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XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 1
ROBÓTICA EDUCACIONAL NO ENSINO DE FÍSICA: ESTUDO
PRELIMINAR SOB UMA PERSPECTIVA PRAXEOLÓGICA
ROBOTICS EDUCATION IN PHYSICS TEACHING: A PRELIMINARY
STUDY IN A PRAXEOLOGICAL PERSPECTIVE
Milton Schivani 1
, Maurício Pietrocola 2
1
Programa de Pós-graduação/Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP),
schivani@usp.br
2
Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada/FEUSP, mpietro@usp.br
Resumo
A robótica encontra no ensino de ciências um campo novo de aplicações
ainda por ser explorado. Apesar disso, pesquisas recentes revelaram grande
potencial educacional, especialmente para o ensino de física, indicando tratar-se de
ferramentas dinâmicas capazes de influenciar positivamente o processo de
aprendizagem em diferentes situações e níveis de escolaridade. Por outro lado, não
saber adequar pedagogicamente esse material, pode-se gerar atividades que
reforçam apenas o uso limitado de técnicas para o cumprimento de determinadas
tarefas, sem de fato haver uma preocupação com a componente conceitual. Ou
ainda, não enxergar até onde está sendo contemplada (ou não) a
pretensão/intenção didática em atividades que façam uso desse recurso. Por essa
razão, objetivamos, essencialmente, fomentar a análise e, consequentemente, o
desenvolvimento de atividades que, minimamente, tenham uma ressonância entre a
prática (o “fazer”) com as teorias e os conceitos físicos tratados na mesma (o
“porque”). Para isso, fundamentamos nossa investigação com base na Teoria
Antropológica do Didático (TAD), a qual permite modelar o conhecimento por meio
de uma organização denominada de Organização Praxeológica (OP), podendo ser
empregada para entender as ações e atividades humanas onde é representa em
termos de práxis (prática de determinada tarefa) e logos (indicando estudo de algo).
Constatamos, dentre outras coisas, que as atividades podem ser desenvolvidas via
o que denominamos de Verossimilhança Praxeológica (análise de uma prática de
referência, levantando todos os seus constituintes praxeológicos, e transposta para
uma atividade Praxeológica de ensino em sala de aula), além de identificar na TAD
uma ferramenta Teórica potencialmente adequada para entender os limites e
possibilidades da robótica em situações que envolvam tarefas que demandem
conhecimento específico de Física.
Palavras-chave: Robótica Educacional, Praxeologia, Verossimilhança
Praxeológica, Ensino de Física.
Abstract
Robotics is the science teaching in a new field of applications yet to be
explored. Nevertheless, recent research has shown great educational potential,
especially for teaching physics, indicating the presence of dynamic tools that can
positively influence the learning process in different situations and levels of
education. On the other hand, not knowing how to adapt this material pedagogically,
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XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
can generate activities that reinforce only the limited use of techniques to accomplish
certain tasks without really having a concern with the conceptual component. Or not
see to where it is being addressed (or not) the claim / didactic intention in activities
that make use of this feature. For this reason, we aim primarily to promote the
analysis and hence the development of activities that, minimally, have a resonance
between the practice ("doing") with the theories and concepts physics treated in the
same (the "why".) For this, base our investigation based on the Anthropological
Theory of Didactics (ATD), which allows the modeling of knowledge through an
organization called Praxeological Organization (PO), which can be used to
understand human actions and activities where it represents terms of praxis (practice
of a given task) and logos (study indicating something). We found, among other
things, that activities can be developed via what we call Praxeological Verisimilitude
(analysis of a practical reference, raised all their constituents praxeological, and
implemented an activity praxeological teaching in the classroom), and identify in a
ATD Theoretical potentially adequate tool to understand the limits and possibilities of
robotics in situations involving tasks that demand specific knowledge of physics.
Keywords: Educational Robotics, Praxeology, Praxeological Verisimilitude,
Physics Teaching
Introdução
O crescente aumento dos recursos e inovações tecnológicas trouxe novas
situações de aprendizagem que vem sendo cada vez mais consideradas nos últimos
tempos. Neste dinâmico quadro, deparamos-nos com os tablets, plataformas para
programação, simulações computacionais, kits de robótica voltados para a educação
tecnológica, além da própria Internet e demais recursos. Algumas pesquisas (SENA
DOS ANJOS, 2008; GIORDAN, 2006; MIRANDA JUNIOR, 2005) indicam que tais
ferramentas se caracterizam como meios potencializadores no auxílio e na
transferência ao aluno da tarefa de criar, imaginar, construir e interagir com os
saberes, além de possibilitar outras estratégias metodológicas a serem utilizadas
pelo professor frente a tais inovações.
A robótica encontra no ensino de ciências um campo novo de aplicações
ainda por ser explorado. Conforme destaca Mitnik et al (2009), a maioria das
aplicações estão direcionadas para ensinar assuntos intimamente relacionados à
própria área da Robótica, tais como programação, construção de robôs, inteligência
artificial, algoritmo e desenvolvimento. No entanto, pesquisas recentes revelaram
grande potencial educacional, especialmente para o ensino de física, indicando
tratar-se de ferramentas dinâmicas, capazes de influenciar positivamente o processo
de aprendizagem em diferentes situações e níveis de escolaridade (CABRAL, 2011;
MITNIK et al., 2009; BARAK & ZADOK, 2009, LOWE et al., 2008).
Dentre os materiais disponíveis no mercado nacional hoje, identificamos
duas possibilidades interessantes: a primeira, remete ao Lego Mindstorms NXT, kits
de robótica voltados especialmente para a educação tecnológica (CABRAL, 2011), e
a segunda, refere-se ao Arduino (SOUZA et al., 2011), uma plataforma de
prototipagem eletrônica de hardware livre que tem por base um circuito com
entradas e saídas de sinal digital e/ou analógica. Ambos (Lego e Arduino) possuem
suas próprias vantagens e desvantagens. Dado o espaço deste trabalho não será
3
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
possível detalhar este aspecto, entretanto, questões sobre a aquisição no mercado
nacional e a versatilidade devem receber maior atenção.
Os kits da Lego são os mais conhecidos no âmbito da Robótica Educacional
(RE), os quais acompanham motores, peças de plástico rígido em formato de vigas,
tijolos cheios, placas, eixos, polias e engrenagens com diferentes dimensões e
passivos de conexões entre eles, além de softwares, módulos de processamento e
sensores (p. ex.: campo magnético, acelerômetro, ultrassom e rotação). Entretanto,
apesar de se destacar em versatilidade, o preço elevado para aquisição de tais kits e
sua pouca oferta no mercado nacional podem constituir-se em um obstáculo. O
Arduino, por sua vez, também possui ampla versatilidade, fazendo uso de uma vasta
gama de sensores e componentes. Porém, contrário aos componentes da Lego, são
em sua maioria facilmente encontrados em lojas de eletrônica e a custo reduzido,
além de contar com um software e hardware livres, o que amplia o número de
aplicações. Entretanto, por estar em um nível mais fundamental em termos de
eletroeletrônica, não há um padrão de fabricação/ aplicação dos componentes com
os quais o Arduino se comunica (pode-se usar desde componentes extraídos de
sucatas até sensores empregados na indústria e aeromodelismo), com isso a
comunicação entre o hardware-hardware e hardware-software pode gerar
obstáculos para o desenvolvimento das montagens.
