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Sangue
  e
Chocolate
A N N E T T E C U R T I S K L A U S E
Sangue
  e
Chocolate
A N N E T T E C U R T I S K L A U S E
            TRADUÇÃO:
ERIC NOVELLO E JIM ANOTSU
MAI O

                Lua Fantasma

As chamas se        projetavam para o alto, tornando a noite
nefasta com luzes de carnaval. As faíscas tomaram o lugar das
estrelas. A pousada centenária era uma silhueta diante do in-
ferno, e tudo o que Vivian conhecia era consumido pelo fogo.
      Duas pessoas atravessaram a porta frontal destruída e
correram pela floresta onde ela estava. Suas roupas de dormir
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                      S A N G U E E C H O C O L AT E


manchadas de fuligem, seus rostos brancos de pavor. A pessoa que as
tinha empurrado para fora sumiu mais uma vez dentro da pousada.
Outra janela explodiu.
        Três dos chalés estavam em chamas, além do celeiro. Os cavalos
relinchavam de pavor conforme eram afugentados dos estábulos por
um grupo de garotos.
        Nas montanhas de West Virginia, a quilômetros da cidade mais
próxima, eles não esperavam a chegada de um carro de bombeiro.
        Em algum lugar atrás de Vivian, uma mulher gemia e gemia.
“Eles fizeram isso de propósito. Eles tacaram fogo na gente.”
        “Leve ela para um dos caminhões,” disse uma voz masculina.
“Eu vou trazer o outro carro.”
        “Cuidado com atiradores,” uma voz feminina respondeu. “Eles
podem estar esperando para nos abaterem quando sairmos.”
        “Vá para Maryland,” Vivian ouviu sua mãe dizer. “Nós nos
encontraremos na casa de Rudy.”
        Vivian sentiu um puxão em seu braço. Sua mãe, Esmé, estava
ofegante ao seu lado. “Eu coloquei a tia Persia no meu carro. Cadê
o seu pai?” Agora que estava a sós com sua filha, o tom de sua voz
subia com o pânico.
        “Ele voltou lá para dentro,” Vivian respondeu, a voz áspera
devido à fumaça e às lágrimas. “Com o Gabriel e o Bucky.”
        “Ivan!” Esmé começou a voltar para a construção e Vivian
a agarrou e segurou bem firme. “Não! Vocês não podem entrar lá
juntos. Eu não vou aguentar!”
        Esmé lutou para se libertar, mas aos quinze anos, Vivian já era
páreo para ela. “Você não pode impedi-lo,” disse Vivian. “Ele jurou
proteger a matilha.”
        “Mas eu preciso estar ao lado dele,” Esmé implorou. “Eles
também são meu povo.”
        O que eu fiz?, Vivian pensou. Se pelo menos tivesse impedido
os garotos, talvez isso não tivesse acontecido. Se pelo menos tivesse
contado ao seu pai que eles estavam fora de controle.
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                   A N N E T T E C U RT I S K L AUS E


       Pessoas vinham pela lateral da casa. Bucky levava uma jovem
franzina, pouco mais velha do que Vivian. Gabriel segurava algo que
gritava em seus braços.
       O fogo clamou sua vitória. Então, com um estalo que parecia
o de uma coluna gigante sendo quebrada, o eixo central cedeu e o
telhado desabou em uma onda multicolorida de fagulhas e chamas.
       “Papai!” Vivian gritou.
       Mas era tarde demais.
MAI O/J U N H O
                  N O AN O S EG U I NTE

      Lua do Solstício de Verão
               Um
“Mãe, você andou           brigando de novo.”
      Vivian encarou sua mãe.
      Esmé Gandillon descansava à vontade em uma poltrona,
uma perna longa e fina jogada por cima do braço. Ela não con-
seguia parar de sorrir. Um corte em sua bochecha continuava
sangrando de leve.
12
                      S A N G U E E C H O C O L AT E


       “Você está horrível,” disse Vivian.
       “Sim, mas você devia ver como ficou a outra vadia,” respondeu
Esmé. Ela coçou a cabeça com vontade com as duas mãos, despente-
ando seu cabelo loiro e volumoso.
       Vivian suspirou e se aproximou para limpar a bochecha da
mãe com um tecido pego na caixa da mesa do café. Ela ainda ia acabar
arruinando seu belo rosto. “Você e a Astrid não podem parar de
brigar?” Tinha sido assim desde que se mudaram de West Virginia,
fazia um ano. Ela praticamente não conhecia mais sua mãe. “Não
podem?,” ela repetiu.
       “Rafe ligou procurando você,” disse Esmé, ignorando a pergunta.
       Vivian revirou seus olhos. Era tudo o que ela precisava. Será
que ele não tinha se tocado?
       Esmé se sentou e olhou diretamente para sua filha. “Pensei
que você estava com Rafe e os outros.”
       “Eu não estava com eles.” Ela se indignou com o pensamento.
Os cinco jovens machos, os únicos companheiros da sua idade, pro-
vavelmente levariam o resto da matilha à morte se continuassem a
agir do modo como estavam agindo.
       “Então, onde você estava?”
       Vivian se virou para deixar a sala. Desde quando sua mãe se
preocupava tanto com os lugares aonde ela ia? “Lá embaixo no rio,
nas pedras,” ela disse olhando sobre o ombro.
       “O que você estava fazendo lá?”
       “Nada.”
       Conforme deixava a sala, Vivian ouviu sua mãe rosnando
baixinho de frustração.
       Por que Esmé sempre tinha que falar dos Cinco? Será que ela
não podia enfiar na cabeça que Vivian não queria ficar com eles?
       O nó familiar em sua garganta veio forte e apertado. O in-
cêndio no ano passado tinha sido culpa dos Cinco – e de Axel. Ela
bateu a porta do quarto. Sua face interna estava riscada com marcas
de garras. Ela expandiu suas unhas e arrancou outro pedaço.
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                     A N N E T T E C U RT I S K L AUS E


