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ARTIGO ARTICLE                 365




Fatores de risco e preditores para o aborto
induzido: estudo de base populacional

Risk factors and predictors of induced abortion:
a population-based study




                                                                                   Maria Teresa Anselmo Olinto 1
                                                                                   Djalma de Carvalho Moreira-Filho                 2




                               Abstract                                            Introdução

1 Programa de Pós-graduação    This study aimed to identify key risk factors and   A Organização Mundial da Saúde estima que,
em Saúde Coletiva,
                               predictors of induced abortion. A cross-section-    no mundo todo, cerca de 500 mil mulheres
Universidade do Vale
do Rio dos Sinos,              al population-based study was conducted with        morrem a cada ano de causas relacionadas à
São Leopoldo, Brasil.          a representative sample of 3,002 women 15 to 49     gestação, sendo que 98% dessas ocorrem nos
2 Faculdade de Ciências
                               years of age in southern Brazil, randomly as-       países em desenvolvimento. Nesses locais, com-
Médicas, Universidade
Estadual de Campinas,          signed to answer questions on induced abortion      plicações de aborto são responsáveis por 15%
Campinas, Brasil.              using either the ballot-box method or the indi-     do total das mortes maternas a cada ano – em
                               rect questioning method. Socioeconomic, demo-       alguns casos, atinge cerca de 50% dessa morta-
Correspondência
M. T. A. Olinto                graphic, and reproductive data were obtained        lidade 1. Considera-se aborto induzido, ou abor-
Programa de Pós-graduação      through a pre-coded questionnaire. Data analy-      to provocado, o término da gestação devido à
em Saúde Coletiva,
Universidade do Vale
                               sis used epidemiological statistical inferences     interferência deliberada antes que o feto seja
do Rio dos Sinos.              and Bayes’ theorem to calculate a posteriori        capaz ter vida extra uterina, e inclui aqueles
Av. Unisinos 950, C. P. 275,   probability. Induced abortion was strongly as-      previstos ou não por lei.
São Leopoldo, RS
93022-00, Brasil.
                               sociated with fetal loss for all age groups. In         Em geral, países com leis restritivas ao abor-
mtolinto@unisinos.br           adolescents, the main predictors were low so-       to apresentam altas taxas de aborto inseguro 2.
                               cioeconomic level, low schooling, elevated school   No caso do Brasil, o Código Penal inclui o abor-
                               drop-out, and knowledge of a large number of        to entre os crimes contra a vida e prevê duas
                               contraceptive methods. For all other women, so-     exceções: nos casos de estupro e de risco para
                               cioeconomic characteristics and skin color were     a vida da mãe. A ilegalidade do aborto não tem
                               not associated with abortion. For women aged        impedido que ele ocorra indiscriminadamente
                               20 to 49 years, marital status and reproductive     entre as diferentes classes sociais no Brasil,
                               characteristics, including knowledge of contra-     mas, certamente, o fato de ter ou não compli-
                               ceptive methods, were the most frequent risk        cações pós-aborto é sócio e economicamente
                               factors and predictors of induced abortion.         dependente. Enquanto mulheres de classes so-
                                                                                   ciais mais privilegiadas recorrem ao aborto em
                               Women’s Health; Induced Abortion; Risk Factors      clínicas privadas com procedimentos seguros,
                                                                                   mulheres pertencentes a classes sociais menos
                                                                                   favorecidas são expostas a procedimentos in-
                                                                                   seguros 3, na maioria das vezes, realizados por
                                                                                   profissionais não especializados utilizando-se



                                                                                       Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
366    Olinto MTA, Moreira-Filho DC




                                         de técnicas perigosas que podem acarretar ris-     tudos de base populacional (4 a 10%), com um
                                         co de vida ou seqüelas irreversíveis 4.            poder estatístico de 80 a 90%, um erro alfa de
                                              O aborto induzido é um sério problema de      5% e uma razão de expostos para não-expostos
                                         saúde pública que ficou um longo período ali-      de 1:1 – devido à alocação para cada uma das
                                         jado dos debates dos diversos segmentos da         duas metodologias utilizadas na investigação
                                         sociedade e, principalmente, das decisões po-      do primeiro objetivo acima citado. Após algu-
                                         líticas neste país 5. Recentemente, o debate da    mas simulações, o tamanho de amostra esco-
                                         legalização do aborto ganhou espaço na mídia       lhido foi de 3.098, com uma probabilidade de
                                         devido à norma do Ministério da Saúde que          80% de detectar uma razão de prevalências de
                                         autoriza os médicos da rede pública a fazer        1,5 para uma prevalência de abortos em não-
                                         aborto em mulheres que aleguem ter engravi-        expostos de 5%. Prevendo-se possíveis perdas e
                                         dado por estupro, mesmo sem a apresentação         recusas, o tamanho de amostra foi aumentado
                                         do boletim de ocorrência policial.                 para 3.200 mulheres.
                                              Neste contexto, demógrafos, epidemiologis-        Para alcançar esse total de mulheres e sa-
                                         tas, sociólogos, antropólogos, entre outros pes-   bendo-se que nessa faixa etária encontra-se
                                         quisadores, têm o compromisso de fornecer          cerca de 0,92 mulher/domicílio, seria necessá-
                                         informações para subsidiar os debates atuais e     rio visitar cerca de 3.478 domicílios. Portanto,
                                         futuros. Portanto, faz-se urgente a realização     visitando setenta domicílios em cada um dos
                                         de investigações que estabeleçam a real mag-       cinqüenta setores censitários (entre os 258 exis-
                                         nitude do aborto induzido no Brasil e identifi-    tentes na cidade), seriam encontradas em mé-
                                         quem os fatores de risco envolvidos.               dia 64 mulheres por setor, atingindo o tama-
                                              Diversos métodos de investigação são pro-     nho de amostra calculado. A seleção dos cin-
                                         postos para o tema, dependendo do contexto e       qüenta setores censitários foi feita por meio de
                                         da finalidade específica da investigação 6. Em-    uma amostragem sistemática, o que garantiria
                                         bora existam vários estudos sobre o aborto in-     que as diferentes áreas da cidade fossem repre-
                                         duzido, ainda são poucos os que utilizam amos-     sentadas – e, portanto, os diversos grupos só-
                                         tras representativas, de base populacional e       cio-econômicos. O passo seguinte no processo
                                         que visem a identificar fatores de risco, espe-    amostral foi a escolha do local em cada setor
                                         cialmente neste contexto de ilegalidade.           onde seria iniciado o trabalho de campo. Para
                                                                                            isso, mapas individuais dos setores censitários
                                                                                            foram desenhados e todas as quadras numera-
                                         Metodologia                                        das. Para cada um dos mapas, sorteava-se a
                                                                                            quadra inicial do trabalho e, nessa quadra, a
                                         Desenho                                            esquina inicial. Uma vez definido o ponto de
                                                                                            partida, as entrevistadoras eram orientadas a
                                         Foi realizado um estudo transversal de base        caminhar sempre para a mesma direção, a fim
                                         populacional com uma amostra representativa        de evitar viés de seleção, tal como entrevistar
                                         de 3.002 mulheres em idade reprodutiva (15 a       apenas as mulheres que morassem em casas de
                                         49 anos), residentes na zona urbana de Pelotas,    mais fácil acesso.
                                         Rio Grande do Sul, Brasil. Este estudo foi dese-
                                         nhado para atender dois objetivos: (1) compa-      Instrumentos
                                         rar duas metodologias para estimar a freqüên-
                                         cia de aborto induzido na população; e (2)         As informações sócio-econômicas, demográfi-
                                         identificar fatores de risco e preditores para o   cas e reprodutivas das mulheres da amostra fo-
                                         aborto induzido em mulheres de 15 a 49 anos.       ram coletadas por meio de um questionário
                                         Para atender cada um desses objetivos foram        geral aplicado por entrevistadoras a cada uma
                                         desenvolvidas diversas etapas de investigação.     das mulheres da amostra. As variáveis demo-
                                         O detalhamento dos métodos para atingir o          gráficas incluíram: idade, cor da pele/etnia (ob-
                                         primeiro objetivo encontra-se em outra publi-      servada pela entrevistadora), religião e estado
                                         cação 7. No presente artigo, encontram-se es-      civil. As variáveis sócio-econômicas incluíram:
                                         pecificados materiais e métodos utilizados pa-     escolaridade da mulher, renda familiar, ativi-
                                         ra atingir o segundo objetivo.                     dade atual (estuda e/ou trabalha e/ou dona-
                                                                                            de-casa) e domicílio com abastecimento de
                                         Amostra                                            água e/ou rede de esgoto. As informações so-
                                                                                            bre a vida reprodutiva das mulheres foram co-
                                         Para o cálculo do tamanho da amostra, vários       letadas por meio das seguintes variáveis: vida
                                         ensaios foram realizados com base nas estima-      sexual ativa (sim/não), uso de métodos contra-
                                         tivas de prevalência de aborto induzido em es-     ceptivos, problemas no uso de métodos con-



      Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO             367



traceptivos, esterilização (sim/não), conheci-       para um ou outro método. O questionário geral
mento de métodos contraceptivos, número de           era aplicado no início de cada entrevista e as
gestações, número de filhos (nascidos vivos),        perguntas sobre aborto eram realizadas ao fi-
desejo de ter mais filhos (sim/não) e perda fe-      nal da entrevista.
tal. A perda fetal foi avaliada por meio de variá-
veis: (1) variável “perda fetal” obtida por uma      Controle de qualidade
pergunta direta à mulher sobre ocorrência na
vida de alguma gravidez em que o filho tenha         Para assegurar o controle de qualidade das in-
nascido morto; (2) variável “perda fetal < 7m”       formações foram refeitas 5% das entrevistas
para as perdas ocorridas com menos de sete           utilizando-se um questionário simplificado. A
meses de gestação; e (3) variável “perda fetal I”    codificação dos questionários foi realizada pe-
informação de perda fetal obtida de forma in-        las entrevistadoras e revisada pela coordena-
direta, ou seja, através da subtração entre o re-    ção da pesquisa. A digitação dos dados seguiu
lato do número de gestações e o número de fi-        o procedimento de dupla entrada no programa
lhos tidos, excluindo-se aqueles que faleceram       Epi Info (Centers for Disease Control and Pre-
após o nascimento. Todas as perguntas refe-          vention, Atlanta, Estados Unidos), comparação
rentes à perda fetal, bem como as outras variá-      de digitações e análise de consistência.
veis que descreviam as características sócio-e-
conômicas, demográficas e reprodutivas foram         Análise dos dados
coletadas antes das informações específicas de
aborto induzido.                                     A análise dos dados, realizada no SPSS 8.0 (SPSS
     As informações sobre aborto induzido fo-        Inc., Chicago, Estados Unidos), constituiu-se
ram obtidas utilizando-se duas metodologias          de: análise bivariada entre as variáveis socioe-
diferentes, o método da urna e o método das          conômicas, demográficas e reprodutivas com a
questões indiretas. O detalhamento desses ins-       variável aborto (nível de significância p < 0,05);
trumentos e os resultados da comparação das          cálculo da probabilidade a posteriori com o ob-
estimativas de aborto obtidos em cada um de-         jetivo de otimizar as informações de aborto por
les encontram-se em outra publicação 7. Resu-        meio da transformação de dados agregados do
midamente, no método da urna as mulheres             método da urna para individuais; análise mul-
colocavam um “voto” sem identificação pes-           tivariada por meio de regressão logística con-
soal, apenas com informações sobre a ocorrên-        trolando para variáveis sócio-econômicas e de-
cia de aborto induzido e a sua idade. Todas as       mográficas que apresentaram significância es-
urnas eram identificadas por setor censitário,       tatística com p < 0,05; e análise estratificada
permitindo que as informações de aborto fos-         por idade para descrever os fatores de risco e
sem agregadas por cada um dos cinqüenta se-          preditores de aborto.
tores sorteados. O outro método, o das ques-
tões indiretas, investigava aborto por meio de       Aspectos éticos
uma pergunta indireta sobre gravidez indese-
jada aplicada a cada uma das mulheres, permi-        O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Co-
tindo a informação no nível individual. Mais         mitê de Ética e Pesquisa da Universidade Fede-
detalhes sobre a estrutura desse método po-          ral de Pelotas; todas as mulheres participaram
dem ser encontrados nas publicações de Hun-          livremente do estudo e foram informadas dos
tington et al. 8 e Olinto 9.                         passos e objetivos da pesquisa; no banco de
                                                     dados não foram ingressadas informações de
Entrevistas                                          identificação pessoal; após a digitação das in-
                                                     formações as identificações pessoais contidas
Todas as entrevistas foram realizadas nos do-        nos questionários foram apagadas; e todo o
micílios por entrevistadoras, todas mulheres,        processo que envolveu a passagem de dados
maiores de 18 anos de idade e estudantes uni-        agregados para o nível individual foi realizado
versitárias da área de ciências humanas e da         com o total anonimato das mulheres, apenas
saúde, rigorosamente treinadas.                      utilizando-se de números.
    No início de cada setor era feito o sorteio de
qual método – método da urna ou das questões
indiretas – a entrevistadora deveria utilizar pa-    Resultados
ra a primeira mulher a ser entrevistada. A par-
tir do primeiro método sorteado, da urna ou          Com base nos cinqüenta setores censitários
das questões indiretas, as próximas mulheres         sorteados para o estudo, 3.857 domicílios fo-
em cada setor eram alocadas alternadamente           ram visitados e 3.154 mulheres de 15 a 49 anos



                                                                                    Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
368    Olinto MTA, Moreira-Filho DC




                                         localizadas. Após recusas e perdas (impossibi-      relataram ter um filho que nasceu morto, sen-
                                         lidade de contatar depois de três tentativas),      do que todos com idade gestacional menor do
                                         3.002 mulheres foram incluídas no estudo. O         que sete meses. No grupo de mulheres que não
                                         cálculo da estimativa inicial de 3.200 mulheres     abortaram apenas 13% relataram perda fetal.
                                         estava superestimado, ao invés de serem en-         Por meio da variável perda fetal avaliada de
                                         contradas 64 mulheres de 15 a 49 anos, em se-       forma indireta (“perda fetal I”) os resultados
                                         tenta domicílios, foram encontradas, em mé-         foram similares, ou seja, 96,6% das mulheres
                                         dia, sessenta mulheres.                             com aborto induzido tiveram perda fetal e ape-
                                             Todas as 3.002 mulheres responderam o           nas 19,6% no grupo de comparação.
                                         questionário geral para as informações sócio-           Como estratégia para aumentar a precisão
                                         econômicas, demográficas e reprodutivas. Para       dos coeficientes da análise multivariada, os da-
                                         as informações sobre aborto, 1.510 responde-        dos do nível agregado (provenientes das mu-
                                         ram pelo método das questões indiretas e 1.492      lheres alocadas no método da urna) foram
                                         pelo método da urna. A diferença de 18 mulhe-       transformados em dados individuais através
                                         res foi devido ao processo de alocação para um      do cálculo da probabilidade a posteriori da
                                         ou para o outro método ter sido realizado den-      mulher ter pelo menos um aborto induzido da-
                                         tro de cada setor censitário.                       do que tenha relatado perda fetal (probabilida-
                                             As 3.002 mulheres tinham em média 31 anos       de a priori), sem afetar a confidencialidade das
                                         de idade (IC95%: 30,6-31,4), 84% eram brancas,      informações.
                                         56% eram casadas ou viviam em união, 59%
                                         consideravam-se católicas, 50% tinham traba-        Probabilidade de perda fetal
                                         lho remunerado, tinham escolaridade média de        predizer aborto induzido
                                         8,5 anos (IC95%: 8,3-8,6) e 31% viviam com ren-
                                         da familiar igual ou inferior a três salários mí-   Baseando-se nas associações de aborto induzi-
                                         nimos. Quanto às condições de moradia, 84%          do com perda fetal foi calculada a probabilida-
                                         das casas apresentavam sanitários com descar-       de a posteriori para cada uma das três variá-
                                         ga e, 96% água encanada no seu interior (dados      veis, “perda fetal”, “perda fetal < 7m” e “perda
                                         não apresentados em tabela).                        fetal I” e para resposta positiva nessas três va-
                                             No total da amostra, 165 mulheres relata-       riáveis ao mesmo tempo. Para isso, utilizou-se
                                         ram ter provocado aborto, sendo 58 relatos pe-      o cálculo das verossimilhanças (sensibilidade e
                                         lo método das questões indiretas e 107 pelo         especificidade) de cada uma delas, as probabi-
                                         método das urnas, respectivamente, uma ocor-        lidades a priori, as chances pré e pós-testes e
                                         rência de 3,8% e 7,2%. O relato de aborto apre-     as probabilidades a posteriori das três variáveis
                                         sentou um aumento linear com a idade das mu-        para aborto induzido. As probabilidades a pos-
                                         lheres, 1,6%, 3,1%, 6,5% e 9%, respectivamente,     teriori para cada uma das variáveis isolada-
                                         para os grupos de 15 a 19 anos, 20 a 29, 30 a 39    mente foram 35,9%, 37,8% e 27%, respectiva-
                                         e 40 a 49 anos de idade (p < 0,001). Todas as ou-   mente para “perda fetal”, “perda fetal < 7m” e
                                         tras variáveis presentes no questionário geral,     “perda fetal I”. No entanto, observou-se que as
                                         que poderiam ser preditores ou fatores de risco     mulheres com respostas positivas nas três va-
                                         para o desfecho, foram testadas utilizando-se       riáveis relacionadas com perdas fetais tiveram
                                         de análises bivariadas no grupo de mulheres         uma probabilidade de 95,6% de terem induzi-
                                         do método das questões indiretas. As variáveis      do pelo menos um aborto. A Tabela 2 detalha
                                         estado civil, religião, conhecimento de méto-       todas as etapas para o cálculo da probabilida-
                                         dos contraceptivos, problemas com uso de mé-        de a posteriori.
                                         todos contraceptivos, desejo de ter mais filhos         A elevada probabilidade de respostas posi-
                                         e perdas fetais apresentaram associação esta-       tivas nas três variáveis de história de perda fe-
                                         tisticamente significativa (p ≤ 0,05). Nenhuma      tal permitiu, com razoável segurança, que es-
                                         das variáveis sócio-econômicas apresentou as-       sas informações fossem utilizadas como filtro
                                         sociação estatisticamente significativa com         na transformação de dados do nível agregado
                                         aborto induzido. Também não foi observada di-       obtidos utilizando-se o método da urna para o
                                         ferença no relato de aborto segundo a cor da pe-    nível individual. Ao final dessa transformação,
                                         le. Observou-se que, quase a totalidade das mu-     obteve-se 147 informações no nível individual
                                         lheres com aborto induzido tiveram perdas fetais.   de mulheres com relato de aborto induzido,
                                             A Tabela 1 detalha a associação de perda fe-    sendo 58 provenientes do método das questões
                                         tal e relato de aborto induzido para as mulhe-      indiretas e 89 do método da urna. Nessa trans-
                                         res selecionadas para o método das questões         formação, em 18 questionários as mulheres
                                         indiretas. De acordo com a variável “perda fe-      não preencheram os critérios de perda fetal,
                                         tal”, 94,8% das mulheres com aborto induzido        portanto, entre as 107 mulheres com relato de



      Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO              369



aborto induzido pelo método da urna, ficaram                          Tabela 1
disponíveis no nível individual informações de
89 mulheres.                                                          Associação entre relato de aborto induzido e de perda fetal para as mulheres
    A Tabela 3 mostra os principais fatores de                        alocadas para o método das questões indiretas (n = 1.510).
risco e preditores para as 147 mulheres com re-
lato de aborto. O grupo que induziu aborto                              Variáveis para investigar                             Relato de aborto induzido
                                                                                                                           (método das questões indiretas)
apresentou, no momento da entrevista, mais
                                                                                                                               Sim                 Não
mulheres separadas/divorciadas, vivendo em                                                                                   (n = 58)          (n = 1.452)
união estável (morando com companheiro) e                                                                                   %        n          %       n
sem religião. Mais da metade das mulheres que
induziram aborto não queriam ter mais filhos                            Perda fetal*

e tiveram problemas com métodos contracep-                                Sim                                              94,8      55           13,1       190

tivos, bem como, eram mais esterilizadas e                                Não                                               5,2       3           86,9     1.262

apresentavam maior conhecimento dos méto-
                                                                        Perda fetal < 7m*
dos contraceptivos existentes. Como era espe-
                                                                          Sim                                              94,8      55           12,0       175
rado, pelo procedimento de transformação dos
                                                                          Não                                               5,2       3           87,9     1.277
dados, 99% das mulheres com aborto induzido
haviam relatado no questionário ter tido um fi-                         Perda fetal I (avaliada indiretamente)
lho que nasceu morto com menos de sete me-                                Sim                                              96,6      56           19,6       284
ses de gestação.                                                          Não                                               3,4       2           80,4     1.168
    Foi realizada uma análise multivariada com
a amostra total de 3.002 mulheres, incluindo                          * Significância estatística: p < 0,001.
                                                                      Perda fetal = obtida por meio do relato de alguma gravidez com filho nascido morto;
todas as variáveis que haviam apresentado as-                         Perda fetal < 7m = obtida por meio do relato de alguma perda com menos
sociação estatística com aborto na análise bi-                        de sete meses de gravidez;
                                                                      Perda fetal I = calculada por meio da subtração entre o número de gestações
variada controlando pela idade das mulheres                           e o número de filhos, excluindo aqueles que faleceram após o nascimento.
( Tabela 4). Após o ajuste, perderam a signifi-




Tabela 2

Verossimilhanças, probabilidade a priori, chances pré e pós-testes e probabilidade a posteriori
para as três variáveis relacionadas com perda fetal.