Por outro lado, contar com novos e emergentes recursos oferecidos pelas
novas tecnologias não necessariamente implica no enriquecimento da aula.
Conforme alerta Sena dos Anjos (2008),
“[...] a simples existência dessas novas tecnologias num processo didático-
pedagógico, não o torna mais rico, estimulante, desafiador e significativo
para o aprendiz. Não saber adequar o uso pedagógico das novas
tecnologias, significa permanecer tradicional usando novos e emergentes
recursos” (ibidem, p.573).
Entendemos permanecer no tradicional as formas de ensino que privilegiam e
reforçam o uso de técnicas limitadas para resolução de problemas tradicionais, tais
como os problemas típicos de física resolvidos apenas pela aplicação de fórmulas e
substituição de variáveis. Ou ainda, a resolução de problemas por tentativa e erro
sem de fato fazer uso de um raciocínio estruturado e lógico, embasado numa teoria
ou conjunto de conceitos. No que tange a Robótica Educacional (RE), problemas e
desafios solucionados por tentativas e erros não são incomum. Barak & Zadok
(2009) destacam que:
“A primeira questão da pesquisa que levantamos neste estudo foi: como
fazer com que os alunos possam avançar com soluções criativas de
problemas no contexto das atividades de robótica? As observações feitas
no segundo e terceiro ano do presente estudo indicaram que no primeiro
projeto, os alunos muitas vezes começavam a construir o sistema em que
estavam trabalhando de imediato e prosseguiam por ciclos de tentativas e
erros.” (BARAK & ZADOK , 2009, p. 303. Grifo nosso). Tradução livre.
Em estudos anteriores (ROUXINOL et al., 2011) identificamos essa mesma
postura: dependendo do problema a ser solucionado, os estudantes centravam sua
atenção majoritariamente na técnica, na parte prática da atividade, sem muito se
preocupar com o entendimento conceitual daquilo que estavam tratando, somente
depois de algumas tentativas e erros é que “perceberam que a intuição inicial não
dava conta de resolver a situação” (ibidem, p.7). De um modo geral, quando
olhamos para as atividades de robótica, especialmente aquelas presentes em
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XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
campeonatos e torneios, a exemplo do FIRST (do inglês, For Inspiration and
Recognition of Science and Technology)1
, onde os estudantes são direcionados para
o cumprimento eficaz de determinada tarefa e/ ou desafio, a face emersa do iceberg
que se observa remete justamente ao predomínio de técnica (s)2
. Quando pensamos
a Robótica dentro de um processo educacional mais específico, especialmente no
âmbito do ensino de física em nível médio, a componente conceitual/ teórica se
torna naturalmente mais elevada e pertinente, presente em quase todo o processo
formativo nesse estágio.
Questão focal e objetivos
Tomando como base a discussão anterior, uma das questões que
levantamos aqui é: como poderíamos transpor uma situação real (p. ex.: colisões,
transportes de cargas, frenagem, geoposicionamento, sistemas de comunicação,
dentre outros.) para uma situação de atividade de ensino, com pretensões “reais” de
se ensinar conceitos e tópicos de física? Ou ainda, tão importante quanto,
desejamos analisar como está sendo contemplada (ou não) a pretensão/ intenção
didática nesta atividade?
Com isso, nosso objetivo principal nesse estudo constitui-se em fomentar a
análise e, consequentemente, o desenvolvimento de atividades que, minimamente,
tenham uma ressonância entre a prática (o “fazer”) com as teorias e os conceitos
físicos tratados na mesma (o “porque”).
A noção de Praxeologia
Na busca de um referencial que permita analisar as questões colocadas
anteriormente, apresentamos a Teoria Antropológica do Didático (TAD)
(CHEVALARD, 1999) para fundamentar nossa investigação, bem como atingir os
objetivos propostos e permitir modelar o conhecimento por meio de uma
organização denominada de Organização Praxeológica (OP). Tal organização pode
ser empregada para entender as ações e atividades humanas onde é representada
em termos de práxis (prática de determinada tarefa) e logos (indicando estudo de
algo). Conforme ressalta Barbé et al (2005),
“A Teoria Antropológica do Didático considera que a noção de Organização
Praxeológica pode ser aplicada a qualquer forma de atividade humana, e
não apenas para a matemática. Em particular, ela pode ser usada para
descrever a prática do professor e do aluno em termos de Praxeologias
didática ou organizações didática.” (idem, p. 239). Tradução livre.
Esse aspecto estrutural da TAD é expresso pelo conjunto formalmente
referenciado por [Τ,τ,θ,Θ], onde T representa tipo de tarefa, a qual pode se
ramificar em inúmeras tarefas [t], τ representa a técnica, θ a tecnologia e Θ remete a
teoria (CHEVALLARD, 1999). Chevallard chama a atenção para o fato de que a
Praxeologia é posta como uma “organização” que profere dois blocos distintos,
porém correlacionados: o bloco prático-técnico[Τ,τ ], o qual pode ser entendido
como o saber-fazer, e o bloco tecnológico-teórico[θ,Θ], ligado ao saber, ou
melhor, um discurso lógico que permita justificar ocorridos no bloco prático-teórico.
1
Para maiores informações vide, p. ex.: http://www.brfirst.org Acesso em 10 de maio de 2012.
2
Vide, p. ex.: http://www.sesisp.org.br/robotica/competicao.asp Acesso em 10 de maio de 2012.
5
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
Para que uma Praxeologia seja especificada é necessária a compreensão
de seus termos constituintes, neste sentido, vamos discutir brevemente o conjunto
[Τ,τ,θ,Θ]. No contexto da RE voltada para o ensino de física no nível médio de
escolarização, isso se faz necessário para que possamos evidenciar os estágios e
momentos da atividade, analisando-a em termos de práxis e logos, ou seja,
investigar o saber-fazer e o discurso lógico presente na mesma.
Bloco prático-técnico [Τ,τ ]
De acordo com a TAD, tudo aquilo que é solicitado para uma pessoa fazer,
mediado por verbos, pode ser designado como tarefa. Neste sentido, tarefa evoca
uma ação, um modo de realizar algo, perfazendo assim o bloco pratico-técnico de
uma Organização Praxeológica. É uma ramificação de uma rede mais ampla
chamada pelo autor de tipo de tarefa [T]. Quando uma tarefa t está relacionada com
um tipo de tarefa T, dizemos que [t ∈ T]. O conceito de tarefa supõe um objeto
relativamente preciso. Calcular o limite remete a um tipo de tarefa, porém, calcular
apenas, não remete. Neste caso, calcular (somente!) é o que Chevallard chama de
um gênero de tarefas, a qual, por sua vez, demanda uma determinação.
No contexto da Robótica Educacional, a compreensão da noção de tarefa é
de suma importância, uma vez que as atividades, mesmo que estejam tratando de
uma única fenomenologia ou conceito físico, podem demandar um conjunto amplo
de “fazeres”, desde a montagem dos “robôs” até a programação e cálculo das
grandezas físicas em jogo e uso adequado dos sensores e módulos de
processamento. Portanto, podemos ter um tipo de tarefa T que seja “calcular a
velocidade do veículo”, a qual engloba uma tarefa “t“ (calcular a velocidade do
veículo em MRU usando dados coletados pelo sensor de luz ...), tudo isso dentro de
um gênero “calcular”.