        Axel tinha que perder a cabeça e matar aquela garota?
        Ele vinha agindo de maneira cada vez mais selvagem na última
primavera e falando coisas malucas. Vivian ouviu os Cinco e ele se
vangloriando sobre visitas à meia-noite à cidade, onde espreitavam
humanos nas sombras e davam um baita susto neles. O que eles faziam
soava engraçado. Ela os convenceu a deixá-la ir junto, mas começaram
a circular rumores na escola. As pessoas estavam ficando nervosas.
Quando Vivian disse que talvez eles devessem parar com isso, Axel
e os Cinco riram na cara dela.
        Então Axel começou a sair sozinho, e Vivian achou que tinha
algo errado acontecendo. Ele não falava muito, e isso a deixou maluca.
        Eu estava meio apaixonada por Axel, Vivian pensou enquanto
tirava as calças. Rafe pensou que eu era sua garota, mas se Alex quisesse
eu o teria abandonado em um segundo. Ela suspirou de desgosto. Gostar
de Alex me transformou numa idiota.
        Ela tinha visto o comportamento dele sair de controle e não
tinha feito nada. Ela deveria ter dito ao seu pai o que eles vinham
fazendo, mesmo que isso a deixasse em apuros. Mas você não dedurou
seus amigos, não é mesmo?
        Então, na noite do baile do Dia dos Namorados, Alex foi so-
zinho para a cidade e matou uma garota atrás da escola.
        Vivian ainda sentia o calor da raiva de quando descobriu o
que ele tinha feito. Ela não conseguia parar de pensar que ele havia
matado por algum motivo fútil, como, por exemplo, ter sido dispen-
sado pela garota. E ele poderia ter ficado comigo, ela pensou amarga.
        Ele devia estar se transformando de volta quando um colega
de classe o viu debruçado sobre o corpo. Antes de Axel saber que
ele estava lá, o garoto se mandou e deu o nome dele para a polícia.
        Os Cinco decidiram ajudar. Eles mataram outra garota en-
quanto Axel estava na prisão. Eles não contaram seus planos a Vivian;
devem ter imaginado que ela teria discordado deles. E eu realmente
teria discordado, ela pensou, mas não tinha certeza.
        “Como um garoto poderia estar coberto com pelos? Como
um humano poderia causar ferimentos como esses?,” o advogado da
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                      S A N G U E E C H O C O L AT E


família argumentou, defendendo Axel. O novo assassinato enquanto
Axel estava preso provou que havia um animal selvagem à solta. Axel
tinha meramente descoberto o corpo, entrado em pânico e corrido.
O caso foi encerrado.
        Mas alguém da cidade acreditou na história da testemunha
de que um lobo havia se transformado em um garoto. Então, numa
noite bem tarde, a pousada e as dependências pegaram fogo em seis
lugares diferentes, e uma fumaça negra e incômoda escondeu a lua.
        No século XVII, seus ancestrais fugiram da histeria sobre
lobisomens na França para o escassamente povoado Novo Mundo,
e, no final do século, tinham se estabelecido na selvagem Louisiana.
Na Nova Orleans do século XIX, os trigêmeos Verdum quebraram
a proibição de comer carne humana e a matilha mudou às pressas
para West Virginia, onde se juntou aos remanescentes de uma ma-
tilha alemã da Pensilvânia. Ano passado, o apetite proibido venceu
novamente, e a matilha fugiu das montanhas que tinham sido sua
casa por cem anos e refugiou-se nos subúrbios de Maryland. Cinco
famílias e alguns outros se apertaram na velha casa vitoriana do tio
Rudy em Riverview. Com sorte, ninguém os seguiria até lá e eles
poderiam demarcar novas trilhas.
        A casa na Rua Sion tinha esvaziado aos poucos, à medida que
os demais encontraram empregos e lugares para ficar, até que só
restaram Vivian, Esmé e tio Rudy. Vivian tinha pensando que nessa
época eles já teriam feito planos para o futuro, mas agora a matilha
toda parecia estar louca, sua mãe inclusive. Com mais da metade deles
mortos, ninguém sabia mais o seu lugar. Rolavam discussões cons-
tantes. A sobrevivência dependia de se misturarem, enquanto eles se
organizavam e decidiam para onde deveriam seguir e se estabelecer
definitivamente, mas a qualquer momento a matilha provavelmente
explodiria em uma confusão de pelos. Eles precisavam urgentemente
de um líder, mas ninguém chegava a um acordo de quem seria.
        Misture-se, ela pensou. Ah se fosse tão fácil.
        No último verão ela tinha se escondido em seu quarto e dormido
a maior parte do tempo. Nas primeiras horas da manhã, a hora em
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                    A N N E T T E C U RT I S K L AUS E