                                                        Perda fetal        Perda fetal      Perda fetal I      Com as três
                                                                              < 7m                              variáveis

                     N = 1.510 e prevalência de aborto induzido (método das questões indiretas) = 3,8%
  Verossimilhança para teste    +                         94,8%                 94,8%          96,6%
  (Sensibilidade )                                      (84,7-98,7)        (84,7-98,7)       (87,0-99,4)
  Verossimilhança para teste    –                         86,9%                 87,9%          80,4%
  (Especificidade)                                      (85,0-88,6)        (86,1-89,6)       (78,3-82,4)
  Razão de probabilidades                                  7,24                  7,83           4,93
  (Sensibilidade/1-especificidade)

                        N = 1.492 e prevalência de aborto induzido (método da urna) = 7,2% (0,072)
  Probabilidade a posteriori                              35,8%                 37,5%          27,5%
  (Valor preditivo +)                                   (30,3-41,7)        (31,8-43,7)       (23,1-32,4)

  Chance pré-teste
  (probabilidade a priori/(1-probabilidade a priori) = (0,072/1-0,072)                                            0,0776
  Chance pós-teste
  (chance pré-teste x π Razões de probabilidades) = (0,072 x 7,24 x 7,83 x 4,93)                                   21,69

  Probabilidade a posteriori para as três variáveis de perda fetal
  (chance pós-teste/(1+chance pós-teste) = (21,69/(1+21,69)                                                       95,6%

Perda fetal = obtida por meio do relato de alguma gravidez com filho nascido morto;
Perda fetal < 7m = obtida por meio do relato de alguma perda com menos de sete meses de gravidez;
Perda fetal I = calculada por meio da subtração entre o número de gestações e o número de filhos,
excluindo aqueles que faleceram após o nascimento.



                                                                                                       Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
370    Olinto MTA, Moreira-Filho DC




                                         Tabela 3

                                         Comparação das características demográficas e reprodutivas das 147 mulheres que induziram
                                         aborto com o restante da amostra (n = 3.002).


                                            Características com diferenças                              Relato de aborto induzido
                                            significativas                                   Não induziram (n = 2.855) Induziram (n = 147)
                                                                                                    %        n              %       n

                                            Estado civil
                                              Casada                                               47,2    1.348                47,6    70   p = 0,001
                                              Em união                                              9,1      259                15,6    23
                                              Separada/Divorciada                                   6,7      192                12,2    18
                                              Solteira                                             34,9      997                23,1    34
                                              Viúva                                                 2,1       59                 1,4     2

                                            Mora com companheiro                                   10,4      297                18,4    27   p = 0,002

                                            Religião
                                              Católica                                             59,9    1.710                44,9    66   p < 0,001
                                              Protestante                                          13,2      377                12,2    18
                                              Espírita                                             11,1      318                19,7    29
                                              Outras                                                6,4      184                10,9    16
                                              Não tem religião                                      9,3      266                12,2    18

                                            Não quer mais filhos                                   49,1    1.402                66,0    97   p < 0,001

                                            Perdas (número de gestações -                          18,9      539                90,5   133   p < 0,001
                                            número de nascidos vivos)*

                                            Filho que nasceu morto*
                                            Sim                                                    12,8      366                88,4   130   p < 0,001
                                              < 7 meses de gestação                                89,9      329                99,2   129   p < 0,001
                                              ≥ 7 meses de gestação                                10,1       37                 0,8     1

                                            Esterelizadas                                          10,2      290                17,0    25   p = 0,008

                                            Teve problemas com método contraceptivo                36,8      866                51,1    71   p < 0,001

                                            Conhecimento de contraceptivos                                    3,4                      3,8   p < 0,001
                                            (número médio de métodos)

                                         * Variáveis utilizadas na construção do desfecho final de aborto induzido (n = 147).




                                         cância estatística as variáveis referentes ao de-                 Para a melhor compreensão da dinâmica
                                         sejo de ter mais filhos e esterilização. Mulheres             dos fatores de risco e preditores do aborto in-
                                         vivendo em união consensual apresentaram                      duzido segundo as diferentes etapas das mu-
                                         um risco de induzir um aborto cerca de duas                   lheres durante a vida reprodutiva, foram reali-
                                         vezes maior comparado com as mulheres casa-                   zadas análises estratificadas por grupo etário.
                                         das. Esse fato pode ser confirmado pela variá-                Entre as 147 mulheres com aborto, oito tinham
                                         vel “mora com companheiro”, que apresentou                    idade de 15 a 19 anos, 27 mulheres de 20 a 29
                                         um risco três vezes maior. Não ter religião au-               anos, 51 de 30 a 39 e as 61 restantes de 40 a 49.
                                         mentou o risco de aborto em 100% comparado                    Para a menor faixa de idade (15 a 19 anos), o
                                         com as mulheres de religião católica. Conhecer                número de abortos foi muito pequeno inviabi-
                                         um maior número de métodos contraceptivos                     lizando a realização de testes de associação
                                         mostrou um aumento no risco de 50% para                       com aborto – possibilitando, apenas, observar-
                                         aborto, mesmo após o controle para idade.                     se tendências.
                                         Ainda na Tabela 4, pode ser observado um OR =                     A Tabela 5 apresenta, por faixa etária, um
                                         1,50 (IC95%: 1,1-2,1) para as mulheres que ti-                resumo dos principais preditores presentes na
                                         veram problemas com métodos contraceptivos.                   história de vida das mulheres, que apontam



      Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO             371



para o risco de praticar um aborto. Para as ado-         Tabela 4
lescentes os principais preditores foram ser de
famílias de baixa renda e estarem afastadas da           Análise multivariada (regressão logística) das variáveis associadas com aborto
escola; entre a idade de 20 e 29 anos, estarem           induzido, ajustadas para idade das mulheres (n = 3.002)*.
separadas ou divorciadas; para a idade de 30 a
39 anos, viverem com companheiro, isto é, em               Características                             OR              IC95%            p valor
união, terem tido problemas com métodos con-
                                                           Estado civil
traceptivos, terem maior conhecimento dos
                                                             Casada                                   1,00
métodos existentes e serem esterilizadas. Na
                                                             Em união                                 2,07           1,21-3,53         p = 0,015
última faixa etária, de 40 a 49 anos, embora um
                                                             Separada/Divorciada                      1,85           1,13-3,04
maior número de mulheres tenha pelo menos
                                                             Solteira                                 1,50           0,85-2,64
induzido um aborto em sua vida, observou-se
                                                             Viúva                                    0,30           0,04-2,25
uma homogeneidade de exposição, isto é, pra-
ticamente todas as mulheres vivenciaram as
                                                           Mora com companheiro**
diversas exposições ou situações de vida repro-
                                                             Não                                      1,00
dutiva testadas neste estudo.
                                                             Sim                                      3,15           1,56-6,38          p = 0,01

                                                           Religião
Discussão                                                    Católica                                 1,00
                                                             Protestante                              1,32           0,75-2,30          p = 0,02
Em epidemiologia, um fator de risco pode ter                 Espírita                                 1,71           1,05-2,78
dois significados principais: (a) um atributo ou             Outras                                   2,21           1,19-4,11
exposição que aumenta a probabilidade de                     Não tem religião                         2,00           1,14-3,51
ocorrência de doença ou outro desfecho espe-
cífico, sendo dito como determinante e (b) um              Quer mais filhos
atributo ou exposição associada com o aumen-                 Sim                                      1,00
to da probabilidade de ocorrência de doença                  Não                                      1,08           0,69-1,69         p = 0,744
ou outro desfecho específico, não necessaria-
mente como um fator causal, sendo denomi-                  Esterelizadas

nado um marcador, preditor ou indicador de                   Não                                      1,00

risco 10,11.                                                 Sim                                      0,88           0,54-1,43         p = 0,600

    O desenho transversal utilizado neste estu-
                                                           Teve problema com método
do não assegura a verificação da temporalida-              contraceptivo
de entre a causa e o efeito, isto é, entre os fato-          Não                                      1,00
res de risco e a ocorrência de aborto induzido.              Sim                                      1,50           1,05-2,14         p = 0,025
Por esse motivo, as características que apresen-
taram associação com aborto devem ser vistas               Conhecimento de contraceptivos
como preditores, mesmo que, em algum mo-                     ≤ 3 métodos                              1,00
mento na vida das mulheres, possam ter sido                  ≥ 4 métodos                              1,55           1,08-2,22         p = 0,017
reais fatores de risco. Além do mais, neste estu-
                                                         * As medidas para as três variáveis medindo perda fetal não são mostradas,
do foi considerada a indução do aborto em                uma vez que foram utilizadas na construção do desfecho final de aborto
qualquer momento da vida reprodutiva, com                induzido (n = 147);
                                                         ** A variável mora com companheiro foi analisada em um modelo independente
possibilidade de mais de um evento por mu-               de estado civil.
lher, o que contribui para a ocorrência de cau-
salidade reversa. O maior conhecimento de mé-
todos contraceptivos por parte das mulheres
que induziram aborto pode ser conseqüente a           tudos epidemiológicos, lida com a probabili-
esse viés.                                            dade de um conjunto de dados a partir de uma
    Usualmente, estudos sobre aborto induzi-          hipótese. Por outro lado, utilizar o teorema de
do exigem criatividade e combinação de meto-          Bayes empírico diz respeito à probabilidade de
dologias, tanto para a coleta de dados, bem co-       que uma hipótese, ou uma conclusão, seja ver-
mo na estimativa de suas taxas 6,12. Nosso estu-      dadeira frente aos dados observados 13.
do foi inovador na medida em que para a aná-              Utilizando-se da informação de que perda
lise e interpretação dos dados foram utilizados       fetal foi o fator que esteve mais fortemente as-
métodos estatísticos epidemiológicos e a apli-        sociado ao aborto induzido (informações a
cado o Teorema de Bayes para determinação             priori), foi possível o cálculo da probabilidade
das probabilidades a posteriori. A análise fre-       a posteriori. Com isso, pode ser observado que
qüentista, utilizada na grande maioria dos es-        as mulheres com respostas positivas nas três



                                                                                         Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
372    Olinto MTA, Moreira-Filho DC




                                         Tabela 5

                                         Principais preditores de aborto induzido por grupo de idade.


                                                                                         Grupos etários (anos)
                                            15 a 19*                   20 a 29                       30 a 39                         40 a 49

                                                                       Separadas ou divorciadas         Vivem em união
                                                                       (p = 0,06)                       (p = 0,04)
                                                                                                        Moram com companheiros
                                                                                                        (p < 0,001)
                                            Provêm de famílias
                                            com menor renda
                                            Não estudam ou têm
                                            baixa escolaridade
                                                                                                        Não têm religião             São espíritas
                                                                                                        (p = 0,03)                   (p = 0,01)


                                            Conhecem em média 3,5                                       Conhecem em média 4,0        Conhecem em média 3,6
                                            métodos contraceptivos                                      métodos contraceptivos       métodos contraceptivos
                                                                                                        (p < 0,001)                  (p = 0,02)
                                                                                                        Tiveram problemas com
                                                                                                        métodos contraceptivos
                                                                                                        (p = 0,08)
                                                                                                        Fizeram esterilização
                                                                                                        (p < 0,001)
                                            Relato de perda fetal      Relato de perda fetal            Relato de perda fetal        Relato de perda fetal
                                                                       (p < 0,001)                      (p < 0,001)                  (p < 0,001)

                                         * Para a faixa etária de 15 a 19 anos não foram realizados testes estatísticos de associação devido ao número
                                         reduzido de relato do aborto induzido. Estão sendo apresentadas as características mais freqüentes.