Uma Praxeologia relativa a T (tipo de tarefa) requer uma maneira de fazer,
resolver t ∈ T. A esta maneira Chevallard dá o nome de Técnica [τ]. Assim, Técnica
faz referência direta a maneira de realizar determinada t ∈ T, neste sentido, trata-se
de um ‘saber-fazer’. Uma técnica τ só tem sentido quando ligada a uma Tarefa a
qual ela é relativa. Este par é entendido como um bloco prático-técnico [Τ,τ ]
(CHEVALLARD, 1999).
Desse modo, se a execução de T ou t, a princípio, supõe adoção de
determinada técnica, será que a justificativa para essa adoção está clara na
atividade para o estudante e/ ou professor? Essa questão é de suma importância
quando olhamos para a RE, uma vez que determinadas técnicas [τ] podem ser
justificadas apenas por sua eficiência, sem de fato haver uma compressão mais
aprofundada sobre os princípios físicos e/ ou matemáticos em jogo (p. ex.: Em
lançamento de projéteis, pode-se chegar a conclusão, por tentativa e erro, que o
ângulo que possibilita atingir maior alcance é o de 45º, entretanto, é preciso uma
discussão mais profunda sobre o movimento bidimensional e de trigonometria para
justificar e compreender o porque se adota tal ângulo como técnica para se obter um
maior alcance).
Bloco tecnológico-teórico [θ,Θ]
Um dos componentes desse bloco, a Tecnologia, representada pela letra
grega theta [θ], trata do discurso que interpreta e justifica a Técnica [τ]. É importante
6
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
destacar que a Tecnologia aqui tratada não traz o mesmo sentido cotidianamente
enraizado. De acordo com a TAD, Tecnologia é visto como um discurso racional que
busca esclarecer e clarificar determinada Técnica, justificar seu uso e/ ou eficiência,
tendo em suas atribuições tornar inteligível τ, assegurar seu êxito e favorecer, dentro
do possível, o surgimento de novas Técnicas [τ1, τ2, ...]. Assim, θ visa o tripé:
Justificação – Explicação – Produção de novas Técnicas (ibidem).
Uma Tecnologia, em geral, sempre se encontra embasado por uma Teoria,
representada na TAD pela letra Θ. Assim, Teoria é entendida como um discurso
mais amplo que serve para interpretar e justificar a tecnologia. De um modo geral, Θ
em relação à θ (tecnologia), desempenha o mesmo papel que esta tem com relação
à Técnica (τ) (DIOGO et al., 2007). Tecnologia e Teoria formam o que Chevallard
(1999) chama de bloco tecnológico-teórico [θ, Θ], estritamente ligado ao ‘saber’. Uma
Teoria [Θ], pode propiciar várias tecnologias θj, as quais podem vir a justificar e torna
inteligível Técnicas τij necessárias a Tipos de tarefas Tij. Assim, é quase que
inevitável a ocorrência de junções entre os constituintes elementares, vindo a formar
as Praxeologias locais [Ti, τi, θ, Θ], centradas em uma mesma tecnologia. Desse
modo, podemos ter vários ‘saber-fazer’ justificados pelo mesmo ‘saber’.
Como não estamos interessados apenas na execução de determinada tarefa
no contexto da RE por ela própria (um fazer descomprometido), percebemos que a
noção de Praxeologia pode auxiliar de modo a evidenciar e interligar o bloco prático-
técnico com o tecnológico-teórico presente naquela atividade. Isso, direta ou
indiretamente, favorece também a sistematização e análise desse material de tal
modo que o professor e/ ou estudante sejam levados a desenvolverem,
minimamente, um discurso lógico e fundamentado para explicar e discutir a tarefa
realizada e, consequentemente, as técnicas envolvidas para sua execução.
Desenvolvimento de atividades por Verossimilhança Praxeológica
Nesta seção, iremos aplicar a noção de praxeologia, desenvolvida
anteriormente, para caracterizar atividades de ensino a serem realizadas com o
apoio de kits de robótica. Nossa intenção é mostrar que a robótica oferece meios de
produzir situações de ensino-aprendizagem via tarefas muito mais próximas
daquelas presentes nas situações reais da vida diária.
Nossa hipótese é que materiais dessa natureza potencializam a inserção de
uma vasta gama de contextos reais no desenvolvimento de atividades e
problemáticas, e ainda em diferentes níveis do processo educacional formal, do
Ensino Fundamental até o Ensino Técnico e Superior. Esta possibilidade de transpor
tarefas mais “verdadeiras" para as situações de ensino será por nós definida como
“Verossimilhança Praxeológica”. Desse modo, uma forma que encontramos para
desenvolver as atividades de RE no contexto de ensino e aprendizagem é avaliar o
grau de Verossimilhança Praxeológica possível de ser produzido numa sequencia
didática. Trata-se de analisar uma prática de referência, ou seja uma atividade
humana inserida numa situação real, verdadeira, levantando todos os seus
constituintes praxeológicos [Τ,τ,θ,Θ] e transpô-la, contextualizando-a para uma
atividade Praxeológica de ensino em sala de aula.
Vale ressaltar que estamos tratando aqui de uma contextualização didática
genuína na perspectiva proposta por Ricardo ( 2010). Tal contextualização não
meramente “reduz os aspectos sociais da educação científica ao espaço físico
proximal dos alunos”, mas sim preocupa-se em romper com as práticas tradicionais
7
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
de ensino, “a fim de que a realidade seja percebida e que se transforme em objeto
de reflexão [...]”, na expectativa de que “os saberes ensinados tenham sentido para
o aluno, na medida em que possam ser mobilizados em contextos fora dos muros
escolares.” (RICARDO, 2010, pp. 37-38).
Iremos a seguir apresentar uma situação didática construída com RE e
analisada com os instrumentos metodológicos oferecidos pela TAD
Situação 1: Transporte de cargas
Podemos aplicar a TAD e exemplificar a noção de Verossimilhança
Praxeológica via uma situação de transporte de cargas, na qual se faz uso de uma
empilhadeira de pequeno porte, comum em supermercados atacadistas e lojas de
materiais de construção.
Um dos passos fundamentais para o desenvolvimento da atividade nessa
perspectiva é a investigação da prática de referência, a qual vai demandar a leitura
de textos e o acesso a materiais complementares, tais como manuais de operação e
normas de segurança e até mesmo consulta de um especialista. Desse modo,
acreditamos que o desenvolvimento de um Mapa Conceitual (MOREIRA, 2010) para
expor os resultados e conclusões, de forma minimamente organizada e sintetizada,
pode ser pensado como um produto final no cumprimento dessa etapa, resultante
desse processo de estudo, construído de forma colaborativa. Pela própria noção de
Mapa Conceitual (MC), ele pode ser modificado, ampliado e/ou ter reestruturado os
conceitos e suas correlações em qualquer momento, não havendo uma estrutura
que seja classificada como definitiva. O MC abaixo (Figura 01) tem seu
desenvolvimento guiado de forma a responder, minimamente, a seguinte questão
focal levantada nessa situação didática: Quais os principais componentes e
princípios físicos que regem o funcionamento de uma empilhadeira elétrica e como
se dá o transporte de cargas?
Figura 1: Mapa conceitual com destaque para os constituintes
físicos e princípio de funcionamento de uma empilhadeira elétrica.
