Este documento analisa as origens do feminismo em Portugal, tendo como foco principal o papel de Ana de Castro Osório. O texto descreve como Ana de Castro Osório foi uma pioneira no movimento feminista português no final do século XIX e início do século XX, defendendo a igualdade de direitos para as mulheres através da educação, da autonomia econômica e do direito ao voto. O documento também discute como o movimento feminista em Portugal emergiu lentamente e estruturou suas reivindicações, tendo muitos pontos em comum
1. INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA
Mestrado em História Social Contemporânea
ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS
ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
Dulce Maria Baptista Moacho
Outubro de 2003
Orientação: Professora Doutora Fátima Sá Melo Ferreira
2. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
“Feminismo é um ideal austero e grande, que reclama energia, coragem,
ciência e persistência e, não uma ridícula farsa acompanhada de risinhos e
rebuçados de ovos, mirabolante e falsa como as suas jóias belas e os seus
chapéus emplumados”1
Ana de Castro Osório
Às minhas filhas Rita e Carolina
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OSÓRIO, Ana de Castro, República, Por Alto, nº 1, 19 de Março de 1908
Foto: Ana de Castro Osório, Sociedade Futura, A Nossa Galeria, nº 13, 15/11/1902
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3. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
AGRADECIMENTOS
Reservo este cantinho para expressar o meu sincero agradecimento àqueles que me
ajudaram a realizar esta dissertação.
Em primeiro lugar, um agradecimento à Profª. Doutora Fátima Sá Melo Ferreira
pela forma como orientou o meu trabalho. Grata pela cordial disponibilidade e
compreensão que sempre me proporcionou, com as suas recomendações, sugestões,
correcções e o esclarecimento de dúvidas decisivas, para que não desistisse de acreditar
que chegaria ao fim deste projecto.
Em segundo lugar, ao Dr. João Gomes Esteves pelo apoio que me prestou, cedendo-
me gentilmente textos da sua autoria, ainda inéditos, sobre “Ana de Castro Osório”, a
protagonista do meu trabalho.
Deixo ainda os meus agradecimentos à equipa de professores do ISCTE pela forma
como leccionaram as cadeiras de Mestrado em História Social Contemporânea,
transmitindo-me o interesse pela investigação nestas matérias.
Finalmente, gostaria de expressar os meus agradecimentos aos meus pais.
Todos me apoiaram desde o início na realização deste trabalho.
Na esperança de que ele contribua para melhorar a “condição feminina”, a todos os
que me permitiram concretizá-lo desejo expressar os meus agradecimentos.
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4. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 5
2. O PENSAMENTO FEMINISTA............................................................................. 13
2.1. PIONEIRAS DO FEMINISMO ............................................................................... 17
2.2. AS ORIGENS DO FEMINISMO PORTUGUÊS..................................................... 20
2.3. PRIMEIROS PASSOS DO FEMINISMO PORTUGUÊS ...................................... 24
3. IDENTIDADE FEMINISTA.................................................................................... 26
3.1. DENÚNCIAS E DESAFIOS ................................................................................... 26
3.2. INTERESSES COMUNS......................................................................................... 33
3.3. REDES ..................................................................................................................... 35
3.4. CONTRARIEDADES E PRESSÕES....................................................................... 42
3.5. OBSTÁCULOS ....................................................................................................... 44
3.6. ORGANIZAÇÕES E CONFLITOS…………………………………………......... 47
4. ANA DE CASTRO OSÓRIO................................................................................... 52
4.1. ESBOÇO BIOGRÁFICO......................................................................................... 52
4.2. A FAMÍLIA.............................................................................................................. 58
4.3. OS AMIGOS............................................................................................................. 60
4.4. A EMPRESÁRIA .................................................................................................... 63
4.5. A ESCRITORA ....................................................................................................... 68
4.5.1. “ÀS MULHERES PORTUGUESAS”........................................................................ 69
4.5.2. BRASIL - “O MUNDO NOVO” E A “A GRANDE ALIANÇA” .......................... 71
4.6. A JORNALISTA ..................................................................................................... 76
4.7. O DISCURSO PATRIÓTICO E O IDEAL DE LIBERDADE................................... 78
4.8. A FEMINISTA ........................................................................................................ 80
4.9. A EDUCADORA...................................................................................................... 84
4.10. A “JURISTA” E O DIREITO ................................................................................. 88
4.11. A MAÇOM .............................................................................................................. 91
4.12. A NATUREZA ........................................................................................................ 94
4.13. A GREVE E A “QUESTÃO SOCIAL” .................................................................. 96
5. ORGANIZAÇÕES FEMININAS E FEMINISTAS................................................. 99
6. A REPÚBLICA ........................................................................................................ 106
7. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 110
8. BIBLIOGRAFIA E FONTES .................................................................................. 115
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5. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
1. INTRODUÇÃO
“Foi a 25 de Outubro de 1860 que em Portugal se reconheceu
oficialmente, pela primeira vez, não haver razão para perpetuar este estado de
subalternização da mulher, sendo autorizada a fazer exame na universidade, a
Sr.ª. D. Maria José Cruz Oliveira e Silva, de Vagos. Na história da emancipação
da mulher portuguesa este facto não deve ser esquecido”1.
