SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 46
Downloaden Sie, um offline zu lesen
1
ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE OS CRITÉRIOS DE ESCOLHA DO RECEPTOR
NOS TRANSPLANTES DE FÍGADO NO BRASIL1
Jamile Laís Schmidt
RESUMO
Os transplantes de fígado tornaram-se freqüentes, despertando diversos
questionamentos bioéticos. O objetivo deste trabalho é analisar, com base em decisões do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a tendência do reconhecimento judicial da
gravidade do estado de saúde dos candidatos a receptor de fígado como fator determinante de
sua posição na lista única, bem como seu reflexo na publicação da Portaria 1.160/06 do
Ministério da Saúde, que adotou o índice MELD/PELD, o qual é um valor numérico com
variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem crescente da
escala. Partindo-se de uma introdução histórica, na qual se inclui a base conceitual da
pesquisa, chega-se aos questionamentos acerca da insuficiência do critério cronológico,
devido à alta mortalidade na lista de espera por transplante de fígado, o que estimulou a
discussão e a adoção de critérios de gravidade para alocação de órgãos. Foram expostos e
analisados estudos científicos e as posições ideológicas de setores da sociedade envolvidos,
assim como dados fornecidos pelos órgãos oficiais responsáveis. Demonstrou-se que a
mudança de critério no âmbito normativo não está isenta de críticas. Concluiu-se, porém, que
a adoção da gravosidade é positiva, por reconhecer a insuficiência do critério anterior e a
necessidade da busca por uma solução alternativa.
Palavras-chave: Bioética. Transplante de fígado. Índice MELD/PELD. Portaria 1.160/06 do
Ministério da Saúde. Critério cronológico.
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pela orientadora Profª. Me. Lívia Haygert
Pithan, Profª. Maria Alice Costa Hofmeinster, e Profª. Me. Helenara Braga Avancini, em 26 de junho de 2007.
2
INTRODUÇÃO
A precária situação do sistema de transplantes no Brasil é responsável pelas elevadas
estatísticas de pacientes que morrem na lista de espera por um órgão. A burocracia, a
necessidade do consentimento do doador e da sua família, o diagnóstico de morte encefálica,
juntamente com a necessária rapidez com que se deve processar a retirada do órgão e o
conseqüente transplante são alguns dos fatores que contribuem para a disparidade entre o
número de órgãos disponíveis e o elevado número de pessoas na fila de espera.
Tal lista respeitava a ordem cronológica de inscrição do paciente, independentemente
do fato de seu estado de saúde ser melhor ou pior do que aquele que o antecede ou sucede.
Porém, as estatísticas de mortalidade na lista de espera questionam a eficácia do critério
cronológico, e levam pacientes em estágio terminal a procurar o Poder Judiciário para que,
através de uma ordem judicial, possam passar à frente das demais pessoas na lista, em razão
do iminente risco de morte2
.
O presente trabalho, no momento inicial, investiga os aspectos jurídicos dos critérios
de escolha do receptor nos transplantes de fígado no Brasil. O segundo capítulo analisa
algumas das decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que concederam e
negaram tais transplantes, e seus argumentos, visto que não foram fundamentadas em
disposições legais, as quais vieram a surgir posteriormente. Entretanto, tais decisões podem
ser consideradas injustas para quem já estava na fila e seria o próximo a receber tal órgão e
que, devido à decisão judicial, estará fadado a prolongar sua angústia.
Tais decisões nos remetem a questionamentos acerca de quais pacientes devem
receber os órgãos disponibilizados: seriam os casos de iminente risco de morte, do paciente
que está há mais tempo na lista de espera ou o que possui mais chances de sucesso? Como
também: são os fundamentos utilizados nas decisões judiciais justos e suficientes para
autorizar a “burla” à lista de espera? A gravidade3
do estado de saúde do paciente deve
2
Optei pelo termo “risco de morte”, pois conforme Pasquale Cipro Neto, professor de português desde 1975,
consultor de língua portuguesa, colunista dos jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Diário do Grande ABC,
observa que a expressão em linguagem escrita formal culta é “risco de morte”. Afirma que a expressão “risco de
vida” seria derivada de “risco de perder a vida”, fenômeno vivo na língua portuguesa, no qual ocorre uma elipse,
omitindo-se o termo. Ver: FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2202200116.htm>. Acesso em: 13 maio 2007.
3
Utilizo indistintamente as expressões “gravidade” e “gravosidade” com o mesmo significado.
3
integrar o rol de exceções à ordem cronológica, ou mesmo passar a ser o critério principal de
alocação?
Por fim, no terceiro capítulo apresentam-se estudos e opiniões sobre os diferentes
critérios de organização da lista. Também se analisa criticamente a Portaria 1.160/06, do
Ministério da Saúde, a qual implementou o critério da gravidade, baseada nos índices
MELD/PELD (Model For End-Stage Liver Disease e Pediatric End-Stage Liver Disease),
bem como se abordam a situação dos pacientes anteriormente inscritos na lista única frente ao
novo critério.
1 ASPECTOS GERAIS SOBRE TRANSPLANTE DE FÍGADO
O primeiro transplante de fígado no Brasil foi realizado em 5 de agosto de 1968 pela
equipe do Prof. Dr. Marcel C. C. Machado, no Hospital das Clinicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. O paciente, que retomou a consciência após a
cirurgia, faleceu sete dias depois, entre outras razões pela rejeição de enxerto. O relatório
deste caso é importante para entender a evolução do transplante de fígado no Brasil onde este
procedimento é realizado habitualmente em muitos centros médicos. O primeiro transplante
hepático com sucesso foi realizado em São Paulo, pelo Prof. Dr. Silvano Raia, em 1985. A
partir da década de 1990, houve substancial aumento no número de Centros com capacidade
para realizar o procedimento4
.
As definições de transplante, implante e enxerto se confundem, segundo Sgreccia, "é
chamada transplante ou enxerto a operação cirúrgica com a qual se insere no organismo
hospedeiro um órgão ou um tecido retirado de um doador. Fala-se mais propriamente em
implante ou inclusão quando se trata de tecidos mortos ou conservados". Segue o autor,
referindo que "por efeito do transplante, realizam-se entre os tecidos enxertados e o
organismo hospedeiro os fenômenos vitais que recebem o nome de sobrevivência, adaptação,
desenvolvimento” 5
.
4
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TRANSPLANTADOS DE FÍGADO E PORTADORES DE DOENÇAS
HEPÁTICAS. Transplantes: histórico. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/frame5.htm>. Acesso
em: 28 de março de 2007.
5
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: Fundamentos e Ética Médica. Vol. 1. Tradução: Orlando Soares
Moreira. São Paulo: Loyola, 1996, p. 567.
4
Maria Helena Diniz observa que a Lei n.º 9.434/97, a qual dispõe sobre a remoção de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, não diferencia
transplante de enxerto6
:
Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e
por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados
pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde.
Os órgãos, tecidos e partes do corpo a serem doados deverão ser saudáveis e preencher
requisitos clínicos específicos previstos na Portaria n.º 3.407/98 do Ministério da Saúde, que
Aprova o Regulamento Técnico sobre as atividades de transplantes e dispõe sobre a
Coordenação Nacional de Transplantes. Tais critérios de exclusão de órgãos para doação são
necessários para o sucesso do transplante e da qualidade de vida do receptor, entretanto,
restringem a quantidade de órgãos aptos a serem doados. Dessa forma, há maior número de
pessoas que necessitam de um transplante do que órgãos disponíveis.
Para os órgãos que são indispensáveis à manutenção da vida, o transplante é a última
alternativa para evitar a morte. Dentre todos os órgãos vitais, o fígado é o maior órgão interno
em todos os vertebrados, compõe o sistema endócrino e é o único órgão do corpo capaz de se
regenerar rapidamente, sendo possível perder 75% deste tecido (por doença ou intervenção
cirúrgica), sem que ele pare de funcionar7
.
É possível dividir um fígado de doador cadáver e transplantá-lo em duas pessoas
distintas. Em geral, o lóbulo direito (maior) é transplantado num paciente adulto e o lóbulo
esquerdo (menor) é utilizado em uma criança. Conforme o tamanho do doador até dois
adultos podem ser beneficiados pelo mesmo órgão. Nos transplantes intervivos, há pequeno
risco de complicações para o doador, sendo que a sua recuperação total ocorre em poucas
semanas. Estima-se que as doações intervivos já representam 10% do total de transplantes no
Brasil8
.
O transplante de fígado é o procedimento mais complexo da cirurgia moderna. Seu
sucesso depende de uma completa infra-estrutura hospitalar e de uma equipe multiprofissional
6
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aument. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 269-
270.
7
FÍGADO. In: Enciclopédia Microsoft Encarta, c1999, CD-ROM.
8
MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de
escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007.
5
altamente treinada no procedimento e no acompanhamento de pacientes gravemente
debilitados e já imunodeprimidos pela doença causa do transplante. Com freqüência, o
transplante de fígado produz rejeição, que, para ser evitada, exige o correto uso de
mecanismos de imunossupressão. Esta é obrigatória em todos os casos, mesmo naqueles
pacientes que já estão com a imunidade gravemente comprometida pela doença hepática9
.
1.1 LEGISLAÇÃO VIGENTE
Houve grande evolução das técnicas, resultados, variedade de órgãos transplantados e
número de procedimentos realizados do início dos transplantes aos dias atuais. Porém, apenas
havia regulamentações regionais, desenvolvidas informalmente quanto à inscrição de
receptores, ordem de transplante, retirada de órgãos e critérios de destinação e distribuição
dos órgãos captados. A Lei nº. 5.479, de 10 de agosto de 1968, posteriormente revogada pela
Lei nº. 8.489 de 18 de novembro de 1992, dispunha sobre a retirada e transplante de tecidos,
órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêutica e científica, mas não havia, neste
período, uma legislação apropriada que regulamentasse a realização de transplante.
O entendimento de que os órgãos captados eram “bens públicos” levou à necessidade
lógica de regulamentar a atividade, criar uma coordenação nacional para um sistema de
transplantes e definir critérios claros, tecnicamente corretos, socialmente aceitáveis e justos,
de destinação dos órgãos.
Em 1997 foi criada a chamada Lei dos Transplantes (Lei nº. 9.434, de 4 de fevereiro
de 1997), cujo objetivo era dispor sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplante, e o Decreto nº. 2.268, de 30 de junho de 1997 que a
regulamentou, na tentativa de minimizar as distorções e até mesmo injustiças na destinação
dos órgãos. Além disso, o referido decreto criou, no âmbito do Ministério da Saúde, o Sistema
Nacional de Transplantes – SNT tendo como atribuição desenvolver o processo de captação e
distribuição de tecidos, órgãos e partes retiradas do corpo humano para finalidades
terapêuticas e transplantes. Ocorreu, assim, uma mudança radical, pois se passou a vivenciar
9
Ver MIES, Sérgio. Transplante de fígado. Revista da Associação Médica Brasileira. São Paulo, v.44, n. 2,
abr./jun., 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
42301998000200011&lng=es&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 29 de março de 2007.
6
um período de transição entre a informalidade anterior e uma intensa regulamentação e
implementação de controles presentes10
.
A Lei 9.434/97, alterada pela Lei 10.211/01, combinada com o Decreto 2.268/97,
regula os transplantes em seus diversos aspectos, destacando-se a adoção do critério cerebral
para se verificar a morte e a lista única de espera para os receptores, nela constando todas as
pessoas do país que aguardam qualquer tipo de transplante. Esses dois pontos são objeto de
inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, havendo críticos e defensores tanto das
posições adotadas quanto de soluções diversas. Acerca do critério da morte cerebral para a
verificação do óbito, o qual não é objeto do presente trabalho, apenas registra-se que é
apontado como passível de falhas e não é tido como definitivo, havendo outros critérios
possíveis, dentre eles o da morte clínica.
Quanto à definição do receptor do órgão doado, conforme ensina Lucas Rister de
Sousa Lima, "o critério adotado, via de regra, é o da ordem cronológica de inscrição: aquele
que primeiro se inscreve, independentemente de seu estado de saúde ser melhor ou pior do
que o daquele que o precede ou sucede na lista, receberá antes a tão sonhada doação". Nesse
aspecto, evidencia-se a indiferença da lei de transplantes frente ao estado de saúde dos
pacientes mais graves que se encontram no final da fila única. Porém, os questionamentos
gerados por esse problema passam pelo campo da bioética, eis que se referem ao direito à vida
e, ao mesmo tempo, ao direito à igualdade de tratamento, ambos consagrados pela
Constituição Federal. A Lei 9.434/97 adotou como critério de igualdade um dado objetivo (a
antigüidade da inscrição na lista), mas a crítica sofrida aponta como outro critério que
respeitaria a igualdade a observação à gravidade do estado de saúde de cada paciente, segundo
a máxima "a cada um segundo suas necessidades"11
.
1.2 ALOCAÇÃO DE ÓRGÃOS
A alocação de órgãos deve ser realizada de modo a tratar igualmente aos iguais e
desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam, segundo a clássica definição
10
SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES. Histórico. Disponível em:
<http://dtr2001.saude.gov.br/transplantes/integram.htm>. Acesso em: 22 de mar. 2007.
11
LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>.
Acesso em: 6 de novembro de 2006.
7
jurídica de Justiça. Os problemas surgem pelo fato de que a oferta de órgãos não supre as
necessidades do sistema, fazendo-se necessária a escolha de critérios capazes de tratar as
pessoas de maneira igualitária e garantir ao maior número possível de pacientes o direito à
vida. Dentre os possíveis critérios a serem adotados para a escolha do receptor, José Roberto
Goldim aponta o da ordem de inscrição, o de sorteio, o social e o de melhor prognóstico pós-
operatório12
.
Os órgãos removidos de doadores cadáveres pertencem à comunidade, e não à equipe
de transplante. Assim, é a coletividade que delega a Instituições ou a Agências a forma de
distribuição para as equipes de transplantes, exigindo a observância de princípios justos e
verificáveis. Através da Legislação, das Normas Técnicas, das Resoluções das Câmaras
Técnicas, entre outros, devem ser seguidas as diretrizes da Justiça Social, do Melhor
Resultado Técnico, da Transparência e da Credibilidade. Mauricio Fernando de Almeida
Barros alerta que os "princípios de bioética podem, em certas circunstâncias, preconizar
princípios utilitários, ou seja, justificar o transplante nos menos graves por se conseguir, dessa
forma, melhores resultados"13
.
O problema da alocação de órgãos é eminentemente ético, uma vez que pressupõe a
definição de um critério para a escolha dos receptores, ou seja, uma escolha com reflexos
sobre a vida e morte das pessoas. Quem deve tomar a decisão sobre a vida e morte de
humanos? Quem deve receber o órgão disponibilizado? O paciente mais urgente? O paciente
inscrito na lista há mais tempo? O paciente com maior chance de sucesso?
A existência desses diversos possíveis critérios de alocação faz com que sempre exista
uma pessoa que se considere prejudicada pela política adotada na escolha. Devido a isso,
muitas vezes, "aqueles que se vêem na iminência de ter sua vida ceifada pela moléstia que os
acomete não tiveram outra alternativa, senão buscar socorro e guarida no Poder Judiciário,
12
GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos e legais dos transplantes de órgãos. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre:
HCPA, 1996, p. 11. Noticia, ainda, o autor acerca da discussão entre médicos americanos sobre se pacientes
alcoolistas devem concorrer em igualdade de condições com os demais em transplantes de fígado, dizendo que
"Moss e Siegler sugerem que devem ser priorizados os pacientes não-alcoolistas. Outros, como Cohen e
colaboradores, discordam dessa posição por ser injusta, por discriminar um paciente pelo fato de ser alcoolista".
13
BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de
Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set/out. de 2005. Disponível em:
<http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 de março de
2007.
8
onde pugnam pela burla na famigerada fila de espera"14
.
Com acerto, diz José Roberto Goldim que "os transplantes constituem um dos maiores
avanços para a assistência à saúde. A dificuldade é lidar, de forma eticamente adequada, com
a multiplicidade de pessoas e valores envolvidos, assim como as demandas pessoais, sociais e
políticas inerentes a esse tipo de procedimento"15
. Cabe ressaltar, ainda, que a lei dos
transplantes rejeita a venda de órgãos, bem como considera injusta a realização de campanhas
individuais para a arrecadação de órgãos para determinado receptor.
No Brasil, para a realização do processo de captação e distribuição de órgãos e tecidos,
foi criado um complexo de aparatos administrativos, o Sistema Nacional de Transplantes
(SNT), integrado pelo Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito
Federal ou órgãos equivalentes, Secretarias de Saúde dos Municípios ou órgãos equivalentes,
os estabelecimentos hospitalares autorizados e rede de serviços auxiliares necessários à
realização de transplantes (art. 3º do Dec. 2.268/97).
De forma similar ao que aconteceu nos EUA, a alocação de órgãos no Brasil passou
por uma fase em que os critérios visavam a atender interesses pessoais e sem evidências
científicas. Em 1997, com a justificativa de inibir a perspectiva de fraude, a Resolução SS-091
(04-07-97), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo estabeleceu o critério cronológico
para todos os transplantes, à exceção de dois dentre os órgãos críticos: coração e pulmão. Para
o fígado, a prioridade foi apenas concedida aos casos de hepatites fulminantes que
desenvolvessem edema cerebral e para os casos de retransplantes que ocorressem
precocemente após o procedimento inicial. Em 1998, o Ministério da Saúde publicou portaria,
reiterando o documento elaborado em São Paulo, em nível federal, apesar da oposição de
certos movimentos sociais e discussões no âmbito do Conselho Nacional de Medicina.
A ordem de inscrição pode deixar de ser observada devido à distância e condição de
transporte do órgão, tempo de deslocamento do receptor e urgência. A Portaria nº. 3.407/98,
em seu art. 40, inciso II, estabelece duas exceções à ordem cronológica, relativamente ao
14
LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>.
Acesso em: 6 de novembro de 2006.
15
GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos da nova lei de transplantes do Brasil. In: Revista Médica da
PUCRS. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 7, n. 1, jan./mar, 1997, p. 6.
9
fígado. Cabe ressaltar que, ocorrendo qualquer das condições clínicas de urgência para a
realização de transplantes, a CNCDO deve ser comunicada para a indicação da precedência
do paciente em relação à lista única, devendo essa comunicação ser reiterada e justificada,
decorridas setenta e duas horas da comunicação anterior.
Uma das situações que o Legislador considerou que não seria razoável exigir-se nova
inscrição na lista única do paciente que sofreu complicações resultantes da operação de
transplante é o retransplante, uma vez que tal sistemática, inevitavelmente, resultaria em
certeza de óbito. O retransplante, conforme o art.40, inciso II, alínea “b”, deve ser feito em até
48 horas.
Outra situação prevista na Portaria 3.407/98 do Ministério da Saúde, em seu art. 40,
inciso II, alínea “a”, como exceção à ordem cronológica é a hepatite fulminante. Qualquer
doença inflamatória do fígado é chamada, genericamente, de hepatite, seja virótica,
bacteriana, parasitária, tóxica ou alcoólica. Entre as diversas formas clínico-patológicas de
hepatites estão a hepatite aguda benigna (que pode ser ictérica ou anictérica); a hepatite
fulminante e; a hepatite crônica (das quais há aquelas de curso mais brando e outras mais
graves).
2 ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE DEMANDAS POR ÓRGÃOS PARA
FINS DE TRANSPLANTE DE FÍGADO
O presente capítulo pretende analisar as decisões judiciais pertinentes ao pedido de
quebra da ordem cronológica proferidas antes da publicação da Portaria n.º1.160/06. Em um
primeiro momento, relato as decisões que mantém o critério cronológico, bem como as
analiso ao final do item. No título subseqüente, examino as que adotam a gravidade, como
também, concluo e exponho as conseqüências extrajurídicas desses atos.
2.1 DECISÕES QUE ADOTAM O CRITÉRIO CRONOLÓGICO
Há casos em que pacientes inscritos na lista, devido ao seu grave estado clínico,
provocam o Poder Judiciário na esperança de conseguir um órgão à margem da fila única.
10
Baseiam seus pedidos no princípio constitucional do direito à vida. Esse título analisa as
decisões que mantiveram a disposição legal, ou seja, o critério cronológico.
2.1.1 Apelação Cível n.º 70011591963 – Julgado em 07 de julho de 200516
Trata-se de apelação interposta por C. T. C. S. de sentença que indeferiu a petição
inicial, julgando extinto o processo, em ação cautelar, com pedido de liminar, ajuizada contra
o Secretário Estadual Da Saúde. Buscou o autor autorização judicial para que o Centro de
Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre o incluísse na
categoria de urgência para avançar ao primeiro lugar da lista de espera de transplante de
fígado, por ser portador de hepatite C. Alegou que se encontrava na 28ª colocação na fila
geral de espera e 19º lugar entre os receptores do tipo sangüíneo "O". Visava garantir o seu
direito à vida através de provimento judicial, por se encontrar em situação de urgência,
correndo risco de morte.
Indicou como sujeito passivo da ação o Secretário de Saúde do Estado do Rio Grande
do Sul, suposto responsável pela coordenação da lista de transplantes, possuindo o poder de
permitir que o autor fosse o próximo a receber um fígado disponível e compatível,
independentemente da ordem cronológica estabelecida em fila, não podendo aguardar o
transplante de 18 pessoas que estão à sua frente na lista de espera.
O Relator, em seu voto, considerou que o caso em análise não apresentava forma e
figura de juízo, tendo sido o Judiciário procurado para resolver um “verdadeiro drama
humano, de difícil solução”. Ponderou que, por mais aguçada que fosse a sensibilidade do
julgador tal pedido não poderia ser acolhido. Além do vício formal apontado, razões de
natureza material o impedem, não bastando o simples aditamento da inicial (proposto pela
Procuradora de Justiça), eis que ausentes condições mínimas de procedibilidade.
No caso em análise, para fortalecer a sua posição contrária à desconsideração do
critério cronológico, o Julgador expôs irregularidades no campo procedimental, eis que a
16
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito
público não especificado. Processual civil. Ação cautelar. Transplante de fígado. Antecipação em lista de espera
de doador. Inépcia da inicial. Falta de condições da ação e impossibilidade jurídica do pedido. Processo extinto.
Decisão que se impõe confirmada. Apelação desprovida. Apelação Cível Nº. 70011591963. Apelante: C. T. C. S.
Apelado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Luiz Ari Azambuja Ramos. Julgado em 7 de jul. 2005.
11
petição inicial apontou como sujeito passivo o Secretário Estadual da Saúde, mas este só
poderia sê-lo em sede de mandado de segurança, caso fosse a autoridade coatora. No caso em
tela, o real sujeito passivo deveria ter sido o Estado do Rio Grande do Sul. Ainda, sendo a
medida de caráter satisfativo, equivocado o uso da ação cautelar, cuja finalidade que é a de
assegurar, apenas, a utilidade da provisão final perseguida.
Apesar dessas impropriedades formais, o Julgador analisou a questão material
envolvida, em nome do direito à vida, por ser um bem jurídico considerado maior do que
aquelas. Assim, o pedido de recolocação do paciente que aguardava em fila de espera de
transplante de fígado foi considerado juridicamente impossível, eis que não caberia ao Poder
Judiciário, que não tem qualquer base científica, determinar a não-observância da lista de
espera. O caso foi tido como "uma questão médica de alta indagação", e a avaliação de
prioridade foi confiada ao Centro de Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia
de Porto Alegre.
Ponderou o Juiz que decisão em sentido contrário colocaria em risco a vida de outras
pessoas que aguardam, com a mesma aflição, a ordem cronológica estabelecida, segundo a
compatibilidade dos receptadores. De certa forma, essa decisão pode ser considerada, a
exemplo das demais que seguem tal entendimento, fria, por desconsiderar a possibilidade de
compor, de forma diversa da prevista pela legislação, os interesses do recorrente e dos demais
pacientes.
Por outro lado, não se pode desconsiderar o interesse dos pacientes inscritos em lista
única segundo o critério cronológico, e que não recorram ao Poder Judiciário, uma vez que
têm a legítima expectativa de que ações como a ora exposta serão julgadas como
improcedentes.
2.1.2 Agravo de Instrumento n.º 70013538715 – Julgado em 03 de maio de 200617
17
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo
de instrumento. Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde pública. Portador de cirrose criptogênica
porfiria. Necessidade de transplante de fígado. Inscrição no sistema nacional de transplante. Alegação de
iminente risco de vida. Alteração da ordem de inscrição. Ausência de prova imprescindível. Ônus probatório do
agravante. Liminar indeferida. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão à espera
de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo oficial da autoridade competente, o que inexiste
no caso. Agravo não provido. Agravo de Instrumento nº. 70013538715. Agravante: A. B. R. Agravado: Estado
do Rio Grande do Sul Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 3 de maio de 2006.
12
A decisão em análise refere-se a agravo de instrumento interposto contra a decisão que
indeferiu o pedido de antecipação de tutela na declaratória ajuizada por A. B. R., contra o
Estado Do Rio Grande Do Sul, que pretendia a realização de transplante de fígado em
benefício do autor, assim que fosse disponibilizado um fígado compatível.
O agravante alegou freqüentes dores abdominais, por vezes muito fortes, devido ao
acúmulo de líquido causado por sua enfermidade, estando seu abdômen bastante
"distendido/alongado". Afirmou que, se não fosse posto com urgência no topo da lista de
transplantes hepáticos, correria grande risco de perder sua vida. Aduziu que o Poder Judiciário
deveria enfrentar diretamente a questão, pois havia determinado que cabia à equipe médica a
competência para definir qual o paciente ocuparia o primeiro lugar da fila de transplante.
O Estado, nas contra-razões, sustentou que a ordem de antigüidade estabelecida em
nível nacional tem por escopo garantir o princípio constitucional da igualdade, proteger a
todos os pacientes que se encontram na fila e evitar o uso de critérios subjetivos, que é o
objetivo da ação ora em análise. Ressaltou o problema da grande demanda por órgão, de um
lado, e da pouca quantidade de doadores, de outro. Aduziu que os registros de uma equipe de
acompanhamento de paciente receptor de órgão não são disponibilizados às demais,
impedindo, assim, que se opine sobre os diferentes graus de gravidade da Lista Única
Estadual.
O relator negou provimento ao recurso, pelas mesmas razões nas quais o
Desembargador Plantonista Henrique Osvaldo Poeta Roenick, baseou-se, no despacho inicial,
para decidir pela improcedência da pretensão do recorrente. O referido Desembargador
Plantonista indeferiu o efeito suspensivo, embora reconhecida a gravosidade do estado de
saúde alegado pelo autor. Ainda que em situações análogas à do caso em tela tenha havido
indicação de prioridade pela Equipe de Transplantes do Estado, e tendo isso sido demonstrado
por laudos médicos, o julgador filiou-se à posição de que cabe à equipe médica da Central de
Transplantes do Estado estabelecer as prioridades dos transplantes aos pacientes em espera
por órgãos no Estado.
Fundamentou a decisão no fato de ser “impossível” "ao Magistrado ter conhecimento
preciso se a situação do agravante é mais ou menos grave daqueles que se encontram nas
primeiras posições da lista de espera", devendo o caso ser avaliado por órgão habilitado a
13
avaliar a condição médica do candidato a receptor do fígado disponibilizado, considerando,
também, os demais integrantes da lista única, podendo, se verificada a necessidade de
inobservância do critério cronológico estabelecido na Lei n.º 9.434/97, decidir acerca da
necessidade de realocação do recorrente. A reforma da decisão da Central de transplantes que
não acolhe a orientação dos médicos responsáveis pelos transplantes no Estado, pela via
judicial, exigiria imprescindível prova pericial médica, única forma de demonstrar eventual
equívoco na aplicação dos critérios por aquele Órgão, e somente assim, justificar-se-ia a
concessão da medida liminar.
Por fim, sugeriu o julgador a propositura de ação cautelar antecipatória de prova, para
que profissionais nomeados pelo Juízo pudessem garantir uma segurança ao Magistrado para
interferir na ordem da lista, pois sem os devidos elementos probatórios, seria impossível ao
juiz alterar a ordem da lista de espera para beneficiar o autor e decisão nesse sentido correria o
risco de causar prejuízo aos pacientes que se encontravam em colocação mais vantajosa que a
do agravante, e com quadro clínico até mais crítico.
O Relator adotou o argumento da falta de conhecimentos científicos ao juiz que
permitissem a tomada de uma decisão com tantos reflexos na vida de um grande número de
pessoas. O Magistrado, ao deparar-se com tal conflito entre valores, preferiu manter-se
atrelado à fórmula tradicional, a qual encontra correspondência normativa, do que inovar e
priorizar um critério não previsto.
2.2 CONCLUSÕES GERAIS E CONSEQÜÊNCIAS EXTRAJURÍDICAS DAS DECISÕES
QUE ADOTAM O CRITÉRIO CRONOLÓGICO
É objeto da bioética a conciliação racional entre interesses conflitantes, e que muitas
vezes contrapõem a Ética, a Moral e o Direito. Assim, percebe-se que as decisões nessa área
serão, muitas vezes, polêmicas e difíceis de serem tomadas. No estudo da Bioética, grandes
são as discussões acerca das formas de alocação de recursos escassos, além de ser uma
questão urgente, da qual depende a solução de grande parcela dos problemas relacionados à
matéria.
Recentemente, a forma de alocação adotada por essas decisões judiciais é considerada
14
injusta, por demasiadamente simples, uma vez que não realiza um balanceamento entre