                                         variáveis relacionadas com perdas fetais ti-                   al. 16, onde foi encontrado um grande número
                                         nham uma probabilidade de 95,6% de terem                       de casos de perda fetal, relatados pelas mulhe-
                                         induzido pelo menos um aborto. Essa alta pro-                  res como espontâneos, mas classificados, pelo
                                         babilidade permitiu a passagem de dados agre-                  algorítimo proposto no estudo, como induzi-
                                         gados para individuais e, conseqüentemente,                    do. Cabe salientar que os valores para perda fe-
                                         aumentar a precisão na análise multivariada.                   tal encontrados no presente estudo foram su-
                                             Quanto ao achado de perda fetal ser fator                  periores aos apresentados por Casterline 17 pa-
                                         de risco ou preditor para aborto induzido, le-                 ra quarenta países – o próprio autor enfatizou
                                         vanta-se duas possibilidades. A primeira seria                 que as estimativas estavam aquém do espera-
                                         uma associação causal entre perda fetal “es-                   do. Certamente devem ser realizados outros
                                         pontânea” – uma vez que a pergunta utilizada                   estudos com acompanhamento longitudinal,
                                         dava a idéia de aborto espontâneo – e história                 talvez combinados com metodologias qualita-
                                         de aborto induzido. Esse resultado é consisten-                tivas, para melhor entender esse achado.
                                         te com achados de outros estudos, demons-                           Embora tenha sido estudado o efeito de to-
                                         trando um risco aumentado para aborto es-                      das as variáveis sócio-econômicas, demográfi-
                                         pontâneo em gravidez subseqüente a um abor-                    cas e reprodutivas presentes no questionário
                                         to induzido 14,15. A outra possibilidade para a                geral, que pudessem ser possíveis fatores de
                                         principal associação encontrada em nosso es-                   risco ou preditores para o aborto induzido, pou-
                                         tudo (perda fetal x aborto induzido) que deve                  cas variáveis mostraram-se associadas. Nenhu-
                                         ser considerada, seria o desejo das mulheres de                ma das variáveis sócio-econômicas apresentou
                                         alguma maneira, mesmo que sutil, relatarem a                   associação significativa com aborto, exceto a
                                         experiência de aborto induzido. A pergunta de                  tendência encontrada no grupo das adolescen-
                                         perda fetal era feita na primeira parte da entre-              tes. Ao observar o conjunto das mulheres, o es-
                                         vista, onde a princípio, as mulheres desconhe-                 tudo mostrou que aborto esteve associado com
                                         ciam que seriam abordadas sobre questões de                    as mulheres que viviam em união ou estavam
                                         aborto induzido. Essa hipótese poderia ser                     separadas/divorciadas no momento da entre-
                                         apoiada pelo achado no estudo de Magnani et                    vista. Resultados de outros estudos mostram



      Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO             373



achados similares 18, embora em alguns desses       rada a possibilidade de relato diferenciado pa-
apresentem diferenças na categorização da va-       ra as adolescentes conforme a classe social, is-
riável estado civil 19,20. As mulheres com relato   to é, meninas com melhores condições de vida
de aborto tinham feito mais esterilização, não      escondem – não relatam – suas experiências de
queriam mais filhos, tiveram problemas com          aborto. Para os outros grupos etários, renda fa-
algum método contraceptivo e em média co-           miliar e escolaridade não estiveram associadas
nheciam mais métodos contraceptivos do que          ao aborto, podendo sugerir a ocorrência, ou re-
as mulheres que não abortaram. A possibilida-       lato, de aborto similar entre as camadas sociais.
de de esterilização é relacionada ao uso ante-           Para o grupo etário de 20 a 29 anos de ida-
rior de métodos contraceptivos, particularmen-      de, o principal preditor foi estar separada ou
te as falhas e efeitos adversos dos métodos 21.     divorciada. Esse achado é consistente com o
O aborto foi menos prevalente em mulheres ca-       estudo de Sihvo et al. 23, que mostra um risco
tólicas. Na análise multivariada, controlando       aumentado de induzir um aborto frente a uma
esses efeitos para idade das mulheres, desapa-      gravidez não desejada em mulheres com rela-
receu a associação com a esterilização.             cionamentos não estáveis. Para o próximo gru-
    Quando a análise foi estratificada pela ida-    po de mulheres, 30 a 39 anos, mais característi-
de, as adolescentes que relataram aborto apre-      cas estiveram associadas, como viverem em
sentaram algumas características específicas.       união; não terem religião; serem esterilizadas;
Entre as oito meninas, 50% delas relataram não      terem mais problemas com métodos contra-
usar método contraceptivo e já terem filhos.        ceptivos e, conseqüentemente, conhecerem
Embora a maioria das adolescentes da amostra        mais métodos.
total fosse católica, o inverso foi observado pa-        Na última faixa etária houve uma homogei-
ra as adolescentes que haviam relatado aborto.      nização, isto é, ao final da vida reprodutiva as
Apenas duas das adolescentes estavam na es-         mulheres já tiveram oportunidade de ser ex-
cola e dois terços referiram que sua atividade      postas às mais diversas situações, dificultando
era ser dona-de-casa ou não tinham atividade.       a identificação de riscos por meio da aborda-
Este fato refletiu na escolaridade média desse      gem transversal utilizada neste estudo. Mesmo
grupo, 5,9 anos enquanto que, para essa faixa       assim, foram encontradas associações signifi-
etária, espera-se uma escolaridade média en-        cativas de religião e conhecimento de métodos
tre oito e nove anos (oito anos do ensino fun-      contraceptivos com aborto.
damental e pelo menos um do ensino médio).               Finalmente, o sub-relato de aborto induzi-
A renda mensal das famílias das adolescentes        do em pesquisas é inerente ao tema, principal-
com relato de aborto foi significativamente         mente quando abordado em estudos de base
menor do que a das outras adolescentes. Esses       populacional. Neste estudo, por meio da com-
resultados são compatíveis com os apresenta-        binação de metodologias foi possível traçar o
dos por Wartenberg 22 para adolescentes de          perfil das mulheres em risco de submeterem-
baixo nível sócio-econômico, tais como o afas-      se ao aborto. Mesmo que os resultados mos-
tamento da escola, a existência de outros filhos    trem o aborto sendo realizado independente
e inatividade – aumentando o risco de uma           das características sócio-econômicas e, inclu-
gestação não desejável por incapacidade de ca-      sive, das características étnicas das mulheres,
nalizar suas vidas de forma produtiva. A rela-      sabe-se que aquelas pertencentes a classes so-
ção de pobreza com aborto parece ser uma ca-        ciais menos favorecidas são expostas a proce-
racterística apenas observada entre as adoles-      dimentos abortivos inseguros 3. Em nossos re-
centes.                                             sultados, as características reprodutivas e o es-
    Como descrito acima, as adolescentes que        tado conjugal das mulheres foram os maiores
induziram aborto parecem apresentar piores          fatores de risco e preditores para o aborto in-
condições sócio-econômicas do que as outras         duzido. Portanto, espera-se que essas informa-
meninas da mesma idade. Durante interpreta-         ções subsidiem o planejamento de ações e po-
ção desse resultado também deve ser conside-        líticas públicas na área de saúde reprodutiva.




                                                                                   Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
374    Olinto MTA, Moreira-Filho DC




                                         Resumo                                                     Colaboradores

                                         O presente trabalho investigou os principais fatores de    M. T. Olinto trabalhou em todas as etapas até a finali-
                                         risco e preditores para o aborto induzido. Foi realiza-    zação deste artigo. D. C. Moreira-Filho orientou todas
                                         do um estudo transversal de base populacional com          as etapas da análise e colaborou na redação do artigo.
                                         uma amostra representativa de 3.002 mulheres de 15 a
                                         49 anos residentes no Sul do Brasil. Para responder as
                                         questões de aborto, as mulheres foram alocadas entre
                                         duas metodologias: método da urna ou método das
                                         questões indiretas. Informações sócio-econômicas, de-      Agradecimentos
                                         mográficas e reprodutivas foram obtidas por meio de
                                         um questionário pré-codificado. Na análise e interpre-     Estudo financiado pelo Population Council (escritó-
                                         tação dos dados utilizou-se o modelo de regressão lo-      rio de Nova York, Estados Unidos) e pelo Conselho
                                         gística. Teorema de Bayes foi aplicado para a determi-     Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-
                                         nação das probabilidades a posteriori permitindo a         co (CNPq) (processo n. 142783/96-0).
                                         transformação dos dados agregados em dados indivi-
                                         duais. Abortos induzidos estiveram fortemente rela-
                                         cionados com relatos de perda fetal em todas as ida-
                                         des. Entre as adolescentes, os principais preditores fo-
                                         ram: pertencer a famílias de baixa renda, ter baixa es-
                                         colaridade e alta evasão escolar, além de conhecerem
                                         um número maior de métodos contraceptivos. Para as
                                         mulheres de 20 a 49 anos de idade não houve diferen-
                                         ça sócio-econômica, sendo que, estado civil e caracte-
                                         rísticas reprodutivas, incluindo conhecimento de mé-
                                         todos contraceptivos, foram os fatores de risco freqüen-
                                         tes para o aborto induzido.

                                         Saúde da Mulher; Aborto Induzido; Fatores de Risco




                                         Referências

                                         1.   World Health Organization. Complications of           9.    Olinto MTA. Estimativa da freqüência de abortos
                                              abortion: technical and managerial guidelines for           induzidos: teste de uma nova metodologia. Re-
                                              prevention and treatment. Geneva: World Health              vista Brasileira de Estudos Populacionais 1994;
                                              Organization; 1995.                                         11:255-8.
                                         2.   United Nations. The world’s women 1995: trends        10.   Norell S. A short course in epidemiology. New
                                              and statistics. New York: United Nations; 1995.             York: Raven; 1992.
                                         3.   Paxman J, Rizo A, Brown L, Benson J. The clan-        11.   Last J. A dictionary of epidemiology. Oxford: Ox-
                                              destine epidemic: the practice of unsafe abortion           ford University Press; 1988.
                                              in Latin America. Stud Fam Plann 1993; 24:205-        12.   Coeytaux F. Methodological issues in abortion re-
                                              26.                                                         search. New York: Population Council; 1989.
                                         4.   Ross J, Frankenberg E. Findings from two decades      13.   Ashby D, Hutton JL. Bayesian epidemiology. Berry
                                              of family planning research. New York: Popula-              DA, Stangl DK, editors. Bayesian biostatistics.
                                              tion Council; 1993.                                         New York: Marcel Dekker Inc.; 1996. p. 109-38.
                                         5.   Guedes AC. Abortion in Brazil: legislation, reality   14.   Zhou W, Olsen J, Nielsen GL, Sabroe S. Risk of
                                              and options. Reprod Health Matters 2000; 8:66-              miscarriage following induced abortion is only
                                              76.                                                         increased with short interpregnancy interval. J
                                         6.   Rossier C. Estimating induced abortion rates: a             Obstet Gynaecol 2000; 20:49-54.
                                              review. Stud Fam Plann 2003; 34:87-102.               15.   Sun Y, Che Y, Gao E, Olsen J, Zhou W. Induced
                                         7.   Olinto MTA, Moreira-Filho D. Estimativa de abor-            abortion and risk subsequent miscarriage. Int J
                                              to induzido: comparação entre duas metodolo-                Epidemiol 2003; 32:449-54.
                                              gias. Rev Panam Salud Pública 2004; 15:331-6.         16.   Magnani RJ, Rutenberg N, McCann HG. Detect-
                                         8.   Huntington D, Mensch B, Toubia N. A new ap-                 ing induced abortions from reports of pregnancy
                                              proach to eliciting information about induced               terminations in DHS calendar data. Stud Fam
                                              abortion. Stud Fam Plann 1993; 24:120-4.                    Plann 1996; 27:36-43.




      Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO             375




17. Casterline J. Collecting data on abortion using na-   21. Vieira EM. Do women’s attitudes towards abor-
    tional surveys: methodological issues in abortion         tion and contraceptive methods influence their
    research. New York: Population Council; 1989.             option for sterilization? Cad Saúde Pública 1999;
18. Silva RS. Patterns of induced abortion in urban           15:739-47.
    area of Southeastern region, Brazil. Rev Saúde        22. Wartenberg L. El aborto en Colombia: factores
    Pública 1998; 32:7-17.                                    asociados derivados del contexto familiar y de la
19. Fonseca W, Misago C, Correia LL, Parente JAM,             relación de pareja. In: Encuentro de Investigado-
    Oliveira FC. Determinantes de aborto provocado            res sobre el Aborto Inducido en América Latina e
    entre mulheres admitidas em hospitais em locali-          Caribe. Determinantes del Aborto y Factores Aso-
    dade da região Nordeste do Brasil. Rev Saúde              ciados. Colombia: Universidad Externado de Co-
    Pública 1996; 30:13-8.                                    lombia; 1994.
20. Schor N. Investigação sobre a ocorrência de abor-     23. Sihvo S, Bajos N, Ducot B, Kaminski M; Cocon
    to em pacientes de hospital de centro urbano do           Group. Women’s life cycle and abortion decision
    Estado de São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública            in unintended pregnancies. J Epidemiol Commu-
    1990; 24:144-51.                                          nity Health 2003; 57:601-5.

                                                             Recebido em 10/Mai/2004
                                                             Versão final reapresentada em 28/Jun/2005
                                                             Aprovado em 19/Jul/2005




                                                                                           Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006

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Fatores de risco base populacional