ISMAEL
Quando se nasce menina vestem-nos de cor-de-rosa, se for um menino escolhe-se o
azul. A menina brinca com bonecas, o menino com pistolas e carrinhos. A menina
aprende a cozinhar, a fazer bordados e o seu lugar é dentro de casa, o menino, esse,
brinca na rua...
Aprendemos esta informação assim que nascemos e, enquanto crescemos,
interrogamo-nos porquê? Ouvimos com frequência que a mulher é fraca, submissa,
sentimental, e que o homem é forte, dominador, decidido, enfim que cada um tem,
dizem, os atributos que caracterizam e diferenciam o seu sexo.
É um preconceito enraizado na sociedade por aqueles que não reconhecem à mulher
a plena igualdade de direitos? E o Feminismo?
Feminismo? Isso nem pensar...
Mas a verdade é que a “condição feminina” sempre despertou curiosidades e se o
termo “Feminismo” ainda hoje suscita conflitos e provoca opiniões adversas, quer por
parte dos homens quer das próprias mulheres, é também realidade que os chamados
anti-feministas sempre contradisseram e repeliram os novos modelos.
É exactamente o Feminismo que este trabalho se propõe tratar, um Feminismo na
sua génese, um Feminismo que em Portugal surgiu vagarosamente, nos meados de
1900, que foi criando consciência à medida que enfileirava adeptos que emergiram da
evolução cultural.
Um Feminismo, protagonizado por mulheres e homens, que reivindicava a
igualdade entre os sexos, ou seja nada mais do que direitos civis, como a educação e
instrução da mulher, ou a reforma das leis sobre a família.
Um Feminismo que reivindicava para as mulheres um lugar no mercado de
trabalho, a sua autonomia económica, como o único veículo de não dependerem do pai,
irmão ou marido.
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6. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
Um Feminismo que reclamava a igualdade dos direitos políticos, nomeadamente o
sufrágio.
Contudo, dissociar uma parte da história em que as mulheres sejam as únicas
protagonistas, escrever uma história só das mulheres parece-nos impensável. Porque a
história é de todos e para todos e porque somos de opinião que não se faz uma história
só de homens ou só de mulheres, porque uma parte não se dissocia da outra. Como disse
um dia a pioneira e “líder” do feminismo português e do movimento das mulheres Ana
de Castro Osório: “Em todos os tempos foi necessário ao homem contar com o auxilio
da mulher para o triunfo das ideias”2. O mesmo pode ser dito em relação ao apoio
masculino ao movimento das mulheres.
Quando se questionou o porquê desta dominação por parte dos homens e da sua
aceitação pelas mulheres, respondeu-se que ela fora herdada dos nossos antepassados,
resultando de hábitos culturais apropriados por sucessivos actores históricos, ou
enumeram-se-se teses filosóficas, científicas ou políticas, que favorecem os homens e
lançam as mulheres para o campo da inferioridade e da exclusão da cidadania.