diversos critérios (por exemplo, merecimento, necessidade, efetividade) para a escolha do
receptor do órgão disponibilizado. Por essa razão, diversas foram as decisões judiciais que
concederam liminarmente a realização imediata de transplantes a pacientes que, face à
gravosidade de seu estado de saúde, apresentavam grande probabilidade de morte decorrente
da espera pela ordem estabelecida na lista única. Destaque-se que essa orientação dos
tribunais é minoritária, mas causou significativo impacto, inclusive no âmbito legislativo e
normativo.
Desse modo, pode-se perceber pelas decisões que o Poder Judiciário vem adotando o
critério cronológico, majoritariamente, de maneira formalista e inóspita, negando
constantemente tutela àqueles que buscam sua proteção nessas situações emergenciais,
geralmente com a justificativa de que não seria de sua competência, mas exclusivamente dos
centros de transplantes, decidir interferir em tal questão. Também é ponto comum nessas
decisões o entendimento de que não é possível aferir se existem outros pacientes em piores
condições que o postulante, o que poderia levar ao cometimento de injustiça com os demais
pacientes da fila, os quais aguardam, com a mesma apreensão, o recebimento de um órgão.
Em outras palavras, tais decisões deslocam a necessidade de discussão dos critérios de
alocação de órgãos aos demais poderes do Estado, como forma de reconhecer a existência do
problema, embora o indeferimento dos pedidos formulados nas ações18
.
Como conseqüência da adoção do critério cronológico pela lei, e de sua manutenção
pelo Poder Judiciário, pode-se apontar o fato de que mais de 60% da lista de espera é
constituída por pessoas sem necessidade imediata, que foram incluídas na lista por precaução,
demonstrando que alguma providência deve ser tomada. De acordo com a lista atual, esse é o
critério, e chegando ao seu número de chamada, o paciente será transplantado, mesmo que os
médicos saibam que ele não vai sobreviver e que estará sendo desperdiçado um órgão
perfeito19
.
Assim, é de conhecimento geral que muitas equipes médicas inscreveram pacientes de
18
Sobre o tema ver LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de nov. de 2006.
19
GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da
pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em:
<http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 20 mar. 2007.
15
forma a simplesmente guardar um lugar na fila. Aponta-se, inclusive, que ocorrem disputas
entre algumas equipes de transplantes e que também influenciam nessa questão interesses
econômicos de alguns hospitais. A lista única, em março de 2002 era composta de 2.600
pessoas e devido aos abusos chegou a mais de 6.000 inscritos20
. Segundo informações
extraídas do site ABC da Saúde, em 2005:
(...) o Ministério da Saúde divulgou informações coletadas em diferentes centros que
conferem nova feição ao problema. Mostram que 60% dos inscritos no País
apresentam MELD menor do que 15, apenas 4,3% MELD maior do que 25 e 35%
apresentam gravidade intermediária. Define-se assim uma distorção do critério
cronológico, qual seja, a de estimular a inscrição de pacientes mais cedo na
pressuposição que durante o tempo de espera a evolução da doença venha a conferir
a gravidade que justifique a indicação. Além disso, merece atenção o fato que
apenas 4,3% dos inscritos apresentam MELD maior do que 25, ou seja, de
transplante com maior risco21
.
Porém, caso fosse deslocada a discussão acerca da alocação dos fígados para que se
buscassem meios de aumentar a captação, poderia haver resultados mais satisfatórios. Um
sistema de captação eficiente faria desnecessário discutir os critérios de transplante, pois
haveria fígados para todos. Registra-se que o transplante é pago pelo Ministério da Saúde, e
passou a ser, por isso, um excelente negócio. A captação, porém, é muito mal remunerada,
não havendo um incentivo para aqueles que poderiam trabalhar no aumento da captação22
.
2.3 DECISÕES QUE OBSERVAM O CRITÉRIO DA GRAVIDADE
O presente tópico analisará as decisões e apontará os fundamentos que o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul utilizou para afastar a incidência do critério então consagrado no
plano normativo, ainda que os seguintes julgados reflitam o posicionamento minoritário da
jurisprudência.
20
GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da
pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em:
<http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 13 mar. 2007.
21
ABC DA SAÚDE. Prioridade para Transplante de Fígado. Disponível em:
<http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?510>. Acesso em: 17 abr. 2007.
22
GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da
pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em:
<http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 13 mar. 2007.
16
2.3.1 Agravo de Instrumento n.º 70011728524 – Julgado em 24 de agosto de 200523
A decisão em análise tem como objeto o agravo de instrumento interposto pelo Estado
Do Rio Grande Do Sul contra decisão do Juízo a quo, que concedeu a antecipação da tutela,
para a realização de retransplante de fígado no agravado, disponibilizando o primeiro fígado
compatível ao paciente, para imediato transplante.
Alegou, o agravante, que a desconsideração do critério cronológico pelo Juízo a quo
fere a ordem pública, como também é ilegal e inconstitucional, ofendendo o princípio
constitucional da igualdade. Aduziu que uma decisão judicial não pode quebrar as regras
estabelecidas pelo sistema nacional de transplantes. Afirmou que o agravado não se encontra
nas exceções para o critério cronológico previstas na Lei 9.434/97 e regulamentadas pelo
Decreto 2.268/97. Sustentou que tal decisão abala a credibilidade do Sistema de Saúde do
Estado, pois interfere nos critérios médicos estabelecidos, além de gerar outras ações desse
tipo. Afirmou a existência de outro processo que também obteve a concessão da liminar para
o transplante de fígado, possuindo o autor o mesmo tipo sangüíneo do agravado, portanto
alegou ser incerta a preferência, visto que ambos estão sob cuidados da mesma equipe
médica, a qual certificou serem os dois casos mais graves, no momento. Salientou também, os
limites da tutela de urgência na abrangência dos atos administrativos discricionários, alegando
que quando há dúvida sobre a validade do ato, há presunção de legitimidade a favor da
Administração.
O Desembargador plantonista concedeu efeito suspensivo ao recurso. Estabeleceu que
se obedecesse a ordem cronológica, fundamentando no fato de que as decisões judiciais não
podem se sobrepor aos critérios médicos para a ordem de realização de transplantes.
O Des. Luiz Felipe Silveira Difini, relator do processo, votou no sentido de dar
provimento ao agravo de instrumento, afastando a decisão que concedeu prioridade para a
realização de transplante de fígado ao agravado. Verificou o Magistrado, no presente caso, a
ocorrência de um conflito de princípios, no qual um deles deveria prevalecer. Considerou que,
23
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 1ª Câmara Cível. Agravo
de instrumento. Direito à saúde. Transplante de órgão (fígado). Caso de retransplante. Não pode o judiciário,
dentre os casos de urgência máxima, determinar que o primeiro órgão compatível seja transplantado neste ou
naquele paciente. No entanto, pode, e deve, se houver prova técnica, classificar o caso como de urgência
máxima, devendo como tal ser considerado pela equipe médica, porque em tal hipótese estará a ocorrer violação
a direito subjetivo. exegese do art. 5. º, XXXV, DA CF. Agravo parcialmente provido por maioria. Voto vencido
do relator. Agravo de Instrumento nº. 70011728524. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: R. V.
L. Relator: Des. Luiz Felipe Silveira Difini. Julgado em 24 de ago. de 2005.
17
embora seja o direito à vida um princípio supremo, este está sujeito a relativização no caso
concreto. O agravado, paciente inscrito na lista única de transplantes, apoiou-se nesse
princípio para postular a realização da cirurgia em desacordo com o critério cronológico
estabelecido, diante da gravidade de seu estado de saúde. O Estado, atuando em nome dos
outros pacientes constantes da lista de espera e do respeito à ordem legal e médica
estabelecida pelo Sistema Nacional de Transplantes, interpôs o recurso ora em análise.
A Procuradora de Justiça salientou, no seu parecer, que o agravado já havia se
submetido a transplante de fígado, em 2003, o qual não apresentou resultado positivo,
necessitando de novo transplante em março de 2005. Constatou-se por laudos médicos, que a
não realização da cirurgia dentro do período de três meses, levaria a uma considerável
diminuição das chances de sobrevida.
As informações prestadas pela Coordenadoria da Central de Transplantes da Secretaria
Estadual da Saúde deram conta de que não se pode comparar a situação do agravado com a de
outros pacientes que esperam na lista pela realização do transplante, pois uma equipe médica
não possui acesso aos registros de outra.
O julgador considerou que o laudo médico firmado pelo Dr. Ajacio Bandeira de Mello
Brandão, noticiando a gravidade da situação do autor, não era suficiente para que fosse
determinada a quebra da ordem da lista de espera. Ponderou o juiz que o referido médico
havia atestado, também, a grave situação de outro paciente, o qual obteve o deferimento da
liminar em ação por ele proposta, concluindo não haver possibilidade de um médico atestar
que seu paciente possui quadro clínico mais grave do que os outros de outras equipes
médicas. Ainda, observou-se que o fato de o agravado correr perigo de vida não o
diferenciava dos demais pacientes que se encontravam na mesma lista de espera.
Referiu o juiz que o artigo 24, §4º e §5º do Decreto n. 2.268/97, que regulamenta a Lei
n. 9.434/97 dispõe que:
Art. 24. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do
corpo humano só será autorizada após a realização, no doador, de todos os testes
para diagnóstico de infecções e afecções, principalmente em relação ao sangue,
observando-se, quanto a este, inclusive os exigidos na triagem para doação, segundo
dispõem a Lei nº. 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder
Executivo.
§4º. A CNCDO, em face das informações que lhe serão passadas pela equipe de
retirada, indicará a destinação dos tecidos, órgãos e partes removidos, em estrita
18
observância à ordem de receptores inscritos, com compatibilidade para recebê-los.
§5º. A ordem de inscrição, prevista no parágrafo anterior, poderá deixar de ser
observada, se, em razão da distância e das condições de transporte, o tempo
estimado de deslocamento do receptor selecionado tornar inviável o transplante de
tecidos, órgãos ou partes retirados ou se deles necessitar quem se encontre em
iminência de óbito, segundo avaliação da CNCDO, observados os critérios
estabelecidos pelo órgão central do SNT.
O agravado não se encontrava na hipótese de hepatite fulminante ou retransplante num
prazo de 48 horas após falha do primeiro transplante, e seu cadastro de receptor de fígado do
Sistema Nacional de Transplantes, não foi realizado como necessitando de “Urgência
Máxima”. Dessa forma, não caberia ao Poder Judiciário decidir acerca da prioridade médica
dos pacientes que aguardam transplantes, cabendo à equipe médica da Central de Transplantes
do Estado, de acordo com as regras do Sistema Nacional de Transplantes, decidir qual
paciente deverá ser transplantado, pois este órgão detém os conhecimentos científicos
necessários para tanto.
O Des. Irineu Mariani, presidente e redator, ao contrário do voto do relator,
manifestou-se pelo parcial provimento ao agravo de instrumento, mantendo em parte a
decisão recorrida. Inicialmente, ressaltou que casos envolvendo questões de saúde são
delicados, sendo o presente caso uma situação extrema. Referiu o magistrado sua experiência
durante um Plantão Judiciário, em que pôde
(...) notar de perto a profunda angústia do paciente e dos familiares, casualmente
também num caso de transplante de fígado. Foi uma tensão que atravessou a noite.
Enquanto o órgão era transportado, durante a noite, do interior do Estado para a
Capital, aqui acontecia uma guerra no Judiciário quanto a quem devia ser o receptor
(...).
Baseando-se no que fora decidido no Agravo de Instrumento nº. 70009039637,
apontou que cabe ao Judiciário, com base em prova técnica, corrigir um erro de classificação
de paciente considerado sem urgência para enquadrá-lo como tendo urgência, pois então
estaria ocorrendo lesão a direito subjetivo. O limite à atuação do Judiciário, nos termos do
artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, nos casos semelhantes ao ora em análise seria a
apreciação da existência ou não de urgência do estado de saúde do paciente, não sendo
possível ao juiz, determinar, dentre os casos urgentes, qual será o beneficiado.
No campo da escolha médica, a interferência do Judiciário somente caberia havendo
evidência da não adoção de critério técnico, mas sim subjetivo, na escolha do paciente,
ensejando favorecimento, não sendo essa a hipótese do processo em exame. O desembargador
19
acolheu a existência de prova técnica apta a classificar o agravado como merecedor de
urgência máxima, destacando, ainda, tratar-se de retransplante. Destacou-se que o receptor
não pode ser enviado para o final da lista de espera, se houver ocorrido algum problema, o
órgão transplantado, independentemente do motivo, registrando que é bastante curto o prazo
legal, uma vez que não abrangeria sequer o período de internação hospitalar. Adotou, assim, o
magistrado, o critério da gravidade, e não do tempo decorrido após o transplante sem sucesso.
Registrou que, infelizmente, não caberia ao Judiciário determinar que o primeiro órgão
compatível seja transplantado no agravado, cabendo tal escolha, dentre os casos de urgência
máxima, à equipe médica. Manteve a classificação de urgência máxima, porém, reformou a
decisão recorrida, ao entender que vai além daquilo que compete ao Judiciário determinar seja
o recorrido o primeiro da lista, pois dentre os casos com tal classificação todos os pacientes
estariam sujeitos aos mesmos riscos, tendo, portanto, o mesmo direito. O Des. Carlos Roberto
Lofego Caníbal acompanhou integralmente o voto do presidente.
2.3.2 Agravo de Instrumento n.º 70013676044 – Julgado em 26 de janeiro de 200624
O agravo de instrumento em análise refere-se à decisão que acolheu o pedido de
reconsideração interposto pelo Estado Do Rio Grande Do Sul, ora agravado, revogando a
tutela antecipada concedida em parte, a qual estabeleceu prioridade na lista de receptores de
fígado para a agravante. Alegou ser grave o seu estado de saúde, comprovando-se pelos
documentos juntados. Salientou que há maior aplicação do critério cronológico pela
jurisprudência, ao invés da avaliação médica acerca da gravidade do estado de saúde do
paciente. Requereu a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e o seu provimento, cassando
a decisão agrava, argumentando que a sua manutenção implicaria na morte da agravante.
Recebido o recurso, não foi concedido o efeito suspensivo ao mesmo. A agravante
24
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito
público não especificado. Paciente portadora de cirrose hepática que necessita realizar transplante. Prioridade.
Critério híbrido adotado. A agravante encontra-se na lista única de transplante de fígado, buscando afastar o
critério cronológico em virtude do risco iminente de morte. A análise clínica da agravante, assim como dos
demais pacientes classificados como de prioridade máxima da lista única, procedida por médico da secretaria
estadual da saúde, deverá ser adotada para, se necessário, abandonar o critério cronológico legalmente previsto.
Agravo parcialmente provido, por maioria. Agravo de Instrumento nº. 70013676044. Agravante: M. M. P. D. F.
Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco. Julgado em 26 de jan.
de 2006.
20
teve indeferido o seu pedido de reconsideração. Reiterado, foi reconsiderado parcialmente
pelo Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco e, reconhecendo a urgência máxima do caso da
agravante.
O agravado, em resposta, alegou que a pretensão da agravante era de caráter ilegal e
inconstitucional, bem como, exprimia grave lesão à ordem pública, afrontando, dessa forma, o
princípio constitucional da igualdade. Sustentou que as regras vigentes para a realização de
transplante de fígado deveriam ser respeitadas, considerando-se que todos os pacientes que
estão inscritos na lista única se encontram em grave estado de saúde, portanto, não poderia a
autora desconsiderar a lei. Suscitou, também, o princípio da legalidade, no que tange a
justificativa aferida a casos semelhantes e com risco de morte, que são apresentados junto à
Central de Transplantes, a fim de se determinar a preferência para receber o órgão, aduziu ser
tal critério inseguro. Referiu-se também, aos limites da tutela antecipada no tocante ao
controle dos atos administrativos, os quais gozam de presunção de legitimidade. Por fim,
pediu o improvimento do recurso.
A agravante requereu a concessão da tutela antecipada pleiteada, como também,
informou que a Central de Transplantes descumpriu a determinação judicial que nomeou
como árbitro o Dr. Carlos Francesconi.
O Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco, relator do processo, votou no sentido de
dar parcial provimento ao agravo de instrumento. Reiterou que a agravante possuía cirrose,
contraída pelo vírus da Hepatite C, diagnosticada em 2004, desenvolvendo infecções nos
membros inferiores comprometendo as funções hepática e renal. Devido a isso pleiteia a
preferência para receber o órgão, e a antecipação da tutela. Ressalta que a mesma foi
revogada, pois o agravado postulou pedido de reconsideração, situação que o recurso em
análise pretendia modificar.
O relator adotou um “critério híbrido”, ao reconsiderar parcialmente o pedido da
agravante. Na sua opinião, em alguns casos, esse critério, deveria prevalecer em detrimento
do cronológico. Como também, para o magistrado, "a aplicação do direito fundamental à vida
no caso concreto se sobrepõe a qualquer outro, podendo em determinadas situações afastar o
critério legal ou cronológico estabelecido pelo administrador". Quanto ao elevado risco de
óbito, acreditou ser necessário o enquadramento da agravante na hipótese de urgência
21
máxima, rebatendo o argumento de que tal característica é inerente aos pacientes inscritos na
lista de espera.
Criticou o método adotado pelo administrador, quanto a sua viabilidade, segundo o
magistrado, tal critério além de não ser justo, divide o julgador entre a "pretensão de
resguardar o direito à vida buscado pelo jurisdicionado e as dificuldades técnicas do sistema
de transplantes adotado pela Secretaria Estadual da Saúde, estas últimas mascaradas por
estudos de que eticamente o critério cronológico é o mais adequado". Citou, ainda, outras
insuficiências como a falta de recursos humanos e técnicos, que impossibilita a interligação
entre os cinco centros gaúchos de transplante hepático. Contudo, tal situação não poderia
procrastinar pacientes em estado mais grave, até a ocorrência de seus óbitos, em detrimento
dos demais inscritos, os quais possuem menor risco de morte, e que estão prioritariamente
colocados na lista de espera, em conformidade com o critério cronológico. Tais deficiências
técnicas são percebidas quando ocorre necessidade de comparar o estado clínico de pacientes
de diferentes centros, pois, não há integração das informações entre os centros, o que impede
que o médico de um centro possa avaliar a condição de um paciente de outro.
O relator, ao se referir às dificuldades médicas e burocráticas, expostas pelo agravado
e pelas equipes médicas explanou que
(...) estão longe de ser resolvidos pela Secretaria Estadual da Saúde, enquanto que
chegam ao Poder Judiciário a pretensão de pacientes que se encontram em risco
iminente de morte e são classificados como de máxima urgência pelos próprios
médicos responsáveis pelas equipes de transplantes, especialmente o da Santa Casa
de Misericórdia de Porto Alegre. Aliás, em recente debate interdisciplinar
promovido pela AJURIS – Escola Superior da Magistratura no dia 16DEZ05 devido
à polêmica estabelecida em torno do fornecimento de medicamentos, vagas em
hospitais e realização de exames e transplantes pelo SUS após artigo de autoria do
Dr. Eliseu Paglioli Neto publicado no dia 16NOV05, no jornal Zero Hora, que
contou com a presença de representantes da Secretaria da Saúde, da PGE, do MP e
do Poder Judiciário, o Dr. Carlos Francescone, médico debatedor, afirmou
categoricamente que os resultados de exames médicos realizados em pacientes com
doenças hepáticas podem ser manipulados através de medicação, pondo em cheque a
credibilidade dos diagnósticos desses pacientes e os critérios de gravidade
estabelecidos por comparativo.
Apontou, também, que os pacientes que se utilizam do Poder Judiciário recebem
tratamento diferenciado, devido aos diferentes entendimentos das Câmaras. Citou o Agravo
de Instrumento nº. 70011725561, dessa Câmara, no qual foi deferido o efeito suspensivo em
favor do Estado, observando o critério cronológico. Como também, a Primeira Câmara Cível
reconheceu a urgência máxima pleiteada por R. V. L., que faleceu após o provimento parcial
22
do Agravo de Instrumento nº. 70011728524, anteriormente analisado no item 2.3.1, deste
trabalho. Concluiu o relator que
(...) não há, portanto, a certeza de que o paciente que alcança o provimento judicial
não venha a falecer antes mesmo de ser efetivada a medida judicial e realizado o
transplante, assim como aquele que não obtenha decisão favorável consiga manter-
se vivo aguardando a lista única (...).
O magistrado defendeu a implementação de um sistema híbrido, que busca um
equilíbrio entre a ordem cronológica imposta pela lista única e a avaliação médica. Acredita
ser a melhor solução para afastar a mortalidade dos pacientes que esperam por um órgão.
Levou em consideração a instabilidade do quadro clínico apresentado pelos pacientes, e a
incerteza na indicação de urgência que, nos casos com grande probabilidade de óbito, se
socorrem do Poder Judiciário. Nesse sistema, há troca de informações entre as equipes
médicas, bem como, atualização da lista de pacientes com prioridade máxima para que se
possa saber quem deverá receber o próximo órgão a ser doado.
Visando à comunicação entre os chefes das cinco equipes médicas, o relator nomeou o
Dr. Paulo Dornelles Picon, médico integrante da Secretaria Estadual da Saúde, para realizar a
comunicação entre os órgãos receptores de fígado do Estado. Com essa medida pretendeu
evitar que um paciente com grave estado de saúde e entre os primeiros lugares da lista
deixasse de receber o fígado já em mesa de cirurgia, como afirmou já ter acontecido,
conforme relatado por médico cirurgião, em prejuízo de paciente cuja prioridade máxima fora
reconhecida judicialmente.
O Poder Judiciário, conforme aludido pelo magistrado, seria desprovido de condições
para proceder à classificação dos pacientes que pleiteiam urgência na realização do
transplante. Além disso, o Poder Executivo, composto de equipes médicas e unidades
receptoras de órgãos, submetidas à lista única e vinculadas à Secretaria Estadual da Saúde,
não poderia deixar de assistir os casos mais urgentes, determinando que o Dr. Paulo Dornelles
Picon avaliasse a agravante, bem como a sua prioridade dentre os demais pacientes inscritos
na lista única, reconhecendo, desde logo, a sua prioridade.
A Desembargadora Matilde Chabar Maia votou no sentido de negar provimento ao
agravo de instrumento. Observou que a situação da autora era muito grave, mas destacou que
era incontroverso o seu não-enquadramento nos critérios do SNT para a priorização de
23
pacientes em lista de espera para transplante de fígado determinados. Considerou que todos
aqueles que ingressam na lista de espera para transplante têm estado de saúde grave, com
iminente risco de óbito. Sustentou que a melhor maneira de se garantir a isonomia diante da
grande demanda por órgãos e pequena quantidade de doadores foi a adoção do critério único e
legal que é a ordem cronológica de inscrição na lista de espera.
Não teria o Poder Judiciário bases científicas para determinar a não observância da
lista de espera. Utilizou-se das ponderações do médico Dr. Carlos Francesconi, professor
adjunto do Departamento de Medicina Interna da UFRGS e PUCRS, coordenador do
Programa de Atenção aos Problemas de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
indicado pelo Relator para servir de árbitro no reconhecimento da urgência máxima para o
caso da agravante. Somente assim, poderia ter a certeza de que o quadro clínico da agravante
é mais grave que os demais pacientes da lista das cinco equipes credenciadas para transplantes
de fígado no Estado do Rio Grande do Sul.
Devido a esse fato que a Lei nº. 9.434/97, o Decreto nº. 2.268/97 e a Portaria nº.
3.407/98 do SNT estabeleceram critérios para a priorização de pacientes em lista de espera
para transplante de fígado e determinados pelo Sistema Nacional de Transplantes: situações
de hepatite fulminantes ou a necessidade de um retransplante por não funcionamento primário
de enxerto, em um período de até 48 horas após a realização do primeiro transplante, não
sendo nenhuma desses o caso da agravante.
A Desembargadora fundamentou sua decisão optando pelo critério cronológico,
seguindo os argumentos referidos pelo agravado, defendendo que:
(...) presentemente, inexiste melhor critério de avaliação no sistema vigente, dentro
das circunstâncias dadas a conhecer e a violação desses critérios estabelecidos
atingirá os princípios de organização do próprio sistema jurídico vigente, em
especial, os previstos nos artigos 196 e 198 da CF, bem como da Lei 8.080/90,
incisos II, IX, ‘a’ e ‘b’, e XIII (...).
Entendeu, na senda do parecer do Ministério Público, que a discussão jurídica não se
trata de simples conflito entre o direito fundamental à vida e o direito à igualdade de
tratamento, mas sim um conflito entre direitos fundamentais da mesma ordem e grandeza: o
direito à vida da recorrente e o dos demais pacientes que também aguardam na lista única de
espera por um fígado compatível para transplante, pelo que negou provimento ao recurso.
24
O Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, presidente, apontou, inicialmente que se trata de
“questão tormentosa e aflitiva”, por colocar em conflito o direito à vida e o direito à
igualdade. Seguindo o voto do relator, expressou sua opção pelo primeiro, embora temperado
pelo segundo, de modo a não desprezá-lo por completo. Ponderou que, mesmo diante da
impossibilidade de o Judiciário estabelecer uma prioridade no plano apenas jurídico, por falta
de conhecimentos científicos, não se pode seguir somente o critério objetivo da ordem
numérica de inscrição ao transplante, devendo a preferência, nos limites do possível, ter como
primazia a absoluta necessidade.
Considerou que a adoção de uma alternativa intermediária é a melhor solução, não
desprezando o paciente que recorre ao Poder Judiciário, mas também não o priorizando em
detrimento dos demais necessitados inscritos na lista. Aumenta-se o risco de morte da
paciente, caso seja negado o reconhecimento da urgência, ou se lhe conferir imediatamente o
direito almejado, de maneira temerária, diante dos demais enfermos, pelo que decide prover
parcialmente o agravo de instrumento. Por maioria, o agravo de instrumento foi parcialmente
provido.
2.4 CONCLUSÕES GERAIS E CONSEQÜÊNCIAS EXTRAJURÍDICAS DAS DECISÕES
QUE ADOTAM O CRITÉRIO DA GRAVOSIDADE.
Aqueles que defendem a utilização do critério cronológico apontam a possível
influência de análises predominantemente subjetivas na avaliação da gravidade e no pior
resultado previsto nos transplantes em pacientes mais graves. Alegam que, sendo dever do
médico defender os interesses de seu paciente em qualquer circunstância, podem ocorrer
distorções subjetivas de difícil identificação, uma vez que, no Brasil, pacientes inscritos na
mesma lista de espera podem ser operados por várias equipes de transplantes, que apenas têm
em comum o credenciamento no Ministério da Saúde. Assim, tendo cada equipe sua própria
interpretação sobre a gravidade dos seus pacientes, o risco de subjetividade é muito elevado.
Tais decisões podem ser vistas como atentatórias à segurança jurídica e ordem pública,
afrontando, dessa forma, o princípio constitucional da igualdade. Aqueles que defendem não
poder-se desconsiderar o interesse dos pacientes inscritos em lista única segundo o critério
cronológico que não recorrem ao Poder Judiciário, apontam que estes teriam a legítima
25
expectativa de tais ações como fossem julgadas improcedentes.
Desse modo, não se pode deixar de considerar o conflito gerado entre o interesse
coletivo e o interesse individual por decisões que deferem a burla à lista única. Isso porque há
um paciente com expectativa alimentada durante muito tempo de ser o próximo receptor do
órgão necessitado, ao passo que outro indivíduo, com estado clínico de maior urgência,
reconhecida judicialmente, impede que a operação se realize. Nessa situação, o paciente que
teria direito ao órgão pelo critério cronológico representa o interesse coletivo, social, de todos
aqueles que aguardam um transplante na lista única cronológica. Questiona-se se o precedente
gerado por decisão nesse sentido poderia levar a uma desorganização generalizada na ordem
de realização dos transplantes, buscando todos os pacientes necessitados garantir a sua
operação pela via judicial.
Portanto, poder-se-ia gerar grave violação à segurança jurídica, o que desestabilizaria
completamente o sistema. Segurança relaciona-se com estabilidade, no sentido da não
sujeição a quaisquer riscos, perigos, aproximando-se, também, da noção de seguridade. Na
definição de De Plácido e Silva, segurança do direito é “o estado de seguridade, ou de
garantia legal, que se atribui a um direito, para que possa o respectivo titular exercitá-lo, ou se
utilizar das ações respectivas, quando seja molestado nele”25
.
Se, por um lado, a falta de informações atualizadas sobre a estrutura do SNT dificulta
uma análise mais aprofundada da gestão dos transplantes no país, por outro, sabe-se que 60%
das pessoas presentes na lista única não precisam com urgência da intervenção cirúrgica26
,
sendo este um dado que comprova a ineficiência da sistemática então vigente. A importância
das decisões jurisprudenciais que negaram a aplicação do critério cronológico reside no fato
de terem reconhecido a necessidade de ser adotada uma alternativa a fim de garantir ao maior
número de pacientes o pleno exercício do direito à vida.
As decisões judiciais que reconheceram o critério da gravosidade, a exemplo das aqui
expostas no âmbito do Tribunal de Justiça de nosso estado, estimularam a publicação da
Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde, que representa o reconhecimento normativo do
25
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 25. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1267.
26
RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37,
mar. 2007.
26
critério da gravosidade para transplantes de fígado. Isso pode levar a uma ampla reflexão