  • 1. ARTIGO ARTICLE 365 Fatores de risco e preditores para o aborto induzido: estudo de base populacional Risk factors and predictors of induced abortion: a population-based study Maria Teresa Anselmo Olinto 1 Djalma de Carvalho Moreira-Filho 2 Abstract Introdução 1 Programa de Pós-graduação This study aimed to identify key risk factors and A Organização Mundial da Saúde estima que, em Saúde Coletiva, predictors of induced abortion. A cross-section- no mundo todo, cerca de 500 mil mulheres Universidade do Vale do Rio dos Sinos, al population-based study was conducted with morrem a cada ano de causas relacionadas à São Leopoldo, Brasil. a representative sample of 3,002 women 15 to 49 gestação, sendo que 98% dessas ocorrem nos 2 Faculdade de Ciências years of age in southern Brazil, randomly as- países em desenvolvimento. Nesses locais, com- Médicas, Universidade Estadual de Campinas, signed to answer questions on induced abortion plicações de aborto são responsáveis por 15% Campinas, Brasil. using either the ballot-box method or the indi- do total das mortes maternas a cada ano – em rect questioning method. Socioeconomic, demo- alguns casos, atinge cerca de 50% dessa morta- Correspondência M. T. A. Olinto graphic, and reproductive data were obtained lidade 1. Considera-se aborto induzido, ou abor- Programa de Pós-graduação through a pre-coded questionnaire. Data analy- to provocado, o término da gestação devido à em Saúde Coletiva, Universidade do Vale sis used epidemiological statistical inferences interferência deliberada antes que o feto seja do Rio dos Sinos. and Bayes’ theorem to calculate a posteriori capaz ter vida extra uterina, e inclui aqueles Av. Unisinos 950, C. P. 275, probability. Induced abortion was strongly as- previstos ou não por lei. São Leopoldo, RS 93022-00, Brasil. sociated with fetal loss for all age groups. In Em geral, países com leis restritivas ao abor- mtolinto@unisinos.br adolescents, the main predictors were low so- to apresentam altas taxas de aborto inseguro 2. cioeconomic level, low schooling, elevated school No caso do Brasil, o Código Penal inclui o abor- drop-out, and knowledge of a large number of to entre os crimes contra a vida e prevê duas contraceptive methods. For all other women, so- exceções: nos casos de estupro e de risco para cioeconomic characteristics and skin color were a vida da mãe. A ilegalidade do aborto não tem not associated with abortion. For women aged impedido que ele ocorra indiscriminadamente 20 to 49 years, marital status and reproductive entre as diferentes classes sociais no Brasil, characteristics, including knowledge of contra- mas, certamente, o fato de ter ou não compli- ceptive methods, were the most frequent risk cações pós-aborto é sócio e economicamente factors and predictors of induced abortion. dependente. Enquanto mulheres de classes so- ciais mais privilegiadas recorrem ao aborto em Women’s Health; Induced Abortion; Risk Factors clínicas privadas com procedimentos seguros, mulheres pertencentes a classes sociais menos favorecidas são expostas a procedimentos in- seguros 3, na maioria das vezes, realizados por profissionais não especializados utilizando-se Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 2. 366 Olinto MTA, Moreira-Filho DC de técnicas perigosas que podem acarretar ris- tudos de base populacional (4 a 10%), com um co de vida ou seqüelas irreversíveis 4. poder estatístico de 80 a 90%, um erro alfa de O aborto induzido é um sério problema de 5% e uma razão de expostos para não-expostos saúde pública que ficou um longo período ali- de 1:1 – devido à alocação para cada uma das jado dos debates dos diversos segmentos da duas metodologias utilizadas na investigação sociedade e, principalmente, das decisões po- do primeiro objetivo acima citado. Após algu- líticas neste país 5. Recentemente, o debate da mas simulações, o tamanho de amostra esco- legalização do aborto ganhou espaço na mídia lhido foi de 3.098, com uma probabilidade de devido à norma do Ministério da Saúde que 80% de detectar uma razão de prevalências de autoriza os médicos da rede pública a fazer 1,5 para uma prevalência de abortos em não- aborto em mulheres que aleguem ter engravi- expostos de 5%. Prevendo-se possíveis perdas e dado por estupro, mesmo sem a apresentação recusas, o tamanho de amostra foi aumentado do boletim de ocorrência policial. para 3.200 mulheres. Neste contexto, demógrafos, epidemiologis- Para alcançar esse total de mulheres e sa- tas, sociólogos, antropólogos, entre outros pes- bendo-se que nessa faixa etária encontra-se quisadores, têm o compromisso de fornecer cerca de 0,92 mulher/domicílio, seria necessá- informações para subsidiar os debates atuais e rio visitar cerca de 3.478 domicílios. Portanto, futuros. Portanto, faz-se urgente a realização visitando setenta domicílios em cada um dos de investigações que estabeleçam a real mag- cinqüenta setores censitários (entre os 258 exis- nitude do aborto induzido no Brasil e identifi- tentes na cidade), seriam encontradas em mé- quem os fatores de risco envolvidos. dia 64 mulheres por setor, atingindo o tama- Diversos métodos de investigação são pro- nho de amostra calculado. A seleção dos cin- postos para o tema, dependendo do contexto e qüenta setores censitários foi feita por meio de da finalidade específica da investigação 6. Em- uma amostragem sistemática, o que garantiria bora existam vários estudos sobre o aborto in- que as diferentes áreas da cidade fossem repre- duzido, ainda são poucos os que utilizam amos- sentadas – e, portanto, os diversos grupos só- tras representativas, de base populacional e cio-econômicos. O passo seguinte no processo que visem a identificar fatores de risco, espe- amostral foi a escolha do local em cada setor cialmente neste contexto de ilegalidade. onde seria iniciado o trabalho de campo. Para isso, mapas individuais dos setores censitários foram desenhados e todas as quadras numera- Metodologia das. Para cada um dos mapas, sorteava-se a quadra inicial do trabalho e, nessa quadra, a Desenho esquina inicial. Uma vez definido o ponto de partida, as entrevistadoras eram orientadas a Foi realizado um estudo transversal de base caminhar sempre para a mesma direção, a fim populacional com uma amostra representativa de evitar viés de seleção, tal como entrevistar de 3.002 mulheres em idade reprodutiva (15 a apenas as mulheres que morassem em casas de 49 anos), residentes na zona urbana de Pelotas, mais fácil acesso. Rio Grande do Sul, Brasil. Este estudo foi dese- nhado para atender dois objetivos: (1) compa- Instrumentos rar duas metodologias para estimar a freqüên- cia de aborto induzido na população; e (2) As informações sócio-econômicas, demográfi- identificar fatores de risco e preditores para o cas e reprodutivas das mulheres da amostra fo- aborto induzido em mulheres de 15 a 49 anos. ram coletadas por meio de um questionário Para atender cada um desses objetivos foram geral aplicado por entrevistadoras a cada uma desenvolvidas diversas etapas de investigação. das mulheres da amostra. As variáveis demo- O detalhamento dos métodos para atingir o gráficas incluíram: idade, cor da pele/etnia (ob- primeiro objetivo encontra-se em outra publi- servada pela entrevistadora), religião e estado cação 7. No presente artigo, encontram-se es- civil. As variáveis sócio-econômicas incluíram: pecificados materiais e métodos utilizados pa- escolaridade da mulher, renda familiar, ativi- ra atingir o segundo objetivo. dade atual (estuda e/ou trabalha e/ou dona- de-casa) e domicílio com abastecimento de Amostra água e/ou rede de esgoto. As informações so- bre a vida reprodutiva das mulheres foram co- Para o cálculo do tamanho da amostra, vários letadas por meio das seguintes variáveis: vida ensaios foram realizados com base nas estima- sexual ativa (sim/não), uso de métodos contra- tivas de prevalência de aborto induzido em es- ceptivos, problemas no uso de métodos con- Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 3. FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO 367 traceptivos, esterilização (sim/não), conheci- para um ou outro método. O questionário geral mento de métodos contraceptivos, número de era aplicado no início de cada entrevista e as gestações, número de filhos (nascidos vivos), perguntas sobre aborto eram realizadas ao fi- desejo de ter mais filhos (sim/não) e perda fe- nal da entrevista. tal. A perda fetal foi avaliada por meio de variá- veis: (1) variável “perda fetal” obtida por uma Controle de qualidade pergunta direta à mulher sobre ocorrência na vida de alguma gravidez em que o filho tenha Para assegurar o controle de qualidade das in- nascido morto; (2) variável “perda fetal < 7m” formações foram refeitas 5% das entrevistas para as perdas ocorridas com menos de sete utilizando-se um questionário simplificado. A meses de gestação; e (3) variável “perda fetal I” codificação dos questionários foi realizada pe- informação de perda fetal obtida de forma in- las entrevistadoras e revisada pela coordena- direta, ou seja, através da subtração entre o re- ção da pesquisa. A digitação dos dados seguiu lato do número de gestações e o número de fi- o procedimento de dupla entrada no programa lhos tidos, excluindo-se aqueles que faleceram Epi Info (Centers for Disease Control and Pre- após o nascimento. Todas as perguntas refe- vention, Atlanta, Estados Unidos), comparação rentes à perda fetal, bem como as outras variá- de digitações e análise de consistência. veis que descreviam as características sócio-e- conômicas, demográficas e reprodutivas foram Análise dos dados coletadas antes das informações específicas de aborto induzido. A análise dos dados, realizada no SPSS 8.0 (SPSS As informações sobre aborto induzido fo- Inc., Chicago, Estados Unidos), constituiu-se ram obtidas utilizando-se duas metodologias de: análise bivariada entre as variáveis socioe- diferentes, o método da urna e o método das conômicas, demográficas e reprodutivas com a questões indiretas. O detalhamento desses ins- variável aborto (nível de significância p < 0,05); trumentos e os resultados da comparação das cálculo da probabilidade a posteriori com o ob- estimativas de aborto obtidos em cada um de- jetivo de otimizar as informações de aborto por les encontram-se em outra publicação 7. Resu- meio da transformação de dados agregados do midamente, no método da urna as mulheres método da urna para individuais; análise mul- colocavam um “voto” sem identificação pes- tivariada por meio de regressão logística con- soal, apenas com informações sobre a ocorrên- trolando para variáveis sócio-econômicas e de- cia de aborto induzido e a sua idade. Todas as mográficas que apresentaram significância es- urnas eram identificadas por setor censitário, tatística com p < 0,05; e análise estratificada permitindo que as informações de aborto fos- por idade para descrever os fatores de risco e sem agregadas por cada um dos cinqüenta se- preditores de aborto. tores sorteados. O outro método, o das ques- tões indiretas, investigava aborto por meio de Aspectos éticos uma pergunta indireta sobre gravidez indese- jada aplicada a cada uma das mulheres, permi- O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Co- tindo a informação no nível individual. Mais mitê de Ética e Pesquisa da Universidade Fede- detalhes sobre a estrutura desse método po- ral de Pelotas; todas as mulheres participaram dem ser encontrados nas publicações de Hun- livremente do estudo e foram informadas dos tington et al. 8 e Olinto 9. passos e objetivos da pesquisa; no banco de dados não foram ingressadas informações de Entrevistas identificação pessoal; após a digitação das in- formações as identificações pessoais contidas Todas as entrevistas foram realizadas nos do- nos questionários foram apagadas; e todo o micílios por entrevistadoras, todas mulheres, processo que envolveu a passagem de dados maiores de 18 anos de idade e estudantes uni- agregados para o nível individual foi realizado versitárias da área de ciências humanas e da com o total anonimato das mulheres, apenas saúde, rigorosamente treinadas. utilizando-se de números. No início de cada setor era feito o sorteio de qual método – método da urna ou das questões indiretas – a entrevistadora deveria utilizar pa- Resultados ra a primeira mulher a ser entrevistada. A par- tir do primeiro método sorteado, da urna ou Com base nos cinqüenta setores censitários das questões indiretas, as próximas mulheres sorteados para o estudo, 3.857 domicílios fo- em cada setor eram alocadas alternadamente ram visitados e 3.154 mulheres de 15 a 49 anos Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 4. 368 Olinto MTA, Moreira-Filho DC localizadas. Após recusas e perdas (impossibi- relataram ter um filho que nasceu morto, sen- lidade de contatar depois de três tentativas), do que todos com idade gestacional menor do 3.002 mulheres foram incluídas no estudo. O que sete meses. No grupo de mulheres que não cálculo da estimativa inicial de 3.200 mulheres abortaram apenas 13% relataram perda fetal. estava superestimado, ao invés de serem en- Por meio da variável perda fetal avaliada de contradas 64 mulheres de 15 a 49 anos, em se- forma indireta (“perda fetal I”) os resultados tenta domicílios, foram encontradas, em mé- foram similares, ou seja, 96,6% das mulheres dia, sessenta mulheres. com aborto induzido tiveram perda fetal e ape- Todas as 3.002 mulheres responderam o nas 19,6% no grupo de comparação. questionário geral para as informações sócio- Como estratégia para aumentar a precisão econômicas, demográficas e reprodutivas. Para dos coeficientes da análise multivariada, os da- as informações sobre aborto, 1.510 responde- dos do nível agregado (provenientes das mu- ram pelo método das questões indiretas e 1.492 lheres alocadas no método da urna) foram pelo método da urna. A diferença de 18 mulhe- transformados em dados individuais através res foi devido ao processo de alocação para um do cálculo da probabilidade a posteriori da ou para o outro método ter sido realizado den- mulher ter pelo menos um aborto induzido da- tro de cada setor censitário. do que tenha relatado perda fetal (probabilida- As 3.002 mulheres tinham em média 31 anos de a priori), sem afetar a confidencialidade das de idade (IC95%: 30,6-31,4), 84% eram brancas, informações. 