Os estudos clássicos da história das mulheres, sustentados por conceitos legitimados
nas diferenças dicotómicas do sexo, no seu aspecto físico e biológico, baseiam-se,
segundo Gisela Bock, “na noção genérica de que as diferenças entre pessoas justificam
a desigualdade social”3, o que seria uma forma de rotular o outro de “inferior”. Com as
novas ciências sociais, a mulher passa a ser entendida na sua dimensão social, cultural,
política e psicológica, que conduz a um conceito novo - o género - feminino/
masculino, e às relações sociais entre os dois. A história do género traz um novo
discurso, ao considerar a mulher como uma categoria social, contribuindo para novas
reflexões sobre os comportamentos femininos e o trajecto do movimento feminista.
Fazemos nossas as palavras que Ana de Castro Osório um dia usou na sua obra ao
defender os direitos das mulheres: “A mulher, como o homem, nasce para si mesma.
Tanto um como o outro fazem parte da sociedade, de que são factores igualmente
imprescindíveis, que se não compreenderia nem sequer existiria sem a união dos dois
sexos, mas na qual indivíduos isolados podem coexistir igualmente, decentes, honestos
e respeitáveis...”4. Para Ana “A humanidade é uma. - A inteligência não tem sexo, como
o direito e a justiça não o deve ter”5.
Explicamos a discriminação, de que foram e continuam a ser vítimas as mulheres,
pelo preconceito que diferencia papéis e actividades específicas destinados a homens e
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7. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
outras a mulheres. E pensamos como Ana que “O preconceito é uma hipocrisia
colectiva, e não o combater uma covardia individual”6.
Sabe-se que durante séculos, os papéis de género foram justificados pelos códigos
estabelecidos, assumidos e transmitidos às gerações seguintes. A mulher, com raras
excepções, mantinha-se invisível, muito embora a sociedade lhe conferisse o poder dos
seus actos, conquanto a lei lhos retirasse; tal como Ana de Castro Osório confidenciava
ao pai: “a prática é completamente contrária à lei, pois as mulheres mandam, fogem,
educam, fazem o diabo”7.
Na investigação considerámos dois tópicos. Num primeiro perspectivámos o
movimento de protesto feminino e as suas reivindicações como movimento social. Isso
levou-nos a analisar de que forma os protestos das primeiras feministas portuguesas se
estruturaram, e o que eles tiveram em comum com outros movimentos feministas
internacionais. Num segundo tópico considerámos a importância do papel da escritora
Ana de Castro Osório nesse movimento, e destacámos os seus projectos de reforma da
lei e dos costumes, através da educação e instrução da mulher e da criança, a sua luta
pela autonomia financeira da mulher através da profissão, e pelo direito ao voto, e o seu
papel na construção de uma identidade colectiva que iria conduzir à formação do
movimento feminista.
Como baliza temporal marcámos o virar do século XIX para o XX, até 1911, data
das primeiras vitórias feministas, dando maior relevo aos primeiros anos do século. As
investigações realizadas por João Esteves, Maria Regina Tavares da Silva, Maria Ivone
Leal, Vanda Gorjão, Paulo Guinote, Rosmarie Wank-Nolasco Lamas entre outros, ricas
de ensinamentos, foram fundamentais para a compreensão deste tema tão delicado e
revelaram-nos também a nova importância que tem sido dada à questão feminista no
contexto historiográfico português.
Pretendemos com o termo “Feminismo” designar uma série de acções realizadas
por mulheres apostadas em mudar o que lhes faziam crer que seria melhor que
aceitassem em silêncio e com resignação, ou seja,“os encargos inerentes ao seu sexo”.
Procurámos traduzi-lo de modo a que fosse possível imaginar, através dos seus
comportamentos e das suas estratégias de resistência, como eram as suas lutas no dia a
dia e as dificuldades que enfrentaram numa época onde a sua inferioridade cívica e
jurídica eram um dado adquirido, num tempo em que a sociedade as remetia para o
culto do lar e as destinava a em primeiro lugar procriar e a cumprir os deveres de mãe e
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8. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
esposa, destinando-lhe os afazeres domésticos, ao mesmo tempo que as privava de
participar na esfera pública.
Perguntámo-mo-nos também se as únicas figurantes feministas teriam sido as
mulheres burguesas e aristocratas. Michelle Perrot, num estudo sobre o movimento
feminista em França, que se iniciou muitos anos antes do português, é de opinião de que
este era un mouvement bourgeois sans audience parmi les ouvriéres8.