sobre o tema dos critérios para a escolha de receptores dos demais órgãos e, a longo prazo, à
consagração da gravidade do estado de saúde do doente como fator determinante da sua
posição na lista.
3 PORTARIA 1.160/06 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE: A ADOÇÃO DO CRITÉRIO
DA GRAVIDADE COMO REFLEXO DAS TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS
EXPOSTAS
A Portaria 1.160, publicada pelo Ministério da Saúde em 29 de maio de 2006,
modificou os critérios de distribuição de fígado de doadores cadáveres, implantando o critério
da gravidade de estado clínico do paciente.
3.1 A INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO CRONOLÓGICO
A adoção, pelo Ministério da Saúde, do critério cronológico para a realização de
transplantes elevou o índice de mortalidade em lista de espera, que já atingia a altíssima
marca de 40% na população de candidatos a receptores, e que passou a ter crescimento
exponencial, condenando sumariamente ao óbito todo paciente portador de doença hepática
subaguda ou crônica em fase avançada de qualquer etiologia que necessitasse de um órgão
para sobreviver. Dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo entre 1997 e
2001 revelaram que mais de 80% dos pacientes que morrem na lista o fazem antes mesmo de
completar um ano de sua inscrição27
.
Criou-se uma injustiça social absurda, inédita no país, ferindo a ética médica, a justiça
distributiva e os direitos humanos, pois se negou qualquer chance de vida aos pacientes mais
graves. Nos termos anteriormente expostos, há uma idéia de que os órgãos humanos
pertencem à sociedade, e cabe a ela, baseada em princípios altruísticos e segundo a justiça
distributiva e eqüidade, nortear e fiscalizar os critérios de sua alocação, promovendo a doação
27
RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37,
mar. 2007.
27
e estimulando a captação28
.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença, de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme o
disposto no artigo 196 da Constituição Federal. A igualdade distributiva ou eqüidade leva a
concluir que todo brasileiro deveria, em tese, ter o mesmo direito em qualquer parte do
território nacional, e, na prática, esse critério permite que quem tenha recursos para se
estabelecer temporariamente numa cidade distante pode procurar centros menores, onde
conseguirá ser transplantado em menor prazo29
.
A Igreja Católica manifestou-se sobre o tema, sustentando que, a alocação de órgãos
doados não deve, sob qualquer pretexto, ter caráter discriminador ou utilitário, mas sim
fundar-se em fatores clínicos e imunológicos. Agindo-se de outro modo, o critério seria
arbitrário e subjetivo, e fracassaria ao não reconhecer o valor intrínseco de cada pessoa como
tal, um valor que é independente de circunstâncias externas30
.
Hoel Sette Júnior e outros autores, em estudo dedicado ao tema, referem que a adoção
do critério exclusivamente cronológico, em detrimento da gravidade do estado clínico do
paciente, leva a altos índices de mortalidade nas listas de espera. Além disso, com o decorrer
do tempo, passou-se a transplantar muitos pacientes sem elevada gravidade, e não aqueles que
necessitavam urgentemente do órgão para sobreviver. Esse fato é agravado, ainda mais, pela
inexistência de critérios mínimos para a listagem dos pacientes no sistema anterior. Naquele
sistema, não existindo critério mínimo para inscrição na lista, havia tendência e, mesmo,
estímulo, para que pacientes ainda sem indicação, se inscrevessem, na esperança de que,
quando seu estado de saúde se agravasse, estivessem próximos da realização do transplante.
Ainda, previa-se o critério de urgência médica para transplante hepático somente nos casos de
hepatites fulminantes, que representam pouquíssimos dos casos de transplantes hepáticos, e o
retransplante nas primeiras 48 horas.
28
BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de
Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out. de 2005. Disponível em:
<http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
29
BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de fígado: as controvérsias sobre os critérios de
alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out., 2005. Disponível em:
<http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
30
BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de
Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out. de 2005. Disponível em:
<http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
28
Seguem os autores expondo que, na prática, pacientes graves que fossem incluídos em
lista não teriam qualquer chance de receber o órgão. O sistema anterior ignorava a opinião do
médico em decisões que são, por sua natureza, exclusivamente médicas. Não eram
beneficiados os doentes graves, que, em última análise, são os que mais urgentemente
precisavam do transplante. Somente os menos graves suportavam o longo tempo de fila. Os
mais graves morriam na espera, eximindo-se o serviço de transplante da responsabilidade pela
não realização ou insucesso do procedimento, já que tal responsabilidade poderia ser atribuída
à lei.
Ainda, constatam que, no período em que a distribuição de fígados para transplante no
estado de São Paulo era feita por rodízio entre as equipes médicas, a mortalidade na lista de
espera era significativamente menor, pois as diversas equipes podiam adotar medida própria
para a prioridade, sendo que diversas delas utilizavam o critério médico da gravidade do
estado de saúde do receptor31
. Defende-se, então, um critério que confira prioridade a
pacientes mais graves, conforme avaliação pela equipe responsável, pois com menos tempo
de sobrevida, correm maior risco de não serem transplantados em tempo32
.
É necessário que se adote um critério em conformidade com a ética e com o princípio
constitucional de igualdade entre os pacientes. Registre-se que o critério da gravidade, por
vezes criticado pelo fato de não respeitar uma igualdade objetiva, visa a alcançar uma
igualdade baseada na comparação entre os estados de saúde dos pacientes, frisando-se que o
tempo de espera em lista, ainda que mais objetivo, não é o único critério possível para se
chegar à igualdade.
Vale lembrar a teoria tridimensional do Direito, pela qual o fenômeno jurídico
compreende três elementos em constante interação: um aspecto fático, que pode ser um fato
econômico, geográfico, demográfico, técnico, etc.; um valor, que confere determinada
significação ao fato e indica a finalidade atrelada; e, a norma, que representa a medida de
integração entre fato e valor. Miguel Reale observa ser incabível compreender “norma
31
SETTE JÚNIOR, Hoel et al. Transplante hepático: política de captação, alocação e distribuição de órgãos no
Brasil. GED, vol. 19, n.º 1, jan./fev., 2000. Disponível em: <http://www.fbg.org.br/publicacoes/ged.php3# >.
Acesso em: 27 de abr. de 2007.
32
SCHIFF, E.R.; SORREL, M.F.; MADDREY, W.C. (eds.). Diseases of the liver. Philadelphia: Lippincott-
Raven, 1999, vol. 2, p. 1589-1615 apud SETTE JÚNIOR, Hoel et al. Transplante hepático: política de
captação, alocação e distribuição de órgãos no Brasil. GED, vol. 19, n.º1, jan./fev., 2000. Disponível em:
<http://www.fbg.org.br/publicacoes/ged.php3# >. Acesso em: 27 de abr. de 2007.
29
desligada da realidade social, visto como norma jurídica é sempre uma abstração que
corresponde a uma realidade concreta, ou, mais precisamente, a norma jurídica não tem
sentido desligada das exigências fáticas, que ela supera e integra em dimensão axiológica
necessária”33
.
Assim, o ato de julgar não obedece a meras exigências lógico-formais, implicando
sempre apreciações valorativas dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei.
Destaque-se que os fatos, normas e valores que integram o Direito inserem-se num
ordenamento historicamente posicionado, reclamando uma interpretação condigna com
relação ao espaço e tempo respectivos. Não raro a valoração realizada pelo Judiciário
influencia a elaboração de normas jurídicas. Isso se deve ao fato de ser a jurisprudência mais
dinâmica que a elaboração das normas, e, no caso da mudança do critério para a fila dos
transplantes de fígado, aquela reconheceu antes da existência de previsão normativa a
insuficiência do critério cronológico.
3.2 ASPECTOS DO CRITÉRIO DA GRAVIDADE INTITUÍDO PELA PORTARIA
1.160/06 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Baseada no modelo da United Network for Organ Sharing (UNOS), entidade norte-
americana cujo papel é semelhante ao do nosso Sistema Nacional de Transplante (SNT),
publicou-se a Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde que estabelece dois índices para se
apurar a gravosidade. Através de exames realizados periodicamente são obtidos os dados para
se calcular o Model for End-stage Liver Disease (MELD) e o Pediatric End-stage Liver
Disease (PELD), que passamos a analisar a seguir34
.
O Model for End-stage Liver Disease (MELD) se caracteriza por ser um valor
numérico com variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem
crescente da escala. É utilizado para transformar em números a urgência de transplante de
fígado em candidatos com idade a partir de 12 anos, inclusive. O índice estima o risco de
33
REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 155.
34
Ver GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da
pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em:
<http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. No referido endereço, refere-se
que, nos EUA, a utilização dos índices MELD/PELD para mesurar o critério da gravidade é vigente desde
fevereiro de 2002.
30
óbito se o paciente não realizar o transplante nos próximos três meses. Para se apurar o valor
MELD é necessário o resultado de três exames laboratoriais de rotina: bilirrubina total, que
mede a eficiência do fígado em excretar bile; dosagens séricas de creatinina, uma medida da
função renal; e determinação do RNI (Relação Normalizada Internacional), que é uma medida
da atividade da protombina, a qual mede a função do fígado de produção de fatores de
coagulação35
.
O Pediatric End-stage Liver Disease (PELD) é similar ao MELD, entretanto aplica-se
para crianças com idade inferior a 12 anos, e utiliza exames laboratoriais, como: valor de
bilirrubina, que mede a eficiência do fígado em excretar bile; valor de albumina, o qual mede
a habilidade do fígado em manter a nutrição; e valor de RNI, que visa medir a atividade da
protombina, e consequentemente a função hepática de fatores responsáveis pela coagulação36
.
3.3 A FORMAÇÃO DA LISTA ÚNICA PELO CRITÉRIO DA GRAVIDADE A PARTIR
DOS ÍNDICES MELD E PELD
Para se efetivar a inscrição do paciente na lista única é necessário que este possua
valor mínimo de MELD 6. Para o índice PELD, não há pontuação mínima, todavia, os valores
inferiores a 1 serão arredondados para PELD equivalente a 1. Calcula-se que, em novembro
de 2004, aproximadamente 61 % dos pacientes inscritos não deveriam estar na lista, pois
possuíam MELD inferior a 15 e, não tinham necessidade de um transplante. No Rio de
Janeiro, 74% dos pacientes estavam inscritos desnecessariamente na lista37
.
Conforme o Anexo I da Portaria 1.160/06, a distribuição de fígados de doadores
cadáveres para transplante deverá considerar três critérios: compatibilidade/identidade
35
O anexo II da Portaria 1.160/06 estabelece a fórmula do MELD = 10 x [0,957 x Loge (creatinina mg/dl) +
0,378 x Loge (bilirrubina mg/dl) + 1,120 x Loge (INR) + 0,643] arredonda-se o valor obtido para o número
inteiro mais próximo. Caso os valores de laboratório sejam menores que 1, arredonda-se para 1,0; a creatinina
poderá ter valor máximo de 4,0, caso seja maior que 4,0 considera-se 4,0; se o paciente realizar diálise mais de
duas vezes por semana, o valor da creatinina considera-se, também, igual a 4,0.
36
Fórmula de cálculo do PELD = 10 x [0,480 x Loge (bilirrubina mg/dl) + 1,857 x Loge (INR) - 0,687 x Loge
(albumina mg/dl) + 0,436 se o paciente tiver até 24 meses de vida + 0,667 se o paciente tiver déficit de
crescimento menor - 2]. Se os valores de laboratório forem menores que 1, arredonda-se para 1,0; o cálculo do
valor do déficit de crescimento baseia-se no gênero, peso e altura do paciente; ajusta-se o PELD para
harmonização com o MELD multiplicando-se por 3 e arredondando o resultado para valor inteiro.
37
Sobre o tema, ver a tabela: GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Situação do Transplante Hepático no
Brasil. Disponível em <http://www.hepato.com/materias/Meld_classificação_dos_pacientes_Brasil.pdf>.
Acesso em: 20 de abr. de 2007.
31
sangüínea, compatibilidade anatômica e por faixa etária e urgência. Exclui-se à
compatibilidade/identidade ABO, entre doador e receptor, os casos de receptores do grupo
sangüíneo B com índice MELD igual ou maior que 30, os quais concorrerão, também, aos
órgãos de doadores do grupo O.
Ocorre a priorização de pacientes nos casos de urgência, gravidade clínica
(MELD/PELD) e em algumas situações especiais elencadas no Anexo I da referida Portaria.
Consideram-se critérios de urgência a insuficiência hepática aguda grave, o não-
funcionamento primário do enxerto notificado à CNCDO em até 7 dias, após a data do
transplante38
; trombose de artéria hepática notificada à CNCDO em até sete dias, após a data
do transplante, podendo prorrogar-se a classificação por mais sete dias39
; pacientes anepáticos
por trauma; e pacientes anepáticos por não funcionamento primário do enxerto.
Os casos classificados como de gravidade clínica utilizam os índices MELD/PELD,
priorizam os pacientes com maior pontuação e levam em consideração o tempo de espera na
lista40
.
As situações especiais para pacientes adultos (assim considerados os doentes maiores
de 12 anos), listadas no ponto 2.2, do Anexo II, da Portaria, recebem valor MELD igual a 20.
Caso o paciente cujo diagnóstico se enquadre nessas situações não seja transplantado em 3
meses, a sua pontuação passará, automaticamente, para MELD 24, e, se decorrer o prazo de 6
meses, tal índice passará a ter o valor de 29. No caso de crianças (até 12 anos) o PELD
passará a ter o valor correspondente a 30, nas situações descritas no ponto 3.2, do Anexo II,
da Portaria. Caso não ocorra o transplante em 30 dias, a pontuação do paciente será ajustada
para PELD equivalente a 35.
O critério da gravidade, assim como qualquer outro, poderá ser auditado pela Câmara
Técnica Nacional de Transplante de Fígado que poderá ser convocada em qualquer momento
38
Essa classificação poderá ser prorrogada por mais 7 dias. Caso não ocorra o transplante dentro desses prazos, o
paciente perde a condição de urgência e permanece com o último valor de MELD, observando-se a periodicidade
do exame.
39
Se não ocorrer o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e assume um
MELD equivalente a 40.
40
A Portaria objeto deste capítulo considera para candidatos a receptor com idade igual ou superior a 12 anos
(MELD) a pontuação a ser considerada = (cálculo do MELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de
espera (data atual - data de inscrição em lista, em dias)); Para candidatos a receptor com idade menor de 12 anos
(PELD) a pontuação a ser considerada = (cálculo do PELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera
data atual - data de inscrição em lista, em dias). O valor do PELD será multiplicado por três para efeito de
harmonização com os valores MELD, pois a lista é única, tanto para crianças quanto para adultos. Este valor de
PELD se chamará "PELD ajustado".
32
pela Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes para que se proceda à alteração
a fim de que um paciente possa ocupar uma posição privilegiada em lista de espera.
3.4 A MUDANÇA DO CRITÉRIO CRONOLÓGICO PARA A GRAVIDADE E A NOVA
SITUAÇÃO DOS PACIENTES ANTERIORMENTE INSCRITOS
Estão sujeitos ao novo critério de alocação de fígado para transplante todos os
pacientes inscritos na vigência do critério cronológico, assim como os que vierem a se
inscrever após a implantação do sistema da gravidade. O Ministério da Saúde estipulou o
prazo de dois meses para que a mudança de critério da lista entre em vigor.
A realocação dos pacientes anteriormente inscritos em posições menos benéficas é
vista por estes como precipitada e até inconstitucional, pois haveria um "direito adquirido" de
quem já estava na fila e prestes a serem contemplados pelo critério antigo. Assim como ocorre
hoje com os pacientes que recorrem ao Judiciário para obter a realização do transplante
devido à gravidade, a alteração do critério no âmbito normativo pode levar à propositura de
inúmeras ações judiciais, buscando medidas cautelares para garantir aos pacientes já inscritos
o seu lugar na fila. O argumento seria o fato de uma portaria ou decreto não poder retroagir e
atentar contra os direitos adquiridos por esses pacientes41
.
O tempo de espera na lista utilizar-se-á, contudo, como critério de desempate entre
duas ou mais pessoas com mesmo valor de MELD/PELD e igualmente, compatíveis com um
potencial doador. Porém para realização de tal cálculo diferenciam-se os candidatos adultos,
com idade igual ou superior a 12 anos42
, dos menores de 12 anos43
.
3.5 ESTUDOS SOBRE A EFICIÊNCIA DO NOVO CRITÉRIO E ANÁLISE CRÍTICA DA
PORTARIA 1.160/06
41
GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da
pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em:
<http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
42
Pontuação = MELD x 1.000 + 0,33 x ND
43
Pontuação = PELD x 1.000 + 0,33 x ND, onde ND corresponde ao número de dias inscrito em lista de espera.
Deve-se multiplicar o valor do PELD por três, para efeito de harmonização com os valores MELD, pois a lista é
única, tanto para crianças quanto para adultos.
33
Na Espanha, onde a captação de órgãos chegou a uma média de 40 fígados por milhão
de habitantes por ano, pôde-se estabelecer um sistema de rodízio entre os serviços, os quais
definiam seus próprios critérios. Dessa forma, em países com farta captação de órgãos, a
cronologia cumulada com a gravidade dos pacientes é funcional, permitindo uma maior
eficiência do sistema. Tal fato permitiu a utilização do critério cronológico para os portadores
de doença hepática crônica, pois a média de espera na lista era inferior a seis meses e a taxa
de mortalidade desprezível. Já nos países cuja captação de órgãos é inferior à demanda,
geralmente se recorre à aplicação de outros critérios de alocação, tal como a gravidade, de
forma a diminuir a mortalidade na lista de espera44
.
No Brasil, o avanço na realização de transplantes é notório desde 1990. O Ministério
da Saúde revela que, em 1995, foram realizados 4.134 transplantes de órgãos. Em 2003, esse
número dobrou, totalizando 8.554 cirurgias realizadas, dentre esses, 609 transplantes
hepáticos, sendo 39 retransplantes45
.
Foi realizada interessante pesquisa que questiona a aplicação do índice MELD no
Brasil, por alunos da Faculdade de Medicina da USP, sob a coordenação dos professores
Paulo Massarollo e Sérgio Mies. A pesquisa teve como objeto de análise 237 transplantados,
no período de 1º de novembro de 1995 a 30 de julho de 2001, no Hospital das Clínicas de São
Paulo. O estudo pretendia relacionar o índice MELD anterior ao transplante com o resultado
da cirurgia. Para tanto, dividiu-se os transplantados em dois grupos: um, composto por 126
pacientes com MELD médio de 9,4 (menos graves), e outro, contendo 111 pacientes com
MELD médio de 20,1 (mais graves)46
.
Observou-se que as curvas de sobrevida de cada grupo são estatisticamente diferentes
44
BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de
Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out., 2005. Disponível em:
<http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
45
MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de
escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. O estudo aponta
que o Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes. Em primeiro lugar está os Estados Unidos,
no qual 300 pessoas são acrescentadas nas listas de transplantes diariamente, e são realizados 70 transplantes
diários. Nesse país, conforme dados da Organ Procurement and Transplantation Network, as listas somam
96.440 inscritos, desse total, 16.879 aguardam por um fígado (dados atualizados até as 10h e 09 min do dia 16 de
maio de 2007 em http://www.optn.org/data/).
46
FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0711200210.htm>. Acesso em: 16 abr. 2007. O estudo foi o
vencedor do prêmio anual Oswaldo Cruz, concedido no 21º Congresso Médico Universitário ao melhor trabalho
dos estudantes na área de cirurgia.
34
entre si. Os pacientes menos graves apresentaram, nos primeiros seis meses após o
transplante, uma taxa de mortalidade de 15%, enquanto que, os que possuem índice MELD
mais elevado, o percentual foi de 26%. Contatou-se que a mortalidade dobra a cada 15 pontos
na escala MELD. Calcula-se que nos pacientes com índice MELD igual ou superior a 40, a
mortalidade após o transplante ultrapasse 50%.
Evidencia-se que nesse sistema, os pacientes mais graves serão os primeiros a ser
transplantados, aumentando-se a mortalidade pós-transplante. O estudo concluiu que a adoção
desse critério no Brasil seria inapropriada, pois a falta de enxertos contribui para a baixa
quantidade de transplantes realizados, e após um tempo de espera médio de 24 meses, apenas
10% dos inscritos na lista única são transplantados a cada ano.
Porém, com a adoção do critério MELD/PELD, desprezam-se os pacientes com
maiores chances de obter um bom resultado pós-operatório, somente podendo ser operados
quando apresentarem índice MELD suficientemente alto para lhes conferir prioridade na lista.
Por conseguinte a mortalidade na lista de espera seria substituída pela mortalidade pós-
operatória precoce.
Sergio Mies, representante da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos,
aponta que, no estado de São Paulo, o qual realiza cerca de 50% dos transplantes de fígado do
país, foram transplantados em 2004, apenas 8% dos pacientes inscritos na lista sendo que,
desse percentual, 35% não tiveram sobrevida maior que um ano. Ressalta também, que
pacientes mais graves apresentam maior tempo de internação, maior quantidade de
complicações, maior necessidade de transfusão de sangue, entre outros cuidados, e,
conseqüentemente, maiores chances de mortalidade operatória. Logo, com um critério
exclusivamente baseado na gravidade, ocorrerão apenas os transplantes dos 8% mais graves.
Assim, só ocorrerá o transplante dos clinicamente melhores quando estivessem debilitados
pelo avanço da doença47
.
Nos países com um eficiente sistema de captação de órgãos (com período máximo de
seis meses), é realizável o transplante de todos os inscritos, sendo que apenas nessas
47
Dados da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo. Ver: GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro).
Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de
alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>.
Acesso em: 25 mar. 2007.
35
condições, é factível priorizar os casos de maior gravidade. Assim, nos Estados Unidos, onde
se utiliza o sistema MELD, a sobrevida dos pacientes após 1 ano da cirurgia corresponde a
85% dos transplantados48
.
A pesquisa mostra que, no Brasil, o critério que pode assegurar o melhor
aproveitamento e a justa distribuição dos escassos recursos disponíveis seria o cronológico.
Recomenda-se a adoção desse método até que se aperfeiçoe a captação de órgãos de modo
que se possa transplantar a maioria dos inscritos na lista.
Porém, estudos demonstram que pacientes com valor de MELD até 15, possuem
maiores riscos de morte pelo próprio procedimento do transplante do que pela doença. Assim,
nesses pacientes, o transplante pode ser postergado. Mauricio Fernando de Almeida Barros
afirma que quando aplicamos o critério da gravidade, durante um período determinado, ter-se-
ia o dobro de vivos, porém, utilizando a ordem cronológica, estar-se-iam realizando
transplantes em pacientes com baixo nível de MELD e deixando de lado os casos mais graves.
Nessa hipótese, a sobrevida dos transplantados poderá ser discretamente maior49
.
A Associação Brasileira dos Transplantados de Fígado e Portadores de Doenças
Hepáticas (Transpática) recebeu positivamente a nova portaria do Ministério da Saúde. No
“site” da referida entidade, foi dito que a mudança de critério para gravidade configura:
uma importante etapa no avanço normativo e estrutural, após algumas medidas
antecedentes tais como a que igualou a remuneração por transplantes em hospitais
universitários e não universitários; impulsionou o crescimento horizontal no país da
disponibilização de centros transplantadores; percepção de que a falta de órgãos não
decorre unicamente da propagada “falta de doadores”, mas sim da ma estrutura de
captação e fatores correlatos, o que tem determinado esforços visando à instalação
das COMISSÕES INTRA-HOSPITALARES DE TRANSPLANTES – CIHT’s;
etc.50
.
Estatísticas publicadas pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo
mostram que 54,5% dos inscritos na lista morreram na espera por um fígado. A sobrevida dos
48
TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://transpatica.org.br/5.htm>. Acesso em:
24 abr. 2007.
49
MERION, R. M. When is a patient too well and when is a patient too sick for a liver transplant? Liver
Transplant, vol. 2, 2004, p. 69-73 apud BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As
Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set/out., 2005.
Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em:
25 mar. 2007.
50
TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em:
<http://www.transpatica.org.br/noticia.asp?cod_noticia=517>. Acesso em: 24 abr. 2007. A qual foi fundada em
julho de 1999, e constituída por voluntários que se dedicam à orientação e apoio na prevenção e tratamento dos
portadores de doenças hepáticas e daqueles que aguardam em lista de espera para o transplante de fígado.
36
transplantados, nos seis primeiros meses, indica uma mortalidade de 28%. A Associação
Brasileira dos Transplantados de Fígado Portadores de Doenças Hepáticas (Transpática),
afirma que tal panorama indica a inadequada evolução da captação de órgãos, que tende ao
aumento do número de inscritos. Dados que assustam, comparando-os com outros países
como os Estados Unidos, onde a mortalidade na fila é de 7%. Já no ano de 2006, a taxa de
mortalidade na lista baixou para 20,74% no estado de São Paulo51
.
Sérgio Mies afirma que para evitar o desperdício de órgãos em pacientes com mínimas
probabilidades de sobrevivência, alguns países europeus não transplantam pacientes maiores
de 60 ou 65 anos por possuírem um risco pós-operatório maior (Itália, Espanha). A proposta
encaminhada ao Ministério da Saúde pretende incluir apenas pacientes com nível mínimo de
gravidade, onde os pacientes seriam transplantados por ordem de inscrição. Se o falecimento
ocorrer antes da cirurgia, evidencia-se a urgência na sua realização, tornando fútil o
transplante.
Sobre a situação dos que necessitam urgentemente do transplante após a adoção do
índice MELD, segundo aponta Lucas Rister de Sousa Lima,
com a criação do referido índice, o drama dessas pessoas, no entanto, apesar de
parecer ter sido resolvido prima facie, ainda está longe de um final feliz. Isto porque
as centrais estaduais de transplantes ainda não têm condições técnicas nem
financeiras de efetuar todos os exames necessários para o estabelecimento da ordem
de gravidade dos pacientes segundo tal critério, e, menos ainda, na periodicidade
exigida. Ademais, tal sistemática – ainda que estivesse funcionando a contento -
restringe-se tão-somente aos receptores de fígados, que representam irrisórios 10%
do número total de pessoas aguardando por um transplante52
.
Cabe referir que, em 1988, para fins pediátricos, empregou-se como enxerto parte do
lobo esquerdo do fígado de um doador vivo, com risco de mortalidade ao redor de 0,2 a 0,3%.
Com as fortes críticas da comunidade internacional tal procedimento foi interrompido. Tal
técnica foi retomada progressivamente devido à pressão exercida pelas extensas listas de
receptores infantis, totalizando mais de três mil crianças operadas em dezembro de 2002.
Inspirados nos resultados positivos, em 1995, japoneses iniciaram o uso do lobo direito como
51
SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Taxa de mortalidade em lista de
espera. Disponível em:
<http://www.saude.sp.gov.br/resources/central_de_transplantes/pdf/mortalidade_figado_2006.pdf>. Acesso em:
10 mar. 2007. Ver também: TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em:
<http://www.transpatica.org.br/noticia.asp?cod_noticia=39>. Acesso em: 10 mar. 2007.
52
LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>.
Acesso em: 6 de nov. de 2006.
37
enxerto em pacientes adultos. Estima-se que tenham sido realizados cerca de 1500
transplantes intervivos em adultos53
.
Pequenas melhorias na oferta de órgãos podem reduzir significativamente os prazos de
espera. O órgão como um bem público, deve ser utilizado de forma a obter o maior
aproveitamento possível para o maior número de pacientes. Conforme estudo realizado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que simulou o aumento da demanda por
transplantes, mesmo que em pequena proporção, concluiu que os tempos de espera na fila
sofrerão elevações dramáticas. Tal estudo indicou que a falta de recursos não é o principal
óbice na realização de transplantes, mas aspectos como a extensão e os longos tempos de
espera nas filas, como também, o empenho das autoridades no incremento do processo de
doação e captação de órgãos contribuem para agravar a situação atual do SNT54
.
O “Grupo Unidos Venceremos” aponta para algumas falhas do sistema, tais como a
falta de comunicação entre hospitais, de transporte para o órgão chegar ao seu destino nas
melhores condições possíveis, de exames pré-operatórios, antes da entrega do órgão, que
indiquem a compatibilidade entre doador e receptor evitando o desperdício de órgãos. Expõe
que algumas medidas poderiam melhorar a captação e aproveitamento de órgãos, como
campanhas, orientação aos hospitais evitando a perda de órgãos doados, comunicação
constante entre os hospitais, multidisciplinariedade e honestidade das equipes e juntas
médicas nos diversos Estados, as quais devem avaliar a compatibilidade entre doador e
receptor, a necessidade e estimar a sobrevida do doador55
.
Uma solução normativa seria o estabelecimento de normas de fiscalização que
permitissem responsabilizar o médico do paciente, bem como os membros da equipe
alocadora de fígados quando ocorrer suspeitas de irregularidades ou venham a ser efetuadas
denúncias de favorecimento. Para tanto, seria conveniente que a Central de Transplantes
Estadual arquivasse os resultados dos exames de sangue, como também, as amostras
53
MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de
escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007.
54
MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de
escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007.
55
GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da
pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em:
<http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil
Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01Rogerio Novais
 
Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)
Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)
Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)Guilherme Benaduce
 
Doação de Órgãos: Perguntas frequentes
Doação de Órgãos: Perguntas frequentesDoação de Órgãos: Perguntas frequentes
Doação de Órgãos: Perguntas frequentesGuilherme Benaduce
 
2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...
2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...
2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...
2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...
2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
Perfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital Público
Perfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital PúblicoPerfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital Público
Perfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital PúblicoFederal University of Bahia
 
2002 transplante de fígado indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...
2002 transplante de fígado   indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...2002 transplante de fígado   indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...
2002 transplante de fígado indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
Doenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnostico
Doenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnosticoDoenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnostico
Doenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnosticoArquivo-FClinico
 
acuracia no desmame
acuracia no desmameacuracia no desmame
acuracia no desmameanamanslin
 
2011 para além do transplante hepático explorando adesão ao tratamento-rafae...
2011 para além do transplante hepático  explorando adesão ao tratamento-rafae...2011 para além do transplante hepático  explorando adesão ao tratamento-rafae...
2011 para além do transplante hepático explorando adesão ao tratamento-rafae...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...
2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...
2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
Livro fisiologia cardiovascular
Livro fisiologia cardiovascularLivro fisiologia cardiovascular
Livro fisiologia cardiovascularCaroline Augusta
 

Was ist angesagt? (13)

Doação De órgãospp
Doação De órgãosppDoação De órgãospp
Doação De órgãospp
 
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
 
Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)
Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)
Doação de órgãos - Perguntas frequentes (sh)
 
Doação de Órgãos: Perguntas frequentes
Doação de Órgãos: Perguntas frequentesDoação de Órgãos: Perguntas frequentes
Doação de Órgãos: Perguntas frequentes
 
2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...
2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...
2010 disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileir...
 
2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...
2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...
2011 sentimentos e expectativas de pacientes candidatos ao transplante de fíg...
 
Perfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital Público
Perfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital PúblicoPerfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital Público
Perfil do Paciente que Inicia Hemodiálise de Manutenção em Hospital Público
 
2002 transplante de fígado indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...
2002 transplante de fígado   indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...2002 transplante de fígado   indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...
2002 transplante de fígado indicação e sobrevida-grupo integrado de transpl...
 
Doenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnostico
Doenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnosticoDoenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnostico
Doenca renal cronica_pre_terapia_renal_substitutiva_diagnostico
 
acuracia no desmame
acuracia no desmameacuracia no desmame
acuracia no desmame
 
2011 para além do transplante hepático explorando adesão ao tratamento-rafae...
2011 para além do transplante hepático  explorando adesão ao tratamento-rafae...2011 para além do transplante hepático  explorando adesão ao tratamento-rafae...
2011 para além do transplante hepático explorando adesão ao tratamento-rafae...
 
2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...
2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...
2009 estudo do perfil clínico e imunológico dos possíveis e potenciais doador...
 