56% eram casadas ou viviam em união, 59% consideravam-se católicas, 50% tinham traba- Probabilidade de perda fetal lho remunerado, tinham escolaridade média de predizer aborto induzido 8,5 anos (IC95%: 8,3-8,6) e 31% viviam com ren- da familiar igual ou inferior a três salários mí- Baseando-se nas associações de aborto induzi- nimos. Quanto às condições de moradia, 84% do com perda fetal foi calculada a probabilida- das casas apresentavam sanitários com descar- de a posteriori para cada uma das três variá- ga e, 96% água encanada no seu interior (dados veis, “perda fetal”, “perda fetal < 7m” e “perda não apresentados em tabela). fetal I” e para resposta positiva nessas três va- No total da amostra, 165 mulheres relata- riáveis ao mesmo tempo. Para isso, utilizou-se ram ter provocado aborto, sendo 58 relatos pe- o cálculo das verossimilhanças (sensibilidade e lo método das questões indiretas e 107 pelo especificidade) de cada uma delas, as probabi- método das urnas, respectivamente, uma ocor- lidades a priori, as chances pré e pós-testes e rência de 3,8% e 7,2%. O relato de aborto apre- as probabilidades a posteriori das três variáveis sentou um aumento linear com a idade das mu- para aborto induzido. As probabilidades a pos- lheres, 1,6%, 3,1%, 6,5% e 9%, respectivamente, teriori para cada uma das variáveis isolada- para os grupos de 15 a 19 anos, 20 a 29, 30 a 39 mente foram 35,9%, 37,8% e 27%, respectiva- e 40 a 49 anos de idade (p < 0,001). Todas as ou- mente para “perda fetal”, “perda fetal < 7m” e tras variáveis presentes no questionário geral, “perda fetal I”. No entanto, observou-se que as que poderiam ser preditores ou fatores de risco mulheres com respostas positivas nas três va- para o desfecho, foram testadas utilizando-se riáveis relacionadas com perdas fetais tiveram de análises bivariadas no grupo de mulheres uma probabilidade de 95,6% de terem induzi- do método das questões indiretas. As variáveis do pelo menos um aborto. A Tabela 2 detalha estado civil, religião, conhecimento de méto- todas as etapas para o cálculo da probabilida- dos contraceptivos, problemas com uso de mé- de a posteriori. todos contraceptivos, desejo de ter mais filhos A elevada probabilidade de respostas posi- e perdas fetais apresentaram associação esta- tivas nas três variáveis de história de perda fe- tisticamente significativa (p ≤ 0,05). Nenhuma tal permitiu, com razoável segurança, que es- das variáveis sócio-econômicas apresentou as- sas informações fossem utilizadas como filtro sociação estatisticamente significativa com na transformação de dados do nível agregado aborto induzido. Também não foi observada di- obtidos utilizando-se o método da urna para o ferença no relato de aborto segundo a cor da pe- nível individual. Ao final dessa transformação, le. Observou-se que, quase a totalidade das mu- obteve-se 147 informações no nível individual lheres com aborto induzido tiveram perdas fetais. de mulheres com relato de aborto induzido, A Tabela 1 detalha a associação de perda fe- sendo 58 provenientes do método das questões tal e relato de aborto induzido para as mulhe- indiretas e 89 do método da urna. Nessa trans- res selecionadas para o método das questões formação, em 18 questionários as mulheres indiretas. De acordo com a variável “perda fe- não preencheram os critérios de perda fetal, tal”, 94,8% das mulheres com aborto induzido portanto, entre as 107 mulheres com relato de Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 5. FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO 369 aborto induzido pelo método da urna, ficaram Tabela 1 disponíveis no nível individual informações de 89 mulheres. Associação entre relato de aborto induzido e de perda fetal para as mulheres A Tabela 3 mostra os principais fatores de alocadas para o método das questões indiretas (n = 1.510). risco e preditores para as 147 mulheres com re- lato de aborto. O grupo que induziu aborto Variáveis para investigar Relato de aborto induzido (método das questões indiretas) apresentou, no momento da entrevista, mais Sim Não mulheres separadas/divorciadas, vivendo em (n = 58) (n = 1.452) união estável (morando com companheiro) e % n % n sem religião. Mais da metade das mulheres que induziram aborto não queriam ter mais filhos Perda fetal* e tiveram problemas com métodos contracep- Sim 94,8 55 13,1 190 tivos, bem como, eram mais esterilizadas e Não 5,2 3 86,9 1.262 apresentavam maior conhecimento dos méto- Perda fetal < 7m* dos contraceptivos existentes. Como era espe- Sim 94,8 55 12,0 175 rado, pelo procedimento de transformação dos Não 5,2 3 87,9 1.277 dados, 99% das mulheres com aborto induzido haviam relatado no questionário ter tido um fi- Perda fetal I (avaliada indiretamente) lho que nasceu morto com menos de sete me- Sim 96,6 56 19,6 284 ses de gestação. Não 3,4 2 80,4 1.168 Foi realizada uma análise multivariada com a amostra total de 3.002 mulheres, incluindo * Significância estatística: p < 0,001. Perda fetal = obtida por meio do relato de alguma gravidez com filho nascido morto; todas as variáveis que haviam apresentado as- Perda fetal < 7m = obtida por meio do relato de alguma perda com menos sociação estatística com aborto na análise bi- de sete meses de gravidez; Perda fetal I = calculada por meio da subtração entre o número de gestações variada controlando pela idade das mulheres e o número de filhos, excluindo aqueles que faleceram após o nascimento. ( Tabela 4). Após o ajuste, perderam a signifi- Tabela 2 Verossimilhanças, probabilidade a priori, chances pré e pós-testes e probabilidade a posteriori para as três variáveis relacionadas com perda fetal. Perda fetal Perda fetal Perda fetal I Com as três < 7m variáveis N = 1.510 e prevalência de aborto induzido (método das questões indiretas) = 3,8% Verossimilhança para teste + 94,8% 94,8% 96,6% (Sensibilidade ) (84,7-98,7) (84,7-98,7) (87,0-99,4) Verossimilhança para teste – 86,9% 87,9% 80,4% (Especificidade) (85,0-88,6) (86,1-89,6) (78,3-82,4) Razão de probabilidades 7,24 7,83 4,93 (Sensibilidade/1-especificidade) N = 1.492 e prevalência de aborto induzido (método da urna) = 7,2% (0,072) Probabilidade a posteriori 35,8% 37,5% 27,5% (Valor preditivo +) (30,3-41,7) (31,8-43,7) (23,1-32,4) Chance pré-teste (probabilidade a priori/(1-probabilidade a priori) = (0,072/1-0,072) 0,0776 Chance pós-teste (chance pré-teste x π Razões de probabilidades) = (0,072 x 7,24 x 7,83 x 4,93) 21,69 Probabilidade a posteriori para as três variáveis de perda fetal (chance pós-teste/(1+chance pós-teste) = (21,69/(1+21,69) 95,6% Perda fetal = obtida por meio do relato de alguma gravidez com filho nascido morto; Perda fetal < 7m = obtida por meio do relato de alguma perda com menos de sete meses de gravidez; Perda fetal I = calculada por meio da subtração entre o número de gestações e o número de filhos, excluindo aqueles que faleceram após o nascimento. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 6. 370 Olinto MTA, Moreira-Filho DC Tabela 3 Comparação das características demográficas e reprodutivas das 147 mulheres que induziram aborto com o restante da amostra (n = 3.002). Características com diferenças Relato de aborto induzido significativas Não induziram (n = 2.855) Induziram (n = 147) % n % n Estado civil Casada 47,2 1.348 47,6 70 p = 0,001 Em união 9,1 259 15,6 23 Separada/Divorciada 6,7 192 12,2 18 Solteira 34,9 997 23,1 34 Viúva 2,1 59 1,4 2 Mora com companheiro 10,4 297 18,4 27 p = 0,002 Religião Católica 59,9 1.710 44,9 66 p < 0,001 Protestante 13,2 377 12,2 18 Espírita 11,1 318 19,7 29 Outras 6,4 184 10,9 16 Não tem religião 9,3 266 12,2 18 Não quer mais filhos 49,1 1.402 66,0 97 p < 0,001 Perdas (número de gestações - 18,9 539 90,5 133 p < 0,001 número de nascidos vivos)* Filho que nasceu morto* Sim 12,8 366 88,4 130 p < 0,001 < 7 meses de gestação 89,9 329 99,2 129 p < 0,001 ≥ 7 meses de gestação 10,1 37 0,8 1 Esterelizadas 10,2 290 17,0 25 p = 0,008 Teve problemas com método contraceptivo 36,8 866 51,1 71 p < 0,001 Conhecimento de contraceptivos 3,4 3,8 p < 0,001 (número médio de métodos) * Variáveis utilizadas na construção do desfecho final de aborto induzido (n = 147). cância estatística as variáveis referentes ao de- Para a melhor compreensão da dinâmica sejo de ter mais filhos e esterilização. Mulheres dos fatores de risco e preditores do aborto in- vivendo em união consensual apresentaram duzido segundo as diferentes etapas das mu- um risco de induzir um aborto cerca de duas lheres durante a vida reprodutiva, foram reali- vezes maior comparado com as mulheres casa- zadas análises estratificadas por grupo etário. das. Esse fato pode ser confirmado pela variá- Entre as 147 mulheres com aborto, oito tinham vel “mora com companheiro”, que apresentou idade de 15 a 19 anos, 27 mulheres de 20 a 29 um risco três vezes maior. Não ter religião au- anos, 51 de 30 a 39 e as 61 restantes de 40 a 49. mentou o risco de aborto em 100% comparado Para a menor faixa de idade (15 a 19 anos), o com as mulheres de religião católica. Conhecer número de abortos foi muito pequeno inviabi- um maior número de métodos contraceptivos lizando a realização de testes de associação mostrou um aumento no risco de 50% para com aborto – possibilitando, apenas, observar- aborto, mesmo após o controle para idade. se tendências. Ainda na Tabela 4, pode ser observado um OR = A Tabela 5 apresenta, por faixa etária, um 1,50 (IC95%: 1,1-2,1) para as mulheres que ti- resumo dos principais preditores presentes na veram problemas com métodos contraceptivos. história de vida das mulheres, que apontam Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 7. FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO 371 para o risco de praticar um aborto. Para as ado- Tabela 4 lescentes os principais preditores foram ser de famílias de baixa renda e estarem afastadas da Análise multivariada (regressão logística) das variáveis associadas com aborto escola; entre a idade de 20 e 29 anos, estarem induzido, ajustadas para idade das mulheres (n = 3.002)*. separadas ou divorciadas; para a idade de 30 a 39 anos, viverem com companheiro, isto é, em Características OR IC95% p valor união, terem tido problemas com métodos con- Estado civil traceptivos, terem maior conhecimento dos Casada 1,00 métodos existentes e serem esterilizadas. Na Em união 2,07 1,21-3,53 p = 0,015 última faixa etária, de 40 a 49 anos, embora um Separada/Divorciada 1,85 1,13-3,04 maior número de mulheres tenha pelo menos Solteira 1,50 0,85-2,64 induzido um aborto em sua vida, observou-se Viúva 0,30 0,04-2,25 uma homogeneidade de exposição, isto é, pra- ticamente todas as mulheres vivenciaram as Mora com companheiro** diversas exposições ou situações de vida repro- Não 1,00 dutiva testadas neste estudo. Sim 3,15 1,56-6,38 p = 0,01 Religião Discussão Católica 1,00 Protestante 1,32 0,75-2,30 p = 0,02 Em epidemiologia, um fator de risco pode ter Espírita 1,71 1,05-2,78 dois significados principais: (a) um atributo ou Outras 2,21 1,19-4,11 exposição que aumenta a probabilidade de Não tem religião 2,00 1,14-3,51 ocorrência de doença ou outro desfecho espe- cífico, sendo dito como determinante e (b) um Quer mais filhos atributo ou exposição associada com o aumen- Sim 1,00 to da probabilidade de ocorrência de doença Não 1,08 0,69-1,69 p = 0,744 ou outro desfecho específico, não necessaria- mente como um fator causal, sendo denomi- Esterelizadas nado um marcador, preditor ou indicador de Não 1,00 risco 10,11. Sim 0,88 0,54-1,43 p = 0,600 O desenho transversal utilizado neste estu- Teve problema com método do não assegura a verificação da temporalida- contraceptivo de entre a causa e o efeito, isto é, entre os fato- Não 1,00 res de risco e a ocorrência de aborto induzido. Sim 1,50 1,05-2,14 p = 0,025 Por esse motivo, as características que apresen- taram associação com aborto devem ser vistas Conhecimento de contraceptivos como preditores, mesmo que, em algum mo- ≤ 3 métodos 1,00 mento na vida das mulheres, possam ter sido ≥ 4 métodos 1,55 1,08-2,22 p = 0,017 reais fatores de risco. Além do mais, neste estu- * As medidas para as três variáveis medindo perda fetal não são mostradas, do foi considerada a indução do aborto em uma vez que foram utilizadas na construção do desfecho final de aborto qualquer momento da vida reprodutiva, com induzido (n = 147); ** A variável mora com companheiro foi analisada em um modelo independente possibilidade de mais de um evento por mu- de estado civil. lher, o que contribui para a ocorrência de cau- salidade reversa. O maior conhecimento de mé- todos contraceptivos por parte das mulheres que induziram aborto pode ser conseqüente a tudos epidemiológicos, lida com a probabili- esse viés. dade de um conjunto de dados a partir de uma Usualmente, estudos sobre aborto induzi- hipótese. Por outro lado, utilizar o teorema de do exigem criatividade e combinação de meto- Bayes empírico diz respeito à probabilidade de dologias, tanto para a coleta de dados, bem co- que uma hipótese, ou uma conclusão, seja ver- mo na estimativa de suas taxas 6,12. Nosso estu- dadeira frente aos dados observados 13. do foi inovador na medida em que para a aná- Utilizando-se da informação de que perda lise e interpretação dos dados foram utilizados fetal foi o fator que esteve mais fortemente as- métodos estatísticos epidemiológicos e a apli- sociado ao aborto induzido (informações a cado o Teorema de Bayes para determinação priori), foi possível o cálculo da probabilidade das probabilidades a posteriori. A análise fre- a posteriori. Com isso, pode ser observado que qüentista, utilizada na grande maioria dos es- as mulheres com respostas positivas nas três Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 8. 