uma forma de percepção espacial. Além da reprodução da perspectiva, a forma como o aparelho captura as imagens, ou seja, tudo aquilo relacionado à sua materialidade mecânica, revela outros elementos presentes na fotografia que não são encontráveis na realidade, propondo uma nova gama de questionamentos que tendem a enfatizar ainda mais o distanciamento existente entre este elemento e seu referente real. Grosso modo, um dos principais objetivos/intenções do fotógrafo é registrar cenas de um acontecimento. Mas, para isto, ele necessita de instrumentos que lhe possibilite a fragmentação do acontecimento em cenas. A forma pela qual este profissional alcançará este escopo se dará por meio de um recorte na própria realidade, ou seja, um recorte no espaço e outro no tempo (FLUSSER, 2002). Os instrumentos que lhe permite intervir desta forma se encontram organizados nas configurações do 12
  • 13. aparelho fotográfico. São eles: o enquadramento do campo visual e a velocidade do obturador. Ao captar uma cena, as decisões do fotógrafo são aquelas que definirão as primeiras aparências da imagem. Ele deverá escolher a parcela de espaço que pretende enquadrar e, acima de tudo, deverá controlar a quantidade de luz que o aparelho fotográfico irá captar. O enquadramento é aquele que recorta uma porção de espaço da realidade (DUBOIS, 1993). Ele registra um pequeno fragmento do assunto, excluindo automaticamente todo o entorno que outrora complementava a cena captada. Trata-se da fragmentação direta do espaço. Aquilo que antes participava de uma rede de significações própria à realidade, após o ato fotográfico se transformará num elemento autônomo, aberto a novos usos e interpretações. Evidentemente, este recorte se faz necessário para que a fotografia exista, entretanto, ele também confere à imagem um primeiro componente visual, como uma moldura, que se coloca de forma permanente e impositiva. O enquadramento dá origem aos elementos básicos a partir dos quais se estrutura a composição plástica da fotografia, pois o que é fotografado está inevitavelmente em relação formal com os limites horizontais e verticais que encerram a imagem (OLIVEIRA, 2007). A retangularidade do suporte se manifesta em momentos decisivos – como quando o fotógrafo deve decidir pela organização posicional dos referentes, numa imagem simétrica ou assimétrica, equilibrada ou não, centralizada ou descentralizada –, evidenciando sua interferência pontual na aparência final da representação. Já o controle da quantidade de luz a ser captada se coloca como a tarefa mais importante que o fotógrafo deverá administrar. Tal encargo se dará de acordo com a luminosidade presente no ambiente e procurará permitir o registro detalhado de todos os elementos que compõe a cena. Para isto, o obturador é o instrumento que regula a parcela de luz que entrará no aparelho fotográfico e sensibilizará o material foto- sensível. O tempo de sua abertura deverá ser ajustado para uma certa fração de segundos que, de acordo com as intenções do fotógrafo, promoverá o registro da imagem. Desta forma, neste método de representação, o tempo se refere tanto à 13
  • 14. quantidade de luz que será captada, quanto à fração de segundos que será registrada na fotografia. E, assim como no caso do enquadramento, a captura de uma imagem, mediada pelo aparelho fotográfico, recorta, além do espaço, a linha do tempo. A fotografia se caracteriza, acima de tudo, como uma unidade descontínua, desprovida de continuidade temporal e espacial. A interrupção promovida pelo aparelho exclui automaticamente tudo aquilo que se encontra fora do tempo de captura da imagem, conferindo à fotografia uma espécie de tempo zero (OLIVEIRA, 2007), que descola a cena de sua continuidade temporal e atribui autonomia à imagem. Entretanto, a maior parte dos fenômenos não pode se revelar por completo numa fração de segundo. O tempo é um fator essencial no exercício da percepção e compreensão da realidade. Através dele, os processos se desenvolvem, podemos perceber o espaço, as proporções, as cores, os materiais, podemos nos movimentar, tocar, sentir o cheiro, a temperatura, ouvir os rumores etc. Dessa forma, entre a imagem fotográfica e o seu referente inscreve-se este hiato dado pela anulação do tempo. A fotografia nos mostra apenas um instante, dentre tantos outros que compõe a realidade do assunto representado, conferindo-nos uma percepção fragmentada do mundo. Além disso, a imagem, ao ser fixada pelo aparelho fotográfico, permanecerá em oposição ao prosseguimento do fluxo temporal. O assunto após captado se transforma imediatamente em passado, deixando de existir. A fotografia se torna a única prova de que aquilo que foi registrado realmente aconteceu. Ela substituirá a própria realidade. Porém, por tratar-se de um elemento autônomo e descontextualizado, seu potencial informativo somente poderá ser alcançado novamente na medida em que estes fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos – sociais, políticos, religiosos, econômicos, artísticos, culturais – que circunscreveram no espaço e no tempo o ato da tomada do registro. Caso contrário, estas imagens permanecerão estagnadas em seu silêncio, como fragmentos desconectados da memória, meras ilusões de um passado, que ninguém sabe ao certo como aconteceu (KOSSOY, 1999). Contudo, o processo de criação da imagem fotográfica não se esgota na captura. A revelação é uma etapa indissociável desta técnica. Neste momento, o fotógrafo 14
  • 15. finaliza seu trabalho, conferindo à sua obra os últimos retoques. Todo o sistema de manipulação da imagem, que está presente na fotografia digital e que em nossos dias suscita tantos debates relacionados à questão da legitimidade, não somente já existia no processo de revelação da fotografia analógica, como também foi aquilo que deu origem a lógica dos aplicativos de edição de imagens. Ao revelar o filme e ampliar suas imagens, o fotógrafo possui a liberdade de alterar o material outrora capturado, produzindo novos recortes na imagem, modificando a coloração – através do uso de filtros –, manipulando o contraste – por meio da composição e temperatura do químico revelador, do tempo de revelação, da agitação do filme ou papel –, e até mesmo, fazendo uso de máscaras que evidenciam ou ocultam certos elementos presentes na imagem. Dessa forma, há que se reconhecer que fotografar, envolvendo captar, revelar e ampliar as imagens, é essencialmente um ato de criação. A representação fotográfica tem seu início no momento em que o fotógrafo seleciona os elementos que farão parte da composição e seu fim no momento da revelação. Suas particularidades formais e visuais revelam conceitos e juízos de quem a produziu, de sua época e seu lugar. A fotografia, definitivamente, é a arte da verossimilhança, da marca, do símbolo, mas, com a mesma intensidade, ela é a expressão de um conceito sobre um assunto, e de uma maneira de representá-lo (OLIVEIRA, 2007). Ao participar de um certo contexto, o fotógrafo o percebe através da sua própria ótica. Neste instante, o assunto se faz por completo e ele, buscando registrar, conforme uma intenção, da forma mais objetiva possível, ou subjetiva, todas estas sensações que o invadem continuamente, passa a analisar seu entorno em busca dos personagens, da cena, dos ângulos, da posição, da iluminação, enfim, de uma composição que ele considere mais significativa, segundo sua própria interpretação. E, ainda que o fotógrafo presencie a realidade e a contemple analiticamente, aquilo que fica evidente é que o seu principal interesse não se encontra de todo nela, e sim, na forma como esta poderá lhe oferecer fotografias que correspondam às suas “emoções” e aos seus interesses. Desta forma, esta busca pela situação ideal se configura como uma busca por eventos fotogênicos, isto é, eventos que possivelmente deixam de lado parte dos elementos que configuram a própria realidade. 15