Livro fisiologia cardiovascular
Livro fisiologia cardiovascularLivro fisiologia cardiovascular
Livro fisiologia cardiovascular
 

Ähnlich wie Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil

2010 doação e transplante de órgãos no brasil lei, filas de espera e famíli...
2010 doação e transplante de órgãos no brasil   lei, filas de espera e famíli...2010 doação e transplante de órgãos no brasil   lei, filas de espera e famíli...
2010 doação e transplante de órgãos no brasil lei, filas de espera e famíli...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
Doação de Órgãos Fígado Ética e Deontologia para Fisioterapia
Doação de Órgãos Fígado   Ética e Deontologia para Fisioterapia Doação de Órgãos Fígado   Ética e Deontologia para Fisioterapia
Doação de Órgãos Fígado Ética e Deontologia para Fisioterapia Universidade Norte do Paraná
 
Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913
Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913
Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913Rosalia Ometto
 
transplante de orgãos
transplante de orgãostransplante de orgãos
transplante de orgãosRoseclaudia
 
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01Sirlene Cláudio
 
Atuação do enfermeiro na captação de órgãos
Atuação do enfermeiro na captação de órgãosAtuação do enfermeiro na captação de órgãos
Atuação do enfermeiro na captação de órgãosStephanfonseca00
 
TCF sobre Doação de órgãos - 9º ano
TCF sobre Doação de órgãos - 9º anoTCF sobre Doação de órgãos - 9º ano
TCF sobre Doação de órgãos - 9º anoMarcia Oliveira
 
2011 aguardando o transplante de fígado orientações para o paciente - hospit...
2011 aguardando o transplante de fígado  orientações para o paciente - hospit...2011 aguardando o transplante de fígado  orientações para o paciente - hospit...
2011 aguardando o transplante de fígado orientações para o paciente - hospit...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)
Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)
Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)RosimeireAyer
 
Transfusão sanguínea e Transplante de órgãos
Transfusão sanguínea e Transplante de órgãosTransfusão sanguínea e Transplante de órgãos
Transfusão sanguínea e Transplante de órgãosSimara Alves
 
DOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptx
DOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptxDOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptx
DOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptxMIRIAN FARIA
 
Aspectos éticos da síndrome pós pcr
Aspectos éticos da síndrome pós pcrAspectos éticos da síndrome pós pcr
Aspectos éticos da síndrome pós pcrAroldo Gavioli
 
Reprodução assistida
Reprodução assistida Reprodução assistida
Reprodução assistida Deise Silva
 
Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...
Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...
Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 

Ähnlich wie Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil (20)

2010 doação e transplante de órgãos no brasil lei, filas de espera e famíli...
2010 doação e transplante de órgãos no brasil   lei, filas de espera e famíli...2010 doação e transplante de órgãos no brasil   lei, filas de espera e famíli...
2010 doação e transplante de órgãos no brasil lei, filas de espera e famíli...
 
Doação de Órgãos Fígado Ética e Deontologia para Fisioterapia
Doação de Órgãos Fígado   Ética e Deontologia para Fisioterapia Doação de Órgãos Fígado   Ética e Deontologia para Fisioterapia
Doação de Órgãos Fígado Ética e Deontologia para Fisioterapia
 
Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913
Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913
Aula sobre Transplantes de órgãos e tecidos EPD 280913
 
transplante de orgãos
transplante de orgãostransplante de orgãos
transplante de orgãos
 
Abordagem e conduta com testemunhas de Jeová
Abordagem e conduta com testemunhas de JeováAbordagem e conduta com testemunhas de Jeová
Abordagem e conduta com testemunhas de Jeová
 
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
Trabalhodeetica apresentao-110728134806-phpapp01
 
Atuação do enfermeiro na captação de órgãos
Atuação do enfermeiro na captação de órgãosAtuação do enfermeiro na captação de órgãos
Atuação do enfermeiro na captação de órgãos
 
TCF sobre Doação de órgãos - 9º ano
TCF sobre Doação de órgãos - 9º anoTCF sobre Doação de órgãos - 9º ano
TCF sobre Doação de órgãos - 9º ano
 
2011 aguardando o transplante de fígado orientações para o paciente - hospit...
2011 aguardando o transplante de fígado  orientações para o paciente - hospit...2011 aguardando o transplante de fígado  orientações para o paciente - hospit...
2011 aguardando o transplante de fígado orientações para o paciente - hospit...
 
Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)
Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)
Revista direito v.1 n.1, 2015 (3)
 
Relevância do hemograma na conduta fisioterapêutica em terapia intensiva
Relevância do hemograma na conduta fisioterapêutica em terapia intensivaRelevância do hemograma na conduta fisioterapêutica em terapia intensiva
Relevância do hemograma na conduta fisioterapêutica em terapia intensiva
 
Transfusão sanguínea e Transplante de órgãos
Transfusão sanguínea e Transplante de órgãosTransfusão sanguínea e Transplante de órgãos
Transfusão sanguínea e Transplante de órgãos
 
DOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptx
DOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptxDOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptx
DOAÇÃO DE ÓRGÃO.pptx
 
Aspectos éticos da síndrome pós pcr
Aspectos éticos da síndrome pós pcrAspectos éticos da síndrome pós pcr
Aspectos éticos da síndrome pós pcr
 
DoaçãO+De..
DoaçãO+De..DoaçãO+De..
DoaçãO+De..
 
Reprodução assistida
Reprodução assistida Reprodução assistida
Reprodução assistida
 
Transplante de orgaos
Transplante de orgaosTransplante de orgaos
Transplante de orgaos
 
Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...
Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...
Manual de orientações aos pacientes inscritos em fila espera para transplante...
 
2012 manual do paciente transplante de figado ses pr
2012 manual do paciente   transplante de figado ses pr2012 manual do paciente   transplante de figado ses pr
2012 manual do paciente transplante de figado ses pr
 
Carta Promotoria FTM CFM 2009
Carta Promotoria FTM CFM 2009Carta Promotoria FTM CFM 2009
Carta Promotoria FTM CFM 2009
 

Mehr von Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas

2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...
2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...
2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2007 manual de orientações para pacientes e familiares transplantes de fíga...
2007 manual de orientações para pacientes e familiares   transplantes de fíga...2007 manual de orientações para pacientes e familiares   transplantes de fíga...
2007 manual de orientações para pacientes e familiares transplantes de fíga...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...
2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...
2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...
2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...
2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...
2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...
2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 

Mehr von Nádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas (20)

Hepatocarcinoma critérios de milão e barcelona
Hepatocarcinoma  critérios de milão e barcelonaHepatocarcinoma  critérios de milão e barcelona
Hepatocarcinoma critérios de milão e barcelona
 
2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...
2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...
2012 manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante ...
 
2007 manual de orientações para pacientes e familiares transplantes de fíga...
2007 manual de orientações para pacientes e familiares   transplantes de fíga...2007 manual de orientações para pacientes e familiares   transplantes de fíga...
2007 manual de orientações para pacientes e familiares transplantes de fíga...
 
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
 
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
2011 determinantes clínicos e laboratoriais da concentração sanguínea do tacr...
 
2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...
2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...
2006 aspectos da farmacocinética do tacrolimus nos quatro primeiros dias após...
 
2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...
2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...
2006 efeitos da solução salina hipertônica na reperfusão hepática em paciente...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
2004 hepatite colestática associada ao vírus da hepatite c pós transplante he...
 
2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...
2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...
2008 efectos adversos de los inmunosupresores en el paciente transplantado ed...
 
2008 trasplante hepatico barcelona
2008 trasplante hepatico barcelona2008 trasplante hepatico barcelona
2008 trasplante hepatico barcelona
 

Kürzlich hochgeladen

eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃOeMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃOMayaraDayube
 
Enhanced recovery after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery  after surgery in neurosurgeryEnhanced recovery  after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery after surgery in neurosurgeryCarlos D A Bersot
 
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCC
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCCAmamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCC
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCCProf. Marcus Renato de Carvalho
 
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdfSistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdfGustavoWallaceAlvesd
 
Medicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjd
Medicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjdMedicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjd
Medicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjdClivyFache
 
Assistencia de enfermagem no pos anestesico
Assistencia de enfermagem no pos anestesicoAssistencia de enfermagem no pos anestesico
Assistencia de enfermagem no pos anestesicoWilliamdaCostaMoreir
 

Kürzlich hochgeladen (6)

eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃOeMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
eMulti_Estratégia APRRESENTAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO
 
Enhanced recovery after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery  after surgery in neurosurgeryEnhanced recovery  after surgery in neurosurgery
Enhanced recovery after surgery in neurosurgery
 
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCC
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCCAmamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCC
Amamentação: motricidade oral e repercussões sistêmicas - TCC
 
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdfSistema endocrino anatomia humana slide.pdf
Sistema endocrino anatomia humana slide.pdf
 
Medicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjd
Medicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjdMedicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjd
Medicina Legal.pdf jajahhjsjdjskdhdkdjdjdjd
 
Assistencia de enfermagem no pos anestesico
Assistencia de enfermagem no pos anestesicoAssistencia de enfermagem no pos anestesico
Assistencia de enfermagem no pos anestesico
 