que um lobisomem vai para casa se livrar de sua pele animal, Vivian
podia ouvir sua mãe chorando inconsolável na janela aberta de seu
quarto por alguém que nunca mais voltaria para casa.
       Entretanto, quando o segundo ano começou, Vivian tinha
passado a comer quase regularmente, e Esmé tinha encontrado um
emprego de garçonete no Tooley, um barzinho local. Pouco a pouco,
sobreviver aos dias deixou de ser tão difícil. Vivian não ficava mais
exausta quando chegava a casa as três e meia, e o dever da escola
começou a fazer sentido.
       Ela começou a olhar com uma ponta de inveja para o grupo
de jovens rindo juntos em torno do mastro após a escola.
       Num primeiro momento, ela pensou, Por que eu deveria fazer
amizade com pessoas que me matariam se soubessem o que eu sou? E se
eu bobeasse e eles percebessem? Mas o desejo persistiu. Foi quando ela
percebeu que não sabia como fazer amigos.
       Ela sempre tivera a matilha em torno dela, a matilha que agora
se escondia em suas tocas isoladas. Sempre existiram as crianças da
matilha. Ela nunca teve que buscar companhia, a companhia sempre
esteve presente. Os Cinco continuam por perto, é claro, mas agora ela
não conseguia aguentar a presença deles, e eles nunca poderiam ser
apenas seus amigos, de qualquer maneira. Todos eles a viam como
uma parceira. Seja legal com um deles e os demais ficarão decepcio-
nados e violentos. Brigar, brigar, brigar, era isso o que significava
dar atenção a eles.
       Eu quero outros amigos, ela pensou. Mas ninguém parecia querê-
-la como amiga.
       Ela permaneceu em frente ao espelho de seu closet vestindo
uma camiseta e se virou de um lado para o outro. O que há de errado
comigo?, ela se perguntou.
       Não havia nada importante que ela pudesse perceber. Ela
era alta e tinha pernas longas como sua mãe, com seios volumosos,
cintura fina e quadris estreitos com curvas o suficiente para mos-
trar que ela era uma fêmea. Sua pele era levemente bronzeada. Ela
16
                       S A N G U E E C H O C O L AT E


era sempre bronzeada, pegasse sol ou não, e seu cabelo castanho era
grosso, longo e selvagem.
        Então, por que os grupos de garotas paravam de falar quando
ela se aproximava deles na escola e por que respondiam suas tenta-
tivas de puxar conversa de forma lacônica? Ela era bonita demais?
Seria possível? Seria essa a ameaça que eles viam? Ela sabia que era
uma linda loup-garou, os Cinco uivavam por ela, mas o que os olhos
humanos percebiam?
        Os garotos cutucavam uns aos outros quando ela passava, ela
tinha visto de canto de olho. Eles a notavam. E ela podia entender por
que um ou dois coravam e gaguejavam quando ela falava com eles.
Sempre existiram garotos tímidos que morreriam se alguma garota
os notasse. Mas onde estavam os garotos descolados?
        Fossem homens ou mulheres, eles resistiam a ela. Será que eles
conseguiam ver a floresta em seus olhos? A sombra de sua pele animal?
Seriam seus dentes muito afiados? É difícil ser um lobo, ela pensou.
        Ela sentia falta das encostas das montanhas onde os humanos
ficavam bem longe e a matilha estava por perto, e ela quase nunca
tinha que fingir.
        Eu não me importo, ela pensou, girando para lá e para cá. Eu não
preciso de humanos. Eu ainda tenho a matilha e estaremos indo embora no-
vamente em breve. Mas ela se importava. A matilha estava aos pedaços,
e no meio desses humanos ela era um lobisomem, uma loup-garou,
e isso a tornava intrusa e indesejada. Mas eles iriam gostar de mim se
tivessem tempo de me conhecer, ela pensou. Eles só não me conhecem.
        Ela se atirou na cama e esticou as pernas no ar para admirar
suas curvas elegantes, segurando seus quadris para mantê-las para
o alto. Alongou-se o máximo possível, dedos das mãos tocando os
dedos dos pés esticados, músculos com uma tensão agradável, quase
tão agradável quanto a mudança para a pele animal. “Eu sou forte,”
ela sussurrou. “Eu posso correr com a noite e pegar o amanhecer. Eu
posso chutar as estrelas.” E esticou um pé para provar sua teoria. Em
seguida, abraçou-se como uma bola.
17
                     A N N E T T E C U RT I S K L AUS E