  • 16. A organização posicional dos referentes, a angulação e a nitidez da imagem são alguns dos elementos que sugerem a opinião do fotógrafo e a maneira como ele interpreta o seu referente, deixando clara a situação acima descrita. A posição dos objetos na imagem define não somente o grau de relevância conferido pelo fotógrafo a cada elemento, como também as relações almejadas com os outros referentes significantes presentes na composição. O descolocamento do ângulo de captura, ou seja da incidência angular do eixo da objetiva sobre o eixo do objeto fotografado, pode atribuir ao objeto novas proporções, apresentando-o em escalas diferentes das escalas reais. Já a nitidez da imagem é definida pela profundidade de campo. Ela seleciona a parte do espaço em que os objetos ou pessoas situados nele serão vistos com clareza. Seu uso de forma consciente pelo fotógrafo passou a ser um procedimento alternativo de produção de sentido, ela pode realçar ou ocultar informações em um assunto. Todos estes elementos compõe o processo de construção de uma combinação expressiva em imagem, que procurará enfatizar, além das características físicas presentes na realidade, a nova apresentação que o fotógrafo intencionou dar ao objeto retratado. Todavia, ainda que a imagem fotográfica pareça ocultar a realidade mais que revelar, é incontestável o fato de que a fotografia possa trazer consigo importantes informações sobre um determinado assunto. Afinal, “uma única imagem reúne, em seu conteúdo, uma série de elementos icônicos que podem fornecer informações para diferentes áreas do conhecimento” (KOSSOY, 1999, p. 51). Trata-se aqui de uma linguagem extremamente sensível, que sugestiona uma leitura menos arbitrária quando comparada ao texto, exigindo, entretanto, mais atenção, por sua não linearidade e simultaneidade de apresentação dos elementos por ela veiculados. A fotografia revela muito mais características espaciais que temporais. As informações visuais pertencem à porções de espaço, quanto maior a dimensão do espaço capturado, mais informações visuais conterá a imagem. Já os outros tipos de informação, como as auditivas, as olfativas, entre outras, pertencem à duração do tempo. Neste sentido, quanto maior for o tempo capturado mais informação será agregada. Como na fotografia a variável tempo se encontra suspensa, são as características espaciais que prevalecem e testemunham uma espécie de “fisionomia” do 16
  • 17. espaço (COSTA, 2010). A relação dos objetos entre si, os volumes, as formas, as cores, as texturas e até mesmo a noção de profundidade são exemplos deste movimento. Além disso, fotografar é também registrar momentos e detalhes que nos passam despercebidos. Produzir um elemento que se alicerça na paralisação do tempo é, sem dúvida alguma, produzir uma artificialidade. Mas, por outro lado, tal possibilidade nos proporciona visualizar um assunto particionado, facilitando a sua compreensão. Assim fazia Muybridge no fim do século XIX. Com o auxílio da fotografia, ele passou a analisar o movimento dos cavalos (figura 1), descobrindo que estes não “flutuavam" no momento do galope, e sim, alternavam seu apoio entre as patas traseiras e as dianteiras, saltando na sequência. Tal fato, colocou em cheque toda uma tradição do universo da pintura, que por inúmeras vezes havia retratado cavalos que, como aviões, planavam no ar. Figura 1. The horse in motion. Eadweard Muybridge Neste sentido, a fotografia nos mostra, separadamente, aspectos importantes do assunto retratado. A interrupção temporal e o recorte espacial facilitam a análise ao fragmentar o assunto, mostrando-nos elementos que outrora não foram notados devido a continuidade espaço-temporal presente na apreensão da realidade. 17
  • 18. Da mesma forma que um quebra-cabeças precisa de muitas partes para retomar seu significado integral, a fotografia retoma esta mesma idéia. Ela não pode ser vista como a síntese do objeto retratado, mas sim como uma parte autônoma composta a partir do objeto real, que fora notada pelo fotógrafo, autor da imagem. Portanto, aquilo que fica evidente é que a fotografia, como um objeto artístico, possibilita inúmeras interpretações, que somente um olhar mais atento poderá ordená- las, mas nunca completamente ou definitivamente. Cabe ao receptor olhá-las, percebê- las, descrevê-las, relacioná-las, e acima de tudo, refletir sobre estas imagens, de forma que elas não se apresentem como verdades impostas e imediatas, mas sim, como instrumentos que trazem à baila elementos que irão compor nossa própria interpretação sobre um determinado assunto. 18
  • 19. A fotografia no mundo Como vimos, existem duas frentes que, embora pareçam contrárias, expressam, juntas, a natureza da imagem fotográfica. A primeira desenvolve a ideia de que fotografar é um ato de criação/construção. A segunda busca trabalha os laços icônicos da fotografia com a realidade, enfatizando seu valor como registro. Por um lado, a realidade é a matéria prima com a qual o fotógrafo, como um artista, esculpe sua representação. Como agente ativo, ele a manipula, selecionando elementos dentre um assunto, pausando o fluxo temporal, recortando a continuidade espacial, adaptando-a à natureza perspéctica do aparelho fotográfico, modificando-a no momento da revelação e, por fim, confinando-a em seu suporte material, o papel. Por outro lado, esta mesma composição, elaborada pelo fotógrafo, surge a partir de um objeto real, configurando uma espécie de registro do mundo visível. Quando presente no mundo, esta peculiaridade das imagens fotográficas gera relações ainda mais complexas. A fotografia permite, a um só tempo, perceber, registrar, exibir e guardar o mundo de uma forma diferenciada, não sendo possível pensá-la como um simples elemento portador de valores ideológicos, tampouco como produto de uma técnica inovadora que reproduz a realidade. Ela é um dispositivo enunciador, constantemente aberto, que tem seu ciclo iniciado com o próprio fotógrafo, na atividade de produção da imagem, e continuado no imaginário dos receptores, já no momento de contemplação e recepção. Para aquele que fotografa, a prática fotográfica revela uma sensibilidade mais apurada para com o mundo, promovendo alterações na percepção do espaço e dos eventos que nele se desenvolvem. Trata-se da produção de conhecimento sobre tudo aquilo que se relaciona aos materiais, ao método e mecanismo envolvidos em determinada técnica. Veja-se o caso da luz, por exemplo. Como elemento necessário para a formação da imagem, ela possui características próprias, que reagem de forma singular, quando em contato com cada elemento, material ou cor que se encontra disposto na realidade. O uso do aparelho fotográfico desenvolve no fotógrafo uma postura observadora que o 19
  • 20. leva a compreender as particularidades de cada tipo de luz, as sensações por elas produzidas, o processo de formação das sombras, os ofuscamentos, entre outros. Para aquele que recebe as imagens fotográficas, a possibilidade de conhecimento aberta pela fotografia, depende tanto dos meios que divulgarão as imagens, quanto do repertório pessoal e cultural de cada receptor. A fotografia se coloca como uma ferramenta que facilita a comunicação. Sua possibilidade de reprodução, distribuição e permanência, não somente democratiza o conhecimento sobre o assunto fotografado, como também o perpetua. A imagem fotográfica prevalece frente à própria realidade. Assim aconteceu no processo de transformação da cidade de São Paulo, por exemplo. Grande parte dos edifícios históricos, construídos ao longo dos anos, foram demolidos e substituídos por edifícios modernos. Aquilo que restou foram as imagens de fotógrafos como Guilherme Gaensly e Militão Augusto de Azevedo (figura 2), que retrataram o período. Figura 2. São Paulo no início do século XX. Militão Augusto de Azevedo 20
  • 21. Dessa forma, a fotografia sobrevive ao assunto, representa-o e o substitui (GALIANO, 1994), funcionando como um dispositivo de dispersão tanto de conceitos, quanto de informações. Cabe aos meios de divulgação o controle desta fonte conhecimento, pois uma mesma fotografia pode ser utilizada em diferentes discursos, sejam eles artísticos, científicos ou mercadológicos (COSTA, 2010). Quanto à recepção destas imagens, embora elas proponham uma sistemática de leitura mais livre e uma modelo de interpretação essencialmente plural, seu entendimento se assemelha ao processo de compreensão de um texto, não basta conhecer as letras, deve-se conhecer as palavras, e além disso, as ideias devem ser familiares, caso contrário o leitor não alcançará entendimento da obra. A recepção deve ser amparada num aparato histórico-cultural, que auxiliará na recomposição do contexto, que conferiu existência àquelas imagens. O receptor deverá compor mentalmente o momento da captura, alcançando novamente a realidade, outrora modificada pela intervenção do fotógrafo (DUBOIS, 1993). Quando tal aparato se faz presente, aquele que contempla a fotografia viabiliza o conhecimento por meio das informações nela contidas. Do contrário, a recepção não se completa, tornando-se parcial. O receptor não consegue reconstruir o ato da “tomada” do registro, inviabilizando o conhecimento e passando a observar as fotografias “como janelas para o mundo” (FLUSSER, 2002), simples cópias da mais pura realidade. Neste sentido, quais seriam os possíveis desdobramentos da contemplação e recepção acrítica das imagens fotográficas? Como vimos, a fotografia, por ser ancorada na dicotomia criação/registro, coloca o homem em movimento, desde o momento da produção até o momento da recepção. São imagens que permanecem em relação dialética com o mundo, partindo da realidade e retornando para ela, como num circulo vicioso, que se dá por meio do agente humano envolvido no processo. Se por um lado, a fotografia pode auxiliar o receptor na construção de novos conhecimentos sobre os mais variados assuntos, por outro lado, ela também pode influenciá-lo, condicionando seus hábitos e comportamentos, sempre de acordo com as intenções, tanto daquele que a produziu, como daqueles que a tornaram públicas. 21