Critérios jurídicos para transplante de fígado no Brasil

  • 1. 1 ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE OS CRITÉRIOS DE ESCOLHA DO RECEPTOR NOS TRANSPLANTES DE FÍGADO NO BRASIL1 Jamile Laís Schmidt RESUMO Os transplantes de fígado tornaram-se freqüentes, despertando diversos questionamentos bioéticos. O objetivo deste trabalho é analisar, com base em decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a tendência do reconhecimento judicial da gravidade do estado de saúde dos candidatos a receptor de fígado como fator determinante de sua posição na lista única, bem como seu reflexo na publicação da Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde, que adotou o índice MELD/PELD, o qual é um valor numérico com variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem crescente da escala. Partindo-se de uma introdução histórica, na qual se inclui a base conceitual da pesquisa, chega-se aos questionamentos acerca da insuficiência do critério cronológico, devido à alta mortalidade na lista de espera por transplante de fígado, o que estimulou a discussão e a adoção de critérios de gravidade para alocação de órgãos. Foram expostos e analisados estudos científicos e as posições ideológicas de setores da sociedade envolvidos, assim como dados fornecidos pelos órgãos oficiais responsáveis. Demonstrou-se que a mudança de critério no âmbito normativo não está isenta de críticas. Concluiu-se, porém, que a adoção da gravosidade é positiva, por reconhecer a insuficiência do critério anterior e a necessidade da busca por uma solução alternativa. Palavras-chave: Bioética. Transplante de fígado. Índice MELD/PELD. Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde. Critério cronológico. 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pela orientadora Profª. Me. Lívia Haygert Pithan, Profª. Maria Alice Costa Hofmeinster, e Profª. Me. Helenara Braga Avancini, em 26 de junho de 2007.
  • 2. 2 INTRODUÇÃO A precária situação do sistema de transplantes no Brasil é responsável pelas elevadas estatísticas de pacientes que morrem na lista de espera por um órgão. A burocracia, a necessidade do consentimento do doador e da sua família, o diagnóstico de morte encefálica, juntamente com a necessária rapidez com que se deve processar a retirada do órgão e o conseqüente transplante são alguns dos fatores que contribuem para a disparidade entre o número de órgãos disponíveis e o elevado número de pessoas na fila de espera. Tal lista respeitava a ordem cronológica de inscrição do paciente, independentemente do fato de seu estado de saúde ser melhor ou pior do que aquele que o antecede ou sucede. Porém, as estatísticas de mortalidade na lista de espera questionam a eficácia do critério cronológico, e levam pacientes em estágio terminal a procurar o Poder Judiciário para que, através de uma ordem judicial, possam passar à frente das demais pessoas na lista, em razão do iminente risco de morte2 . O presente trabalho, no momento inicial, investiga os aspectos jurídicos dos critérios de escolha do receptor nos transplantes de fígado no Brasil. O segundo capítulo analisa algumas das decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que concederam e negaram tais transplantes, e seus argumentos, visto que não foram fundamentadas em disposições legais, as quais vieram a surgir posteriormente. Entretanto, tais decisões podem ser consideradas injustas para quem já estava na fila e seria o próximo a receber tal órgão e que, devido à decisão judicial, estará fadado a prolongar sua angústia. Tais decisões nos remetem a questionamentos acerca de quais pacientes devem receber os órgãos disponibilizados: seriam os casos de iminente risco de morte, do paciente que está há mais tempo na lista de espera ou o que possui mais chances de sucesso? Como também: são os fundamentos utilizados nas decisões judiciais justos e suficientes para autorizar a “burla” à lista de espera? A gravidade3 do estado de saúde do paciente deve 2 Optei pelo termo “risco de morte”, pois conforme Pasquale Cipro Neto, professor de português desde 1975, consultor de língua portuguesa, colunista dos jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Diário do Grande ABC, observa que a expressão em linguagem escrita formal culta é “risco de morte”. Afirma que a expressão “risco de vida” seria derivada de “risco de perder a vida”, fenômeno vivo na língua portuguesa, no qual ocorre uma elipse, omitindo-se o termo. Ver: FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2202200116.htm>. Acesso em: 13 maio 2007. 3 Utilizo indistintamente as expressões “gravidade” e “gravosidade” com o mesmo significado.
  • 3. 3 integrar o rol de exceções à ordem cronológica, ou mesmo passar a ser o critério principal de alocação? Por fim, no terceiro capítulo apresentam-se estudos e opiniões sobre os diferentes critérios de organização da lista. Também se analisa criticamente a Portaria 1.160/06, do Ministério da Saúde, a qual implementou o critério da gravidade, baseada nos índices MELD/PELD (Model For End-Stage Liver Disease e Pediatric End-Stage Liver Disease), bem como se abordam a situação dos pacientes anteriormente inscritos na lista única frente ao novo critério. 1 ASPECTOS GERAIS SOBRE TRANSPLANTE DE FÍGADO O primeiro transplante de fígado no Brasil foi realizado em 5 de agosto de 1968 pela equipe do Prof. Dr. Marcel C. C. Machado, no Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O paciente, que retomou a consciência após a cirurgia, faleceu sete dias depois, entre outras razões pela rejeição de enxerto. O relatório deste caso é importante para entender a evolução do transplante de fígado no Brasil onde este procedimento é realizado habitualmente em muitos centros médicos. O primeiro transplante hepático com sucesso foi realizado em São Paulo, pelo Prof. Dr. Silvano Raia, em 1985. A partir da década de 1990, houve substancial aumento no número de Centros com capacidade para realizar o procedimento4 . As definições de transplante, implante e enxerto se confundem, segundo Sgreccia, "é chamada transplante ou enxerto a operação cirúrgica com a qual se insere no organismo hospedeiro um órgão ou um tecido retirado de um doador. Fala-se mais propriamente em implante ou inclusão quando se trata de tecidos mortos ou conservados". Segue o autor, referindo que "por efeito do transplante, realizam-se entre os tecidos enxertados e o organismo hospedeiro os fenômenos vitais que recebem o nome de sobrevivência, adaptação, desenvolvimento” 5 . 4 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TRANSPLANTADOS DE FÍGADO E PORTADORES DE DOENÇAS HEPÁTICAS. Transplantes: histórico. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/frame5.htm>. Acesso em: 28 de março de 2007. 5 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: Fundamentos e Ética Médica. Vol. 1. Tradução: Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996, p. 567.
  • 4. 4 Maria Helena Diniz observa que a Lei n.º 9.434/97, a qual dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, não diferencia transplante de enxerto6 : Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde. Os órgãos, tecidos e partes do corpo a serem doados deverão ser saudáveis e preencher requisitos clínicos específicos previstos na Portaria n.º 3.407/98 do Ministério da Saúde, que Aprova o Regulamento Técnico sobre as atividades de transplantes e dispõe sobre a Coordenação Nacional de Transplantes. Tais critérios de exclusão de órgãos para doação são necessários para o sucesso do transplante e da qualidade de vida do receptor, entretanto, restringem a quantidade de órgãos aptos a serem doados. Dessa forma, há maior número de pessoas que necessitam de um transplante do que órgãos disponíveis. Para os órgãos que são indispensáveis à manutenção da vida, o transplante é a última alternativa para evitar a morte. Dentre todos os órgãos vitais, o fígado é o maior órgão interno em todos os vertebrados, compõe o sistema endócrino e é o único órgão do corpo capaz de se regenerar rapidamente, sendo possível perder 75% deste tecido (por doença ou intervenção cirúrgica), sem que ele pare de funcionar7 . É possível dividir um fígado de doador cadáver e transplantá-lo em duas pessoas distintas. Em geral, o lóbulo direito (maior) é transplantado num paciente adulto e o lóbulo esquerdo (menor) é utilizado em uma criança. Conforme o tamanho do doador até dois adultos podem ser beneficiados pelo mesmo órgão. Nos transplantes intervivos, há pequeno risco de complicações para o doador, sendo que a sua recuperação total ocorre em poucas semanas. Estima-se que as doações intervivos já representam 10% do total de transplantes no Brasil8 . O transplante de fígado é o procedimento mais complexo da cirurgia moderna. Seu sucesso depende de uma completa infra-estrutura hospitalar e de uma equipe multiprofissional 6 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aument. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 269- 270. 7 FÍGADO. In: Enciclopédia Microsoft Encarta, c1999, CD-ROM. 8 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007.
  • 5. 5 altamente treinada no procedimento e no acompanhamento de pacientes gravemente debilitados e já imunodeprimidos pela doença causa do transplante. Com freqüência, o transplante de fígado produz rejeição, que, para ser evitada, exige o correto uso de mecanismos de imunossupressão. Esta é obrigatória em todos os casos, mesmo naqueles pacientes que já estão com a imunidade gravemente comprometida pela doença hepática9 . 1.1 LEGISLAÇÃO VIGENTE Houve grande evolução das técnicas, resultados, variedade de órgãos transplantados e número de procedimentos realizados do início dos transplantes aos dias atuais. Porém, apenas havia regulamentações regionais, desenvolvidas informalmente quanto à inscrição de receptores, ordem de transplante, retirada de órgãos e critérios de destinação e distribuição dos órgãos captados. A Lei nº. 5.479, de 10 de agosto de 1968, posteriormente revogada pela Lei nº. 8.489 de 18 de novembro de 1992, dispunha sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêutica e científica, mas não havia, neste período, uma legislação apropriada que regulamentasse a realização de transplante. O entendimento de que os órgãos captados eram “bens públicos” levou à necessidade lógica de regulamentar a atividade, criar uma coordenação nacional para um sistema de transplantes e definir critérios claros, tecnicamente corretos, socialmente aceitáveis e justos, de destinação dos órgãos. Em 1997 foi criada a chamada Lei dos Transplantes (Lei nº. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997), cujo objetivo era dispor sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante, e o Decreto nº. 2.268, de 30 de junho de 1997 que a regulamentou, na tentativa de minimizar as distorções e até mesmo injustiças na destinação dos órgãos. Além disso, o referido decreto criou, no âmbito do Ministério da Saúde, o Sistema Nacional de Transplantes – SNT tendo como atribuição desenvolver o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retiradas do corpo humano para finalidades terapêuticas e transplantes. Ocorreu, assim, uma mudança radical, pois se passou a vivenciar 9 Ver MIES, Sérgio. Transplante de fígado. Revista da Associação Médica Brasileira. São Paulo, v.44, n. 2, abr./jun., 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 42301998000200011&lng=es&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 29 de março de 2007.
  • 6. 6 um período de transição entre a informalidade anterior e uma intensa regulamentação e implementação de controles presentes10 . A Lei 9.434/97, alterada pela Lei 10.211/01, combinada com o Decreto 2.268/97, regula os transplantes em seus diversos aspectos, destacando-se a adoção do critério cerebral para se verificar a morte e a lista única de espera para os receptores, nela constando todas as pessoas do país que aguardam qualquer tipo de transplante. Esses dois pontos são objeto de inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, havendo críticos e defensores tanto das posições adotadas quanto de soluções diversas. Acerca do critério da morte cerebral para a verificação do óbito, o qual não é objeto do presente trabalho, apenas registra-se que é apontado como passível de falhas e não é tido como definitivo, havendo outros critérios possíveis, dentre eles o da morte clínica. Quanto à definição do receptor do órgão doado, conforme ensina Lucas Rister de Sousa Lima, "o critério adotado, via de regra, é o da ordem cronológica de inscrição: aquele que primeiro se inscreve, independentemente de seu estado de saúde ser melhor ou pior do que o daquele que o precede ou sucede na lista, receberá antes a tão sonhada doação". Nesse aspecto, evidencia-se a indiferença da lei de transplantes frente ao estado de saúde dos pacientes mais graves que se encontram no final da fila única. Porém, os questionamentos gerados por esse problema passam pelo campo da bioética, eis que se referem ao direito à vida e, ao mesmo tempo, ao direito à igualdade de tratamento, ambos consagrados pela Constituição Federal. A Lei 9.434/97 adotou como critério de igualdade um dado objetivo (a antigüidade da inscrição na lista), mas a crítica sofrida aponta como outro critério que respeitaria a igualdade a observação à gravidade do estado de saúde de cada paciente, segundo a máxima "a cada um segundo suas necessidades"11 . 1.2 ALOCAÇÃO DE ÓRGÃOS A alocação de órgãos deve ser realizada de modo a tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam, segundo a clássica definição 10 SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES. Histórico. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/transplantes/integram.htm>. Acesso em: 22 de mar. 2007. 11 LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de novembro de 2006.
  • 7. 7 jurídica de Justiça. Os problemas surgem pelo fato de que a oferta de órgãos não supre as necessidades do sistema, fazendo-se necessária a escolha de critérios capazes de tratar as pessoas de maneira igualitária e garantir ao maior número possível de pacientes o direito à vida. Dentre os possíveis critérios a serem adotados para a escolha do receptor, José Roberto Goldim aponta o da ordem de inscrição, o de sorteio, o social e o de melhor prognóstico pós- operatório12 . Os órgãos removidos de doadores cadáveres pertencem à comunidade, e não à equipe de transplante. Assim, é a coletividade que delega a Instituições ou a Agências a forma de distribuição para as equipes de transplantes, exigindo a observância de princípios justos e verificáveis. Através da Legislação, das Normas Técnicas, das Resoluções das Câmaras Técnicas, entre outros, devem ser seguidas as diretrizes da Justiça Social, do Melhor Resultado Técnico, da Transparência e da Credibilidade. Mauricio Fernando de Almeida Barros alerta que os "princípios de bioética podem, em certas circunstâncias, preconizar princípios utilitários, ou seja, justificar o transplante nos menos graves por se conseguir, dessa forma, melhores resultados"13 . O problema da alocação de órgãos é eminentemente ético, uma vez que pressupõe a definição de um critério para a escolha dos receptores, ou seja, uma escolha com reflexos sobre a vida e morte das pessoas. Quem deve tomar a decisão sobre a vida e morte de humanos? Quem deve receber o órgão disponibilizado? O paciente mais urgente? O paciente inscrito na lista há mais tempo? O paciente com maior chance de sucesso? A existência desses diversos possíveis critérios de alocação faz com que sempre exista uma pessoa que se considere prejudicada pela política adotada na escolha. Devido a isso, muitas vezes, "aqueles que se vêem na iminência de ter sua vida ceifada pela moléstia que os acomete não tiveram outra alternativa, senão buscar socorro e guarida no Poder Judiciário, 12 GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos e legais dos transplantes de órgãos. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: HCPA, 1996, p. 11. Noticia, ainda, o autor acerca da discussão entre médicos americanos sobre se pacientes alcoolistas devem concorrer em igualdade de condições com os demais em transplantes de fígado, dizendo que "Moss e Siegler sugerem que devem ser priorizados os pacientes não-alcoolistas. Outros, como Cohen e colaboradores, discordam dessa posição por ser injusta, por discriminar um paciente pelo fato de ser alcoolista". 13 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set/out. de 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 de março de 2007.
  • 8. 8 onde pugnam pela burla na famigerada fila de espera"14 . Com acerto, diz José Roberto Goldim que "os transplantes constituem um dos maiores avanços para a assistência à saúde. A dificuldade é lidar, de forma eticamente adequada, com a multiplicidade de pessoas e valores envolvidos, assim como as demandas pessoais, sociais e políticas inerentes a esse tipo de procedimento"15 . Cabe ressaltar, ainda, que a lei dos transplantes rejeita a venda de órgãos, bem como considera injusta a realização de campanhas individuais para a arrecadação de órgãos para determinado receptor. No Brasil, para a realização do processo de captação e distribuição de órgãos e tecidos, foi criado um complexo de aparatos administrativos, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), integrado pelo Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal ou órgãos equivalentes, Secretarias de Saúde dos Municípios ou órgãos equivalentes, os estabelecimentos hospitalares autorizados e rede de serviços auxiliares necessários à realização de transplantes (art. 3º do Dec. 2.268/97). De forma similar ao que aconteceu nos EUA, a alocação de órgãos no Brasil passou por uma fase em que os critérios visavam a atender interesses pessoais e sem evidências científicas. Em 1997, com a justificativa de inibir a perspectiva de fraude, a Resolução SS-091 (04-07-97), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo estabeleceu o critério cronológico para todos os transplantes, à exceção de dois dentre os órgãos críticos: coração e pulmão. Para o fígado, a prioridade foi apenas concedida aos casos de hepatites fulminantes que desenvolvessem edema cerebral e para os casos de retransplantes que ocorressem precocemente após o procedimento inicial. Em 1998, o Ministério da Saúde publicou portaria, reiterando o documento elaborado em São Paulo, em nível federal, apesar da oposição de certos movimentos sociais e discussões no âmbito do Conselho Nacional de Medicina. A ordem de inscrição pode deixar de ser observada devido à distância e condição de transporte do órgão, tempo de deslocamento do receptor e urgência. A Portaria nº. 3.407/98, em seu art. 40, inciso II, estabelece duas exceções à ordem cronológica, relativamente ao 14 LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de novembro de 2006. 15 GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos da nova lei de transplantes do Brasil. In: Revista Médica da PUCRS. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 7, n. 1, jan./mar, 1997, p. 6.
  • 9. 9 fígado. Cabe ressaltar que, ocorrendo qualquer das condições clínicas de urgência para a realização de transplantes, a CNCDO deve ser comunicada para a indicação da precedência do paciente em relação à lista única, devendo essa comunicação ser reiterada e justificada, decorridas setenta e duas horas da comunicação anterior. Uma das situações que o Legislador considerou que não seria razoável exigir-se nova inscrição na lista única do paciente que sofreu complicações resultantes da operação de transplante é o retransplante, uma vez que tal sistemática, inevitavelmente, resultaria em certeza de óbito. O retransplante, conforme o art.40, inciso II, alínea “b”, deve ser feito em até 48 horas. Outra situação prevista na Portaria 3.407/98 do Ministério da Saúde, em seu art. 40, inciso II, alínea “a”, como exceção à ordem cronológica é a hepatite fulminante. Qualquer doença inflamatória do fígado é chamada, genericamente, de hepatite, seja virótica, bacteriana, parasitária, tóxica ou alcoólica. Entre as diversas formas clínico-patológicas de hepatites estão a hepatite aguda benigna (que pode ser ictérica ou anictérica); a hepatite fulminante e; a hepatite crônica (das quais há aquelas de curso mais brando e outras mais graves). 2 ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE DEMANDAS POR ÓRGÃOS PARA FINS DE TRANSPLANTE DE FÍGADO O presente capítulo pretende analisar as decisões judiciais pertinentes ao pedido de quebra da ordem cronológica proferidas antes da publicação da Portaria n.º1.160/06. Em um primeiro momento, relato as decisões que mantém o critério cronológico, bem como as analiso ao final do item. No título subseqüente, examino as que adotam a gravidade, como também, concluo e exponho as conseqüências extrajurídicas desses atos. 2.1 DECISÕES QUE ADOTAM O CRITÉRIO CRONOLÓGICO Há casos em que pacientes inscritos na lista, devido ao seu grave estado clínico, provocam o Poder Judiciário na esperança de conseguir um órgão à margem da fila única.
  • 10. 10 Baseiam seus pedidos no princípio constitucional do direito à vida. Esse título analisa as decisões que mantiveram a disposição legal, ou seja, o critério cronológico. 2.1.1 Apelação Cível n.º 70011591963 – Julgado em 07 de julho de 200516 Trata-se de apelação interposta por C. T. C. S. de sentença que indeferiu a petição inicial, julgando extinto o processo, em ação cautelar, com pedido de liminar, ajuizada contra o Secretário Estadual Da Saúde. Buscou o autor autorização judicial para que o Centro de Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre o incluísse na categoria de urgência para avançar ao primeiro lugar da lista de espera de transplante de fígado, por ser portador de hepatite C. Alegou que se encontrava na 28ª colocação na fila geral de espera e 19º lugar entre os receptores do tipo sangüíneo "O". Visava garantir o seu direito à vida através de provimento judicial, por se encontrar em situação de urgência, correndo risco de morte. Indicou como sujeito passivo da ação o Secretário de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, suposto responsável pela coordenação da lista de transplantes, possuindo o poder de permitir que o autor fosse o próximo a receber um fígado disponível e compatível, independentemente da ordem cronológica estabelecida em fila, não podendo aguardar o transplante de 18 pessoas que estão à sua frente na lista de espera. O Relator, em seu voto, considerou que o caso em análise não apresentava forma e figura de juízo, tendo sido o Judiciário procurado para resolver um “verdadeiro drama humano, de difícil solução”. Ponderou que, por mais aguçada que fosse a sensibilidade do julgador tal pedido não poderia ser acolhido. Além do vício formal apontado, razões de natureza material o impedem, não bastando o simples aditamento da inicial (proposto pela Procuradora de Justiça), eis que ausentes condições mínimas de procedibilidade. No caso em análise, para fortalecer a sua posição contrária à desconsideração do critério cronológico, o Julgador expôs irregularidades no campo procedimental, eis que a 16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito público não especificado. Processual civil. Ação cautelar. Transplante de fígado. Antecipação em lista de espera de doador. Inépcia da inicial. Falta de condições da ação e impossibilidade jurídica do pedido. Processo extinto. Decisão que se impõe confirmada. Apelação desprovida. Apelação Cível Nº. 70011591963. Apelante: C. T. C. S. Apelado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Luiz Ari Azambuja Ramos. Julgado em 7 de jul. 2005.
  • 11. 11 petição inicial apontou como sujeito passivo o Secretário Estadual da Saúde, mas este só poderia sê-lo em sede de mandado de segurança, caso fosse a autoridade coatora. No caso em tela, o real sujeito passivo deveria ter sido o Estado do Rio Grande do Sul. Ainda, sendo a medida de caráter satisfativo, equivocado o uso da ação cautelar, cuja finalidade que é a de assegurar, apenas, a utilidade da provisão final perseguida. Apesar dessas impropriedades formais, o Julgador analisou a questão material envolvida, em nome do direito à vida, por ser um bem jurídico considerado maior do que aquelas. Assim, o pedido de recolocação do paciente que aguardava em fila de espera de transplante de fígado foi considerado juridicamente impossível, eis que não caberia ao Poder Judiciário, que não tem qualquer base científica, determinar a não-observância da lista de espera. O caso foi tido como "uma questão médica de alta indagação", e a avaliação de prioridade foi confiada ao Centro de Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Ponderou o Juiz que decisão em sentido contrário colocaria em risco a vida de outras pessoas que aguardam, com a mesma aflição, a ordem cronológica estabelecida, segundo a compatibilidade dos receptadores. De certa forma, essa decisão pode ser considerada, a exemplo das demais que seguem tal entendimento, fria, por desconsiderar a possibilidade de compor, de forma diversa da prevista pela legislação, os interesses do recorrente e dos demais pacientes. Por outro lado, não se pode desconsiderar o interesse dos pacientes inscritos em lista única segundo o critério cronológico, e que não recorram ao Poder Judiciário, uma vez que têm a legítima expectativa de que ações como a ora exposta serão julgadas como improcedentes. 2.1.2 Agravo de Instrumento n.º 70013538715 – Julgado em 03 de maio de 200617 17 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde pública. Portador de cirrose criptogênica porfiria. Necessidade de transplante de fígado. Inscrição no sistema nacional de transplante. Alegação de iminente risco de vida. Alteração da ordem de inscrição. Ausência de prova imprescindível. Ônus probatório do agravante. Liminar indeferida. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão à espera de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo oficial da autoridade competente, o que inexiste no caso. Agravo não provido. Agravo de Instrumento nº. 70013538715. Agravante: A. B. R. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 3 de maio de 2006.
  • 12. 12 A decisão em análise refere-se a agravo de instrumento interposto contra a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela na declaratória ajuizada por A. B. R., contra o Estado Do Rio Grande Do Sul, que pretendia a realização de transplante de fígado em benefício do autor, assim que fosse disponibilizado um fígado compatível. O agravante alegou freqüentes dores abdominais, por vezes muito fortes, devido ao acúmulo de líquido causado por sua enfermidade, estando seu abdômen bastante "distendido/alongado". Afirmou que, se não fosse posto com urgência no topo da lista de transplantes hepáticos, correria grande risco de perder sua vida. Aduziu que o Poder Judiciário deveria enfrentar diretamente a questão, pois havia determinado que cabia à equipe médica a competência para definir qual o paciente ocuparia o primeiro lugar da fila de transplante. O Estado, nas contra-razões, sustentou que a ordem de antigüidade estabelecida em nível nacional tem por escopo garantir o princípio constitucional da igualdade, proteger a todos os pacientes que se encontram na fila e evitar o uso de critérios subjetivos, que é o objetivo da ação ora em análise. Ressaltou o problema da grande demanda por órgão, de um lado, e da pouca quantidade de doadores, de outro. Aduziu que os registros de uma equipe de acompanhamento de paciente receptor de órgão não são disponibilizados às demais, impedindo, assim, que se opine sobre os diferentes graus de gravidade da Lista Única Estadual. O relator negou provimento ao recurso, pelas mesmas razões nas quais o Desembargador Plantonista Henrique Osvaldo Poeta Roenick, baseou-se, no despacho inicial, para decidir pela improcedência da pretensão do recorrente. O referido Desembargador Plantonista indeferiu o efeito suspensivo, embora reconhecida a gravosidade do estado de saúde alegado pelo autor. Ainda que em situações análogas à do caso em tela tenha havido indicação de prioridade pela Equipe de Transplantes do Estado, e tendo isso sido demonstrado por laudos médicos, o julgador filiou-se à posição de que cabe à equipe médica da Central de Transplantes do Estado estabelecer as prioridades dos transplantes aos pacientes em espera por órgãos no Estado. Fundamentou a decisão no fato de ser “impossível” "ao Magistrado ter conhecimento preciso se a situação do agravante é mais ou menos grave daqueles que se encontram nas primeiras posições da lista de espera", devendo o caso ser avaliado por órgão habilitado a
  • 13. 13 avaliar a condição médica do candidato a receptor do fígado disponibilizado, considerando, também, os demais integrantes da lista única, podendo, se verificada a necessidade de inobservância do critério cronológico estabelecido na Lei n.º 9.434/97, decidir acerca da necessidade de realocação do recorrente. A reforma da decisão da Central de transplantes que não acolhe a orientação dos médicos responsáveis pelos transplantes no Estado, pela via judicial, exigiria imprescindível prova pericial médica, única forma de demonstrar eventual equívoco na aplicação dos critérios por aquele Órgão, e somente assim, justificar-se-ia a concessão da medida liminar. Por fim, sugeriu o julgador a propositura de ação cautelar antecipatória de prova, para que profissionais nomeados pelo Juízo pudessem garantir uma segurança ao Magistrado para interferir na ordem da lista, pois sem os devidos elementos probatórios, seria impossível ao juiz alterar a ordem da lista de espera para beneficiar o autor e decisão nesse sentido correria o risco de causar prejuízo aos pacientes que se encontravam em colocação mais vantajosa que a do agravante, e com quadro clínico até mais crítico. O Relator adotou o argumento da falta de conhecimentos científicos ao juiz que permitissem a tomada de uma decisão com tantos reflexos na vida de um grande número de pessoas. O Magistrado, ao deparar-se com tal conflito entre valores, preferiu manter-se atrelado à fórmula tradicional, a qual encontra correspondência normativa, do que inovar e priorizar um critério não previsto. 2.2 CONCLUSÕES GERAIS E CONSEQÜÊNCIAS EXTRAJURÍDICAS DAS DECISÕES QUE ADOTAM O CRITÉRIO CRONOLÓGICO É objeto da bioética a conciliação racional entre interesses conflitantes, e que muitas vezes contrapõem a Ética, a Moral e o Direito. Assim, percebe-se que as decisões nessa área serão, muitas vezes, polêmicas e difíceis de serem tomadas. No estudo da Bioética, grandes são as discussões acerca das formas de alocação de recursos escassos, além de ser uma questão urgente, da qual depende a solução de grande parcela dos problemas relacionados à matéria. Recentemente, a forma de alocação adotada por essas decisões judiciais é considerada