        Ela sentia falta de seu pai, dos seus conselhos e do carinho.
Arreganhou os dentes ao sentir a dor familiar.
        De onde estava deitada, podia ver a parede vazia da qual tinha
retirado a mobília, e o mural que ela começou para se consolar e para
tornar o quarto mais seu.
        Uma escuridão densa e rasgada tornava a floresta algo sel-
vagem, textura sob textura, e a lua pintada brilhava intensamente.
Havia vermelho marcado na escuridão – olhos, sangue.
        Os loup-garoux corriam sob a luz do luar em uma noite no
passado de seus ancestrais. As histórias contavam que através de
ritual, sacrifício e sacramento eles abriram suas almas para o Deus
da Floresta, o grande caçador que assumiu a forma do lobo. Para
recompensá-los por sua devoção, sua companheira, a Lua, deu-lhes
o dom de ser mais do que humanos. Assim, eles poderiam jogar de
lado as peles dos animais caçados e cultivar a sua própria, abandonar
as suas facas de sílex e usar seus dentes. Os filhos dos filhos dos seus
filhos ainda carregavam a fera interior, e todos estavam sujeitos à lua.
        Era no centro do mural que ela se tornaria parte da noite, onde
ela correria com a matilha de seus ancestrais. Mas agora, sempre que
pegava o pincel, ela não conseguia continuar. Não conseguia se ver
lá. Ela teve um sonho sobre a pintura que insistia em voltar. Estava
cercada pela escuridão e não podia ver os focinhos ao seu redor. Ela
estava correndo, correndo, tentando alcançar a noite a céu aberto, mas
por todos os lados enormes formas se aglomeravam mais perto e esfo-
lavam sua pele com o pelo áspero e grosso, enquanto esbarravam nela
e a empurravam. Ela não conseguia fazer sua pele animal surgir. Era
sempre o pelo deles contra sua pele humana, e ela acordava chorando.

Como que para neutralizar o sonho, Vivian tinha ficado obcecada por
um tempo e criado dezenas de obras menores e esboços da matilha
que conhecera quando estava crescendo. Esses desenhos encheram
as paredes de seu armário e foram amontoados no espaço entre sua
cômoda e a parede. Eles a ajudaram a se prender ao passado. Ajudaram-
-na a não enlouquecer.
18
                       S A N G U E E C H O C O L AT E


O professor de arte achou que ela era um desses artistas punks, elo-
giando o poder do expressionismo.
        Grande Lua, ele ficaria muito surpreso se soubesse que minhas
inspirações são reais, pensou Vivian alegremente. Ele a convenceu a
enviar alguns desenhos para a revista literária da escola. No início
ela riu, mas por que não? E agora, para sua surpresa, lá estava uma de
suas pinturas perto do meio do O Clarim. Vivian sorriu. Sem dúvida
aqueles humanos pensaram que seu trabalho era o ponto de vista
muito legal de algo definitivamente bacana e perigoso.
        Pensar sobre esta pequena aceitação afastou a melancolia, e
ela correu aos pulos para pegar sua mochila e dar outra olhada. Ela
poderia deixar a revista aberta sobre a mesa da cozinha para a mãe
ver amanhã antes de ir para o trabalho. Será que ela reconheceria a
arte de sua filha?
         Será que ficaria orgulhosa?
        A revista tinha cheiro de nova e estava fria em suas mãos. Ela
encontrou seu desenho e devorou seu brilho, nítido e chamativo. E
será que as meninas na escola vão me notar agora?, pensou.
        Ela não tinha sequer se preocupado em ver com quem dividia seu
espaço. Será que meu trabalho é melhor do que o dos outros?, perguntou-se.
Um poema estava na página ao lado da dela. Ela o olhou desconfiado.
Um poema ruim iria diminuir o que ela tinha feito, torná-lo barato.

O título a assustou – “Transformação do Lobo.” Ela continuou a ler.

                           Pirata da floresta
                         se desfaça de sua pele
                        de sua vulnerabilidade
                             pálida e frágil.

                           Pirata da floresta
                            troque sua pele
                         por um lindo couro
                         castanho e malhado.
19
                     A N N E T T E C U RT I S K L AUS E


                       Um pentagrama queima
                            em seus olhos
                       e ramos torcidos e suaves
                              de acônito
                         apertam seu coração.

                        Uma dor esmagadora
                      contorce-se em suas coxas
                        a trituração dos ossos
                    proclama o início da mudança.

                           Pirata da carne
                      jogue sua cabeça para trás
                          e abra bem a boca
                   para cantar uma canção lunar.
                 Os caminhos da floresta são escuros
                           a noite é longa.