8
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
Após essa fase de levantamento e análise, transpomos essa prática de
referência para uma situação de atividade de ensino em sala de aula, obedecendo,
minimamente, os elementos praxeológicos levantados/ identificados. Para
construção da empilhadeira, fizemos uso do Lego Mindstorms NXT (Figura 2a),
porém, qualquer outro material voltado para a robótica educacional pode ser
empregado.
Vários questionamentos e procedimentos podem ser feitos nesse momento,
tomando sempre como base o estudo inicial da prática de referência, tais como:
Além do peso da carga, que outro(s) fator(es) influencia(m) na capacidade de carga
da empilhadeira? – Se aumentar o tamanho dos garfos, o que acontece com o
equilíbrio da carga e capacidade de transporte? – Onde se encontra o ponto de
equilíbrio, uma vez que seu princípio de funcionamento é o mesma de uma
gangorra? Interessante notar que desse modo a atividade pode ter um caráter mais
investigativo, e o desafio proposto passa a ser em escala reduzida, constitui-se
agora em transportar de forma segura caixas de diferentes dimensões e distribuição
do centro de massa, contendo bolinhas de gude (Figuras 2b e 2c).
Figura 2: a) Empilhadeira construída via RE. b) e c) Empilhadeira utilizada para transporte
de cargas com centro de massa e dimensões diferentes. Foto: Talita Raquel Romero.
Toda a pesquisa desenvolvida para compor o mapa apresentado na Figura 1
é então aplicada para desenvolver essa montagem, inclusive as técnicas para
cumprir a tarefa de transportar a carga. A bateria e o próprio NXT (módulo de
processamento), além dos motores que acompanham o kit, são usados para formar
o contrapeso. As figuras 2b e 2c destacam a medição da distância entre o centro de
massa da carga e o eixo do pneu dianteiro, configurando-se como um braço de
alavanca. A torre de elevação vertical e garfos são montados com polias e vigas de
plástico, passíveis de conexão entre si, além de um barbante que simula uma
correia para elevar os garfos e a carga.
Ao que tange a dialética entre os blocos prático-técnico e o tecnológico-
teórico, ela praticamente permanece a mesma em sua essência quando inserida no
ambiente de sala de aula (comparado com a prática de referência), dentro de uma
Verossimilhança Praxeológica. De acordo com o exposto na Figura 1, é possível
identificar alguns elementos praxeológicos, por exemplo: [T] - transporte de cargas;
[τ1] - usar motores e bateria para servir de contra peso, [τ2] - aproximar da roda
dianteira o centro de massa da carga, configurando assim um braço de alavanca; [θ]
- adoção do princípio da alavanca, o qual justifica τ1 e τ2. De um modo geral, o
discurso se limita ao elemento θ para “explicar” o bloco prático-técnico. Entretanto,
apesar de ser mais sutil, podemos identificar na lei de conservação da energia o
elemento Θ (teoria), pois ao mesmo tempo que o contrapeso da empilhadeira realiza
trabalho, aplicando uma força peso sobre uma das extremidades do braço de
a) b) c)
9
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
alavanca responsável pela potência, a outra extremidade realiza trabalho sobre a
carga, mantendo a empilhadeira em equilíbrio estável.
Isso aponta para o potencial educacional da atividade quanto olhamos para o
ensino de física, uma vez que essa perspectiva favorece uma abordagem mais
ampla em termos dos constituintes da organização praxeológica que a compõem
[Τ,τ,θ,Θ], pois não se restringi apenas ao saber-fazer (bloco prático-técnico), mas
leva em consideração também o discurso lógico que a permeia e auxilia na
compreensão do saber-fazer (bloco tecnológico-teórico). Os momentos específicos
em que tais blocos e seus respectivos constituintes são explorados e discutidos em
sala de aula, seja pelo professor e/ou educando, são melhor tratados via o aspecto
funcional da TAD, descrito em termos de Momentos Didáticos (CHEVALLARD,
1999), o qual não foi possível explorar no presente trabalho, ficando para ocasião
oportuna.
Por fim, é interessante notar que além de praticamente toda uma Praxeologia
de referência poder ser trabalhada nessa escala, a Robótica Educacional permite
ainda explorar a atividade dentro de um enfoque investigativo, alterando e
analisando variáveis que de outra forma seriam impraticáveis em uma sala de aula
como, por exemplo, alterar a estrutura de uma empilhadeira e capacidade de carga.
Considerações finais
Nossa pesquisa envolve ainda análises de outras situações/atividades que
estão em desenvolvimento, tais como Frenagem, Colisões e Bate Estaca.
Entretanto, os estudos preliminares dão bons indícios para nortear os próximos
passos.
Resumidamente, percebemos que, quando se objetiva estimular o aluno a
refletir e interligar teoria e prática, os recursos oferecidos pela Robótica Educacional
poderiam ser utilizados ou referenciados durante o processo de ensino e
aprendizagem levando em consideração dois blocos, os quais necessitam estar
muito bem interligados e trabalhados na atividade, o bloco prático-técnico e o
tecnológico-teórico. Percebemos ainda que a TAD, especialmente ao que tange sua
componente estrutural (Praxeologia), mostra-se como uma ferramenta Teórica
potencialmente adequada para entender os limites e possibilidades da robótica em
situações que envolvam tarefas que demandem conhecimento específico de Física.
Referências
CABRAL, C. P. (2011). Robótica educacional e resolução de problemas:
uma abordagem microgenética da construção do conhecimento. Dissertação
(Mestrado). Faculdade de Educação da UFRGS - Porto Alegre – RS.
CHEVALLARD, Y. (1999). El análisis de las prácticas docentes en la teoría
antropológica de lo didáctico. Recherches en Didactique des Mathématiques, v. 19,
n. 2, pp. 221-266. [Tradução de Ricardo Barroso Campos].
BARAK & ZADOK (2009). Robotics projects and learning concepts in
science, technology and problem solving. International Journal of Technology and
Design Education, v. 19, n. 3, pp. 289-307.
10
XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012
BARBÉ et al. (2005). Didactic Restrictions on the Teacher’s Practice: The
Case of Limits of Functions in Spanish High Schools. Educational Studies in
Mathematics. v. 59, n. 1-3, pp. 235-268.
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Possibilidades de Contribuição ao Ensino de Física. In: VI Encontro Nacional de
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GIORDAN, M. (2006). Uma perspective sociocultural para os estudos sobre
elaboração de significados em situações de uso do computador na Educação em
Ciências. Livre-docência. FEUSP, Universidade de São Paulo (USP).
LOWE et al. (2008). Robots in the introductory physics laboratory. American
Association of Physics Teachers, v. 76, n.10, pp. 895-902.
MOREIRA, Marco A. (2010). Mapas conceituais e aprendizagem
significativa. 1ª edição. São Paulo: Centauro. ISBN 978-85-7928-005-4.
MIRANDA JUNIOR, M. R. (2005). Introdução ao uso da informática no
Ensino Médio. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Instituto de Física. Porto Alegre.
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experience. Computers & Education, v. 53, n.2, pp. 330-342.
RICARDO, E. (2010). Problematização e contextualização no ensino de
Física. In. Ensino de Física. Coleção ideias em ação. Anna Maria Pessoa de
Carvalho (org.). São Paulo: Cengage Learning. ISBN 978-85-221-1062-9.
ROUXINOL et al. (2011). Novas tecnologias para o ensino de física: um
estudo preliminar das características e potencialidades de atividades usando kits de
robótica. XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM.
