1. O tribunal decidiu que o comprador original da nua propriedade não pode alegar a nulidade da venda posterior feita pelo mesmo vendedor, uma vez que não registou a sua aquisição no registo predial e o comprador posterior registou a sua aquisição antes.
2. Para efeitos do registo predial, o conceito de terceiro refere-se àquele que adquire um direito registado, beneficiando da presunção resultante do registo.
3. O tribunal negou a revista do acórdão recorrido que confirmou a
1. Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07B1847
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: REGISTO PREDIAL
NUAPROPRIEDADE
NULIDADE
VENDA DE BENS ALHEIOS
TERCEIRO
INOPONIBILIDADE DO NEGÓCIO
Nº do Documento: SJ200706210018477
Data do Acordão: 21062007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. O conceito de terceiro a que se refere o artigo 291º do Código Civil, motivado pela ideia de estabilidade das situações jurídicas,
pressupõe a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último subadquirente, e é diverso do conceito de
terceiro para efeito de registo a que se reporta o artigo 5º, nº 1, do Código do Registo Predial.
2. Não tendo o primitivo adquirente da nua propriedade sobre a fracção predial inscrito a sua aquisição no registo predial, e tendo
outrem adquirido do mesmo vendedor o direito de propriedade plena sobre ela inscrito no registo a sua aquisição, não pode o
primeiro ao último a nulidade do contrato de compra e venda com fundamento na venda de coisa alheia.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA intentou, no dia 9 de Outubro de 1995, contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK, acção declarativa constitutiva, com
processo ordinário, pedindo a declaração da nulidade ou a revogação de identificada procuração, a declaração da nulidade do
subsequente contrato de compra e venda, ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor dos réus e a sua condenação a
indemnizálo por litigância de má fé.
Fundamentou a sua pretensão na circunstância de a ré BB lhe haver vendido a nua propriedade da fracção predial “H” do prédio sito
na Calçada da ......, nº ..., Lisboa e, depois, disso, a haver vendido aos réus, e de a vendedora, por virtude de anomalia psíquica, não
haver compreendido o sentido da procuração irrevogável que emitiu para o efeito.
Em contestação, BB impugnou os factos articulados pelo autor e, em reconvenção, pediu a anulação do contrato de compra e venda
celebrado com aquele, sob o fundamento da exploração do seu estado de necessidade e de dependência por LL.
Os outros réus, por seu turno, impugnaram os factos articulados pelo autor, arguíram a ilegitimidade deste relativamente ao pedido de
declaração de nulidade da procuração e a ilegitimidade dos réus KK, MM, FF e de NN
O autor, na réplica, pronunciouse no sentido da sua legitimidade ad causam e impugnou os factos articulados pela ré BB na
reconvenção.
No despacho saneador, foi a excepção de ilegitimidade do autor julgada improcedente e a excepção da ilegitimidade de KK de MM,
de FF e de NN julgada procedente, pelo que foram absolvidos da instância.
Falecida a ré BB, foram declarados habilitados para o prosseguimento dos termos da demanda, PP, QQ, RR e SS.
Falecido o réu DD, foram declarados habilitados em sua substituição os réus CC, EE, GG, HH e JJ, e, na sequência do falecimento de
PP, foi habilitado em sua substituição TT.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 31 de Março de 2006, por via da qual foi declarada a nulidade do contrato de
compra e venda celebrado entre a ré BB, representada por DD, e os réus DD, GG e II e ordenado o cancelamento do respectivo registo
predial de aquisição.
Apelaram os réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 13 de Fevereiro de 2007, por maioria, negou provimento ao recurso,
essencialmente com base na natureza declarativa do registo predial, na presunção ilidível dele resultante e na circunstância de os
recorrentes haverem fundado a sua pretensão no contrato de compra e venda e não na referida presunção, acrescentando dever a
questão dever ser decidida segundo as regras da nulidade dos negócios jurídicos e da compra e venda.
Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
a questão a dirimir não depende apenas da apreciação e decisão em termos substanciais e civilísticos estritos, mas também das regras
e normas de registo predial aplicáveis;
aquando do contrato que celebraram, os recorrentes, compradores, ignoravam a alienação a favor do recorrido;
face ao disposto no artigo 5º, nº 1, do Código do Registo Predial, a venda da nua propriedade ao recorrido é ineficaz em relação aos
recorrentes por a sua aquisição ter sido levada ao registo antes do contrato de compra e venda que celebraram e não implicar a
nulidade deste;
não há venda de bens alheios por a vendedora, titular da propriedade da fracção predial inscrita no registo estar legitimada para
realizar a segunda venda;
o registo que efectuaram é aquisitivo ou tabular, pelo que beneficiam do seu efeito substantivo, que não pode ser prejudicado;
são terceiros registais e gozam da presunção do registo consagrada nos artigos 7º e 17º nº 2, do Código do Registo Predial;
é inaplicável o artigo 291º do Código Civil por este se restringir à hipótese de o terceiro de boa fé não ter agido com base no registo
anterior a favor do transmitente, ou seja, às aquisições nulas ou anuláveis em que o subadquirente não é um verdadeiro terceiro
registal;
o acórdão recorrido violou os artigos 291º, nºs 1 e 2 e 892º do Código Civil e 5º a 7º, 17º, nº 2 e 122º do Código de Registo Predial,
pelo que deve ser revogado.
Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão:
extinto o usufruto por morte da vendedora, cessou a sua autonomização em relação ao direito de propriedade.
o recorrido não procedeu ao registo de aquisição da nua propriedade da fracção predial por mero descuido, mas como a vendedora
continuou a usufruir a casa na qualidade de usufrutuária, não relevava para si o registo no imediato;
ao conhecer que os recorrentes adquiriram a fracção, apresentou a registo a sua aquisição com o usufruto, que foi efectuado
provisoriamente por dúvidas em razão da falta de legitimidade da vendedora;
os recorrentes adquiriram coisa alheia, por falta de legitimidade da vendedora, sendo aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo
291º do Código Civil;
o recorrido, ao invés dos recorrentes, é segundo de boa fé por virtude da sua aquisição, do pagamento da sisa, da oferta à câmara do
direito de preferência e da publicidade da venda, pelo que não releva a boa fé por eles alegada quanto à outorga da escritura, ao
pagamento do preço e à efectivação do registo.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A ré BB era dona da fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3º andar do prédio urbano sito na Calçada .....,
nºs ......B, ...... e ......C, descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ../...., da freguesia da Graça (Santo André),
Lisboa.
2. O autor e a ré BB, na escritura pública outorgada no dia 14 de Janeiro de 1993, no 2º Cartório Notarial de Lisboa, declararam, a
última vender e o primeiro comprar, por 6 000 000$, a raiz ou nua propriedade da fracção predial mencionada sob 1.
3. O autor, para além do pagamento daquela escritura, procedeu previamente ao pagamento do imposto municipal de sisa, tendo, para
a efectivação de tal venda, apresentado requerimento à Câmara Municipal de Lisboa, edilidade territorial com preferência na
eventual aquisição da citada fracção.
4. A ré BB sempre manteve com os seus sobrinhos boas relações, estes sempre a estimaram, e ela afirmou a elementos da família O....