  • 22. Quando o receptor assume uma postura acrítica perante as fotografias, ele incorpora um conhecimento simbólico e fragmentado, passando a reproduzi-lo em seus próprios atos. Tal movimento completa o que chamamos de ciclo dialético da fotografia. Ele transforma a imagem construída pelo fotógrafo em pura realidade, condenando o receptor à reproduzir atos previamente controlados, que podem comprometer seu desenvolvimento pessoal e impossibilitar o avanço das partes envolvidas. A existência de intenções de cunho ideológico vinculadas aos elementos que viabilizam a propagação de ideias, como a fotografia, acontecerá progressivamente devido à própria natureza representativa desta e ao contexto econômico-cultural no qual vivemos. Neste sentido, é preciso retomar uma postura crítica sobre o mundo, experimentá-lo em todos seus desdobramentos e compará-lo às interpretações que as fotografias nos trazem, do contrário, como diria Fernando Fuão (1994), nossos olhos estarão como cebolas, velos sobre velos, enuviados por uma catarata de imagens. 22
  • 23. Considerações sobre a fotografia de arquitetura O conhecimento empírico do espaço é aquele que proporciona o entendimento integral de uma arquitetura. Experienciar um ambiente significa perceber os estímulos por ele suscitados em todos seus desdobramentos, sejam eles físicos, sociais ou psicológicos. Para isto, o tempo e o movimento são dois fatores fundamentais na percepção do espaço (ZEVI, 2002), pois um estímulo não se desenvolve numa fração de segundo e uma arquitetura não se encerra numa só vista. Ao presenciar um edifício, logo de início, o olhar curioso é aquele que nos guia. Ele vasculha o território, como num raio-x instantâneo, buscando se localizar e compreender o espaço. Se permanecermos ali, mesmo parados, um barulho desavisado poderá nos surpreender, o cheiro do ambiente poderá nos desagradar, a temperatura poderá querer nos expulsar e a visualidade poderá nos encantar. Todos estes estímulos, juntos, geram uma espécie de experiência multi-sensorial, que se faz essencial para a construção do conhecimento, em suas origens mais elementares. No entanto, tal conhecimento é também limitado, pois nossa própria percepção do espaço já é amplamente carregada de subjetividade. Até mesmo nossos sentidos são guiados pela intenção. Aquilo que vemos, assim como o que ouvimos ou sentimos, não nos é dado como absoluto e total, mas como matéria que a percepção seleciona, amplia ou ignora, opera e modifica de acordo com a intencionalidade do receptor (MACHADO, 1984). Dessa forma, muitas vezes não notamos algumas particularidades de um determinado assunto e, mesmo o presenciando, sua recepção se faz parcial em nossas mentes. Se por um lado a presença no espaço cria esta espécie de conhecimento sensorial, por outro lado, quando nos deparamos com a necessidade de síntese é a memória que entra em questão, evidenciando a necessidade de instrumentos que possam auxiliar no registro e posterior acesso à estas informações. Veja-se a obra de Gaudí, por exemplo. Ao visitar sua arquitetura, poderíamos tomá-lo, erroneamente, por um arquiteto excêntrico e estritamente visual. No entanto, no que diz respeito à soluções estruturais, suas obras possuem projetos tão complexos que não podem ser compreendidos em sua totalidade, tampouco construídos, sem o 23
  • 24. auxilio de instrumentos que organizem os conceitos envolvidos. Ironicamente, é aí que mora sua genialidade. Neste sentido, foi por meio das representações que o arquiteto procurou ampliar seus conhecimentos, registrando suas ideias, seus conceitos e tudo aquilo que agrega informação ao seu trabalho. O aparecimento da fotografia favoreceu este escopo. A imagem fotográfica, não somente, capta um assunto a partir da realidade e o particiona, facilitando a análise, como também institui a perspectiva, principal ferramenta ordenadora do espaço tridimensional. O recorte espaço-temporal promove pausas em fenômenos que possuem fluxo contínuo, registra detalhes e evidencia situações que, muitas vezes, nos escapam. Para o arquiteto, isto significa ter acesso à informações que poderão contribuir em diversas frentes de seu trabalho, como no reconhecimento do local de implantação de uma obra, na idealização de um novo projeto e, até mesmo, na complementação de seus conhecimentos sobre arquitetura. Já a instituição da perspectiva na imagem fotográfica readapta a arquitetura, elemento tridimensional, ao papel, suporte bidimensional, quadriculando e organizando o espaço, de modo a facilitar a compreensão do mesmo. Ainda que o caráter “físico- matemático” do espaço perspéctico se oponha ao caráter psicofisiológico característico da percepção humana, a perspectiva continua, ao longo dos anos, colocando-se como um dos métodos que demonstra certa eficácia na representação do espaço. Isto porque, na fotografia ou como representação gráfica, ela funciona como um instrumento que torna “compreensível” o objeto representado, veiculando o conhecimento intrínseco à ideia ou à obra propriamente dita. Por outro lado, a arquitetura, como um “organismo” que se mantém em relação constante com o território, com as pessoas que ali habitam e, por fim, com toda a cultura que o envolve, quando recortada de seu contexto espaço-temporal, perde tudo aquilo que lhe dá sentido. A essência do projeto está diretamente ligada as soluções encontradas pelo arquiteto para trabalhar harmonicamente com as características físicas, sociais e geográficas do local de implantação da arquitetura. Sem estes elementos, a obra perde suas raízes, seus propósitos e significados, transformando-se, no caso da 24
  • 25. fotografia, em mera forma plástica bidimensional, passível de abordagens artísticas e pictóricas, mas não arquitetônicas. Dessa forma, que tipo de conhecimento revelam então as imagens fotográficas como representação da arquitetura? Hoje, a fotografia pode ser considerada uma das principais ferramentas utilizadas no universo da arquitetura. As principais atividades desenvolvidas com o auxílio deste elemento se dividem em três frentes, que se entremeiam e se alimentam constantemente. A saber: o registro de informações, o processo de análise, e a veiculação de conhecimento. Para registrar informações sobre um território, um terreno, ou uma obra, o arquiteto moderno, buscando facilitar seu trabalho, faz uso de uma câmera fotográfica, como uma ferramenta rápida e eficaz, que, muitas vezes, substitui a fatura de outros tipos de registro. Uma vez presente no espaço, ele registra aquilo que vê e o que sente, procurando construir um acervo de informações que possa ser acessado à distância. A fotografia lhe serve como um dos instrumentos que sintetiza parte das sensações, ou informações, recolhidas no local da obra. Sem esta síntese, grande parte do conhecimento empírico adquirido poderia se perder. O registro facilita a análise, proporcionando a revisão daquilo que outrora foi vivenciado. Em outro momento, este material fotográfico poderá ser divulgado, alimentando um acervo geral de informações sobre uma determinada obra, ou local e, é este acervo que irá dar suporte à alunos e profissionais da arquitetura no acesso ao conhecimento de obras já construídas, bem como à tecnologias e materiais já utilizados. Neste sentido, as imagens fotográficas passariam a alimentar o repertório pessoal daqueles que a elas tiveram acesso, compondo um certo imaginário na mente de cada receptor. O conhecimento e a análise de um território, um terreno, uma obra, uma tecnologia, ou um material, foram facilitados pelas possibilidades proporcionadas pela fotografia e ampliados com o aparecimento das revistas especializadas em arquitetura e a criação da internet. No entanto, quando a produção, bem como a recepção destas imagens, são atividades acríticas, a fotografia nos torna próximos na apropriação simbólica do mundo, porém distantes enquanto interação com o vivido (COSTA, 2010). 25