E em Portugal? As mulheres que trabalhavam como telefonistas, costureiras,
lavadeiras ou operárias das fábricas têxteis ou das fábricas de conservas de peixe, e
outras tantas, que não eram burguesas nem fidalgas, não tinham aspirações? Não
lutavam pelo aumento dos salários e pelas condições de trabalho? 9 Não contribuíram
para construir o feminismo? Acreditamos que sim. E os maridos, o que pensavam? E as
mulheres dos operários, o que sentiam? Podemos e devemos questionar como é que
estas mulheres encaravam o “Feminismo” das burguesas.
Se, por um lado, as mulheres burguesas foram as pioneiras, por outro, nomes de
mulheres desconhecidas, do povo, apareceram também na imprensa embora delas se
fale pouco, por vezes apenas só nalgumas referências soltas. Mas destas poucas
referências concluímos que tiveram grande actividade, e participaram no desenrolar do
processo que conduziu ao movimento feminista.
Foram, é certo, as mulheres burguesas que nos deixaram melhores testemunhos da
sua luta. Poderíamos citar muitos nomes, para que não se pense que foram esquecidos,
como o da pedagoga Alice Moderno 10, da escritora Lucinda Ribeiro 11, da professora
Ilda Adelina Jorge12 ou das médicas Domitília Hormizinda Miranda de Carvalho 13 e
Carolina Beatriz Ângelo, e muitas outras que teremos oportunidade de referir. Se alguns
nomes nos soam mais nítidos, como se deles já tudo soubéssemos, é porque já foram
objecto de estudo.
E as mulheres operárias, que muitos antes da formação do movimento feminista, se
manifestavam já com greves, reivindicações de salários de horários e condições de
trabalho, denunciando discriminações face aos operários do sexo masculino? Essas que
se expressavam ao lado dos operários, mas que não deixavam de ser mulheres, dessas
quase não se ouve falar; são mulheres invisíveis que se mantêm escondidas, como as
socialistas Florinda Bela 14 e Margarida Clotilde Ferreira 15, ou Francisca Horta16,
presidente da Associação das Mulheres de Lagos, uma associação operária.
É bom não esquecer que algumas das próprias burguesas, eram mulheres
relativamente pobres, é o caso de Ana de Castro Osório 17, que tinha como principal
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9. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
recurso a escrita, ou de Adelaide Cabete (1867-1935)18 que defendeu a assistência para
as mulheres pobres, e chegou a trabalhar numa fábrica da seca da ameixa, como
operária, e que só com muito esforço e o apoio do marido se licenciou em medicina.
Foram também estas mulheres que baterem o pé. Foi também o facto de terem
dificuldades económicas, para além de se sentirem discriminadas, que as levou,
conscientemente, a combaterem e a denunciarem o que as oprimia, e a levarem as suas
aspirações às outras mulheres, contribuindo para o emergir deste movimento.
E os homens portugueses, como é que viam este reivindicar de direitos por parte das
mulheres? Não contribuíram também alguns deles para que ele se formasse?
Sabemos que a sociedade portuguesa, no início do século XX, estava em mudança
apesar da economia ser pouco industrializada, do sistema monárquico não permitir
grande abertura ás reivindicações femininas e do catolicismo colocar sólidas barreiras à
mudança de valores e de costumes, pelo que era acusado, por alguns, de manifestar o
“amor ao seu semelhante – conservando-o na miséria e na ignorância – para melhor o
explorar”19, Neste contexto, era pouco provável que se pudessem desenvolver teses de
igualdade ou equidade entre os géneros e, não é de estranhar, que as ideias de
emancipação da mulher chegassem tarde a Portugal, relativamente ao calendário de
outros países.
Nessa época agitada por lutas operárias, socialistas e republicanas, onde as
aspirações de Liberdade e Igualdade contrastam com os interesses estabelecidos, os
ideais feministas ecoam chegados de Paris, Londres, Estados Unidos. Novos conceitos
de afirmação e valorização pessoal da mulher na sociedade surgem como modelos a
seguir e tornam-se, neste ensejo, necessidade e ambição de muitas mulheres que, em
Portugal, através das letras, começavam a levantar o véu do espaço público até ali
considerado exclusivamente masculino.