SENA DOS ANJOS, A. J. (2008). As Novas Tecnologias e o uso dos
Recursos Telemáticos na Educação Científica: a simulação computacional na
educação em física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 25, n. 3, p. 569-600.
SOUZA et al. (2011). A placa Arduino: uma opção de baixo custo para
experiências de física assistidas pelo PC. Revista Brasileira de Ensino de Física, v.
33, n.1, pp. 1-5.

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Robótica Educacional no Ensino de Física

  • 1. XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 1 ROBÓTICA EDUCACIONAL NO ENSINO DE FÍSICA: ESTUDO PRELIMINAR SOB UMA PERSPECTIVA PRAXEOLÓGICA ROBOTICS EDUCATION IN PHYSICS TEACHING: A PRELIMINARY STUDY IN A PRAXEOLOGICAL PERSPECTIVE Milton Schivani 1 , Maurício Pietrocola 2 1 Programa de Pós-graduação/Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), schivani@usp.br 2 Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada/FEUSP, mpietro@usp.br Resumo A robótica encontra no ensino de ciências um campo novo de aplicações ainda por ser explorado. Apesar disso, pesquisas recentes revelaram grande potencial educacional, especialmente para o ensino de física, indicando tratar-se de ferramentas dinâmicas capazes de influenciar positivamente o processo de aprendizagem em diferentes situações e níveis de escolaridade. Por outro lado, não saber adequar pedagogicamente esse material, pode-se gerar atividades que reforçam apenas o uso limitado de técnicas para o cumprimento de determinadas tarefas, sem de fato haver uma preocupação com a componente conceitual. Ou ainda, não enxergar até onde está sendo contemplada (ou não) a pretensão/intenção didática em atividades que façam uso desse recurso. Por essa razão, objetivamos, essencialmente, fomentar a análise e, consequentemente, o desenvolvimento de atividades que, minimamente, tenham uma ressonância entre a prática (o “fazer”) com as teorias e os conceitos físicos tratados na mesma (o “porque”). Para isso, fundamentamos nossa investigação com base na Teoria Antropológica do Didático (TAD), a qual permite modelar o conhecimento por meio de uma organização denominada de Organização Praxeológica (OP), podendo ser empregada para entender as ações e atividades humanas onde é representa em termos de práxis (prática de determinada tarefa) e logos (indicando estudo de algo). Constatamos, dentre outras coisas, que as atividades podem ser desenvolvidas via o que denominamos de Verossimilhança Praxeológica (análise de uma prática de referência, levantando todos os seus constituintes praxeológicos, e transposta para uma atividade Praxeológica de ensino em sala de aula), além de identificar na TAD uma ferramenta Teórica potencialmente adequada para entender os limites e possibilidades da robótica em situações que envolvam tarefas que demandem conhecimento específico de Física. Palavras-chave: Robótica Educacional, Praxeologia, Verossimilhança Praxeológica, Ensino de Física. Abstract Robotics is the science teaching in a new field of applications yet to be explored. Nevertheless, recent research has shown great educational potential, especially for teaching physics, indicating the presence of dynamic tools that can positively influence the learning process in different situations and levels of education. On the other hand, not knowing how to adapt this material pedagogically,
  • 2. 2 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 can generate activities that reinforce only the limited use of techniques to accomplish certain tasks without really having a concern with the conceptual component. Or not see to where it is being addressed (or not) the claim / didactic intention in activities that make use of this feature. For this reason, we aim primarily to promote the analysis and hence the development of activities that, minimally, have a resonance between the practice ("doing") with the theories and concepts physics treated in the same (the "why".) For this, base our investigation based on the Anthropological Theory of Didactics (ATD), which allows the modeling of knowledge through an organization called Praxeological Organization (PO), which can be used to understand human actions and activities where it represents terms of praxis (practice of a given task) and logos (study indicating something). We found, among other things, that activities can be developed via what we call Praxeological Verisimilitude (analysis of a practical reference, raised all their constituents praxeological, and implemented an activity praxeological teaching in the classroom), and identify in a ATD Theoretical potentially adequate tool to understand the limits and possibilities of robotics in situations involving tasks that demand specific knowledge of physics. Keywords: Educational Robotics, Praxeology, Praxeological Verisimilitude, Physics Teaching Introdução O crescente aumento dos recursos e inovações tecnológicas trouxe novas situações de aprendizagem que vem sendo cada vez mais consideradas nos últimos tempos. Neste dinâmico quadro, deparamos-nos com os tablets, plataformas para programação, simulações computacionais, kits de robótica voltados para a educação tecnológica, além da própria Internet e demais recursos. Algumas pesquisas (SENA DOS ANJOS, 2008; GIORDAN, 2006; MIRANDA JUNIOR, 2005) indicam que tais ferramentas se caracterizam como meios potencializadores no auxílio e na transferência ao aluno da tarefa de criar, imaginar, construir e interagir com os saberes, além de possibilitar outras estratégias metodológicas a serem utilizadas pelo professor frente a tais inovações. A robótica encontra no ensino de ciências um campo novo de aplicações ainda por ser explorado. Conforme destaca Mitnik et al (2009), a maioria das aplicações estão direcionadas para ensinar assuntos intimamente relacionados à própria área da Robótica, tais como programação, construção de robôs, inteligência artificial, algoritmo e desenvolvimento. No entanto, pesquisas recentes revelaram grande potencial educacional, especialmente para o ensino de física, indicando tratar-se de ferramentas dinâmicas, capazes de influenciar positivamente o processo de aprendizagem em diferentes situações e níveis de escolaridade (CABRAL, 2011; MITNIK et al., 2009; BARAK & ZADOK, 2009, LOWE et al., 2008). Dentre os materiais disponíveis no mercado nacional hoje, identificamos duas possibilidades interessantes: a primeira, remete ao Lego Mindstorms NXT, kits de robótica voltados especialmente para a educação tecnológica (CABRAL, 2011), e a segunda, refere-se ao Arduino (SOUZA et al., 2011), uma plataforma de prototipagem eletrônica de hardware livre que tem por base um circuito com entradas e saídas de sinal digital e/ou analógica. Ambos (Lego e Arduino) possuem suas próprias vantagens e desvantagens. Dado o espaço deste trabalho não será
