2 portugal global maio2012_a minha experiência na arquitectura global
1. DESTAQUE
EXPERIÊNCIA NA
> OR DANIEL LOBO, ARQUITECTO
P
A minha viagem pelo universo inter-
nacional da arquitectura começou em
2004 com um período de estudo em
Milão, no âmbito do programa Eras-
mus, e veio a culminar em 2011 com
um MSc em Estudos Urbanos na Uni-
versity College London. No entanto, foi
a minha curta estadia num atelier de
arquitectura no estrangeiro que acabou
por constituir o elemento de charneira
nesta viagem. É precisamente essa ex-
periência que eu pretendo aqui contar.
Tendo tido boas experiências em an-
teriores estadias no estrangeiro e uma
grande vontade de conhecer outras
culturas, foi fácil encontrar boas ra-
zões para procurar outros destinos. Em
2005, a Europa apresentava-se clara-
mente como um mercado de trabalho
que em muito excedia o mercado na-
cional, com muitas e diversas oportuni-
dades, e o acesso a um salário.
Na altura, o que se fazia nos ateliers de
arquitectura na Holanda era de algum
modo aliciante, uma vez que apelava a
um pragmatismo e a uma democratici-
dade de pensar e criar espaço, que em-
bora influenciada pelo que se tem cha-
Extensão do Teatro de Breda, Holanda, 2005
22 // Maio 12 // Portugalglobal
2. DESTAQUE
ARQUITECTURA GLOBAL
mado de “economia da experiência”, Tive também o privilégio de trabalhar bro efectivo da Ordem dos Arquitectos e
muito faltava nas práticas de arquitectura directamente com o arquitecto Herman assim a possibilidade de poder exercer a
portuguesa. Foi na Holanda que inicial- Hertzberger, o qual tinha sido desde profissão de arquitecto em Portugal.
mente me propus trabalhar. O conceito cedo uma das minhas principais referên-
“Economia da Experiência” defende que cias durante a licenciatura. Tendo sido A experiência no atelier Foster and Part-
há uma economia baseada na memória influente na teoria da arquitectura e o ners foi bastante diferente da que havia
que determinada empresa ou instituição principal defensor do estruturalismo na tido no atelier Herman Hertzberger. Em
criou no seu cliente/público-alvo decor- Holanda, a arquitectura de Hertzberge vez dos 35 elementos com quem tinha
rente de uma orquestração de eventos sempre expressou uma forte ideologia trabalhado, passei a pertencer a um
memoráveis – a experiência – a qual po- sócio-espacial, com base em realizações grupo de cerca de 900 pessoas. Equipa
derá produzir um valor acrescentado a bem sucedidas do passado de auto- esta extremamente heterogénea, a nível
um produto ou serviço e ser por isso co- res como Bramante, Palladio, Aldo van etário, de origem (mais de 50 naciona-
brado na medida da transformação que Eycke, Jaap Bakema, e numa visão que lidades), de formação académica (em
a experiência proporciona. se projecta num futuro distante mas que que só metade eram arquitectos e os
serve as necessidades do presente. Viver restantes urbanistas, designers, enge-
Fui aceite no atelier Herman Hertzberge o dia-a-dia do seu atelier, sempre varia- nheiros do ambiente, fotógrafos, artis-
r(HH), em Amesterdão, onde realizei o do e imprevisível, e conseguir ler e ex- tas gráficos, maquetistas, etc.) e cuja
estágio académico. Pude dedicar-me por perimentar o génio da sua arte, resultou transitoriedade era grande, uma vez
inteiro ao desenvolvimento de ideias de numa fonte de energia inspiradora, com que o tempo médio de permanência no
projecto e ao seu processo de decisão momentos fantásticos de prazer intelec- atelier era de um ano e meio, ao contrá-
juntamente com arquitectos notáveis e tual que me deram nesta intensa experi- rio dos sete anos do atelier HH.
experientes, o que foi um privilégio. Em- ência a força de que precisava.