  • 26. Para o arquiteto que presencia o espaço e utiliza a câmera como um instrumento que substitui seu comportamento investigador, ativo e construtor de conhecimento, produzir imagens se torna uma atividade alienante. O aparelho fotográfico se transforma num prolongamento dos seus próprios olhos e o espaço passa a ser por ele percebido em forma de fotografias. Sua presença no ambiente pouco importa, pois sua intenção está focada na produção de imagens, e não na recepção de estímulos. Assim como aquele que se ausenta por completo da atividade empírica, o arquiteto que acredita que as imagens fotográficas podem substituir a experiência do real, adquire um conhecimento fragmentado e incompleto, projetando-o mundo a fora, em forma de arquitetura, igualmente alienadas. Segundo o fotógrafo Nelson Kon (2008), a construção de arquiteturas puramente visuais é um dos resultados deste processo. O acesso a territórios, ou a arquiteturas, mediado por fotografias, produzidas pelo próprio arquiteto, ou publicadas em revistas e sites especializados, privilegia a visualidade do espaço, descartando as outras variáveis que compõe a realidade. Além disso, as informações que foram captadas pela fotografia estão profundamente vinculadas a própria natureza da imagem fotográfica. Como vimos, aquele que as produziu estava subjugado às possibilidades dos materiais e do mecanismo envolvido no processo. As fotografias, pensadas e construídas como meras imagens, são novos elementos, que trazem consigo apenas semelhanças com o objeto real. Neste sentido, a elaboração de novos projetos baseados em referências fotográficas completa o ciclo dialético da fotografia no universo da arquitetura. As informações veiculadas por estas imagens retornam para o mundo por meio do receptor. Se o arquiteto mantém uma olhar crítico sobre as fotografias, ele as utiliza como instrumentos que agregam conhecimento à sua obra. Do contrário, seus projetos estarão intrinsecamente ligados à reprodução de parâmetros imagéticos e fotográficos, que aleatoriamente visam transformar-se em arquitetura. Como num movimento de recorte e colagem, é provável que as obras assim projetadas se distanciem da própria realidade - social, cultural, geográfica e econômica - do local onde serão implantadas. São projetos que reproduzem belas perspectivas, que 26
  • 27. multiplicam a fragmentação do espaço e que privilegiam o olhar fotográfico ao olhar humano, pois foram por ele construídos. Contudo, de forma a facilitar a compreensão do trabalho, a abordagem descrita acima se restringiu à duas possibilidades, geradas pelo uso da fotografia, que são diametralmente opostas, o uso crítico e o acrítico. Por certo, o conhecimento veiculado pelas imagens fotográficas é de natureza indeterminável, pois as relações por ela proporcionadas tem ciclos infinitos, que dependem estritamente do grau de profundidade da atividade receptiva. Não cabe a este trabalho definir conceitos ou parâmetros que encerrem esta questão, pelo contrário, pretendeu-se apenas levantar as prováveis implicações desta atividade em diferentes níveis. Buscar possíveis definições ou significados precisos no universo da fotografia é uma posição contrária à própria natureza deste elemento. Afinal, cada imagem resume um olhar, é uma versão de um espaço e de um tempo, que se encontra ancorada na essência daquele que a criou, mas que irá se transformar na mente daquele que a recebeu. 27
  • 28. 4. ESTUDO DE CASO O Centro Cultural São Paulo Contexto A concepção do projeto do edifício do Centro Cultural São Paulo teve início em julho de 1975, com os primeiros esboços de um programa arquitetônico, que daria origem à Nova Biblioteca Central de São Paulo, localizada no bairro Paraíso, na cidade de São Paulo. Com a construção iniciada em 1979, o projeto de arquitetura acabou sendo reformulado e adaptado para abrigar o primeiro Centro Cultural da cidade, inaugurado em maio de 1982. O período de elaboração e implantação do edifício foi marcado politicamente pela obscuridade da ditadura militar (1964 a 1985) e economicamente por um considerável desenvolvimento na economia do país, mais conhecido como o milagre econômico brasileiro. O autoritarismo, a supressão dos direitos constitucionais, as perseguições políticas, as prisões, as torturas e a morte compunham o cenário político da época. Todo cidadão que fosse contrário ao regime seria calado. A repressão e a censura foram as principais armas de que os militares se valeram para tolher a liberdade e impedir que qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgada. A imposição do silêncio e o controle dos meios de comunicação mantinham a imagem de uma estabilidade política, enunciando uma nação em plena prosperidade. Viveu-se um ciclo inédito de desenvolvimento no Brasil; o governo divulgava estes números na sua publicidade, e eles constituíam a viga mestra da política de sustentação publicitária do governo militar. A aplicação de medidas econômicas de combate à inflação gerou maior estabilidade monetária, alavancando a ampliação de empréstimos no exterior, que impulsionariam os investimentos na industria de base – siderurgia, energia, petroquímica – e, consequentemente, o crescimento de alguns setores, como o da construção civil. Paradoxalmente, do ponto de vista social, houve um aumento na concentração de 28
  • 29. renda e na pobreza. Ficaram famosas as explicações dadas na televisão em que Delfim Netto, ministro da fazenda, defendia: “É preciso primeiro aumentar o 'bolo' (da renda nacional), para depois reparti-lo”. A não adoção de políticas econômicas específicas que corrigissem a já existente concentração de renda acarretou na distribuição desigual do crescimento econômico. De um lado a classe média teve seu poder aquisitivo ampliado e de outro lado permaneceu a maior parte da população, sem ser atingida por este milagre. Neste contexto de grandes disparidades sociais, políticas e econômicas, foi também por meio da música, do cinema, do teatro, das artes plásticas e da arquitetura que artistas e intelectuais se constituíram como focos de resistência perante a situação. Estabeleceu-se uma nova relação entre a arte e a política. As obras dos artistas passaram a servir como veículo de protesto e denúncia, articulando a formação de uma cultura alternativa de esquerda, que fortalecia um posicionamento de luta em favor do restabelecimento da cidadania, dos direitos humanos e da liberdade de expressão. As canções de protesto de Chico Buarque; o cinema novo de Gláuber Rocha; a obra “Tropicália” de Hélio Oiticica; as provocações do Teatro Oficina de José Celso; e arquitetura de Vilanova Artigas, são alguns exemplos deste movimento (TELLES, 2002). O projeto do Centro Cultural São Paulo, se desenvolve em meio a esta realidade, assumindo um posicionamento de inclusão perante a sociedade e de resistência perante ao autoritarismo do regime militar. 29
  • 30. Projeto Os arquitetos Luiz Benedito de Castro Telles e Eurico Prado buscaram criar uma arquitetura que promovesse encontros e trocas, acesso ao conhecimento, à arte e à cidadania. A ideia era abrir o edifício à cidade, proporcionar espaços convidativos, contribuir para que os olhares transpusessem barreiras, fossem mais perspicazes, investigadores e, também, se encontrassem (TELLES, 2002). O projeto teve como referência obras arquitetônicas que se relacionavam diretamente com o programa a ser desenvolvido. Entre elas, o Centro Georges Pompidou (1977), o Museu D'Orsay (espaço reformado e transformado em museu em 1977), ambos em Paris; o Centro J. Paul Getty (1997), em Los Angeles; o MASP – Museu de Arte de São Paulo (1968); o SESC – Fábrica da Pompéia (1977); o Museu Lasar Segall (1932); o MIS – Museu da imagem e do Som (1970) e o MAM – Museu da Arte Moderna (1948), em São Paulo. O terreno onde a obra seria implantada foi anteriormente desapropriado pela prefeitura de São Paulo, servindo de apoio à obra de construção da estação Vergueiro, linha azul do metrô. Embora a região se encontrasse deteriorada devido à confluência de grandes vias, às proporções monumentais dos edifícios adjacentes e à inexistência de áreas arborizadas (figura 3), sua localização privilegiada manifestava grande potencial para a aplicação de edifícios que possuíssem caráter público e importância social. Figura 3. Obra em construção e seu entorno. Fonte: Arquivo Luiz Telles 30
  • 31. Dessa forma, o projeto do CCSP procurou, não somente, integrar-se harmoniosamente à paisagem local, como também, renovar urbanisticamente o ambiente urbano, que constituía os arredores de sua implantação (figura 3). Para a equipe, o edifício não poderia se impor à paisagem urbana. Deveria ser baixo, leve, convidativo e integrar-se ao terreno, incorporando seu formato e topografia (TELLES, 2002). A arquitetura do CCSP, apesar de suas grandes dimensões, não se destaca pela sua imponência ou monumentalidade. A utilização do desnível existente no local proporcionou o desenvolvimento de um projeto prioritariamente horizontal (figura 4 e 5), que se agrega de forma discreta, mas não tímida, à paisagem urbana. Os arquitetos exploraram a aplicação de ambientes longitudinais, que se desenvolvem paralelamente ao longo das avenidas laterais (ver desenhos arquitetônicos no item X). Seus quatro pavimentos acompanham exatamente a forma do talude do terreno. O edifício parece encaixado entre a Rua Vergueiro e a Avenida 23 de maio, configurando um ambiente confortável, de leitura direta do espaço e das atividades ali desenvolvidas. Figura 4. Fachada da Avenida 23 de maio. Fonte: Arquivo Luiz Telles Figura 5. Fachada da Rua Vergueiro. Fonte: Arquivo Luiz Telles 31