       Ela se arrepiou sentindo uma deliciosa surpresa.
       Ele sabe, ela pensou. Ele sabe o que está no desenho. A raiva levou
a melhor sobre a emoção e os olhos dela se estreitaram. Quem era
esse Aiden Teague? Como ele conhecia os caminhos da floresta?
       Mas ela ficou intrigada. Talvez devesse procurar e observar essa
pessoa que escreveu sobre o triturar dos ossos, ver se ela o aprovava.
       E se ela não o aprovasse? Colocaria Os Cinco atrás dele? Ela
riu baixinho, mostrando os dentes brancos e afiados.

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  • 1. Sangue e Chocolate A N N E T T E C U R T I S K L A U S E
  • 2. Sangue e Chocolate A N N E T T E C U R T I S K L A U S E TRADUÇÃO: ERIC NOVELLO E JIM ANOTSU
  • 3. MAI O Lua Fantasma As chamas se projetavam para o alto, tornando a noite nefasta com luzes de carnaval. As faíscas tomaram o lugar das estrelas. A pousada centenária era uma silhueta diante do in- ferno, e tudo o que Vivian conhecia era consumido pelo fogo. Duas pessoas atravessaram a porta frontal destruída e correram pela floresta onde ela estava. Suas roupas de dormir
  • 4. 8 S A N G U E E C H O C O L AT E manchadas de fuligem, seus rostos brancos de pavor. A pessoa que as tinha empurrado para fora sumiu mais uma vez dentro da pousada. Outra janela explodiu. Três dos chalés estavam em chamas, além do celeiro. Os cavalos relinchavam de pavor conforme eram afugentados dos estábulos por um grupo de garotos. Nas montanhas de West Virginia, a quilômetros da cidade mais próxima, eles não esperavam a chegada de um carro de bombeiro. Em algum lugar atrás de Vivian, uma mulher gemia e gemia. “Eles fizeram isso de propósito. Eles tacaram fogo na gente.” “Leve ela para um dos caminhões,” disse uma voz masculina. “Eu vou trazer o outro carro.” “Cuidado com atiradores,” uma voz feminina respondeu. “Eles podem estar esperando para nos abaterem quando sairmos.” “Vá para Maryland,” Vivian ouviu sua mãe dizer. “Nós nos encontraremos na casa de Rudy.” Vivian sentiu um puxão em seu braço. Sua mãe, Esmé, estava ofegante ao seu lado. “Eu coloquei a tia Persia no meu carro. Cadê o seu pai?” Agora que estava a sós com sua filha, o tom de sua voz subia com o pânico. “Ele voltou lá para dentro,” Vivian respondeu, a voz áspera devido à fumaça e às lágrimas. “Com o Gabriel e o Bucky.” “Ivan!” Esmé começou a voltar para a construção e Vivian a agarrou e segurou bem firme. “Não! Vocês não podem entrar lá juntos. Eu não vou aguentar!” Esmé lutou para se libertar, mas aos quinze anos, Vivian já era páreo para ela. “Você não pode impedi-lo,” disse Vivian. “Ele jurou proteger a matilha.” “Mas eu preciso estar ao lado dele,” Esmé implorou. “Eles também são meu povo.” O que eu fiz?, Vivian pensou. Se pelo menos tivesse impedido os garotos, talvez isso não tivesse acontecido. Se pelo menos tivesse contado ao seu pai que eles estavam fora de controle.
  • 5. 9 A N N E T T E C U RT I S K L AUS E Pessoas vinham pela lateral da casa. Bucky levava uma jovem franzina, pouco mais velha do que Vivian. Gabriel segurava algo que gritava em seus braços. O fogo clamou sua vitória. Então, com um estalo que parecia o de uma coluna gigante sendo quebrada, o eixo central cedeu e o telhado desabou em uma onda multicolorida de fagulhas e chamas. “Papai!” Vivian gritou. Mas era tarde demais.
  • 6. MAI O/J U N H O N O AN O S EG U I NTE Lua do Solstício de Verão Um “Mãe, você andou brigando de novo.” Vivian encarou sua mãe. Esmé Gandillon descansava à vontade em uma poltrona, uma perna longa e fina jogada por cima do braço. Ela não con- seguia parar de sorrir. Um corte em sua bochecha continuava sangrando de leve.
  • 7. 12 S A N G U E E C H O C O L AT E “Você está horrível,” disse Vivian. “Sim, mas você devia ver como ficou a outra vadia,” respondeu Esmé. Ela coçou a cabeça com vontade com as duas mãos, despente- ando seu cabelo loiro e volumoso. Vivian suspirou e se aproximou para limpar a bochecha da mãe com um tecido pego na caixa da mesa do café. Ela ainda ia acabar arruinando seu belo rosto. “Você e a Astrid não podem parar de brigar?” Tinha sido assim desde que se mudaram de West Virginia, fazia um ano. Ela praticamente não conhecia mais sua mãe. “Não podem?,” ela repetiu. “Rafe ligou procurando você,” disse Esmé, ignorando a pergunta. Vivian revirou seus olhos. Era tudo o que ela precisava. Será que ele não tinha se tocado? Esmé se sentou e olhou diretamente para sua filha. “Pensei que você estava com Rafe e os outros.” “Eu não estava com eles.” Ela se indignou com o pensamento. Os cinco jovens machos, os