2. «A poesia diz sempre mais do que diz, diz
outra coisa, mesmo quando diz as mesmas
coisas que o resto dos homens e da
comunidade.»
António Ramos Rosa
«A poesia, se não for o lugar onde o desejo
ousa fitar a morte nos olhos, é a mais fútil das
ocupações.»
Eugénio de Andrade
3. FALAR DE POESIA
Antes de tudo, não falar. O poema tem todas as palavras necessárias
para que não seja preciso dizer mais nada partir dele.
Depois, falar devagar.
Falar da sua construção. Procurar a origem do poema por dentro do
que ele nos diz.
Falar com o poema. Falar de cada palavra, de cada verso. Encontrar
através deles os fios de uma lógica que não passa apenas pelo sentido
ou pelo que é dito, mas sobretudo pelo que só a percepção instintiva,
sensorial, pode captar, no que está para além do que é dito e se solta
das próprias palavras.
Ouvir o poema para poder falar dele.
Ignorar todos os discursos sobre o poema e sobre a poesia. Esse lixo
verbal só nos impede de ouvir o que o poema tem para dizer.
Depois de falar do poema, e só depois, procurar saber o que outros
disseram - pura curiosidade.
Procurar, como um suplemento de curiosidade, o que os próprios
poetas disseram do poema e da poesia.
Se tivermos sabido, com essa leitura, alguma coisa para além do que
o poema nos disse, desconfiemos do poema.
Um poema, quando o é, diz tudo o que há para saber sobre si.
Nuno Júdice
4. Eu, apesar de não saber também o que essa palavra
significa, não faço a pergunta. Não, porque saber o
significado não me resolve nenhuma questão. O
significado é paragem no tempo, e a questão é
justamente o movimento. Porque poesia durante muito
tempo parece que foi sonoridade, ritmo sonoro obtido
com palavras; só muito mais tarde se tornou sobretudo
escrita e, depois disso ainda, imagem criada a partir de
palavras escritas: ritmo visual. Esta evolução dá
naturalmente que pensar.
Alberto Pimenta
5. Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
Eugénio de Andrade (1923-2005)
6. Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
(…)
Florbela Espanca (1894 – 1930)
7. O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
(…)
Fernando Pessoa (1888-1935)
8. E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um
muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
(…)
Alberto Caeiro
9. O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê.
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento.
(...)
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
10. «A poesia não se explica.»
Manuel Alegre
«Peguem num poema e leiam-no. Não
é preciso mais nada.»
Eugénio de Andrade
11. Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se
abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Alberto Caeiro