  • 32. Segundo o arquiteto Luiz Telles, a preocupação e atenção com o usuário foi a tônica do processo de implantação do CCSP. O perfil do cidadão comum balizou o projeto. A arquitetura deveria promover o acesso facilitado aos serviços da biblioteca, e também, instigar o usuário a se interessar e a participar de outras atividades culturais ali desenvolvidas. Para isto, os arquitetos lançaram mão de uma série de artifícios que buscaram alcançar esta meta. Todo o projeto privilegia uma visualidade com longa profundidade. A configuração do edifício parece estar, a todo momento, motivando o usuário a realizar um percurso, que o levará a experienciar, não somente, o projeto arquitetônico em todos os seus desdobramentos, mas também as atividades que ali se desenvolvem, como aulas de dança, teatro, shows, palestras, debates, entre outros. A criação de uma rua interna (figura 6 e 7), que atravessa todos os principais ambientes, seguiu esta proposta. Como um percurso longitudinal que percorre a arquitetura de ponta a ponta, ela, além de enfatizar ainda mais a horizontalidade do edifício, parece instigar o usuário a movimentar-se. Aquele que caminha neste espaço, tem acesso visual aos ambientes destinados à exposição, à biblioteca, às salas de espetáculo, à entrada dos cinemas, ao restaurante e à vivência do jardim central. A adoção deste partido favoreceu a circulação entre os ambientes, facilitou o acesso pelas ruas laterais e, ainda, configurou um modelo de transição, que protege o edifício dos aspectos negativos de seu entorno – ruído, tráfego intenso, ventos etc. Figura 6. Croqui da rua central. Fonte: Arquivo Luiz Telles 32
  • 33. A presença de grandes ambientes envidraçados (figura 7), mas sempre abertos, retoma esta mesma intenção. Ela facilita a circulação do ar e a passagem de luz, evitando o aquecimento excessivo dos ambientes e dispensando o uso de ar condicionado. Além disso, a transparência das salas, proporciona uma visão de longa distância, privilegia a visualização das atividades em desenvolvimento e amplia o espaço. É como um convite, um despertar de curiosidade com sentido de descobrir e se motivar, tomar parte das atividades. Os olhos do usuário percorrem esse caminho como se fosse uma câmara cinematográfica em “travelling” captando as funções, os espaços e elementos da arquitetura, as outras pessoas também em percurso ou participando das atividades culturais (TELLES, 2002) Figura 7. Rua interna e espaços envidraçados. Fonte: acervo do autor Segundo o arquiteto Luiz Telles, projetar um edifício de grande porte e de fundamental importância à cidade e à própria sociedade paulistana, exigiu um aprofundamento dos profissionais envolvidos no universo da biblioteconomia e da museologia. A biblioteca se coloca como o principal ambiente do edifício. Sua configuração arquitetônica parece provocar a curiosidade do usuário. Ela incita aquele que passa pelo local a percorrer seu espaço, mesmo que somente com os olhos, incentivando o ingresso 33
  • 34. e a utilização de seu diferenciado acervo de livros, quadrinhos, vídeos e discos. A adoção do “livre acesso”, complementou as intenções dos arquitetos. Ela objetivava aprimorar e facilitar o encontro do usuário com o acervo oferecido. As obras estariam à disposição do usuário, não sendo mais justificadas as torres para guarda de livros, até então comuns aos edifícios destinados a bibliotecas (TELLES, 2002). Arquitetonicamente, esta composição “provocativa” foi alcançada com a criação de um pátio central, que dá acesso à diferentes pontos deste ambiente, configurando um espaço fluído e facilmente permeável. O pátio possui o maior pé direto da obra, acomodando um vazio interno, que permite a visualização das atividades desenvolvidas na biblioteca (figura 9) e nos outros pisos laterais, destinados à exposição. Figura 8. Acessos múltiplos por rampas Figura 9. Vista do piso superior Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor As árvores existentes no terreno (figura 10), sobreviventes das obras do metrô, foram preservadas, formando um grande jardim central que, em conjunto com um jardim sobre laje, proporciona ao usuário uma área de lazer e de contemplação em 34
  • 35. oposição à agressiva paisagem urbana do local. Estes jardins parecem ainda, redimensionar o espaço, fragmentando os trezentos metros de comprimento do edifício. Figura 10. Desenho do jardim central. Fonte: Arquivo Luiz Telles A arquitetura do CCSP combina aço e concreto nos componentes da estrutura (figura 11, 12 e 13), uma solução considerada avançada para o período pelo qual passava a construção no Brasil. A escolha dos arquitetos proporcionou o desenvolvimento da indústria e tecnologia local, pois o projeto se diferenciava dos métodos convencionais. A técnica construtiva foi racionalizada, mas grande parte das peças possuíam características singulares, sendo construídas, ou moldadas, individualmente, no local da construção. Figura 11, 12, 13. Fotos da construção. Fonte: arquivo Luiz Telles 35
  • 36. “O projeto foi considerado uma prova de que as técnicas construtivas podem integrar-se de forma harmônica com o ambiente e o programa desenvolvido” (PIRES, 1982). Os componentes estruturais do edifício se encontram propositalmente colocados à mostra, assim como outros materiais, como o tijolo e o concreto (figura 15). Este procedimento proporciona riqueza visual aos ambientes. A estrutura substitui o papel do ornamento, e também, funciona de forma didática, promovendo conhecimento sobre os elementos construtivos, que remetem à própria atividade arquitetônica. Sua disposição é livre, e, quando combinada ao concreto parece proporcionar leveza ao ambiente. Ela se desenvolve organicamente, participando da composição do espaço (figura 14), sem se impor, e integrando-se à paisagem e às atividades cotidianas dos usuários e trabalhadores do local. Figura 14. Elementos estruturais Figura 15. Elementos Construtivos Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor Dentre as principais características do projeto especificadas acima, para o enfoque desta pesquisa, um aspecto merece atenção especial: A iluminação. 36
  • 37. Iluminação Se a fotografia depende estritamente da presença da luz para sua existência, a formação das imagens dentro de um edifício, de certa forma, se encontra atrelada ao projeto de iluminação do mesmo. Detalhes como a disposição dos pontos de iluminação natural e artificial; a trajetória do sol dentro do ambiente; a reação dos materiais e das cores quando em contato com a luz; os usos complementares da luz natural e artificial, certamente interferem na produção e na composição das imagens. Sendo assim, para a análise do material iconográfico produzido sobre o Centro Cultural São Paulo entender este aspecto se fez fundamental. Os arquitetos responsáveis pelo projeto buscaram utilizar de forma integral a iluminação natural. Poucos ambientes se valem do uso de iluminação artificial. A planta, praticamente simétrica, é composta por cinco aberturas na cobertura, sendo duas completamente vazadas e três cobertas pelos domus (figura 16). Figura 16. Aberturas na cobertura. Fonte: arquivo Luiz Telles 37
  • 38. Aliados à solução zenital, há caixilhos laterais que cercam todo o espaço coberto do edifício. A luz zenital, que configura uma iluminação homogênea e uniforme, garante a iluminação de todo o espaço, enquanto a lateral, heterogênea, promove uma percepção mais acurada das formas, volumes e texturas. Há, entre ambas as soluções de iluminação natural, uma complementação que promove, simultaneamente, a clareza necessária para realização das atividades, o entendimento do espaço e a percepção da passagem do tempo. Para dar riqueza espacial e textural aos ambientes, a iluminação presente no Centro Cultural São Paulo, tanto natural como artificial, não se dispõe de forma frontal (figura 18). A maioria das lâmpadas, componentes da iluminação artificial, é colocada de forma inclinada, acompanhando a inclinação da estrutura do edifício. As aberturas zenitais, quando não são inclinadas, são cobertas pelo domus acrílico (figura 17) que apresenta uma curvatura capaz de difundir a luz de forma mais rica pelo ambiente. Figura 17. Domus acrílico Figura 18. Iluminação natural e artificial Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor 38
  • 39. A iluminação do espaço da biblioteca é composta por diversas soluções de iluminação natural, lateral e zenital (figura 20 e 22). Complementando-as, há a iluminação artificial, disposta em uma modulação que dialoga com a estrutura metálica do prédio (figura 21). Adjacente ao pátio, o espaço da biblioteca tem a entrada lateral de luz natural filtrada pela cobertura vegetal do jardim (figura 19). Este recurso possibilita a difusão da luz que, sem incidência direta, torna o ambiente mais fresco e agradável para as atividades de concentração e reclusão nele realizadas. Figura 19. A vegetação como filtro natural Figura 20. Iluminação natural e artificial Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor Figura 21. Iluminação artificial Inclinada Figura 22. Domus da biblioteca Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor 39