únicos companheiros da sua idade, pro- vavelmente levariam o resto da matilha à morte se continuassem a agir do modo como estavam agindo. “Então, onde você estava?” Vivian se virou para deixar a sala. Desde quando sua mãe se preocupava tanto com os lugares aonde ela ia? “Lá embaixo no rio, nas pedras,” ela disse olhando sobre o ombro. “O que você estava fazendo lá?” “Nada.” Conforme deixava a sala, Vivian ouviu sua mãe rosnando baixinho de frustração. Por que Esmé sempre tinha que falar dos Cinco? Será que ela não podia enfiar na cabeça que Vivian não queria ficar com eles? O nó familiar em sua garganta veio forte e apertado. O in- cêndio no ano passado tinha sido culpa dos Cinco – e de Axel. Ela bateu a porta do quarto. Sua face interna estava riscada com marcas de garras. Ela expandiu suas unhas e arrancou outro pedaço.
  • 8. 13 A N N E T T E C U RT I S K L AUS E Axel tinha que perder a cabeça e matar aquela garota? Ele vinha agindo de maneira cada vez mais selvagem na última primavera e falando coisas malucas. Vivian ouviu os Cinco e ele se vangloriando sobre visitas à meia-noite à cidade, onde espreitavam humanos nas sombras e davam um baita susto neles. O que eles faziam soava engraçado. Ela os convenceu a deixá-la ir junto, mas começaram a circular rumores na escola. As pessoas estavam ficando nervosas. Quando Vivian disse que talvez eles devessem parar com isso, Axel e os Cinco riram na cara dela. Então Axel começou a sair sozinho, e Vivian achou que tinha algo errado acontecendo. Ele não falava muito, e isso a deixou maluca. Eu estava meio apaixonada por Axel, Vivian pensou enquanto tirava as calças. Rafe pensou que eu era sua garota, mas se Alex quisesse eu o teria abandonado em um segundo. Ela suspirou de desgosto. Gostar de Alex me transformou numa idiota. Ela tinha visto o comportamento dele sair de controle e não tinha feito nada. Ela deveria ter dito ao seu pai o que eles vinham fazendo, mesmo que isso a deixasse em apuros. Mas você não dedurou seus amigos, não é mesmo? Então, na noite do baile do Dia dos Namorados, Alex foi so- zinho para a cidade e matou uma garota atrás da escola. Vivian ainda sentia o calor da raiva de quando descobriu o que ele tinha feito. Ela não conseguia parar de pensar que ele havia matado por algum motivo fútil, como, por exemplo, ter sido dispen- sado pela garota. E ele poderia ter ficado comigo, ela pensou amarga. Ele devia estar se transformando de volta quando um colega de classe o viu debruçado sobre o corpo. Antes de Axel saber que ele estava lá, o garoto se mandou e deu o nome dele para a polícia. Os Cinco decidiram ajudar. Eles mataram outra garota en- quanto Axel estava na prisão. Eles não contaram seus planos a Vivian; devem ter imaginado que ela teria discordado deles. E eu realmente teria discordado, ela pensou, mas não tinha certeza. “Como um garoto poderia estar coberto com pelos? Como um humano poderia causar ferimentos como esses?,” o advogado da
  • 9. 14 S A N G U E E C H O C O L AT E família argumentou, defendendo Axel. O novo assassinato enquanto Axel estava preso provou que havia um animal selvagem à solta. Axel tinha meramente descoberto o corpo, entrado em pânico e corrido. O caso foi encerrado. Mas alguém da cidade acreditou na história da testemunha de que um lobo havia se transformado em um garoto. Então, numa noite bem tarde, a pousada e as dependências pegaram fogo em seis lugares diferentes, e uma fumaça negra e incômoda escondeu a lua. No século XVII, seus ancestrais fugiram da histeria sobre lobisomens na França para o escassamente povoado Novo Mundo, e, no final do século, tinham se estabelecido na selvagem Louisiana. Na Nova Orleans do século XIX, os trigêmeos Verdum quebraram a proibição de comer carne humana e a matilha mudou às pressas para West Virginia, onde se juntou aos remanescentes de uma ma- tilha alemã da Pensilvânia. Ano passado, o apetite proibido venceu novamente, e a matilha fugiu das montanhas que tinham sido sua casa por cem anos e refugiou-se nos subúrbios de Maryland. Cinco famílias e alguns outros se apertaram na velha casa vitoriana do tio Rudy em Riverview. Com sorte, ninguém os seguiria até lá e eles poderiam demarcar novas trilhas. A casa na Rua Sion tinha esvaziado aos poucos, à medida que os demais encontraram empregos e lugares para ficar, até que só restaram Vivian, Esmé e tio Rudy. Vivian tinha pensando que nessa época eles já teriam feito planos para o futuro, mas agora a matilha toda parecia estar louca, sua mãe inclusive. Com mais da metade deles mortos, ninguém sabia mais o seu lugar. Rolavam discussões cons- tantes. A sobrevivência dependia de se misturarem, enquanto eles se organizavam e decidiam para onde deveriam seguir e se estabelecer definitivamente, mas a qualquer momento a matilha provavelmente explodiria em uma confusão de pelos. Eles precisavam urgentemente de um líder, mas ninguém chegava a um acordo de quem seria. Misture-se, ela pensou. Ah se fosse tão fácil. No último verão ela tinha se escondido em seu quarto e dormido a maior parte do tempo. Nas primeiras horas da manhã, a hora em