bora a língua tenha sido o maior desafio, Enquanto no atelier HH grande parte
uma vez que eu era o único estrangeiro Terminado o estágio académico e com dos projectos era na Holanda, no ate-
no atelier e nenhum de nós comunica- vontade de continuar a explorar outras lier FP os projectos eram mais inter-
va na língua materna, era com abertura cidades e outras práticas de arquitectu- nacionais. A diferença senti-a também
que interagíamos e que contrastávamos ra, fui convidado a trabalhar no atelier no ambiente de trabalho, uma vez que
culturalmente. Isto resultou numa apren- Foster and Partners (FP), em Londres, do ambiente calmo e reflexivo das salas
dizagem mútua e num redefinir de identi- onde viria a realizar o estágio profissional do edifício do atelier HH (uma antiga
dades extremamente enriquecedor. que me permitiria inscrever como mem- escola primária), comunicantes entre si
e com pés-direitos altos onde se distri-
buíam cinco ou seis postos de trabalho
e onde não era costume trabalhar fora
de horas, passei a partilhar uma sala
com cerca de 100 postos de trabalho
ocupados por equipas altamente com-
petitivas, num escritório aberto 24 ho-
ras, sete dias por semana.
A pressão e o acelerado ritmo de traba-
lho que se sentia no atelier FP muito
se parecia dever à pressão imposta pelos
seus poderosos clientes, intimamente
ligados ao mercado financeiro global,
como os grupos AIG, HSBC, Hermitage,
Stanhope ou a Masdar-Abu Dhabi Futu-
re Energy Company, os quais, determi-
nados nos seus avultados investimentos
imobiliários na ordem das dezenas ou
centenas de milhões de libras, e talvez
Portugalglobal // Maio 12 // 23
3. DESTAQUE
pressentindo o abrandamento do mer-
cado de capital que culminaria na crise
económico-financeira de 2007, viam
na concretização rápida e eficiente dos
seus projectos a conclusão de uma fase
que perecia e era urgente concluir.
O atelier tinha à sua disposição as con-
sultorias mais reconhecidas no mercado
internacional, orçamentos que permi-
tiam uma quase total liberdade de esco-
lha de materiais e sistemas construtivos
(por vezes criados propositadamente
para determinado projecto), mão-de-
obra altamente qualificada ao dispor do
arquitecto para que se pudesse concen-
trar exclusivamente no projecto. No en-
tanto, era no desenvolvimento de bases
sólidas para o projecto de arquitectura,
no qual eu tive a oportunidade de estar
por várias vezes envolvido, que o prin-
Casa Summit, TowerHamlets, Londres, 2007
cipal desafio se colocava. Uma vez en-
volto na onda de interesses puramente
economicistas, tornava-se clara a minha
necessidade de encontrar fortes bases
ideológicas que pudessem equilibrar o
potencial impacto sócio-espacial dos
projectos e considerar a sua preponde-
rância como importante factor pedagó-
gico e de celebração da criação humana.
Foi assim que, impulsionado pelos im-
pedimentos que tais desafios coloca-
vam às práticas em que estive envolvido
e numa tentativa de me envolver num
corpo de conhecimento mais abran-
gente, aprendendo a trabalhar com um
leque maior de ferramentas teóricas e
metodologias de pesquisa que pudes-
sem fazer frente a problemas de fundo
das populações, realizei o mestrado de
ciências sociais em estudos urbanos.
É com base nesta experiência que tenho
estado ultimamente interessado e a tra-
balhar em processos que melhor aprovei-
tem o poder da acção colectiva, da mo-
bilização de recursos, da criatividade e da
inovação para resolver os mais prementes
desafios sócio-espaciais, nomeadamente
o isolamento social e o declínio da vida
pública, a transição da dependência de
petróleo para uma sociedade resiliente e
ambientalmente justa, e o direito a uma
habitação decente para todos.
RuskinSquare, Croydon, Reino Unido., 2007 lobodanie@gmail.com
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