  • 3. 3 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 possível detalhar este aspecto, entretanto, questões sobre a aquisição no mercado nacional e a versatilidade devem receber maior atenção. Os kits da Lego são os mais conhecidos no âmbito da Robótica Educacional (RE), os quais acompanham motores, peças de plástico rígido em formato de vigas, tijolos cheios, placas, eixos, polias e engrenagens com diferentes dimensões e passivos de conexões entre eles, além de softwares, módulos de processamento e sensores (p. ex.: campo magnético, acelerômetro, ultrassom e rotação). Entretanto, apesar de se destacar em versatilidade, o preço elevado para aquisição de tais kits e sua pouca oferta no mercado nacional podem constituir-se em um obstáculo. O Arduino, por sua vez, também possui ampla versatilidade, fazendo uso de uma vasta gama de sensores e componentes. Porém, contrário aos componentes da Lego, são em sua maioria facilmente encontrados em lojas de eletrônica e a custo reduzido, além de contar com um software e hardware livres, o que amplia o número de aplicações. Entretanto, por estar em um nível mais fundamental em termos de eletroeletrônica, não há um padrão de fabricação/ aplicação dos componentes com os quais o Arduino se comunica (pode-se usar desde componentes extraídos de sucatas até sensores empregados na indústria e aeromodelismo), com isso a comunicação entre o hardware-hardware e hardware-software pode gerar obstáculos para o desenvolvimento das montagens. Por outro lado, contar com novos e emergentes recursos oferecidos pelas novas tecnologias não necessariamente implica no enriquecimento da aula. Conforme alerta Sena dos Anjos (2008), “[...] a simples existência dessas novas tecnologias num processo didático- pedagógico, não o torna mais rico, estimulante, desafiador e significativo para o aprendiz. Não saber adequar o uso pedagógico das novas tecnologias, significa permanecer tradicional usando novos e emergentes recursos” (ibidem, p.573). Entendemos permanecer no tradicional as formas de ensino que privilegiam e reforçam o uso de técnicas limitadas para resolução de problemas tradicionais, tais como os problemas típicos de física resolvidos apenas pela aplicação de fórmulas e substituição de variáveis. Ou ainda, a resolução de problemas por tentativa e erro sem de fato fazer uso de um raciocínio estruturado e lógico, embasado numa teoria ou conjunto de conceitos. No que tange a Robótica Educacional (RE), problemas e desafios solucionados por tentativas e erros não são incomum. Barak & Zadok (2009) destacam que: “A primeira questão da pesquisa que levantamos neste estudo foi: como fazer com que os alunos possam avançar com soluções criativas de problemas no contexto das atividades de robótica? As observações feitas no segundo e terceiro ano do presente estudo indicaram que no primeiro projeto, os alunos muitas vezes começavam a construir o sistema em que estavam trabalhando de imediato e prosseguiam por ciclos de tentativas e erros.” (BARAK & ZADOK , 2009, p. 303. Grifo nosso). Tradução livre. Em estudos anteriores (ROUXINOL et al., 2011) identificamos essa mesma postura: dependendo do problema a ser solucionado, os estudantes centravam sua atenção majoritariamente na técnica, na parte prática da atividade, sem muito se preocupar com o entendimento conceitual daquilo que estavam tratando, somente depois de algumas tentativas e erros é que “perceberam que a intuição inicial não dava conta de resolver a situação” (ibidem, p.7). De um modo geral, quando olhamos para as atividades de robótica, especialmente aquelas presentes em
  • 4. 4 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 campeonatos e torneios, a exemplo do FIRST (do inglês, For Inspiration and Recognition of Science and Technology)1 , onde os estudantes são direcionados para o cumprimento eficaz de determinada tarefa e/ ou desafio, a face emersa do iceberg que se observa remete justamente ao predomínio de técnica (s)2 . Quando pensamos a Robótica dentro de um processo educacional mais específico, especialmente no âmbito do ensino de física em nível médio, a componente conceitual/ teórica se torna naturalmente mais elevada e pertinente, presente em quase todo o processo formativo nesse estágio. Questão focal e objetivos Tomando como base a discussão anterior, uma das questões que levantamos aqui é: como poderíamos transpor uma situação real (p. ex.: colisões, transportes de cargas, frenagem, geoposicionamento, sistemas de comunicação, dentre outros.) para uma situação de atividade de ensino, com pretensões “reais” de se ensinar conceitos e tópicos de física? Ou ainda, tão importante quanto, desejamos analisar como está sendo contemplada (ou não) a pretensão/ intenção didática nesta atividade? Com isso, nosso objetivo principal nesse estudo constitui-se em fomentar a análise e, consequentemente, o desenvolvimento de atividades que, minimamente, tenham uma ressonância entre a prática (o “fazer”) com as teorias e os conceitos físicos tratados na mesma (o “porque”). A noção de Praxeologia Na busca de um referencial que permita analisar as questões colocadas anteriormente, apresentamos a Teoria Antropológica do Didático (TAD) (CHEVALARD, 1999) para fundamentar nossa investigação, bem como atingir os objetivos propostos e permitir modelar o conhecimento por meio de uma organização denominada de Organização Praxeológica (OP). Tal organização pode ser empregada para entender as ações e atividades humanas onde é representada em termos de práxis (prática de determinada tarefa) e logos (indicando estudo de algo). Conforme ressalta Barbé et al (2005), “A Teoria Antropológica do Didático considera que a noção de Organização Praxeológica pode ser aplicada a qualquer forma de atividade humana, e não apenas para a matemática. Em particular, ela pode ser usada para descrever a prática do professor e do aluno em termos de Praxeologias didática ou organizações didática.” (idem, p. 239). Tradução livre. Esse aspecto estrutural da TAD é expresso pelo conjunto formalmente referenciado por [Τ,τ,θ,Θ], onde T representa tipo de tarefa, a qual pode se ramificar em inúmeras tarefas [t], τ representa a técnica, θ a tecnologia e Θ remete a teoria (CHEVALLARD, 1999). Chevallard chama a atenção para o fato de que a Praxeologia é posta como uma “organização” que profere dois blocos distintos, porém correlacionados: o bloco prático-técnico[Τ,τ ], o qual pode ser entendido como o saber-fazer, e o bloco tecnológico-teórico[θ,Θ], ligado ao saber, ou melhor, um discurso lógico que permita justificar ocorridos no bloco prático-teórico. 1 Para maiores informações vide, p. ex.: http://www.brfirst.org Acesso em 10 de maio de 2012. 2 Vide, p. ex.: http://www.sesisp.org.br/robotica/competicao.asp Acesso em 10 de maio de 2012.