  • 10. 15 A N N E T T E C U RT I S K L AUS E que um lobisomem vai para casa se livrar de sua pele animal, Vivian podia ouvir sua mãe chorando inconsolável na janela aberta de seu quarto por alguém que nunca mais voltaria para casa. Entretanto, quando o segundo ano começou, Vivian tinha passado a comer quase regularmente, e Esmé tinha encontrado um emprego de garçonete no Tooley, um barzinho local. Pouco a pouco, sobreviver aos dias deixou de ser tão difícil. Vivian não ficava mais exausta quando chegava a casa as três e meia, e o dever da escola começou a fazer sentido. Ela começou a olhar com uma ponta de inveja para o grupo de jovens rindo juntos em torno do mastro após a escola. Num primeiro momento, ela pensou, Por que eu deveria fazer amizade com pessoas que me matariam se soubessem o que eu sou? E se eu bobeasse e eles percebessem? Mas o desejo persistiu. Foi quando ela percebeu que não sabia como fazer amigos. Ela sempre tivera a matilha em torno dela, a matilha que agora se escondia em suas tocas isoladas. Sempre existiram as crianças da matilha. Ela nunca teve que buscar companhia, a companhia sempre esteve presente. Os Cinco continuam por perto, é claro, mas agora ela não conseguia aguentar a presença deles, e eles nunca poderiam ser apenas seus amigos, de qualquer maneira. Todos eles a viam como uma parceira. Seja legal com um deles e os demais ficarão decepcio- nados e violentos. Brigar, brigar, brigar, era isso o que significava dar atenção a eles. Eu quero outros amigos, ela pensou. Mas ninguém parecia querê- -la como amiga. Ela permaneceu em frente ao espelho de seu closet vestindo uma camiseta e se virou de um lado para o outro. O que há de errado comigo?, ela se perguntou. Não havia nada importante que ela pudesse perceber. Ela era alta e tinha pernas longas como sua mãe, com seios volumosos, cintura fina e quadris estreitos com curvas o suficiente para mos- trar que ela era uma fêmea. Sua pele era levemente bronzeada. Ela
  • 11. 16 S A N G U E E C H O C O L AT E era sempre bronzeada, pegasse sol ou não, e seu cabelo castanho era grosso, longo e selvagem. Então, por que os grupos de garotas paravam de falar quando ela se aproximava deles na escola e por que respondiam suas tenta- tivas de puxar conversa de forma lacônica? Ela era bonita demais? Seria possível? Seria essa a ameaça que eles viam? Ela sabia que era uma linda loup-garou, os Cinco uivavam por ela, mas o que os olhos humanos percebiam? Os garotos cutucavam uns aos outros quando ela passava, ela tinha visto de canto de olho. Eles a notavam. E ela podia entender por que um ou dois coravam e gaguejavam quando ela falava com eles. Sempre existiram garotos tímidos que morreriam se alguma garota os notasse. Mas onde estavam os garotos descolados? Fossem homens ou mulheres, eles resistiam a ela. Será que eles conseguiam ver a floresta em seus olhos? A sombra de sua pele animal? Seriam seus dentes muito afiados? É difícil ser um lobo, ela pensou. Ela sentia falta das encostas das montanhas onde os humanos ficavam bem longe e a matilha estava por perto, e ela quase nunca tinha que fingir. Eu não me importo, ela pensou, girando para lá e para cá. Eu não preciso de humanos. Eu ainda tenho a matilha e estaremos indo embora no- vamente em breve. Mas ela se importava. A matilha estava aos pedaços, e no meio desses humanos ela era um lobisomem, uma loup-garou, e isso a tornava intrusa e indesejada. Mas eles iriam gostar de mim se tivessem tempo de me conhecer, ela pensou. Eles só não me conhecem. Ela se atirou na cama e esticou as pernas no ar para admirar suas curvas elegantes, segurando seus quadris para mantê-las para o alto. Alongou-se o máximo possível, dedos das mãos tocando os dedos dos pés esticados, músculos com uma tensão agradável, quase tão agradável quanto a mudança para a pele animal. “Eu sou forte,” ela sussurrou. “Eu posso correr com a noite e pegar o amanhecer. Eu posso chutar as estrelas.” E esticou um pé para provar sua teoria. Em seguida, abraçou-se como uma bola.