372 Olinto MTA, Moreira-Filho DC Tabela 5 Principais preditores de aborto induzido por grupo de idade. Grupos etários (anos) 15 a 19* 20 a 29 30 a 39 40 a 49 Separadas ou divorciadas Vivem em união (p = 0,06) (p = 0,04) Moram com companheiros (p < 0,001) Provêm de famílias com menor renda Não estudam ou têm baixa escolaridade Não têm religião São espíritas (p = 0,03) (p = 0,01) Conhecem em média 3,5 Conhecem em média 4,0 Conhecem em média 3,6 métodos contraceptivos métodos contraceptivos métodos contraceptivos (p < 0,001) (p = 0,02) Tiveram problemas com métodos contraceptivos (p = 0,08) Fizeram esterilização (p < 0,001) Relato de perda fetal Relato de perda fetal Relato de perda fetal Relato de perda fetal (p < 0,001) (p < 0,001) (p < 0,001) * Para a faixa etária de 15 a 19 anos não foram realizados testes estatísticos de associação devido ao número reduzido de relato do aborto induzido. Estão sendo apresentadas as características mais freqüentes. variáveis relacionadas com perdas fetais ti- al. 16, onde foi encontrado um grande número nham uma probabilidade de 95,6% de terem de casos de perda fetal, relatados pelas mulhe- induzido pelo menos um aborto. Essa alta pro- res como espontâneos, mas classificados, pelo babilidade permitiu a passagem de dados agre- algorítimo proposto no estudo, como induzi- gados para individuais e, conseqüentemente, do. Cabe salientar que os valores para perda fe- aumentar a precisão na análise multivariada. tal encontrados no presente estudo foram su- Quanto ao achado de perda fetal ser fator periores aos apresentados por Casterline 17 pa- de risco ou preditor para aborto induzido, le- ra quarenta países – o próprio autor enfatizou vanta-se duas possibilidades. A primeira seria que as estimativas estavam aquém do espera- uma associação causal entre perda fetal “es- do. Certamente devem ser realizados outros pontânea” – uma vez que a pergunta utilizada estudos com acompanhamento longitudinal, dava a idéia de aborto espontâneo – e história talvez combinados com metodologias qualita- de aborto induzido. Esse resultado é consisten- tivas, para melhor entender esse achado. te com achados de outros estudos, demons- Embora tenha sido estudado o efeito de to- trando um risco aumentado para aborto es- das as variáveis sócio-econômicas, demográfi- pontâneo em gravidez subseqüente a um abor- cas e reprodutivas presentes no questionário to induzido 14,15. A outra possibilidade para a geral, que pudessem ser possíveis fatores de principal associação encontrada em nosso es- risco ou preditores para o aborto induzido, pou- tudo (perda fetal x aborto induzido) que deve cas variáveis mostraram-se associadas. Nenhu- ser considerada, seria o desejo das mulheres de ma das variáveis sócio-econômicas apresentou alguma maneira, mesmo que sutil, relatarem a associação significativa com aborto, exceto a experiência de aborto induzido. A pergunta de tendência encontrada no grupo das adolescen- perda fetal era feita na primeira parte da entre- tes. Ao observar o conjunto das mulheres, o es- vista, onde a princípio, as mulheres desconhe- tudo mostrou que aborto esteve associado com ciam que seriam abordadas sobre questões de as mulheres que viviam em união ou estavam aborto induzido. Essa hipótese poderia ser separadas/divorciadas no momento da entre- apoiada pelo achado no estudo de Magnani et vista. Resultados de outros estudos mostram Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 9. FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO 373 achados similares 18, embora em alguns desses rada a possibilidade de relato diferenciado pa- apresentem diferenças na categorização da va- ra as adolescentes conforme a classe social, is- riável estado civil 19,20. As mulheres com relato to é, meninas com melhores condições de vida de aborto tinham feito mais esterilização, não escondem – não relatam – suas experiências de queriam mais filhos, tiveram problemas com aborto. Para os outros grupos etários, renda fa- algum método contraceptivo e em média co- miliar e escolaridade não estiveram associadas nheciam mais métodos contraceptivos do que ao aborto, podendo sugerir a ocorrência, ou re- as mulheres que não abortaram. A possibilida- lato, de aborto similar entre as camadas sociais. de de esterilização é relacionada ao uso ante- Para o grupo etário de 20 a 29 anos de ida- rior de métodos contraceptivos, particularmen- de, o principal preditor foi estar separada ou te as falhas e efeitos adversos dos métodos 21. divorciada. Esse achado é consistente com o O aborto foi menos prevalente em mulheres ca- estudo de Sihvo et al. 23, que mostra um risco tólicas. Na análise multivariada, controlando aumentado de induzir um aborto frente a uma esses efeitos para idade das mulheres, desapa- gravidez não desejada em mulheres com rela- receu a associação com a esterilização. cionamentos não estáveis. Para o próximo gru- Quando a análise foi estratificada pela ida- po de mulheres, 30 a 39 anos, mais característi- de, as adolescentes que relataram aborto apre- cas estiveram associadas, como viverem em sentaram algumas características específicas. união; não terem religião; serem esterilizadas; Entre as oito meninas, 50% delas relataram não terem mais problemas com métodos contra- usar método contraceptivo e já terem filhos. ceptivos e, conseqüentemente, conhecerem Embora a maioria das adolescentes da amostra mais métodos. total fosse católica, o inverso foi observado pa- Na última faixa etária houve uma homogei- ra as adolescentes que haviam relatado aborto. nização, isto é, ao final da vida reprodutiva as Apenas duas das adolescentes estavam na es- mulheres já tiveram oportunidade de ser ex- cola e dois terços referiram que sua atividade postas às mais diversas situações, dificultando era ser dona-de-casa ou não tinham atividade. a identificação de riscos por meio da aborda- Este fato refletiu na escolaridade média desse gem transversal utilizada neste estudo. Mesmo grupo, 5,9 anos enquanto que, para essa faixa assim, foram encontradas associações signifi- etária, espera-se uma escolaridade média en- cativas de religião e conhecimento de métodos tre oito e nove anos (oito anos do ensino fun- contraceptivos com aborto. damental e pelo menos um do ensino médio). Finalmente, o sub-relato de aborto induzi- A renda mensal das famílias das adolescentes do em pesquisas é inerente ao tema, principal- com relato de aborto foi significativamente mente quando abordado em estudos de base menor do que a das outras adolescentes. Esses populacional. Neste estudo, por meio da com- resultados são compatíveis com os apresenta- binação de metodologias foi possível traçar o dos por Wartenberg 22 para adolescentes de perfil das mulheres em risco de submeterem- baixo nível sócio-econômico, tais como o afas- se ao aborto. Mesmo que os resultados mos- tamento da escola, a existência de outros filhos trem o aborto sendo realizado independente e inatividade – aumentando o risco de uma das características sócio-econômicas e, inclu- gestação não desejável por incapacidade de ca- sive, das características étnicas das mulheres, nalizar suas vidas de forma produtiva. A rela- sabe-se que aquelas pertencentes a classes so- ção de pobreza com aborto parece ser uma ca- ciais menos favorecidas são expostas a proce- racterística apenas observada entre as adoles- dimentos abortivos inseguros 3. Em nossos re- centes. sultados, as características reprodutivas e o es- Como descrito acima, as adolescentes que tado conjugal das mulheres foram os maiores induziram aborto parecem apresentar piores fatores de risco e preditores para o aborto in- condições sócio-econômicas do que as outras duzido. Portanto, espera-se que essas informa- meninas da mesma idade. Durante interpreta- ções subsidiem o planejamento de ações e po- ção desse resultado também deve ser conside- líticas públicas na área de saúde reprodutiva. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 10. 374 Olinto MTA, Moreira-Filho DC Resumo Colaboradores O presente trabalho investigou os principais fatores de M. T. Olinto trabalhou em todas as etapas até a finali- risco e preditores para o aborto induzido. Foi realiza- zação deste artigo. D. C. Moreira-Filho orientou todas do um estudo transversal de base populacional com as etapas da análise e colaborou na redação do artigo. uma amostra representativa de 3.002 mulheres de 15 a 49 anos residentes no Sul do Brasil. Para responder as questões de aborto, as mulheres foram alocadas entre duas metodologias: método da urna ou método das questões indiretas. Informações sócio-econômicas, de- Agradecimentos mográficas e reprodutivas foram obtidas por meio de um questionário pré-codificado. Na análise e interpre- Estudo financiado pelo Population Council (escritó- tação dos dados utilizou-se o modelo de regressão lo- rio de Nova York, Estados Unidos) e pelo Conselho gística. Teorema de Bayes foi aplicado para a determi- Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi- nação das probabilidades a posteriori permitindo a co (CNPq) (processo n. 142783/96-0). transformação dos dados agregados em dados indivi- duais. Abortos induzidos estiveram fortemente rela- cionados com relatos de perda fetal em todas as ida- des. Entre as adolescentes, os principais preditores fo- ram: pertencer a famílias de baixa renda, ter baixa es- colaridade e alta evasão escolar, além de conhecerem um número maior de métodos contraceptivos. Para as mulheres de 20 a 49 anos de idade não houve diferen- ça sócio-econômica, sendo que, estado civil e caracte- rísticas reprodutivas, incluindo conhecimento de mé- todos contraceptivos, foram os fatores de risco freqüen- tes para o aborto induzido. Saúde da Mulher; Aborto Induzido; Fatores de Risco Referências 1. World Health Organization. Complications of 9. Olinto MTA. Estimativa da freqüência de abortos abortion: technical and managerial guidelines for induzidos: teste de uma nova metodologia. Re- prevention and treatment. Geneva: World Health vista Brasileira de Estudos Populacionais 1994; Organization; 1995. 11:255-8. 2. United Nations. The world’s women 1995: trends 10. Norell S. A short course in epidemiology. New and statistics. New York: United Nations; 1995. York: Raven; 1992. 3. Paxman J, Rizo A, Brown L, Benson J. The clan- 11. Last J. A dictionary of epidemiology. Oxford: Ox- destine epidemic: the practice of unsafe abortion ford University Press; 1988. in Latin America. Stud Fam Plann 1993; 24:205- 12. Coeytaux F. Methodological issues in abortion re- 26. search. New York: Population Council; 1989. 4. Ross J, Frankenberg E. Findings from two decades 13. Ashby D, Hutton JL. Bayesian epidemiology. Berry of family planning research. New York: Popula- DA, Stangl DK, editors. Bayesian biostatistics. tion Council; 1993. New York: Marcel Dekker Inc.; 1996. p. 109-38. 5. Guedes AC. Abortion in Brazil: legislation, reality 14. Zhou W, Olsen J, Nielsen GL, Sabroe S. Risk of and options. Reprod Health Matters 2000; 8:66- miscarriage following induced abortion is only 76. increased with short interpregnancy interval. J 6. Rossier C. Estimating induced abortion rates: a Obstet Gynaecol 2000; 20:49-54. review. Stud Fam Plann 2003; 34:87-102. 15. Sun Y, Che Y, Gao E, Olsen J, Zhou W. Induced 7. Olinto MTA, Moreira-Filho D. Estimativa de abor- abortion and risk subsequent miscarriage. Int J to induzido: comparação entre duas metodolo- Epidemiol 2003; 32:449-54. gias. Rev Panam Salud Pública 2004; 15:331-6. 16. Magnani RJ, Rutenberg N, McCann HG. Detect- 8. Huntington D, Mensch B, Toubia N. A new ap- ing induced abortions from reports of pregnancy proach to eliciting information about induced terminations in DHS calendar data. Stud Fam abortion. Stud Fam Plann 1993; 24:120-4. Plann 1996; 27:36-43. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006
  • 11. FATORES DE RISCO E PREDITORES PARA O ABORTO INDUZIDO 375 17. Casterline J. Collecting data on abortion using na- 21. Vieira EM. Do women’s attitudes towards abor- tional surveys: methodological issues in abortion tion and contraceptive methods influence their research. New York: Population Council; 1989. option for sterilization? Cad Saúde Pública 1999; 18. Silva RS. Patterns of induced abortion in urban 15:739-47. area of Southeastern region, Brazil. Rev Saúde 22. Wartenberg L. El aborto en Colombia: factores Pública 1998; 32:7-17. asociados derivados del contexto familiar y de la 19. Fonseca W, Misago C, Correia LL, Parente JAM, relación de pareja. In: Encuentro de Investigado- Oliveira FC. Determinantes de aborto provocado res sobre el Aborto Inducido en América Latina e entre mulheres admitidas em hospitais em locali- Caribe. Determinantes del Aborto y Factores Aso- dade da região Nordeste do Brasil. Rev Saúde ciados. Colombia: Universidad Externado de Co- Pública 1996; 30:13-8. lombia; 1994. 20. Schor N. Investigação sobre a ocorrência de abor- 23. Sihvo S, Bajos N, Ducot B, Kaminski M; Cocon to em pacientes de hospital de centro urbano do Group. Women’s life cycle and abortion decision Estado de São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública in unintended pregnancies. J Epidemiol Commu- 1990; 24:144-51. nity Health 2003; 57:601-5. Recebido em 10/Mai/2004 Versão final reapresentada em 28/Jun/2005 Aprovado em 19/Jul/2005 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006