  • 5. 5 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 Para que uma Praxeologia seja especificada é necessária a compreensão de seus termos constituintes, neste sentido, vamos discutir brevemente o conjunto [Τ,τ,θ,Θ]. No contexto da RE voltada para o ensino de física no nível médio de escolarização, isso se faz necessário para que possamos evidenciar os estágios e momentos da atividade, analisando-a em termos de práxis e logos, ou seja, investigar o saber-fazer e o discurso lógico presente na mesma. Bloco prático-técnico [Τ,τ ] De acordo com a TAD, tudo aquilo que é solicitado para uma pessoa fazer, mediado por verbos, pode ser designado como tarefa. Neste sentido, tarefa evoca uma ação, um modo de realizar algo, perfazendo assim o bloco pratico-técnico de uma Organização Praxeológica. É uma ramificação de uma rede mais ampla chamada pelo autor de tipo de tarefa [T]. Quando uma tarefa t está relacionada com um tipo de tarefa T, dizemos que [t ∈ T]. O conceito de tarefa supõe um objeto relativamente preciso. Calcular o limite remete a um tipo de tarefa, porém, calcular apenas, não remete. Neste caso, calcular (somente!) é o que Chevallard chama de um gênero de tarefas, a qual, por sua vez, demanda uma determinação. No contexto da Robótica Educacional, a compreensão da noção de tarefa é de suma importância, uma vez que as atividades, mesmo que estejam tratando de uma única fenomenologia ou conceito físico, podem demandar um conjunto amplo de “fazeres”, desde a montagem dos “robôs” até a programação e cálculo das grandezas físicas em jogo e uso adequado dos sensores e módulos de processamento. Portanto, podemos ter um tipo de tarefa T que seja “calcular a velocidade do veículo”, a qual engloba uma tarefa “t“ (calcular a velocidade do veículo em MRU usando dados coletados pelo sensor de luz ...), tudo isso dentro de um gênero “calcular”. Uma Praxeologia relativa a T (tipo de tarefa) requer uma maneira de fazer, resolver t ∈ T. A esta maneira Chevallard dá o nome de Técnica [τ]. Assim, Técnica faz referência direta a maneira de realizar determinada t ∈ T, neste sentido, trata-se de um ‘saber-fazer’. Uma técnica τ só tem sentido quando ligada a uma Tarefa a qual ela é relativa. Este par é entendido como um bloco prático-técnico [Τ,τ ] (CHEVALLARD, 1999). Desse modo, se a execução de T ou t, a princípio, supõe adoção de determinada técnica, será que a justificativa para essa adoção está clara na atividade para o estudante e/ ou professor? Essa questão é de suma importância quando olhamos para a RE, uma vez que determinadas técnicas [τ] podem ser justificadas apenas por sua eficiência, sem de fato haver uma compressão mais aprofundada sobre os princípios físicos e/ ou matemáticos em jogo (p. ex.: Em lançamento de projéteis, pode-se chegar a conclusão, por tentativa e erro, que o ângulo que possibilita atingir maior alcance é o de 45º, entretanto, é preciso uma discussão mais profunda sobre o movimento bidimensional e de trigonometria para justificar e compreender o porque se adota tal ângulo como técnica para se obter um maior alcance). Bloco tecnológico-teórico [θ,Θ] Um dos componentes desse bloco, a Tecnologia, representada pela letra grega theta [θ], trata do discurso que interpreta e justifica a Técnica [τ]. É importante
  • 6. 6 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 destacar que a Tecnologia aqui tratada não traz o mesmo sentido cotidianamente enraizado. De acordo com a TAD, Tecnologia é visto como um discurso racional que busca esclarecer e clarificar determinada Técnica, justificar seu uso e/ ou eficiência, tendo em suas atribuições tornar inteligível τ, assegurar seu êxito e favorecer, dentro do possível, o surgimento de novas Técnicas [τ1, τ2, ...]. Assim, θ visa o tripé: Justificação – Explicação – Produção de novas Técnicas (ibidem). Uma Tecnologia, em geral, sempre se encontra embasado por uma Teoria, representada na TAD pela letra Θ. Assim, Teoria é entendida como um discurso mais amplo que serve para interpretar e justificar a tecnologia. De um modo geral, Θ em relação à θ (tecnologia), desempenha o mesmo papel que esta tem com relação à Técnica (τ) (DIOGO et al., 2007). Tecnologia e Teoria formam o que Chevallard (1999) chama de bloco tecnológico-teórico [θ, Θ], estritamente ligado ao ‘saber’. Uma Teoria [Θ], pode propiciar várias tecnologias θj, as quais podem vir a justificar e torna inteligível Técnicas τij necessárias a Tipos de tarefas Tij. Assim, é quase que inevitável a ocorrência de junções entre os constituintes elementares, vindo a formar as Praxeologias locais [Ti, τi, θ, Θ], centradas em uma mesma tecnologia. Desse modo, podemos ter vários ‘saber-fazer’ justificados pelo mesmo ‘saber’. Como não estamos interessados apenas na execução de determinada tarefa no contexto da RE por ela própria (um fazer descomprometido), percebemos que a noção de Praxeologia pode auxiliar de modo a evidenciar e interligar o bloco prático- técnico com o tecnológico-teórico presente naquela atividade. Isso, direta ou indiretamente, favorece também a sistematização e análise desse material de tal modo que o professor e/ ou estudante sejam levados a desenvolverem, minimamente, um discurso lógico e fundamentado para explicar e discutir a tarefa realizada e, consequentemente, as técnicas envolvidas para sua execução. Desenvolvimento de atividades por Verossimilhança Praxeológica Nesta seção, iremos aplicar a noção de praxeologia, desenvolvida anteriormente, para caracterizar atividades de ensino a serem realizadas com o apoio de kits de robótica. Nossa intenção é mostrar que a robótica oferece meios de produzir situações de ensino-aprendizagem via tarefas muito mais próximas daquelas presentes nas situações reais da vida diária. Nossa hipótese é que materiais dessa natureza potencializam a inserção de uma vasta gama de contextos reais no desenvolvimento de atividades e problemáticas, e ainda em diferentes níveis do processo educacional formal, do Ensino Fundamental até o Ensino Técnico e Superior. Esta possibilidade de transpor tarefas mais “verdadeiras" para as situações de ensino será por nós definida como “Verossimilhança Praxeológica”. Desse modo, uma forma que encontramos para desenvolver as atividades de RE no contexto de ensino e aprendizagem é avaliar o grau de Verossimilhança Praxeológica possível de ser produzido numa sequencia didática. Trata-se de analisar uma prática de referência, ou seja uma atividade humana inserida numa situação real, verdadeira, levantando todos os seus constituintes praxeológicos [Τ,τ,θ,Θ] e transpô-la, contextualizando-a para uma atividade Praxeológica de ensino em sala de aula. Vale ressaltar que estamos tratando aqui de uma contextualização didática genuína na perspectiva proposta por Ricardo ( 2010). Tal contextualização não meramente “reduz os aspectos sociais da educação científica ao espaço físico proximal dos alunos”, mas sim preocupa-se em romper com as práticas tradicionais
  • 7. 7 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 de ensino, “a fim de que a realidade seja percebida e que se transforme em objeto de reflexão [...]”, na expectativa de que “os saberes ensinados tenham sentido para o aluno, na medida em que possam ser mobilizados em contextos fora dos muros escolares.” (RICARDO, 2010, pp. 37-38). Iremos a seguir apresentar uma situação didática construída com RE e analisada com os instrumentos metodológicos oferecidos pela TAD Situação 1: Transporte de cargas Podemos aplicar a TAD e exemplificar a noção de Verossimilhança Praxeológica via uma situação de transporte de cargas, na qual se faz uso de uma empilhadeira de pequeno porte, comum em supermercados atacadistas e lojas de materiais de construção. Um dos passos fundamentais para o desenvolvimento da atividade nessa perspectiva é a investigação da prática de referência, a qual vai demandar a leitura de textos e o acesso a materiais complementares, tais como manuais de operação e normas de segurança e até mesmo consulta de um especialista. Desse modo, acreditamos que o desenvolvimento de um Mapa Conceitual (MOREIRA, 2010) para expor os resultados e conclusões, de forma minimamente organizada e sintetizada, pode ser pensado como um produto final no cumprimento dessa etapa, resultante desse processo de estudo, construído de forma colaborativa. Pela própria noção de Mapa Conceitual (MC), ele pode ser modificado, ampliado e/ou ter reestruturado os conceitos e suas correlações em qualquer momento, não havendo uma estrutura que seja classificada como definitiva. O MC abaixo (Figura 01) tem seu desenvolvimento guiado de forma a responder, minimamente, a seguinte questão focal levantada nessa situação didática: Quais os principais componentes e princípios físicos que regem o funcionamento de uma empilhadeira elétrica e como se dá o transporte de cargas? Figura 1: Mapa conceitual com destaque para os constituintes físicos e princípio de funcionamento de uma empilhadeira elétrica.