  • 14. 14 injusta, por demasiadamente simples, uma vez que não realiza um balanceamento entre diversos critérios (por exemplo, merecimento, necessidade, efetividade) para a escolha do receptor do órgão disponibilizado. Por essa razão, diversas foram as decisões judiciais que concederam liminarmente a realização imediata de transplantes a pacientes que, face à gravosidade de seu estado de saúde, apresentavam grande probabilidade de morte decorrente da espera pela ordem estabelecida na lista única. Destaque-se que essa orientação dos tribunais é minoritária, mas causou significativo impacto, inclusive no âmbito legislativo e normativo. Desse modo, pode-se perceber pelas decisões que o Poder Judiciário vem adotando o critério cronológico, majoritariamente, de maneira formalista e inóspita, negando constantemente tutela àqueles que buscam sua proteção nessas situações emergenciais, geralmente com a justificativa de que não seria de sua competência, mas exclusivamente dos centros de transplantes, decidir interferir em tal questão. Também é ponto comum nessas decisões o entendimento de que não é possível aferir se existem outros pacientes em piores condições que o postulante, o que poderia levar ao cometimento de injustiça com os demais pacientes da fila, os quais aguardam, com a mesma apreensão, o recebimento de um órgão. Em outras palavras, tais decisões deslocam a necessidade de discussão dos critérios de alocação de órgãos aos demais poderes do Estado, como forma de reconhecer a existência do problema, embora o indeferimento dos pedidos formulados nas ações18 . Como conseqüência da adoção do critério cronológico pela lei, e de sua manutenção pelo Poder Judiciário, pode-se apontar o fato de que mais de 60% da lista de espera é constituída por pessoas sem necessidade imediata, que foram incluídas na lista por precaução, demonstrando que alguma providência deve ser tomada. De acordo com a lista atual, esse é o critério, e chegando ao seu número de chamada, o paciente será transplantado, mesmo que os médicos saibam que ele não vai sobreviver e que estará sendo desperdiçado um órgão perfeito19 . Assim, é de conhecimento geral que muitas equipes médicas inscreveram pacientes de 18 Sobre o tema ver LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de nov. de 2006. 19 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 20 mar. 2007.
  • 15. 15 forma a simplesmente guardar um lugar na fila. Aponta-se, inclusive, que ocorrem disputas entre algumas equipes de transplantes e que também influenciam nessa questão interesses econômicos de alguns hospitais. A lista única, em março de 2002 era composta de 2.600 pessoas e devido aos abusos chegou a mais de 6.000 inscritos20 . Segundo informações extraídas do site ABC da Saúde, em 2005: (...) o Ministério da Saúde divulgou informações coletadas em diferentes centros que conferem nova feição ao problema. Mostram que 60% dos inscritos no País apresentam MELD menor do que 15, apenas 4,3% MELD maior do que 25 e 35% apresentam gravidade intermediária. Define-se assim uma distorção do critério cronológico, qual seja, a de estimular a inscrição de pacientes mais cedo na pressuposição que durante o tempo de espera a evolução da doença venha a conferir a gravidade que justifique a indicação. Além disso, merece atenção o fato que apenas 4,3% dos inscritos apresentam MELD maior do que 25, ou seja, de transplante com maior risco21 . Porém, caso fosse deslocada a discussão acerca da alocação dos fígados para que se buscassem meios de aumentar a captação, poderia haver resultados mais satisfatórios. Um sistema de captação eficiente faria desnecessário discutir os critérios de transplante, pois haveria fígados para todos. Registra-se que o transplante é pago pelo Ministério da Saúde, e passou a ser, por isso, um excelente negócio. A captação, porém, é muito mal remunerada, não havendo um incentivo para aqueles que poderiam trabalhar no aumento da captação22 . 2.3 DECISÕES QUE OBSERVAM O CRITÉRIO DA GRAVIDADE O presente tópico analisará as decisões e apontará os fundamentos que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul utilizou para afastar a incidência do critério então consagrado no plano normativo, ainda que os seguintes julgados reflitam o posicionamento minoritário da jurisprudência. 20 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 13 mar. 2007. 21 ABC DA SAÚDE. Prioridade para Transplante de Fígado. Disponível em: <http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?510>. Acesso em: 17 abr. 2007. 22 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 13 mar. 2007.
  • 16. 16 2.3.1 Agravo de Instrumento n.º 70011728524 – Julgado em 24 de agosto de 200523 A decisão em análise tem como objeto o agravo de instrumento interposto pelo Estado Do Rio Grande Do Sul contra decisão do Juízo a quo, que concedeu a antecipação da tutela, para a realização de retransplante de fígado no agravado, disponibilizando o primeiro fígado compatível ao paciente, para imediato transplante. Alegou, o agravante, que a desconsideração do critério cronológico pelo Juízo a quo fere a ordem pública, como também é ilegal e inconstitucional, ofendendo o princípio constitucional da igualdade. Aduziu que uma decisão judicial não pode quebrar as regras estabelecidas pelo sistema nacional de transplantes. Afirmou que o agravado não se encontra nas exceções para o critério cronológico previstas na Lei 9.434/97 e regulamentadas pelo Decreto 2.268/97. Sustentou que tal decisão abala a credibilidade do Sistema de Saúde do Estado, pois interfere nos critérios médicos estabelecidos, além de gerar outras ações desse tipo. Afirmou a existência de outro processo que também obteve a concessão da liminar para o transplante de fígado, possuindo o autor o mesmo tipo sangüíneo do agravado, portanto alegou ser incerta a preferência, visto que ambos estão sob cuidados da mesma equipe médica, a qual certificou serem os dois casos mais graves, no momento. Salientou também, os limites da tutela de urgência na abrangência dos atos administrativos discricionários, alegando que quando há dúvida sobre a validade do ato, há presunção de legitimidade a favor da Administração. O Desembargador plantonista concedeu efeito suspensivo ao recurso. Estabeleceu que se obedecesse a ordem cronológica, fundamentando no fato de que as decisões judiciais não podem se sobrepor aos critérios médicos para a ordem de realização de transplantes. O Des. Luiz Felipe Silveira Difini, relator do processo, votou no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento, afastando a decisão que concedeu prioridade para a realização de transplante de fígado ao agravado. Verificou o Magistrado, no presente caso, a ocorrência de um conflito de princípios, no qual um deles deveria prevalecer. Considerou que, 23 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 1ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Direito à saúde. Transplante de órgão (fígado). Caso de retransplante. Não pode o judiciário, dentre os casos de urgência máxima, determinar que o primeiro órgão compatível seja transplantado neste ou naquele paciente. No entanto, pode, e deve, se houver prova técnica, classificar o caso como de urgência máxima, devendo como tal ser considerado pela equipe médica, porque em tal hipótese estará a ocorrer violação a direito subjetivo. exegese do art. 5. º, XXXV, DA CF. Agravo parcialmente provido por maioria. Voto vencido do relator. Agravo de Instrumento nº. 70011728524. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: R. V. L. Relator: Des. Luiz Felipe Silveira Difini. Julgado em 24 de ago. de 2005.
  • 17. 17 embora seja o direito à vida um princípio supremo, este está sujeito a relativização no caso concreto. O agravado, paciente inscrito na lista única de transplantes, apoiou-se nesse princípio para postular a realização da cirurgia em desacordo com o critério cronológico estabelecido, diante da gravidade de seu estado de saúde. O Estado, atuando em nome dos outros pacientes constantes da lista de espera e do respeito à ordem legal e médica estabelecida pelo Sistema Nacional de Transplantes, interpôs o recurso ora em análise. A Procuradora de Justiça salientou, no seu parecer, que o agravado já havia se submetido a transplante de fígado, em 2003, o qual não apresentou resultado positivo, necessitando de novo transplante em março de 2005. Constatou-se por laudos médicos, que a não realização da cirurgia dentro do período de três meses, levaria a uma considerável diminuição das chances de sobrevida. As informações prestadas pela Coordenadoria da Central de Transplantes da Secretaria Estadual da Saúde deram conta de que não se pode comparar a situação do agravado com a de outros pacientes que esperam na lista pela realização do transplante, pois uma equipe médica não possui acesso aos registros de outra. O julgador considerou que o laudo médico firmado pelo Dr. Ajacio Bandeira de Mello Brandão, noticiando a gravidade da situação do autor, não era suficiente para que fosse determinada a quebra da ordem da lista de espera. Ponderou o juiz que o referido médico havia atestado, também, a grave situação de outro paciente, o qual obteve o deferimento da liminar em ação por ele proposta, concluindo não haver possibilidade de um médico atestar que seu paciente possui quadro clínico mais grave do que os outros de outras equipes médicas. Ainda, observou-se que o fato de o agravado correr perigo de vida não o diferenciava dos demais pacientes que se encontravam na mesma lista de espera. Referiu o juiz que o artigo 24, §4º e §5º do Decreto n. 2.268/97, que regulamenta a Lei n. 9.434/97 dispõe que: Art. 24. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só será autorizada após a realização, no doador, de todos os testes para diagnóstico de infecções e afecções, principalmente em relação ao sangue, observando-se, quanto a este, inclusive os exigidos na triagem para doação, segundo dispõem a Lei nº. 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder Executivo. §4º. A CNCDO, em face das informações que lhe serão passadas pela equipe de retirada, indicará a destinação dos tecidos, órgãos e partes removidos, em estrita
  • 18. 18 observância à ordem de receptores inscritos, com compatibilidade para recebê-los. §5º. A ordem de inscrição, prevista no parágrafo anterior, poderá deixar de ser observada, se, em razão da distância e das condições de transporte, o tempo estimado de deslocamento do receptor selecionado tornar inviável o transplante de tecidos, órgãos ou partes retirados ou se deles necessitar quem se encontre em iminência de óbito, segundo avaliação da CNCDO, observados os critérios estabelecidos pelo órgão central do SNT. O agravado não se encontrava na hipótese de hepatite fulminante ou retransplante num prazo de 48 horas após falha do primeiro transplante, e seu cadastro de receptor de fígado do Sistema Nacional de Transplantes, não foi realizado como necessitando de “Urgência Máxima”. Dessa forma, não caberia ao Poder Judiciário decidir acerca da prioridade médica dos pacientes que aguardam transplantes, cabendo à equipe médica da Central de Transplantes do Estado, de acordo com as regras do Sistema Nacional de Transplantes, decidir qual paciente deverá ser transplantado, pois este órgão detém os conhecimentos científicos necessários para tanto. O Des. Irineu Mariani, presidente e redator, ao contrário do voto do relator, manifestou-se pelo parcial provimento ao agravo de instrumento, mantendo em parte a decisão recorrida. Inicialmente, ressaltou que casos envolvendo questões de saúde são delicados, sendo o presente caso uma situação extrema. Referiu o magistrado sua experiência durante um Plantão Judiciário, em que pôde (...) notar de perto a profunda angústia do paciente e dos familiares, casualmente também num caso de transplante de fígado. Foi uma tensão que atravessou a noite. Enquanto o órgão era transportado, durante a noite, do interior do Estado para a Capital, aqui acontecia uma guerra no Judiciário quanto a quem devia ser o receptor (...). Baseando-se no que fora decidido no Agravo de Instrumento nº. 70009039637, apontou que cabe ao Judiciário, com base em prova técnica, corrigir um erro de classificação de paciente considerado sem urgência para enquadrá-lo como tendo urgência, pois então estaria ocorrendo lesão a direito subjetivo. O limite à atuação do Judiciário, nos termos do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, nos casos semelhantes ao ora em análise seria a apreciação da existência ou não de urgência do estado de saúde do paciente, não sendo possível ao juiz, determinar, dentre os casos urgentes, qual será o beneficiado. No campo da escolha médica, a interferência do Judiciário somente caberia havendo evidência da não adoção de critério técnico, mas sim subjetivo, na escolha do paciente, ensejando favorecimento, não sendo essa a hipótese do processo em exame. O desembargador
  • 19. 19 acolheu a existência de prova técnica apta a classificar o agravado como merecedor de urgência máxima, destacando, ainda, tratar-se de retransplante. Destacou-se que o receptor não pode ser enviado para o final da lista de espera, se houver ocorrido algum problema, o órgão transplantado, independentemente do motivo, registrando que é bastante curto o prazo legal, uma vez que não abrangeria sequer o período de internação hospitalar. Adotou, assim, o magistrado, o critério da gravidade, e não do tempo decorrido após o transplante sem sucesso. Registrou que, infelizmente, não caberia ao Judiciário determinar que o primeiro órgão compatível seja transplantado no agravado, cabendo tal escolha, dentre os casos de urgência máxima, à equipe médica. Manteve a classificação de urgência máxima, porém, reformou a decisão recorrida, ao entender que vai além daquilo que compete ao Judiciário determinar seja o recorrido o primeiro da lista, pois dentre os casos com tal classificação todos os pacientes estariam sujeitos aos mesmos riscos, tendo, portanto, o mesmo direito. O Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal acompanhou integralmente o voto do presidente. 2.3.2 Agravo de Instrumento n.º 70013676044 – Julgado em 26 de janeiro de 200624 O agravo de instrumento em análise refere-se à decisão que acolheu o pedido de reconsideração interposto pelo Estado Do Rio Grande Do Sul, ora agravado, revogando a tutela antecipada concedida em parte, a qual estabeleceu prioridade na lista de receptores de fígado para a agravante. Alegou ser grave o seu estado de saúde, comprovando-se pelos documentos juntados. Salientou que há maior aplicação do critério cronológico pela jurisprudência, ao invés da avaliação médica acerca da gravidade do estado de saúde do paciente. Requereu a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e o seu provimento, cassando a decisão agrava, argumentando que a sua manutenção implicaria na morte da agravante. Recebido o recurso, não foi concedido o efeito suspensivo ao mesmo. A agravante 24 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito público não especificado. Paciente portadora de cirrose hepática que necessita realizar transplante. Prioridade. Critério híbrido adotado. A agravante encontra-se na lista única de transplante de fígado, buscando afastar o critério cronológico em virtude do risco iminente de morte. A análise clínica da agravante, assim como dos demais pacientes classificados como de prioridade máxima da lista única, procedida por médico da secretaria estadual da saúde, deverá ser adotada para, se necessário, abandonar o critério cronológico legalmente previsto. Agravo parcialmente provido, por maioria. Agravo de Instrumento nº. 70013676044. Agravante: M. M. P. D. F. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco. Julgado em 26 de jan. de 2006.
  • 20. 20 teve indeferido o seu pedido de reconsideração. Reiterado, foi reconsiderado parcialmente pelo Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco e, reconhecendo a urgência máxima do caso da agravante. O agravado, em resposta, alegou que a pretensão da agravante era de caráter ilegal e inconstitucional, bem como, exprimia grave lesão à ordem pública, afrontando, dessa forma, o princípio constitucional da igualdade. Sustentou que as regras vigentes para a realização de transplante de fígado deveriam ser respeitadas, considerando-se que todos os pacientes que estão inscritos na lista única se encontram em grave estado de saúde, portanto, não poderia a autora desconsiderar a lei. Suscitou, também, o princípio da legalidade, no que tange a justificativa aferida a casos semelhantes e com risco de morte, que são apresentados junto à Central de Transplantes, a fim de se determinar a preferência para receber o órgão, aduziu ser tal critério inseguro. Referiu-se também, aos limites da tutela antecipada no tocante ao controle dos atos administrativos, os quais gozam de presunção de legitimidade. Por fim, pediu o improvimento do recurso. A agravante requereu a concessão da tutela antecipada pleiteada, como também, informou que a Central de Transplantes descumpriu a determinação judicial que nomeou como árbitro o Dr. Carlos Francesconi. O Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco, relator do processo, votou no sentido de dar parcial provimento ao agravo de instrumento. Reiterou que a agravante possuía cirrose, contraída pelo vírus da Hepatite C, diagnosticada em 2004, desenvolvendo infecções nos membros inferiores comprometendo as funções hepática e renal. Devido a isso pleiteia a preferência para receber o órgão, e a antecipação da tutela. Ressalta que a mesma foi revogada, pois o agravado postulou pedido de reconsideração, situação que o recurso em análise pretendia modificar. O relator adotou um “critério híbrido”, ao reconsiderar parcialmente o pedido da agravante. Na sua opinião, em alguns casos, esse critério, deveria prevalecer em detrimento do cronológico. Como também, para o magistrado, "a aplicação do direito fundamental à vida no caso concreto se sobrepõe a qualquer outro, podendo em determinadas situações afastar o critério legal ou cronológico estabelecido pelo administrador". Quanto ao elevado risco de óbito, acreditou ser necessário o enquadramento da agravante na hipótese de urgência
  • 21. 21 máxima, rebatendo o argumento de que tal característica é inerente aos pacientes inscritos na lista de espera. Criticou o método adotado pelo administrador, quanto a sua viabilidade, segundo o magistrado, tal critério além de não ser justo, divide o julgador entre a "pretensão de resguardar o direito à vida buscado pelo jurisdicionado e as dificuldades técnicas do sistema de transplantes adotado pela Secretaria Estadual da Saúde, estas últimas mascaradas por estudos de que eticamente o critério cronológico é o mais adequado". Citou, ainda, outras insuficiências como a falta de recursos humanos e técnicos, que impossibilita a interligação entre os cinco centros gaúchos de transplante hepático. Contudo, tal situação não poderia procrastinar pacientes em estado mais grave, até a ocorrência de seus óbitos, em detrimento dos demais inscritos, os quais possuem menor risco de morte, e que estão prioritariamente colocados na lista de espera, em conformidade com o critério cronológico. Tais deficiências técnicas são percebidas quando ocorre necessidade de comparar o estado clínico de pacientes de diferentes centros, pois, não há integração das informações entre os centros, o que impede que o médico de um centro possa avaliar a condição de um paciente de outro. O relator, ao se referir às dificuldades médicas e burocráticas, expostas pelo agravado e pelas equipes médicas explanou que (...) estão longe de ser resolvidos pela Secretaria Estadual da Saúde, enquanto que chegam ao Poder Judiciário a pretensão de pacientes que se encontram em risco iminente de morte e são classificados como de máxima urgência pelos próprios médicos responsáveis pelas equipes de transplantes, especialmente o da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Aliás, em recente debate interdisciplinar promovido pela AJURIS – Escola Superior da Magistratura no dia 16DEZ05 devido à polêmica estabelecida em torno do fornecimento de medicamentos, vagas em hospitais e realização de exames e transplantes pelo SUS após artigo de autoria do Dr. Eliseu Paglioli Neto publicado no dia 16NOV05, no jornal Zero Hora, que contou com a presença de representantes da Secretaria da Saúde, da PGE, do MP e do Poder Judiciário, o Dr. Carlos Francescone, médico debatedor, afirmou categoricamente que os resultados de exames médicos realizados em pacientes com doenças hepáticas podem ser manipulados através de medicação, pondo em cheque a credibilidade dos diagnósticos desses pacientes e os critérios de gravidade estabelecidos por comparativo. Apontou, também, que os pacientes que se utilizam do Poder Judiciário recebem tratamento diferenciado, devido aos diferentes entendimentos das Câmaras. Citou o Agravo de Instrumento nº. 70011725561, dessa Câmara, no qual foi deferido o efeito suspensivo em favor do Estado, observando o critério cronológico. Como também, a Primeira Câmara Cível reconheceu a urgência máxima pleiteada por R. V. L., que faleceu após o provimento parcial
  • 22. 22 do Agravo de Instrumento nº. 70011728524, anteriormente analisado no item 2.3.1, deste trabalho. Concluiu o relator que (...) não há, portanto, a certeza de que o paciente que alcança o provimento judicial não venha a falecer antes mesmo de ser efetivada a medida judicial e realizado o transplante, assim como aquele que não obtenha decisão favorável consiga manter- se vivo aguardando a lista única (...). O magistrado defendeu a implementação de um sistema híbrido, que busca um equilíbrio entre a ordem cronológica imposta pela lista única e a avaliação médica. Acredita ser a melhor solução para afastar a mortalidade dos pacientes que esperam por um órgão. Levou em consideração a instabilidade do quadro clínico apresentado pelos pacientes, e a incerteza na indicação de urgência que, nos casos com grande probabilidade de óbito, se socorrem do Poder Judiciário. Nesse sistema, há troca de informações entre as equipes médicas, bem como, atualização da lista de pacientes com prioridade máxima para que se possa saber quem deverá receber o próximo órgão a ser doado. Visando à comunicação entre os chefes das cinco equipes médicas, o relator nomeou o Dr. Paulo Dornelles Picon, médico integrante da Secretaria Estadual da Saúde, para realizar a comunicação entre os órgãos receptores de fígado do Estado. Com essa medida pretendeu evitar que um paciente com grave estado de saúde e entre os primeiros lugares da lista deixasse de receber o fígado já em mesa de cirurgia, como afirmou já ter acontecido, conforme relatado por médico cirurgião, em prejuízo de paciente cuja prioridade máxima fora reconhecida judicialmente. O Poder Judiciário, conforme aludido pelo magistrado, seria desprovido de condições para proceder à classificação dos pacientes que pleiteiam urgência na realização do transplante. Além disso, o Poder Executivo, composto de equipes médicas e unidades receptoras de órgãos, submetidas à lista única e vinculadas à Secretaria Estadual da Saúde, não poderia deixar de assistir os casos mais urgentes, determinando que o Dr. Paulo Dornelles Picon avaliasse a agravante, bem como a sua prioridade dentre os demais pacientes inscritos na lista única, reconhecendo, desde logo, a sua prioridade. A Desembargadora Matilde Chabar Maia votou no sentido de negar provimento ao agravo de instrumento. Observou que a situação da autora era muito grave, mas destacou que era incontroverso o seu não-enquadramento nos critérios do SNT para a priorização de
  • 23. 23 pacientes em lista de espera para transplante de fígado determinados. Considerou que todos aqueles que ingressam na lista de espera para transplante têm estado de saúde grave, com iminente risco de óbito. Sustentou que a melhor maneira de se garantir a isonomia diante da grande demanda por órgãos e pequena quantidade de doadores foi a adoção do critério único e legal que é a ordem cronológica de inscrição na lista de espera. Não teria o Poder Judiciário bases científicas para determinar a não observância da lista de espera. Utilizou-se das ponderações do médico Dr. Carlos Francesconi, professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da UFRGS e PUCRS, coordenador do Programa de Atenção aos Problemas de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, indicado pelo Relator para servir de árbitro no reconhecimento da urgência máxima para o caso da agravante. Somente assim, poderia ter a certeza de que o quadro clínico da agravante é mais grave que os demais pacientes da lista das cinco equipes credenciadas para transplantes de fígado no Estado do Rio Grande do Sul. Devido a esse fato que a Lei nº. 9.434/97, o Decreto nº. 2.268/97 e a Portaria nº. 3.407/98 do SNT estabeleceram critérios para a priorização de pacientes em lista de espera para transplante de fígado e determinados pelo Sistema Nacional de Transplantes: situações de hepatite fulminantes ou a necessidade de um retransplante por não funcionamento primário de enxerto, em um período de até 48 horas após a realização do primeiro transplante, não sendo nenhuma desses o caso da agravante. A Desembargadora fundamentou sua decisão optando pelo critério cronológico, seguindo os argumentos referidos pelo agravado, defendendo que: (...) presentemente, inexiste melhor critério de avaliação no sistema vigente, dentro das circunstâncias dadas a conhecer e a violação desses critérios estabelecidos atingirá os princípios de organização do próprio sistema jurídico vigente, em especial, os previstos nos artigos 196 e 198 da CF, bem como da Lei 8.080/90, incisos II, IX, ‘a’ e ‘b’, e XIII (...). Entendeu, na senda do parecer do Ministério Público, que a discussão jurídica não se trata de simples conflito entre o direito fundamental à vida e o direito à igualdade de tratamento, mas sim um conflito entre direitos fundamentais da mesma ordem e grandeza: o direito à vida da recorrente e o dos demais pacientes que também aguardam na lista única de espera por um fígado compatível para transplante, pelo que negou provimento ao recurso.
  • 24. 24 O Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, presidente, apontou, inicialmente que se trata de “questão tormentosa e aflitiva”, por colocar em conflito o direito à vida e o direito à igualdade. Seguindo o voto do relator, expressou sua opção pelo primeiro, embora temperado pelo segundo, de modo a não desprezá-lo por completo. Ponderou que, mesmo diante da impossibilidade de o Judiciário estabelecer uma prioridade no plano apenas jurídico, por falta de conhecimentos científicos, não se pode seguir somente o critério objetivo da ordem numérica de inscrição ao transplante, devendo a preferência, nos limites do possível, ter como primazia a absoluta necessidade. Considerou que a adoção de uma alternativa intermediária é a melhor solução, não desprezando o paciente que recorre ao Poder Judiciário, mas também não o priorizando em detrimento dos demais necessitados inscritos na lista. Aumenta-se o risco de morte da paciente, caso seja negado o reconhecimento da urgência, ou se lhe conferir imediatamente o direito almejado, de maneira temerária, diante dos demais enfermos, pelo que decide prover parcialmente o agravo de instrumento. Por maioria, o agravo de instrumento foi parcialmente provido. 2.4 CONCLUSÕES GERAIS E CONSEQÜÊNCIAS EXTRAJURÍDICAS DAS DECISÕES QUE ADOTAM O CRITÉRIO DA GRAVOSIDADE. Aqueles que defendem a utilização do critério cronológico apontam a possível influência de análises predominantemente subjetivas na avaliação da gravidade e no pior resultado previsto nos transplantes em pacientes mais graves. Alegam que, sendo dever do médico defender os interesses de seu paciente em qualquer circunstância, podem ocorrer distorções subjetivas de difícil identificação, uma vez que, no Brasil, pacientes inscritos na mesma lista de espera podem ser operados por várias equipes de transplantes, que apenas têm em comum o credenciamento no Ministério da Saúde. Assim, tendo cada equipe sua própria interpretação sobre a gravidade dos seus pacientes, o risco de subjetividade é muito elevado. Tais decisões podem ser vistas como atentatórias à segurança jurídica e ordem pública, afrontando, dessa forma, o princípio constitucional da igualdade. Aqueles que defendem não poder-se desconsiderar o interesse dos pacientes inscritos em lista única segundo o critério cronológico que não recorrem ao Poder Judiciário, apontam que estes teriam a legítima
  • 25. 25 expectativa de tais ações como fossem julgadas improcedentes. Desse modo, não se pode deixar de considerar o conflito gerado entre o interesse coletivo e o interesse individual por decisões que deferem a burla à lista única. Isso porque há um paciente com expectativa alimentada durante muito tempo de ser o próximo receptor do órgão necessitado, ao passo que outro indivíduo, com estado clínico de maior urgência, reconhecida judicialmente, impede que a operação se realize. Nessa situação, o paciente que teria direito ao órgão pelo critério cronológico representa o interesse coletivo, social, de todos aqueles que aguardam um transplante na lista única cronológica. Questiona-se se o precedente gerado por decisão nesse sentido poderia levar a uma desorganização generalizada na ordem de realização dos transplantes, buscando todos os pacientes necessitados garantir a sua operação pela via judicial. Portanto, poder-se-ia gerar grave violação à segurança jurídica, o que desestabilizaria completamente o sistema. Segurança relaciona-se com estabilidade, no sentido da não sujeição a quaisquer riscos, perigos, aproximando-se, também, da noção de seguridade. Na definição de De Plácido e Silva, segurança do direito é “o estado de seguridade, ou de garantia legal, que se atribui a um direito, para que possa o respectivo titular exercitá-lo, ou se utilizar das ações respectivas, quando seja molestado nele”25 . Se, por um lado, a falta de informações atualizadas sobre a estrutura do SNT dificulta uma análise mais aprofundada da gestão dos transplantes no país, por outro, sabe-se que 60% das pessoas presentes na lista única não precisam com urgência da intervenção cirúrgica26 , sendo este um dado que comprova a ineficiência da sistemática então vigente. A importância das decisões jurisprudenciais que negaram a aplicação do critério cronológico reside no fato de terem reconhecido a necessidade de ser adotada uma alternativa a fim de garantir ao maior número de pacientes o pleno exercício do direito à vida. As decisões judiciais que reconheceram o critério da gravosidade, a exemplo das aqui expostas no âmbito do Tribunal de Justiça de nosso estado, estimularam a publicação da Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde, que representa o reconhecimento normativo do 25 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 25. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1267. 26 RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37, mar. 2007.