Foram as mulheres que contestavam a sua situação e reclamavam direitos, mulheres
ilustradas, escritoras, jornalistas ou professoras e médicas, que os republicanos viram
como aliadas, e que lutaram ao lado dos homens na instauração de um novo regime,
impulsionadas por novas perspectivas de justiça, liberdade e igualdade.
Mulheres com iniciativa, que se mobilizaram e adoptaram estratégias de luta
próprias, e que vão formar movimentos de emancipação, com objectivos definidos e
uma vontade comum, a de dignificar o papel da mulher numa situação de igualdade com
o homem.
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10. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
Mulheres que se tornam solidárias, que fazem homenagens, conferências, petições,
comícios, que utilizam mesmo funerais para se manifestarem e combaterem a
desigualdade social. Quem não ouviu já os nomes de Carolina Michaëlis de
Vasconcelos20 ou de Maria Amália Vaz Carvalho, ligadas ao ensino das mulheres? E os
nomes de Adelaide Cabete, Alice Pestana, Albertina Paraíso 21, Olga Morais Sarmento
da Silveira, Lucinda Tavares22, a reclamarem para a mulher, instrução e educação, ou os
de Maria Veleda, Beatriz Pinheiro e Ana de Castro Osório a insistirem na educação das
mulheres e na reivindicação dos seus direitos políticos? Mas ainda se conhece pouco
sobre essas mulheres.
Destas feministas, escolhemos Ana de Castro Osório, conhecida também, na época,
como escritora para crianças. Ana foi uma figura que sobressaiu pela sua perspicácia,
pelo seu talento, persistência, coragem e ambição, e que a partir de 1900 23, começou a
publicar artigos sobre a emancipação feminina.
Uma mulher inteligente, que aprendeu e soube lutar por um ideal, uma mulher que
gostava de dinheiro e de poder e que descobriu como “eles” enriqueciam e davam força
à causa da mulher, dando-lhe a faculdade de ter uma vida digna, tornando-a livre e
independente, reforçando a sua autonomia, retirando-a da ignorância e educando-a.
Senhora de grande patriotismo, defensora dos ideais republicanos, inicia
decididamente a luta pelos direitos das mulheres ao publicar, em 1905,“Às Mulheres
Portuguesas”, abordando um tópico tido como inédito, que a lança no caminho da fama
e a faz descobrir novos horizontes.
Por todas estas razões consideramos que Ana de Castro Osório teve um papel
decisivo na criação de uma identidade de grupo, e na organização das mulheres que
partilhavam as mesmas aspirações, tornando-se, assim, na primeira líder do movimento
feminista em Portugal. Um movimento que teve a sua primeira vitória com a conquista,
já na primeira República, das leis do divórcio e das leis da família.
Os direitos e as conquistas sociais que as feministas até hoje alcançaram, devem-se
ao esforço de mulheres que, tal como Ana, lutaram para que o mundo fosse igual para
os homens e para as mulheres.
A abordagem que se irá seguir não tem como intenção revelar uma história onde a
mulher seja, simplesmente, heroína ou vítima. Procura-se, sim, com a documentação
disponível que é escassa, o espólio de Ana de Castro Osório, jornais e obras editadas na
época, e outros estudos posteriores, desvendar segredos, compreender como se
denunciaram preconceitos, indagar dificuldades e constatar triunfos.
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11. DULCE MOACHO - ANA DE CASTRO OSÓRIO E AS ORIGENS DO FEMINISMO EM PORTUGAL
Conscientes da existência de falhas, sabendo de antemão que iríamos encontrar
dificuldades, não desistimos de reunir o maior número de dados possível, de forma a
completar um puzzle que conta uma história. Uma história que não é só de mulheres,
mas que é também de homens, isto é, de pessoas que partilharam a mesma sociedade.
Desejamos que da nossa investigação não resulte apenas uma visão pessoal mas que
dela transpareça também a visão existente num dado momento histórico sobre as
relações de género que tentámos subtrair às fontes quase cem anos volvidos. Que a
história que aqui contamos possa ser vista não como uma simples quimera mas como
um fragmento da História.
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