  • 12. 17 A N N E T T E C U RT I S K L AUS E Ela sentia falta de seu pai, dos seus conselhos e do carinho. Arreganhou os dentes ao sentir a dor familiar. De onde estava deitada, podia ver a parede vazia da qual tinha retirado a mobília, e o mural que ela começou para se consolar e para tornar o quarto mais seu. Uma escuridão densa e rasgada tornava a floresta algo sel- vagem, textura sob textura, e a lua pintada brilhava intensamente. Havia vermelho marcado na escuridão – olhos, sangue. Os loup-garoux corriam sob a luz do luar em uma noite no passado de seus ancestrais. As histórias contavam que através de ritual, sacrifício e sacramento eles abriram suas almas para o Deus da Floresta, o grande caçador que assumiu a forma do lobo. Para recompensá-los por sua devoção, sua companheira, a Lua, deu-lhes o dom de ser mais do que humanos. Assim, eles poderiam jogar de lado as peles dos animais caçados e cultivar a sua própria, abandonar as suas facas de sílex e usar seus dentes. Os filhos dos filhos dos seus filhos ainda carregavam a fera interior, e todos estavam sujeitos à lua. Era no centro do mural que ela se tornaria parte da noite, onde ela correria com a matilha de seus ancestrais. Mas agora, sempre que pegava o pincel, ela não conseguia continuar. Não conseguia se ver lá. Ela teve um sonho sobre a pintura que insistia em voltar. Estava cercada pela escuridão e não podia ver os focinhos ao seu redor. Ela estava correndo, correndo, tentando alcançar a noite a céu aberto, mas por todos os lados enormes formas se aglomeravam mais perto e esfo- lavam sua pele com o pelo áspero e grosso, enquanto esbarravam nela e a empurravam. Ela não conseguia fazer sua pele animal surgir. Era sempre o pelo deles contra sua pele humana, e ela acordava chorando. Como que para neutralizar o sonho, Vivian tinha ficado obcecada por um tempo e criado dezenas de obras menores e esboços da matilha que conhecera quando estava crescendo. Esses desenhos encheram as paredes de seu armário e foram amontoados no espaço entre sua cômoda e a parede. Eles a ajudaram a se prender ao passado. Ajudaram- -na a não enlouquecer.
  • 13. 18 S A N G U E E C H O C O L AT E O professor de arte achou que ela era um desses artistas punks, elo- giando o poder do expressionismo. Grande Lua, ele ficaria muito surpreso se soubesse que minhas inspirações são reais, pensou Vivian alegremente. Ele a convenceu a enviar alguns desenhos para a revista literária da escola. No início ela riu, mas por que não? E agora, para sua surpresa, lá estava uma de suas pinturas perto do meio do O Clarim. Vivian sorriu. Sem dúvida aqueles humanos pensaram que seu trabalho era o ponto de vista muito legal de algo definitivamente bacana e perigoso. Pensar sobre esta pequena aceitação afastou a melancolia, e ela correu aos pulos para pegar sua mochila e dar outra olhada. Ela poderia deixar a revista aberta sobre a mesa da cozinha para a mãe ver amanhã antes de ir para o trabalho. Será que ela reconheceria a arte de sua filha? Será que ficaria orgulhosa? A revista tinha cheiro de nova e estava fria em suas mãos. Ela encontrou seu desenho e devorou seu brilho, nítido e chamativo. E será que as meninas na escola vão me notar agora?, pensou. Ela não tinha sequer se preocupado em ver com quem dividia seu espaço. Será que meu trabalho é melhor do que o dos outros?, perguntou-se. Um poema estava na página ao lado da dela. Ela o olhou desconfiado. Um poema ruim iria diminuir o que ela tinha feito, torná-lo barato. O título a assustou – “Transformação do Lobo.” Ela continuou a ler. Pirata da floresta se desfaça de sua pele de sua vulnerabilidade pálida e frágil. Pirata da floresta troque sua pele por um lindo couro castanho e malhado.
  • 14. 19 A N N E T T E C U RT I S K L AUS E Um pentagrama queima em seus olhos e ramos torcidos e suaves de acônito apertam seu coração. Uma dor esmagadora contorce-se em suas coxas a trituração dos ossos proclama o início da mudança. Pirata da carne jogue sua cabeça para trás e abra bem a boca para cantar uma canção lunar. Os caminhos da floresta são escuros a noite é longa. Ela se arrepiou sentindo uma deliciosa surpresa. Ele sabe, ela pensou. Ele sabe o que está no desenho. A raiva levou a melhor sobre a emoção e os olhos dela se estreitaram. Quem era esse Aiden Teague? Como ele conhecia os caminhos da floresta? Mas ela ficou intrigada. Talvez devesse procurar e observar essa pessoa que escreveu sobre o triturar dos ossos, ver se ela o aprovava. E se ela não o aprovasse? Colocaria Os Cinco atrás dele? Ela riu baixinho, mostrando os dentes brancos e afiados.