  • 26. 26 critério da gravosidade para transplantes de fígado. Isso pode levar a uma ampla reflexão sobre o tema dos critérios para a escolha de receptores dos demais órgãos e, a longo prazo, à consagração da gravidade do estado de saúde do doente como fator determinante da sua posição na lista. 3 PORTARIA 1.160/06 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE: A ADOÇÃO DO CRITÉRIO DA GRAVIDADE COMO REFLEXO DAS TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS EXPOSTAS A Portaria 1.160, publicada pelo Ministério da Saúde em 29 de maio de 2006, modificou os critérios de distribuição de fígado de doadores cadáveres, implantando o critério da gravidade de estado clínico do paciente. 3.1 A INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO CRONOLÓGICO A adoção, pelo Ministério da Saúde, do critério cronológico para a realização de transplantes elevou o índice de mortalidade em lista de espera, que já atingia a altíssima marca de 40% na população de candidatos a receptores, e que passou a ter crescimento exponencial, condenando sumariamente ao óbito todo paciente portador de doença hepática subaguda ou crônica em fase avançada de qualquer etiologia que necessitasse de um órgão para sobreviver. Dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo entre 1997 e 2001 revelaram que mais de 80% dos pacientes que morrem na lista o fazem antes mesmo de completar um ano de sua inscrição27 . Criou-se uma injustiça social absurda, inédita no país, ferindo a ética médica, a justiça distributiva e os direitos humanos, pois se negou qualquer chance de vida aos pacientes mais graves. Nos termos anteriormente expostos, há uma idéia de que os órgãos humanos pertencem à sociedade, e cabe a ela, baseada em princípios altruísticos e segundo a justiça distributiva e eqüidade, nortear e fiscalizar os critérios de sua alocação, promovendo a doação 27 RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37, mar. 2007.
  • 27. 27 e estimulando a captação28 . A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença, de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme o disposto no artigo 196 da Constituição Federal. A igualdade distributiva ou eqüidade leva a concluir que todo brasileiro deveria, em tese, ter o mesmo direito em qualquer parte do território nacional, e, na prática, esse critério permite que quem tenha recursos para se estabelecer temporariamente numa cidade distante pode procurar centros menores, onde conseguirá ser transplantado em menor prazo29 . A Igreja Católica manifestou-se sobre o tema, sustentando que, a alocação de órgãos doados não deve, sob qualquer pretexto, ter caráter discriminador ou utilitário, mas sim fundar-se em fatores clínicos e imunológicos. Agindo-se de outro modo, o critério seria arbitrário e subjetivo, e fracassaria ao não reconhecer o valor intrínseco de cada pessoa como tal, um valor que é independente de circunstâncias externas30 . Hoel Sette Júnior e outros autores, em estudo dedicado ao tema, referem que a adoção do critério exclusivamente cronológico, em detrimento da gravidade do estado clínico do paciente, leva a altos índices de mortalidade nas listas de espera. Além disso, com o decorrer do tempo, passou-se a transplantar muitos pacientes sem elevada gravidade, e não aqueles que necessitavam urgentemente do órgão para sobreviver. Esse fato é agravado, ainda mais, pela inexistência de critérios mínimos para a listagem dos pacientes no sistema anterior. Naquele sistema, não existindo critério mínimo para inscrição na lista, havia tendência e, mesmo, estímulo, para que pacientes ainda sem indicação, se inscrevessem, na esperança de que, quando seu estado de saúde se agravasse, estivessem próximos da realização do transplante. Ainda, previa-se o critério de urgência médica para transplante hepático somente nos casos de hepatites fulminantes, que representam pouquíssimos dos casos de transplantes hepáticos, e o retransplante nas primeiras 48 horas. 28 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out. de 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 29 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de fígado: as controvérsias sobre os critérios de alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out., 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 30 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out. de 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
  • 28. 28 Seguem os autores expondo que, na prática, pacientes graves que fossem incluídos em lista não teriam qualquer chance de receber o órgão. O sistema anterior ignorava a opinião do médico em decisões que são, por sua natureza, exclusivamente médicas. Não eram beneficiados os doentes graves, que, em última análise, são os que mais urgentemente precisavam do transplante. Somente os menos graves suportavam o longo tempo de fila. Os mais graves morriam na espera, eximindo-se o serviço de transplante da responsabilidade pela não realização ou insucesso do procedimento, já que tal responsabilidade poderia ser atribuída à lei. Ainda, constatam que, no período em que a distribuição de fígados para transplante no estado de São Paulo era feita por rodízio entre as equipes médicas, a mortalidade na lista de espera era significativamente menor, pois as diversas equipes podiam adotar medida própria para a prioridade, sendo que diversas delas utilizavam o critério médico da gravidade do estado de saúde do receptor31 . Defende-se, então, um critério que confira prioridade a pacientes mais graves, conforme avaliação pela equipe responsável, pois com menos tempo de sobrevida, correm maior risco de não serem transplantados em tempo32 . É necessário que se adote um critério em conformidade com a ética e com o princípio constitucional de igualdade entre os pacientes. Registre-se que o critério da gravidade, por vezes criticado pelo fato de não respeitar uma igualdade objetiva, visa a alcançar uma igualdade baseada na comparação entre os estados de saúde dos pacientes, frisando-se que o tempo de espera em lista, ainda que mais objetivo, não é o único critério possível para se chegar à igualdade. Vale lembrar a teoria tridimensional do Direito, pela qual o fenômeno jurídico compreende três elementos em constante interação: um aspecto fático, que pode ser um fato econômico, geográfico, demográfico, técnico, etc.; um valor, que confere determinada significação ao fato e indica a finalidade atrelada; e, a norma, que representa a medida de integração entre fato e valor. Miguel Reale observa ser incabível compreender “norma 31 SETTE JÚNIOR, Hoel et al. Transplante hepático: política de captação, alocação e distribuição de órgãos no Brasil. GED, vol. 19, n.º 1, jan./fev., 2000. Disponível em: <http://www.fbg.org.br/publicacoes/ged.php3# >. Acesso em: 27 de abr. de 2007. 32 SCHIFF, E.R.; SORREL, M.F.; MADDREY, W.C. (eds.). Diseases of the liver. Philadelphia: Lippincott- Raven, 1999, vol. 2, p. 1589-1615 apud SETTE JÚNIOR, Hoel et al. Transplante hepático: política de captação, alocação e distribuição de órgãos no Brasil. GED, vol. 19, n.º1, jan./fev., 2000. Disponível em: <http://www.fbg.org.br/publicacoes/ged.php3# >. Acesso em: 27 de abr. de 2007.
  • 29. 29 desligada da realidade social, visto como norma jurídica é sempre uma abstração que corresponde a uma realidade concreta, ou, mais precisamente, a norma jurídica não tem sentido desligada das exigências fáticas, que ela supera e integra em dimensão axiológica necessária”33 . Assim, o ato de julgar não obedece a meras exigências lógico-formais, implicando sempre apreciações valorativas dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei. Destaque-se que os fatos, normas e valores que integram o Direito inserem-se num ordenamento historicamente posicionado, reclamando uma interpretação condigna com relação ao espaço e tempo respectivos. Não raro a valoração realizada pelo Judiciário influencia a elaboração de normas jurídicas. Isso se deve ao fato de ser a jurisprudência mais dinâmica que a elaboração das normas, e, no caso da mudança do critério para a fila dos transplantes de fígado, aquela reconheceu antes da existência de previsão normativa a insuficiência do critério cronológico. 3.2 ASPECTOS DO CRITÉRIO DA GRAVIDADE INTITUÍDO PELA PORTARIA 1.160/06 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Baseada no modelo da United Network for Organ Sharing (UNOS), entidade norte- americana cujo papel é semelhante ao do nosso Sistema Nacional de Transplante (SNT), publicou-se a Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde que estabelece dois índices para se apurar a gravosidade. Através de exames realizados periodicamente são obtidos os dados para se calcular o Model for End-stage Liver Disease (MELD) e o Pediatric End-stage Liver Disease (PELD), que passamos a analisar a seguir34 . O Model for End-stage Liver Disease (MELD) se caracteriza por ser um valor numérico com variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem crescente da escala. É utilizado para transformar em números a urgência de transplante de fígado em candidatos com idade a partir de 12 anos, inclusive. O índice estima o risco de 33 REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 155. 34 Ver GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. No referido endereço, refere-se que, nos EUA, a utilização dos índices MELD/PELD para mesurar o critério da gravidade é vigente desde fevereiro de 2002.
  • 30. 30 óbito se o paciente não realizar o transplante nos próximos três meses. Para se apurar o valor MELD é necessário o resultado de três exames laboratoriais de rotina: bilirrubina total, que mede a eficiência do fígado em excretar bile; dosagens séricas de creatinina, uma medida da função renal; e determinação do RNI (Relação Normalizada Internacional), que é uma medida da atividade da protombina, a qual mede a função do fígado de produção de fatores de coagulação35 . O Pediatric End-stage Liver Disease (PELD) é similar ao MELD, entretanto aplica-se para crianças com idade inferior a 12 anos, e utiliza exames laboratoriais, como: valor de bilirrubina, que mede a eficiência do fígado em excretar bile; valor de albumina, o qual mede a habilidade do fígado em manter a nutrição; e valor de RNI, que visa medir a atividade da protombina, e consequentemente a função hepática de fatores responsáveis pela coagulação36 . 3.3 A FORMAÇÃO DA LISTA ÚNICA PELO CRITÉRIO DA GRAVIDADE A PARTIR DOS ÍNDICES MELD E PELD Para se efetivar a inscrição do paciente na lista única é necessário que este possua valor mínimo de MELD 6. Para o índice PELD, não há pontuação mínima, todavia, os valores inferiores a 1 serão arredondados para PELD equivalente a 1. Calcula-se que, em novembro de 2004, aproximadamente 61 % dos pacientes inscritos não deveriam estar na lista, pois possuíam MELD inferior a 15 e, não tinham necessidade de um transplante. No Rio de Janeiro, 74% dos pacientes estavam inscritos desnecessariamente na lista37 . Conforme o Anexo I da Portaria 1.160/06, a distribuição de fígados de doadores cadáveres para transplante deverá considerar três critérios: compatibilidade/identidade 35 O anexo II da Portaria 1.160/06 estabelece a fórmula do MELD = 10 x [0,957 x Loge (creatinina mg/dl) + 0,378 x Loge (bilirrubina mg/dl) + 1,120 x Loge (INR) + 0,643] arredonda-se o valor obtido para o número inteiro mais próximo. Caso os valores de laboratório sejam menores que 1, arredonda-se para 1,0; a creatinina poderá ter valor máximo de 4,0, caso seja maior que 4,0 considera-se 4,0; se o paciente realizar diálise mais de duas vezes por semana, o valor da creatinina considera-se, também, igual a 4,0. 36 Fórmula de cálculo do PELD = 10 x [0,480 x Loge (bilirrubina mg/dl) + 1,857 x Loge (INR) - 0,687 x Loge (albumina mg/dl) + 0,436 se o paciente tiver até 24 meses de vida + 0,667 se o paciente tiver déficit de crescimento menor - 2]. Se os valores de laboratório forem menores que 1, arredonda-se para 1,0; o cálculo do valor do déficit de crescimento baseia-se no gênero, peso e altura do paciente; ajusta-se o PELD para harmonização com o MELD multiplicando-se por 3 e arredondando o resultado para valor inteiro. 37 Sobre o tema, ver a tabela: GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Situação do Transplante Hepático no Brasil. Disponível em <http://www.hepato.com/materias/Meld_classificação_dos_pacientes_Brasil.pdf>. Acesso em: 20 de abr. de 2007.
  • 31. 31 sangüínea, compatibilidade anatômica e por faixa etária e urgência. Exclui-se à compatibilidade/identidade ABO, entre doador e receptor, os casos de receptores do grupo sangüíneo B com índice MELD igual ou maior que 30, os quais concorrerão, também, aos órgãos de doadores do grupo O. Ocorre a priorização de pacientes nos casos de urgência, gravidade clínica (MELD/PELD) e em algumas situações especiais elencadas no Anexo I da referida Portaria. Consideram-se critérios de urgência a insuficiência hepática aguda grave, o não- funcionamento primário do enxerto notificado à CNCDO em até 7 dias, após a data do transplante38 ; trombose de artéria hepática notificada à CNCDO em até sete dias, após a data do transplante, podendo prorrogar-se a classificação por mais sete dias39 ; pacientes anepáticos por trauma; e pacientes anepáticos por não funcionamento primário do enxerto. Os casos classificados como de gravidade clínica utilizam os índices MELD/PELD, priorizam os pacientes com maior pontuação e levam em consideração o tempo de espera na lista40 . As situações especiais para pacientes adultos (assim considerados os doentes maiores de 12 anos), listadas no ponto 2.2, do Anexo II, da Portaria, recebem valor MELD igual a 20. Caso o paciente cujo diagnóstico se enquadre nessas situações não seja transplantado em 3 meses, a sua pontuação passará, automaticamente, para MELD 24, e, se decorrer o prazo de 6 meses, tal índice passará a ter o valor de 29. No caso de crianças (até 12 anos) o PELD passará a ter o valor correspondente a 30, nas situações descritas no ponto 3.2, do Anexo II, da Portaria. Caso não ocorra o transplante em 30 dias, a pontuação do paciente será ajustada para PELD equivalente a 35. O critério da gravidade, assim como qualquer outro, poderá ser auditado pela Câmara Técnica Nacional de Transplante de Fígado que poderá ser convocada em qualquer momento 38 Essa classificação poderá ser prorrogada por mais 7 dias. Caso não ocorra o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e permanece com o último valor de MELD, observando-se a periodicidade do exame. 39 Se não ocorrer o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e assume um MELD equivalente a 40. 40 A Portaria objeto deste capítulo considera para candidatos a receptor com idade igual ou superior a 12 anos (MELD) a pontuação a ser considerada = (cálculo do MELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera (data atual - data de inscrição em lista, em dias)); Para candidatos a receptor com idade menor de 12 anos (PELD) a pontuação a ser considerada = (cálculo do PELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera data atual - data de inscrição em lista, em dias). O valor do PELD será multiplicado por três para efeito de harmonização com os valores MELD, pois a lista é única, tanto para crianças quanto para adultos. Este valor de PELD se chamará "PELD ajustado".
  • 32. 32 pela Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes para que se proceda à alteração a fim de que um paciente possa ocupar uma posição privilegiada em lista de espera. 3.4 A MUDANÇA DO CRITÉRIO CRONOLÓGICO PARA A GRAVIDADE E A NOVA SITUAÇÃO DOS PACIENTES ANTERIORMENTE INSCRITOS Estão sujeitos ao novo critério de alocação de fígado para transplante todos os pacientes inscritos na vigência do critério cronológico, assim como os que vierem a se inscrever após a implantação do sistema da gravidade. O Ministério da Saúde estipulou o prazo de dois meses para que a mudança de critério da lista entre em vigor. A realocação dos pacientes anteriormente inscritos em posições menos benéficas é vista por estes como precipitada e até inconstitucional, pois haveria um "direito adquirido" de quem já estava na fila e prestes a serem contemplados pelo critério antigo. Assim como ocorre hoje com os pacientes que recorrem ao Judiciário para obter a realização do transplante devido à gravidade, a alteração do critério no âmbito normativo pode levar à propositura de inúmeras ações judiciais, buscando medidas cautelares para garantir aos pacientes já inscritos o seu lugar na fila. O argumento seria o fato de uma portaria ou decreto não poder retroagir e atentar contra os direitos adquiridos por esses pacientes41 . O tempo de espera na lista utilizar-se-á, contudo, como critério de desempate entre duas ou mais pessoas com mesmo valor de MELD/PELD e igualmente, compatíveis com um potencial doador. Porém para realização de tal cálculo diferenciam-se os candidatos adultos, com idade igual ou superior a 12 anos42 , dos menores de 12 anos43 . 3.5 ESTUDOS SOBRE A EFICIÊNCIA DO NOVO CRITÉRIO E ANÁLISE CRÍTICA DA PORTARIA 1.160/06 41 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 42 Pontuação = MELD x 1.000 + 0,33 x ND 43 Pontuação = PELD x 1.000 + 0,33 x ND, onde ND corresponde ao número de dias inscrito em lista de espera. Deve-se multiplicar o valor do PELD por três, para efeito de harmonização com os valores MELD, pois a lista é única, tanto para crianças quanto para adultos.
  • 33. 33 Na Espanha, onde a captação de órgãos chegou a uma média de 40 fígados por milhão de habitantes por ano, pôde-se estabelecer um sistema de rodízio entre os serviços, os quais definiam seus próprios critérios. Dessa forma, em países com farta captação de órgãos, a cronologia cumulada com a gravidade dos pacientes é funcional, permitindo uma maior eficiência do sistema. Tal fato permitiu a utilização do critério cronológico para os portadores de doença hepática crônica, pois a média de espera na lista era inferior a seis meses e a taxa de mortalidade desprezível. Já nos países cuja captação de órgãos é inferior à demanda, geralmente se recorre à aplicação de outros critérios de alocação, tal como a gravidade, de forma a diminuir a mortalidade na lista de espera44 . No Brasil, o avanço na realização de transplantes é notório desde 1990. O Ministério da Saúde revela que, em 1995, foram realizados 4.134 transplantes de órgãos. Em 2003, esse número dobrou, totalizando 8.554 cirurgias realizadas, dentre esses, 609 transplantes hepáticos, sendo 39 retransplantes45 . Foi realizada interessante pesquisa que questiona a aplicação do índice MELD no Brasil, por alunos da Faculdade de Medicina da USP, sob a coordenação dos professores Paulo Massarollo e Sérgio Mies. A pesquisa teve como objeto de análise 237 transplantados, no período de 1º de novembro de 1995 a 30 de julho de 2001, no Hospital das Clínicas de São Paulo. O estudo pretendia relacionar o índice MELD anterior ao transplante com o resultado da cirurgia. Para tanto, dividiu-se os transplantados em dois grupos: um, composto por 126 pacientes com MELD médio de 9,4 (menos graves), e outro, contendo 111 pacientes com MELD médio de 20,1 (mais graves)46 . Observou-se que as curvas de sobrevida de cada grupo são estatisticamente diferentes 44 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out., 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 45 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. O estudo aponta que o Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes. Em primeiro lugar está os Estados Unidos, no qual 300 pessoas são acrescentadas nas listas de transplantes diariamente, e são realizados 70 transplantes diários. Nesse país, conforme dados da Organ Procurement and Transplantation Network, as listas somam 96.440 inscritos, desse total, 16.879 aguardam por um fígado (dados atualizados até as 10h e 09 min do dia 16 de maio de 2007 em http://www.optn.org/data/). 46 FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0711200210.htm>. Acesso em: 16 abr. 2007. O estudo foi o vencedor do prêmio anual Oswaldo Cruz, concedido no 21º Congresso Médico Universitário ao melhor trabalho dos estudantes na área de cirurgia.
  • 34. 34 entre si. Os pacientes menos graves apresentaram, nos primeiros seis meses após o transplante, uma taxa de mortalidade de 15%, enquanto que, os que possuem índice MELD mais elevado, o percentual foi de 26%. Contatou-se que a mortalidade dobra a cada 15 pontos na escala MELD. Calcula-se que nos pacientes com índice MELD igual ou superior a 40, a mortalidade após o transplante ultrapasse 50%. Evidencia-se que nesse sistema, os pacientes mais graves serão os primeiros a ser transplantados, aumentando-se a mortalidade pós-transplante. O estudo concluiu que a adoção desse critério no Brasil seria inapropriada, pois a falta de enxertos contribui para a baixa quantidade de transplantes realizados, e após um tempo de espera médio de 24 meses, apenas 10% dos inscritos na lista única são transplantados a cada ano. Porém, com a adoção do critério MELD/PELD, desprezam-se os pacientes com maiores chances de obter um bom resultado pós-operatório, somente podendo ser operados quando apresentarem índice MELD suficientemente alto para lhes conferir prioridade na lista. Por conseguinte a mortalidade na lista de espera seria substituída pela mortalidade pós- operatória precoce. Sergio Mies, representante da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, aponta que, no estado de São Paulo, o qual realiza cerca de 50% dos transplantes de fígado do país, foram transplantados em 2004, apenas 8% dos pacientes inscritos na lista sendo que, desse percentual, 35% não tiveram sobrevida maior que um ano. Ressalta também, que pacientes mais graves apresentam maior tempo de internação, maior quantidade de complicações, maior necessidade de transfusão de sangue, entre outros cuidados, e, conseqüentemente, maiores chances de mortalidade operatória. Logo, com um critério exclusivamente baseado na gravidade, ocorrerão apenas os transplantes dos 8% mais graves. Assim, só ocorrerá o transplante dos clinicamente melhores quando estivessem debilitados pelo avanço da doença47 . Nos países com um eficiente sistema de captação de órgãos (com período máximo de seis meses), é realizável o transplante de todos os inscritos, sendo que apenas nessas 47 Dados da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo. Ver: GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.
  • 35. 35 condições, é factível priorizar os casos de maior gravidade. Assim, nos Estados Unidos, onde se utiliza o sistema MELD, a sobrevida dos pacientes após 1 ano da cirurgia corresponde a 85% dos transplantados48 . A pesquisa mostra que, no Brasil, o critério que pode assegurar o melhor aproveitamento e a justa distribuição dos escassos recursos disponíveis seria o cronológico. Recomenda-se a adoção desse método até que se aperfeiçoe a captação de órgãos de modo que se possa transplantar a maioria dos inscritos na lista. Porém, estudos demonstram que pacientes com valor de MELD até 15, possuem maiores riscos de morte pelo próprio procedimento do transplante do que pela doença. Assim, nesses pacientes, o transplante pode ser postergado. Mauricio Fernando de Almeida Barros afirma que quando aplicamos o critério da gravidade, durante um período determinado, ter-se- ia o dobro de vivos, porém, utilizando a ordem cronológica, estar-se-iam realizando transplantes em pacientes com baixo nível de MELD e deixando de lado os casos mais graves. Nessa hipótese, a sobrevida dos transplantados poderá ser discretamente maior49 . A Associação Brasileira dos Transplantados de Fígado e Portadores de Doenças Hepáticas (Transpática) recebeu positivamente a nova portaria do Ministério da Saúde. No “site” da referida entidade, foi dito que a mudança de critério para gravidade configura: uma importante etapa no avanço normativo e estrutural, após algumas medidas antecedentes tais como a que igualou a remuneração por transplantes em hospitais universitários e não universitários; impulsionou o crescimento horizontal no país da disponibilização de centros transplantadores; percepção de que a falta de órgãos não decorre unicamente da propagada “falta de doadores”, mas sim da ma estrutura de captação e fatores correlatos, o que tem determinado esforços visando à instalação das COMISSÕES INTRA-HOSPITALARES DE TRANSPLANTES – CIHT’s; etc.50 . Estatísticas publicadas pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo mostram que 54,5% dos inscritos na lista morreram na espera por um fígado. A sobrevida dos 48 TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://transpatica.org.br/5.htm>. Acesso em: 24 abr. 2007. 49 MERION, R. M. When is a patient too well and when is a patient too sick for a liver transplant? Liver Transplant, vol. 2, 2004, p. 69-73 apud BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set/out., 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 50 TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/noticia.asp?cod_noticia=517>. Acesso em: 24 abr. 2007. A qual foi fundada em julho de 1999, e constituída por voluntários que se dedicam à orientação e apoio na prevenção e tratamento dos portadores de doenças hepáticas e daqueles que aguardam em lista de espera para o transplante de fígado.
  • 36. 36 transplantados, nos seis primeiros meses, indica uma mortalidade de 28%. A Associação Brasileira dos Transplantados de Fígado Portadores de Doenças Hepáticas (Transpática), afirma que tal panorama indica a inadequada evolução da captação de órgãos, que tende ao aumento do número de inscritos. Dados que assustam, comparando-os com outros países como os Estados Unidos, onde a mortalidade na fila é de 7%. Já no ano de 2006, a taxa de mortalidade na lista baixou para 20,74% no estado de São Paulo51 . Sérgio Mies afirma que para evitar o desperdício de órgãos em pacientes com mínimas probabilidades de sobrevivência, alguns países europeus não transplantam pacientes maiores de 60 ou 65 anos por possuírem um risco pós-operatório maior (Itália, Espanha). A proposta encaminhada ao Ministério da Saúde pretende incluir apenas pacientes com nível mínimo de gravidade, onde os pacientes seriam transplantados por ordem de inscrição. Se o falecimento ocorrer antes da cirurgia, evidencia-se a urgência na sua realização, tornando fútil o transplante. Sobre a situação dos que necessitam urgentemente do transplante após a adoção do índice MELD, segundo aponta Lucas Rister de Sousa Lima, com a criação do referido índice, o drama dessas pessoas, no entanto, apesar de parecer ter sido resolvido prima facie, ainda está longe de um final feliz. Isto porque as centrais estaduais de transplantes ainda não têm condições técnicas nem financeiras de efetuar todos os exames necessários para o estabelecimento da ordem de gravidade dos pacientes segundo tal critério, e, menos ainda, na periodicidade exigida. Ademais, tal sistemática – ainda que estivesse funcionando a contento - restringe-se tão-somente aos receptores de fígados, que representam irrisórios 10% do número total de pessoas aguardando por um transplante52 . Cabe referir que, em 1988, para fins pediátricos, empregou-se como enxerto parte do lobo esquerdo do fígado de um doador vivo, com risco de mortalidade ao redor de 0,2 a 0,3%. Com as fortes críticas da comunidade internacional tal procedimento foi interrompido. Tal técnica foi retomada progressivamente devido à pressão exercida pelas extensas listas de receptores infantis, totalizando mais de três mil crianças operadas em dezembro de 2002. Inspirados nos resultados positivos, em 1995, japoneses iniciaram o uso do lobo direito como 51 SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Taxa de mortalidade em lista de espera. Disponível em: <http://www.saude.sp.gov.br/resources/central_de_transplantes/pdf/mortalidade_figado_2006.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2007. Ver também: TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/noticia.asp?cod_noticia=39>. Acesso em: 10 mar. 2007. 52 LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de nov. de 2006.
  • 37. 37 enxerto em pacientes adultos. Estima-se que tenham sido realizados cerca de 1500 transplantes intervivos em adultos53 . Pequenas melhorias na oferta de órgãos podem reduzir significativamente os prazos de espera. O órgão como um bem público, deve ser utilizado de forma a obter o maior aproveitamento possível para o maior número de pacientes. Conforme estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que simulou o aumento da demanda por transplantes, mesmo que em pequena proporção, concluiu que os tempos de espera na fila sofrerão elevações dramáticas. Tal estudo indicou que a falta de recursos não é o principal óbice na realização de transplantes, mas aspectos como a extensão e os longos tempos de espera nas filas, como também, o empenho das autoridades no incremento do processo de doação e captação de órgãos contribuem para agravar a situação atual do SNT54 . O “Grupo Unidos Venceremos” aponta para algumas falhas do sistema, tais como a falta de comunicação entre hospitais, de transporte para o órgão chegar ao seu destino nas melhores condições possíveis, de exames pré-operatórios, antes da entrega do órgão, que indiquem a compatibilidade entre doador e receptor evitando o desperdício de órgãos. Expõe que algumas medidas poderiam melhorar a captação e aproveitamento de órgãos, como campanhas, orientação aos hospitais evitando a perda de órgãos doados, comunicação constante entre os hospitais, multidisciplinariedade e honestidade das equipes e juntas médicas nos diversos Estados, as quais devem avaliar a compatibilidade entre doador e receptor, a necessidade e estimar a sobrevida do doador55 . Uma solução normativa seria o estabelecimento de normas de fiscalização que permitissem responsabilizar o médico do paciente, bem como os membros da equipe alocadora de fígados quando ocorrer suspeitas de irregularidades ou venham a ser efetuadas denúncias de favorecimento. Para tanto, seria conveniente que a Central de Transplantes Estadual arquivasse os resultados dos exames de sangue, como também, as amostras 53 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. 54 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. 55 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.