  • 40. A iluminação do espaço do teatro é parte da solução do próprio programa (figura 23). A abertura existente para entrada de luz sobre o palco é, simultaneamente, a solução para disposição da plateia superior ao redor dele. Sobre este espaço, para estabelecimento de uma luz mais difusa e apropriada às apresentações, há toldos acoplados aos domus. Eles permitem maior controle e homogeneidade da iluminação natural. O espaço do teatro é também provido de iluminação natural lateral. Sua parte superior é inteiramente cercada por vidro o que permite uma transparência para as atividades assim como eficiência lumínica. Figura 23. Iluminação no teatro. Fonte: acervo do autor 40
  • 41. Cronologia das publicações - Revistas e livros que publicaram material iconográfico sobre edifício do Centro Cultural São Paulo, em anexo. 18/05/1981 – Revista – Construção Hoje, nº 5 26/04/1982 – Revista – A Construção em São Paulo, nº 1785 19/05/1982 – Revista – Veja, nº 715 05/1982 – Revista – Projeto, nº 40 1982 – Revista – Módulo, nº 72 12/1983 – Revista – Projeto, nº 58 1983 – Livro – XAVIER, Alberto. LEMOS, Carlos. CORONA, Eduardo. A Arquitetura Moderna Paulistana. São Paulo, SP: Editora Pini. 12/1988 – Revista – Projeto, nº 117 1988 – Revista – Brazil Projects The Institute for Art and Urban Resources, Inc. / Sociedade Cultural Arte Brasil 2001 – Revista – Oase, nº 57 15/11/2002 – Revista – Transfer 12/2005 – Revista – Projeto Design, nº 300 2005 – Livro – SERAPIÃO, Fernando. São Paulo, Guia de Arquitetura Contemporânea. São Paulo, SP: Editora Viana e Mosley. 41
  • 42. O imaginário proposto pelas publicações Como vimos, a elaboração do projeto do Centro Cultural São Paulo teve início em 1975, sua construção foi iniciada em 1979 e sua inauguração se deu em 1982. De forma a facilitar esta análise, optou-se por dividir as publicações, que tiveram este edifício como tema, em cinco principais períodos, são eles: De 1981 à 1985 seis revistas publicaram textos e imagens que versavam sobre o Centro Cultural São Paulo – “Construção hoje”; “A construção em São Paulo”; “Veja”; “Módulo”; “Projeto” (duas vezes) e “Arquitetura Moderna Paulista”. De 1986 até 1990 foram duas as revistas – “Projeto”, “Brazil Projects”. Sendo que a revista “Brazil Projects” foi a primeira publicação no exterior. De 1991 à 2000 não houveram publicações. De 2001 à 2005 foram quatro as revistas – “Oase”, “Transfer”, “Projeto Design”, “SP Guia de Arquitetura Contemporânea”. Sendo que duas delas são estrangeiras – A revista “Oase” é Holandesa e a revista “Transfer” é espanhola. Depois de 2005 não houveram publicações. Tal abordagem nos permitiu identificar quais as principais características do conteúdo proposto pela abordagem das revistas e dos livros citados acima. Dentre estas características, as descritas abaixo mereceram atenção especial. • De 1981 à 1985: o contexto político Em 1982 as revistas “A Construção em São Paulo” e “Veja” apontam a Construção do Centro Cultural São Paulo como um marco para a história da cidade. Uma atmosfera progressista parece tomar conta dos textos e das imagens. O edifício é colocado como uma obra da prefeitura amplamente voltada aos interesses da população. Ambas as revistas citam o prefeito Reinaldo de Barros e o secretário Mario Chamie empenhados na promoção de uma nova política cultural em São Paulo. O Centro Cultural aparece como símbolo da democracia paulistana, procurando abranger um 42
  • 43. público heterogêneo, que inclua desde a classe alta até as camadas mais baixas da população. Sabidamente, o governo militar passou a fazer grandes investimentos, principalmente no setor da construção civil, buscando empregar a acumulação de capital vinda do milagre econômico e evidenciar a imagem de um país em crescimento. São exemplos deste momento: a construção da Ponte Rio-Niterói, da Trans Amazônica, da Rodovia Belém-Brasília, da hidrelétrica de Itaipú e de vários conjuntos habitacionais do período. No entanto, algumas destas obras eram também voltadas ao divertimento da população. A política social do período funcionava como uma espécie de política “pão e circo”. Ela procurava distrair o povo, de forma a mascarar os problemas sociais e evitar qualquer tipo de manifestação contra o governo. A construção de inúmeros estádios de futebol é sua melhor expressão, tenha-se como exemplo os estádios Lourival Batista, no Sergipe; Estádio Municipal Lomanto Júnior, em Vitória da Conquista, na Bahia; Estádio Municipal Alberto Oliveira, em Feira de Santana, também na Bahia; Estádio Municipal de Brasília, atualmente Estádio Mané Garrincha, no Distrito Federal; entre outros, todos construídos no período da ditadura. Neste contexto, entra em cena a construção do edifício do Centro Cultural São Paulo, que, por este viés, também comprometia-se com a função de aproximar a população da ideologia da ditadura. As revistas que publicaram qualquer tipo de material versando sobre esta obra, não somente ignoraram esta conjuntura, como também se posicionaram a favor da construção da imagem de um Brasil grande e em desenvolvimento. Na década de 80, somente a revista “Projeto” cita que “o momento de construção do Centro Cultural São Paulo foi um momento político difícil”, não se aprofundando no assunto. Entretanto, cabe ressaltar que a construção de uma Biblioteca/Centro Cultural, por mais que revelasse uma postura estratégica, ideológica, por parte do governo da ditadura, é uma obra que, por certo, agrega valores humanos – culturais e educacionais – tanto à população, quanto à própria cidade. Tal fato evidencia que a concepção deste projeto surgiu num processo de abertura, como um sinal de possível transformação, inusitada no período. Dessa forma, o Centro Cultural São Paulo era apresentado à 43
  • 44. população como parte do programa da ditadura, porém seu conteúdo já conspirava contra este mesmo sistema. Neste sentido, até 1985, a maior parte das publicações procurou enfatizar o caráter inovador e progressista da obra. O uso da estrutura mista de concreto e aço era uma novidade no panorama arquitetônico brasileiro, sendo por inúmeras vezes evidenciado e discutido nas imagens e textos publicados pelas revistas. Pilares e vigas também são constantemente colocados à mostra, pois a solução estrutural aplicada foi considerada ousada para o período. A imagem de um Brasil em marcha é a que fica, operários trabalhando, o edifício crescendo, a indústria se aprimorando, e, supostamente, a cidade e a população caminhando junto, rumo ao progresso e ao desenvolvimento. • De 1985 à 2005: a busca por uma identidade Depois de 1985 até 2005 a ênfase das publicações passa a estar centrada numa comparação entre a arquitetura do Centro Cultural São Paulo e as obras modernistas da arquitetura paulista. Aproximações e distanciamentos se fazem presentes. Em 2005, a revista “Projeto Design” compara os pilares do Centro Cultural São Paulo aos pilares da rodoviária da cidade de Jaú, projeto de Vilanova Artigas (1973). Por outro lado, esta mesma revista afirma que as formas livres e o desenho sinuoso do edifício são elementos que o afastam das características desta produção. A maioria dos textos parecem buscar encaixar o edifício num determinado estilo arquitetônico. O sistema estrutural escolhido pelos arquitetos parece ser a “peça chave” da discussão. É ele que aparenta aproximar ou distanciar a obra dos modelos já conhecidos da arquitetura da “escola paulista”. Dessa forma, o uso da estrutura livre na concepção do projeto é evidenciado a todo momento, pois foi esta escolha que permitiu liberdade formal ao edifício, distanciando-o da produção arquitetônica dos anos 60, e aproximando-o de uma provável nova fase da arquitetura brasileira. No entanto, cabe ressaltar que todas as publicações discutem superficialmente o sistema estrutural, a configuração espacial e a interação urbana do próprio projeto do 44