  • 8. 8 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 Após essa fase de levantamento e análise, transpomos essa prática de referência para uma situação de atividade de ensino em sala de aula, obedecendo, minimamente, os elementos praxeológicos levantados/ identificados. Para construção da empilhadeira, fizemos uso do Lego Mindstorms NXT (Figura 2a), porém, qualquer outro material voltado para a robótica educacional pode ser empregado. Vários questionamentos e procedimentos podem ser feitos nesse momento, tomando sempre como base o estudo inicial da prática de referência, tais como: Além do peso da carga, que outro(s) fator(es) influencia(m) na capacidade de carga da empilhadeira? – Se aumentar o tamanho dos garfos, o que acontece com o equilíbrio da carga e capacidade de transporte? – Onde se encontra o ponto de equilíbrio, uma vez que seu princípio de funcionamento é o mesma de uma gangorra? Interessante notar que desse modo a atividade pode ter um caráter mais investigativo, e o desafio proposto passa a ser em escala reduzida, constitui-se agora em transportar de forma segura caixas de diferentes dimensões e distribuição do centro de massa, contendo bolinhas de gude (Figuras 2b e 2c). Figura 2: a) Empilhadeira construída via RE. b) e c) Empilhadeira utilizada para transporte de cargas com centro de massa e dimensões diferentes. Foto: Talita Raquel Romero. Toda a pesquisa desenvolvida para compor o mapa apresentado na Figura 1 é então aplicada para desenvolver essa montagem, inclusive as técnicas para cumprir a tarefa de transportar a carga. A bateria e o próprio NXT (módulo de processamento), além dos motores que acompanham o kit, são usados para formar o contrapeso. As figuras 2b e 2c destacam a medição da distância entre o centro de massa da carga e o eixo do pneu dianteiro, configurando-se como um braço de alavanca. A torre de elevação vertical e garfos são montados com polias e vigas de plástico, passíveis de conexão entre si, além de um barbante que simula uma correia para elevar os garfos e a carga. Ao que tange a dialética entre os blocos prático-técnico e o tecnológico- teórico, ela praticamente permanece a mesma em sua essência quando inserida no ambiente de sala de aula (comparado com a prática de referência), dentro de uma Verossimilhança Praxeológica. De acordo com o exposto na Figura 1, é possível identificar alguns elementos praxeológicos, por exemplo: [T] - transporte de cargas; [τ1] - usar motores e bateria para servir de contra peso, [τ2] - aproximar da roda dianteira o centro de massa da carga, configurando assim um braço de alavanca; [θ] - adoção do princípio da alavanca, o qual justifica τ1 e τ2. De um modo geral, o discurso se limita ao elemento θ para “explicar” o bloco prático-técnico. Entretanto, apesar de ser mais sutil, podemos identificar na lei de conservação da energia o elemento Θ (teoria), pois ao mesmo tempo que o contrapeso da empilhadeira realiza trabalho, aplicando uma força peso sobre uma das extremidades do braço de a) b) c)
  • 9. 9 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 alavanca responsável pela potência, a outra extremidade realiza trabalho sobre a carga, mantendo a empilhadeira em equilíbrio estável. Isso aponta para o potencial educacional da atividade quanto olhamos para o ensino de física, uma vez que essa perspectiva favorece uma abordagem mais ampla em termos dos constituintes da organização praxeológica que a compõem [Τ,τ,θ,Θ], pois não se restringi apenas ao saber-fazer (bloco prático-técnico), mas leva em consideração também o discurso lógico que a permeia e auxilia na compreensão do saber-fazer (bloco tecnológico-teórico). Os momentos específicos em que tais blocos e seus respectivos constituintes são explorados e discutidos em sala de aula, seja pelo professor e/ou educando, são melhor tratados via o aspecto funcional da TAD, descrito em termos de Momentos Didáticos (CHEVALLARD, 1999), o qual não foi possível explorar no presente trabalho, ficando para ocasião oportuna. Por fim, é interessante notar que além de praticamente toda uma Praxeologia de referência poder ser trabalhada nessa escala, a Robótica Educacional permite ainda explorar a atividade dentro de um enfoque investigativo, alterando e analisando variáveis que de outra forma seriam impraticáveis em uma sala de aula como, por exemplo, alterar a estrutura de uma empilhadeira e capacidade de carga. Considerações finais Nossa pesquisa envolve ainda análises de outras situações/atividades que estão em desenvolvimento, tais como Frenagem, Colisões e Bate Estaca. Entretanto, os estudos preliminares dão bons indícios para nortear os próximos passos. Resumidamente, percebemos que, quando se objetiva estimular o aluno a refletir e interligar teoria e prática, os recursos oferecidos pela Robótica Educacional poderiam ser utilizados ou referenciados durante o processo de ensino e aprendizagem levando em consideração dois blocos, os quais necessitam estar muito bem interligados e trabalhados na atividade, o bloco prático-técnico e o tecnológico-teórico. Percebemos ainda que a TAD, especialmente ao que tange sua componente estrutural (Praxeologia), mostra-se como uma ferramenta Teórica potencialmente adequada para entender os limites e possibilidades da robótica em situações que envolvam tarefas que demandem conhecimento específico de Física. Referências CABRAL, C. P. (2011). Robótica educacional e resolução de problemas: uma abordagem microgenética da construção do conhecimento. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação da UFRGS - Porto Alegre – RS. CHEVALLARD, Y. (1999). El análisis de las prácticas docentes en la teoría antropológica de lo didáctico. Recherches en Didactique des Mathématiques, v. 19, n. 2, pp. 221-266. [Tradução de Ricardo Barroso Campos]. BARAK & ZADOK (2009). Robotics projects and learning concepts in science, technology and problem solving. International Journal of Technology and Design Education, v. 19, n. 3, pp. 289-307.
  • 10. 10 XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Maresias – 2012 BARBÉ et al. (2005). Didactic Restrictions on the Teacher’s Practice: The Case of Limits of Functions in Spanish High Schools. Educational Studies in Mathematics. v. 59, n. 1-3, pp. 235-268. DIOGO, R. C.; et al. (2007). A Teoria Antropológica do Didático: Possibilidades de Contribuição ao Ensino de Física. In: VI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (VI ENPEC), Florianópolis/SC. GIORDAN, M. (2006). Uma perspective sociocultural para os estudos sobre elaboração de significados em situações de uso do computador na Educação em Ciências. Livre-docência. FEUSP, Universidade de São Paulo (USP). LOWE et al. (2008). Robots in the introductory physics laboratory. American Association of Physics Teachers, v. 76, n.10, pp. 895-902. MOREIRA, Marco A. (2010). Mapas conceituais e aprendizagem significativa. 1ª edição. São Paulo: Centauro. ISBN 978-85-7928-005-4. MIRANDA JUNIOR, M. R. (2005). Introdução ao uso da informática no Ensino Médio. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Física. Porto Alegre. MITNIK et al. (2009). Collaborative robotic instruction: A graph teaching experience. Computers & Education, v. 53, n.2, pp. 330-342. RICARDO, E. (2010). Problematização e contextualização no ensino de Física. In. Ensino de Física. Coleção ideias em ação. Anna Maria Pessoa de Carvalho (org.). São Paulo: Cengage Learning. ISBN 978-85-221-1062-9. ROUXINOL et al. (2011). Novas tecnologias para o ensino de física: um estudo preliminar das características e potencialidades de atividades usando kits de robótica. XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM. SENA DOS ANJOS, A. J. (2008). As Novas Tecnologias e o uso dos Recursos Telemáticos na Educação Científica: a simulação computacional na educação em física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 25, n. 3, p. 569-600. SOUZA et al. (2011). A placa Arduino: uma opção de baixo custo para experiências de física assistidas pelo PC. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 33, n.1, pp. 1-5.