  • 45. edifício. Algumas citam elementos utilizados, outras fazem comparações, todas num formato curto e, acima de tudo, afirmativo, parecendo-lhes importante nomear os usos, as técnicas, os materiais, como forma de, ao final, classificar também o projeto. • A continuidade da construção Aproximadamente a partir de 1985, as imagens e textos publicados deixam de relatar o período da construção do edifício e passam a mostrar um Centro Cultural em plena função. Porém, o que estas publicações não revelam é que o edifício passou por um longo período funcionando parcialmente, pela falta de investimentos públicos, que pudessem concluir a obra. No período de transição do regime militar para a democracia, o governo optou por manter seus projetos de desenvolvimento, elevando a dívida externa a patamares altíssimos. O modelo desenvolvimentista brasileiro se mostrou falido, ocasionando o mais longo período de recessão da economia no país. Tal fato, restringiu os investimentos públicos, condenando ao abandono grande parte das obras que não haviam sido concluídas. O edifício do Centro Cultural São Paulo se encaixa nesta realidade. Em 1983 e 1988, somente a revista “Projeto” anuncia, superficialmente, que a obra sofre com problemas relativos às dificuldades para sua conclusão, comparando-a à grande parte das obras de caráter público. Mesmo inacabado, o edifício prosseguiu aberto à população, passando até mesmo por reformas antes da sua finalização. Hoje, sabemos que o Centro Cultural, apesar de possuidor de uma estrutura imensa, ainda não é utilizado em todo seu potencial. Parte do projeto referente ao subsolo foi engavetado, permanecendo inacabado até os nossos dias. Com o passar do tempo, este pavimento tornou-se subutilizado, não sendo explorado pelas revistas e livros que tiveram o edifício como tema. Dessa forma, por descaso das políticas públicas, o projeto se mostra mutilado tanto àqueles que o conhecem por meio do imaginário construído pelas publicações, quanto àqueles que frequentam e vivenciam o local. 45
  • 46. O entorno do edifício Notou-se que a maior parte da publicações, independente da data, discursam sobre o interior do projeto do Centro Cultural. São poucas as fotografias que mostram o entorno da obra e aquelas que o fazem mostram ou uma vista aérea, ou a fachada lateral da Avenida 23 de março. A fachada da Rua Vergueiro, aparece em poucas fotos. É provável que as grandes dimensões do edifício, somada a sua horizontalidade, dificultem a apreensão de imagens pelo seu exterior. Afinal, para capturar uma obra externamente, em todas as suas proporções, é importante que haja um certo distanciamento da mesma. Neste caso, a fachada da Avenida 23 de março pode ser considerada uma fachada mais “fotogênica”, que a fachada da Rua Vergueiro. A existência de um vazio, proporcionado pelas grandes dimensões da própria avenida, permite ao fotógrafo incluir na imagem maior parte da construção. Tal fato não ocorre na Rua Vergueiro, pois os edifícios que compõe o entorno são mais próximos, não permitindo uma visão de longa profundidade. Outro fator que pode ter colaborado com esta deficiência é a agressividade do ambiente externo, quando comparado aos ambientes internos desta arquitetura. O projeto do Centro Cultural São Paulo parece naturalmente privilegiar seu interior, abrindo grandes vazios, que se configuram como ambientes isolados de qualquer estímulo externo. Além disso, o fotógrafo presente no local, provavelmente, se sente mais a vontade num espaço sombreado e sem a presença de carros, produzindo maior número de imagens na parte interna deste edifício. Neste sentido, o conteúdo publicado pelas revistas e livros não revela parte das fachadas que compõem esta arquitetura, devido às dificuldades derivadas das características presentes nas imediações do edifício. Os textos procuram suprir este desfalque, descrevendo este entorno, mas, na maioria dos casos, aquilo que se sobrepõe são as descrições dos ambientes internos, evidenciando uma incompletude por parte do imaginário veiculado pelas publicações. 46
  • 47. Elementos recorrentes nas imagens Alguns elementos são recorrentes em quase todas as publicações, são eles: as vigas, os pilares, as rampas e as árvores do jardim central. Toma-se a parte pelo todo, conferindo assim qualidade icônica à estes elementos. Por um lado, é provável que esta predileção por determinados elementos tenha surgido gradativamente, de acordo com o conteúdo que as revistas e livros procuraram exaltar. Por outro lado, existe a possibilidade de que tais elementos sejam esteticamente apreciados, ao ponto de serem constantemente fotografados, ao longo dos anos. Ambas possibilidades não se excluem, pois a formação de um imaginário fotográfico sobre uma obra se auto-alimenta. As primeiras imagens deram início a esta formação imaginativa. Por meio das revistas, dos livros e da internet, estas fotografias foram divulgadas, passando a compor um certo universo particular na mente de cada receptor. Este imaginário influenciará na concepção de novas imagens, dando origem a um acervo de fotografias que, muitas vezes, repetem o mesmo tema, ainda que estas tenham sido produzidas por diferentes pessoas, e em diferentes períodos da história de um edifício. Veja-se o caso da recorrência dos pilares e vigas nas imagens que já foram publicadas sobre o Centro Cultural. Como foi ressaltado anteriormente, as primeiras publicações visavam enfatizar o desenvolvimento da indústria e o avanço das técnicas construtivas no Brasil. Dessa forma as primeiras imagens do edifício versam, especialmente, a respeito dos elementos estruturais presentes na obra, retratando, em diversos ângulos e vistas, as vigas e os pilares, em meio à construção. Além disso, a disposição destes elementos no conjunto da obra, não deixa de ser poética e, até mesmo, inspiradora. Ao meu ver, os pilares, como desenhados, remetem à galhos de árvores, como os compõe o jardim ao lado da biblioteca. Já as curvas das vigas podem significar um prolongamento destes mesmos galhos, fechando-se e formando um grande habitáculo vegetal, que se mantém em contraste com a artificialidade da cidade, de concreto e pedra, que envolve esta arquitetura. Todos estes elementos, juntos, me parecem dignos de um registro, ou até mesmo, de uma composição sensível que relate estas minhas impressões. 47
  • 48. Definir com precisão as origens desta repetição se faz uma tarefa impossível, pois a elaboração das imagens se dá de acordo com a percepção do espaço e o repertório de cada um. Em contrapartida, a partir desta constatação, podemos dizer que as imagens que dão preferência a estes elementos distanciam-se dos verdadeiros valores de uma arquitetura, pois apresentam o Centro Cultural na forma de materiais, objetos e técnicas, sempre apartados daquilo que lhe confere sentido: a sua relação com o homem. Se arquitetura somente se revela quando o homem dela se apropria, criando uma relação com o espaço, identificando-se com ele, complementando-o e o resignificando de acordo com os seus interesses. Será esta a melhor forma de representar uma obra arquitetônica? A resposta para esta pergunta, pertence à uma gama de proposições de alta subjetividade. Neste sentido, quaisquer considerações sobre este assunto não se esgota neste estudo. Cabe aqui questionar, comparar e analisar, de forma a viabilizar a construção de nossas próprias opiniões interpretativas, sejam elas a respeito de uma arquitetura, ou de um imaginário arquitetônico. A forma de desenvolvimento de aproximações críticas a estas questões aqui formuladas, considera, nesta pesquisa, além do texto, a própria imagem fotográfica, que a partir deste ponto será predominante. 48
  • 49. Experimentando a arquitetura Perceber um espaço é também descobri-lo por meio da recepção dos estímulos por ele proporcionados. No entanto, como vimos, a interpretação destes estímulos se dá na mente daquele que presencia o espaço, alterando-se conforme seus repertórios pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas concepções ideológicas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos, profissionais, seus mitos etc. Dessa forma, nos próximos parágrafos procurei por meio do texto registrar a minha interpretação sobre os estímulos que presenciei ao visitar o edifício do Centro Cultural São Paulo. Assim como a fotografia, a escrita funciona tanto como registro quanto como meio expressão. Ela possibilita descrever as cores, as texturas, as formas, as sensações, o contexto, comparar os elementos, ilustrá-los, evidenciá-los, mascará-los, ou até mesmo reconstruí-los. Trata-se de uma ferramenta livre que, de certa forma, comporta não somente uma gama de informações sobre um determinado assunto, mas também, parte da trajetória daquele que lhe conferiu existência. Cabe ressaltar que, embora o conteúdo deste texto tenha partido de uma vivência pessoal somada à um método próprio de recriação, procurou-se respeitar as experiências vividas no espaço, sem alterá-las. Esta iniciativa possibilitou a organização das minhas ideias e de meus pareceres no que diz respeito ao edifício, seu contexto e história, mas também criou novos elementos, que agora se agregam ao imaginário do Centro Cultural São Paulo. Neste sentido, pretendeu-se com este escrito registrar as informações que vão além das possibilidades da imagem fotográfica, e ainda, evidenciar o quanto são subjetivas as representações, sejam elas em forma de texto, ou fotografia. 49
  • 50. A primeira vez que passei diante do edifício do Centro Cultural São Paulo chovia. Ainda me recordo do som das buzinas e do bafo quente no interior do carro, que não possuía ar condicionado e era mantido com as janelas fechadas por causa da chuva. O trânsito em São Paulo nos dias chuvosos, como bem sabemos, é insalubre, podendo transformar pessoas tranquilas e bem humoradas em seres violentos, e sem humor algum. Presa no trânsito, dentro de um carro lotado, tive a oportunidade de visualizar ao longe o que a primeira vista me pareceu ser um imenso jardim com uma cobertura sobressalente. Como o carro se movimentava por volta de dez metros a cada meia hora, o tempo foi suficiente para que eu pudesse abrir a janela e observar com calma o edifício que se encontrava silencioso em meio ao caos da hora do rush paulistano. Fiquei curiosa ao perceber que de seu interior brotavam galhos gigantes, que anunciavam um outro espaço, inalcançável naquela situação. O jardim e as plantas foram aquilo que mais me impressionou. É quase uma miragem poder visualizar um possível espaço de conforto e tranquilidade, num ambiente tão impessoal e agressivo como o da avenida 23 de maio. A curiosidade foi tão grande que dias depois peguei minha bicicleta, porque de ônibus corria o risco de ficar presa no trânsito novamente, e fui conhecer aquele lugar, que outrora havia me despertado interesse. O concreto e o asfalto blindavam o solo. O sol escaldava as cabeças daqueles que pela rua caminhavam. Os motores dos carros funcionavam num ritmo frenético, como num punk rock infinito, que liberava cada vez mais poluição e mais calor. Pra variar, o trânsito estava parado em toda a avenida Vital Brasil. E eu, que saía da USP com a minha bicicleta, que não polui e nem produz calor, ultrapassava todos os carros a caminho da avenida Paulista, pensando nos descompassos da metrópole pós-moderna. Há pouco tempo a prefeitura de São Paulo implantou um sistema que permite transportar bicicletas nos vagões do metrô. Assim, sem muitos esforços, cheguei ao Centro Cultural pelo acesso da estação Vergueiro. Logo de cara, notei que este acesso promove uma sensação de isolamento com relação ao entorno que acomoda o edifício. E somente caminhando um pouco mais, pude visualizar, ao longe, a parte superior dos edifícios gigantes, que se localizam do 50
  • 51. outro lado da avenida 23 de maio e da rua Vergueiro, pois dois grandes jardins protegem esta entrada. Foi com dificuldades que deixei minha bicicleta no bicicletário do próprio Centro Cultural. Lá, o paraciclo é do tipo “pendurado” e eu nunca tenho força suficiente para levantar a bicicleta até a altura ideal. Por sorte era sábado, e havia vários meninos dançando break logo na entrada do edifício. Um deles me ajudou a pendurá-la. Agradeci ao menino e fiquei mais um tempo ali parada, vendo eles dançarem. O sol estava tão forte, que mesmo sob a cobertura que protege as laterais desta entrada, a temperatura era alta e a quantidade de luz causava uma espécie de desconforto aos meus olhos. Talvez seja pelo concreto que reveste o piso deste páteo, e que, nos dias ensolarados, acaba liberando muito calor e refletindo muita luz. Coloquei meus óculos e fui tomar água no bebedouro que ficava próximo ao banheiro. Mas, a sensação térmica era tanta, que desisti de olhar os meninos dançarem e fui adentrando o Centro Cultural. Percorri o local com passos lentos, vasculhando o ambiente. A cada passo o edifício se mostrava mais amplo. Parecia um espaço infinito e sem portas. Como uma realidade a parte de tudo aquilo que se desenvolvia ao exterior. Haviam várias pessoas ali. Eram velhos, jovens e também crianças, de todas as idades. Naquele momento, o Centro Cultural me pareceu sobretudo um espaço de permanência, como uma praça de cidade pequena, onde as pessoas se reúnem as vezes sem muitas pretensões, as vezes dispostos a discutir os mais diversos assuntos. Lá as pessoas pareciam tranquilas, algumas estavam uniformizadas e descansavam, como se estivessem no horário de almoço, outras estavam concentradas estudando, e havia ainda aquelas que pareciam somente estar curtindo aquela tarde de sábado, junto com os amigos. Entrando pelo corredor, notei uma movimentação logo adiante. Escutei também uma música, que invadia o espaço e convidava as pessoas para dançar. Foi quando avistei a sala de espetáculos que entendi o que estava acontecendo. O Centro Cultural estava desenvolvendo uma programação para cegos, proporcionando-lhes acesso à atividades que geralmente não fazem parte do cotidiano de uma pessoa com deficiência visual. Os que não eram cegos usavam um tecido sobre os olhos, de forma que naquele 51
  • 52. instante, libertos do tribunal da visão, todos eram iguais e estavam livres para dançar, sem preconceitos. Só lhes cabia sentir. A música é a arte que tem o poder de colocar nossos corpos em movimento. Como um tecido oscilando ao vento, num vai e vem sereno e desregrado, que o faz de bailarina e transforma um simples balanço em pura poesia. Fiquei ali parada observando, escutando a música, vendo as pessoas dançarem e imaginando como seria diferente o mundo se todos não pudessem ver. Até que um moço de pele escura, cabelo desgrenhado e roupas sujas, me chamou a atenção. Ele balançava a cabeça e dançava como se escutasse sua música preferida depois de meses sem ouvi-la. Era um morador de rua que ali encontrava a oportunidade de incluir-se novamente na sociedade, que outrora havia lhe excluído. Me lembro que algumas vezes ouvi amigos dizerem que as salas de cinema do Centro Cultural tinham um mau cheiro por conta dos moradores de rua que participavam das sessões. Naquele momento, vendo-o dançar, pensei que bom seria se todas as salas de cinema da cidade de São Paulo tivessem esse cheiro. Talvez assim, algumas pessoas se incomodariam e se questionariam de sua própria posição, perante a posição desfavorecida daquele que se encontra ao seu lado. Ao final do concerto, continuei minha caminhada pelo edifício e, após poucos passos, me deparei com, nada mais nada menos, que um campeonato de xadrez. Eu adoro xadrez. Aprendi a jogar há pouco tempo, mas, quanto mais aprendo, mais tenho vontade de jogar. Os participantes pareciam todos mais velhos. Logo de início, imaginei que fosse um campeonato de xadrez para idosos, mas quando olhei mais atentamente, vi o quão estúpida era esta hipótese, pois também haviam vários jovens participando. Subitamente, fui acometida por uma vontade imensa de jogar, mas, como não me sinto preparada para competições, e tampouco estava inscrita no campeonato, achei melhor continuar minha caminhada. Quando cheguei próximo à biblioteca, um garoto, montado numa bicicleta, me chamou. Ele se apresentou e me perguntou se eu gostaria de viver uma experiência nova e emocionante, que certamente eu ainda não havia vivido. Confesso que fiquei um 52
  • 53. pouco confusa, e me perguntei desconfiada: que tipo de experiência nova e emocionante aquele menino poderia querer me proporcionar? Mesmo sem saber a resposta, aceitei o desafio, e o menino rapidamente me pediu que sentasse no banco de trás da bicicleta. Eu ri, e só depois entendi que se tratava de um passeio de bicicleta para cegos. Assim como no concerto, aqueles que não eram deficientes visuais também podiam participar, mas com a condição de estarem com os olhos vendados. Coloquei a venda e me sentei no banco de trás da bicicleta. Logo de início, me senti insegura e com firmeza segurei na cintura do menino que guiava o passeio. Ele saiu pedalando pelo Centro Cultural e, conforme nos movimentávamos, fui me habituando à escuridão que se dava ao meu redor. Como eu ainda não conhecia o lugar, percebi o quanto era difícil reconhecer um espaço sem poder vê-lo. Minhas sensações pareciam desordenadas. E talvez por falta de costume, tornou-se difícil me sentir segura. Foi aí que me lembrei que, há algum tempo, li uma pesquisa que dizia que o Centro Cultural é o lugar preferido dos cegos, em toda a cidade de São Paulo. A partir de então, resolvi relaxar. Os sons, os odores e as sensações passaram a ser meus principais guias e, pouco a pouco, comecei a relacioná-los aos ambientes que passávamos. Quando cruzamos o restaurante, foi fácil saber onde estávamos, pois as vozes aumentaram, ouvi o som dos talheres batendo nos pratos e senti o cheiro de que comida cobria o lugar. Logo depois, senti que diminuímos a velocidade e, aos solavancos, percebi que o menino fazia força para subir em algum lugar. Lá, o barulho dos carros já anunciava que estávamos próximos à uma saída. Mas, não consegui reconhecer exatamente nossa posição no edifício. Conforme o menino continuou pedalando, notei que o barulho foi se afastando e tudo foi ficando mais silencioso. Até que de repente, ele me pediu que abrisse os braços e eu, mesmo receosa, fiz como ele havia dito, deixando-me levar, em busca das sensações. Rapidamente, senti a bicicleta aumentar a velocidade e uma espécie de vento bateu em meu rosto. Percebi que estávamos descendo. Era como um voo descontrolado em meio a escuridão. Fiquei com medo e agarrei novamente na cintura do menino. Em resposta, ele se pôs a rir, 53