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Dolce Stil Nuovo, Petrarca e o petrarquismo
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Bildung
Dolce Stil Nuovo, Petrarca e o petrarquismo - Literatura Portuguesa Clássica
Prof. Maria Luísa de Castro Soares - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
1. Dolce stil nuovo,Petrarca e o Petrarquismo
Prof: Maria Luísa de Castro Soares - Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro- UTAD
2. Antecedentes: Vecchio stil e Dolce stil nuovo
A poesia provençal, o vecchio stil (apesar do
papel precursor do Dolce stil nuovo), é
substancialmente diferente, porque o amor (tema
dominante) é um amor terreno. As relações entre
poeta e dama, na poesia provençal, obedecem
aos cânones convencionais do amor cortês com
paralelo na hierarquia social do feudalismo, em
que a dama é efetivamente suserana e o poeta
um vassalo, um servidor.
A hierarquia social feudal reflete-se profundamente
no serviço amoroso do vecchio stil, com rituais
próximos dos que caracterizavam a cerimónia da
investidura. Por exemplo, quando o poeta vassalo
era correspondido, ajoelhava-se diante da dama,
punha as suas mãos nas dela e jurava-lhe o seu
amor. O pacto era selado com o ósculo (o beijo).
3. Dolce stil nuovo e vecchio stil
Na Divina Commedia de Dante, aparece pela 1ª vez a designação Dolce
stil nuovo, que corresponde a uma nova maneira de poetar, uma nova
forma de expressão pela poesia, que se opõe ao vecchio stil (a poesia
provençal).
Porém, mais do que oposição há uma continuidade evolutiva.
Os praticantes do Dolce stil nuovo consideram ter uma inspiração interior
– o amor (que é predominantemente espiritual).
4. Dolce stil nuovo e vecchio stil
Com o Dolce stil nuovo opera-se uma exaltação
do conceito de beleza, purificando-o, santificando-
o, dignificando-o. Inclui-se aqui também a beleza
feminina, que se concretiza na perfeição moral da
donna angelicata (a mulher como ser distante,
intocável e superior, um emissário dos Céus na
terra). O amor é, assim, o desejo dessa beleza e
dessa nobreza, que só pode ser sentido por uma
pessoa semelhante: A virtus está tanto na definição
de beleza da amada como no próprio amante.
O retrato da figura feminina é tendencialmente
moral, em que os traços mais importantes são a
postura da amada (sempre austera, recatada, de
movimentos brandos) e o brilho dos olhos,
representação suprema da beleza moral
5. Dolce stil nuovo
Os mentores do Dolce stil nuovo propõem um programa
literário em que defendem:
1) a arte e não o artifício;
2) a espontaneidade na criação poética, isto é,
defendem a inspiração genuína;
3) a liberdade e variedade de tratamento formal;
4) a existência de uma relação profunda entre
palavra poética e sentimento;
5) a afirmação da personalidade livre, na recusa de
esquemas que antes a sufocavam;
6) a reação contra a uniformidade temática da
poesia provençal e a sua tirania técnico-formal.
Formas do Dolce stil nuovo: a balada, o soneto e a
canção (Petrarca vai ampliar e desenvolver estas
formas).
6. Petrarca e o Petrarquismo
Com o Dolce stil nuovo opera-se uma evolução no sentido do
individualismo poético, que virá a culminar na obra de Petrarca
(poeta da introspeção).
Petrarca (1304-1374) foi um humanista italiano e pode ser
considerado um moralista e um poeta.
Assumiu-se como herdeiro das inovações introduzidas pelo Dolce stil
nuovo na lírica italiana e assimilou mesmo algumas formas que o
Dolce stil nuovo tinha divulgado e apreciado, tais como: o soneto e
a canção. Assimilou ainda alguns dos seus temas, designadamente,
a relação entre o poeta e a natureza e a relação entre o poeta e a
mulher amada, mas há uma mudança de tom-
8. Petrarca e o Petrarquismo
O Canzoniere de Petrarca é uma obra que se singulariza por
ser um macrotexto, porque tem um tema central e um fio
condutor (não são poemas dispersos). O tema predominante
é o amor por Laura. O fio condutor mais evidente é o
roteiro da paixão do poeta por essa figura de mulher.
Em relação à idealização da amada, Petrarca herda muito do
Dolce stil nuovo, mas a mulher tem na sua obra um retrato
físico e um nome. Sabe-se que a mulher inspiradora do
Canzoniere se chama Laura, logo, é uma figura mais viva,
ainda que seja superior, intocável e de uma pureza angelical.
9. Petrarca e o Petrarquismo
Grande parte do Canzoniere dedica-se ao retrato da
amada, a cantar as suas qualidades físicas e morais.
Laura é uma mulher loura, com dotes físicos
enfatizados por uma série de metáforas ligadas à
natureza e às suas preciosidades: os cabelos são
ouro, os seus olhos são duas estrelas, brilhantes como
o sol, as pestanas são ébano, as faces são rosas, a
pele/tez é neve, os lábios rubi e os dentes pérolas,
marfim ou coral
10. Petrarca e o Petrarquismo
Laura
Amadade Petrarca
11. Petrarca e o Petrarquismo
Embora Laura seja identificada à natureza e seus
tesouros, a sua beleza é manifestamente superior e o
louvor da figura física só tem razão de ser ligado aos
predicados morais, entre os quais sobressaem o recato,
a honestidade, a humildade, a cortesia, a pureza e a
austeridade.
Laura distingue-se, assim, das mulheres cantadas pelo
Dolce stil nuovo, na medida em que a sua presença, sem
deixar de ser etérea, impalpável, evanescente, possui
algum grau corpóreo que falta às mulheres cantadas
pelos poetas stilnuovistas, cuja beleza física só
raramente se concretiza no plano textual. Apesar disso,
envolve Laura uma auréola de divindade, visto que ela continua a ser
um emissário dos céus na terra.
12. Petrarca e o Petrarquismo
Sendo Laura corpórea e o poeta humano, este deseja-a,
razão pela qual muitas vezes associa o seu sentimento
amoroso ao impulso do desejo, ao erro, à dor, à noção
de ilegitimidade desse desejo.
O amante encontra-se, por isso, numa posição
dilacerante. Por um lado, não consegue adorar a sua
amada como espírito desligado do corpo, mas, por
outro, sabe que qualquer tipo de realização mundana,
sensual, faria cair por terra o carácter exemplar da sua
vivência amorosa.
O Canzoniere não se limita a enaltecer a amada,
havendo nele outras duas direções. Petrarca dedica-se
também à reflexão sobre os efeitos do amor e da
paixão no homem enamorado e à reflexão sobre a
natureza do próprio amor, que se pauta entre os
aspetos edificantes e os aspetos disfóricos.
13. Petrarca e o Petrarquismo
Assim, no Canzoniere, o amor não é um
sentimento definido, é algo contraditório,
simultaneamente bom e mau, triste e alegre,
é uma força que pode provocar vários
sentimentos em conjunto. A essência do
amor surge como campo de contradição.
No Canzoniere, pela subtileza da análise
psicológica e pelo desenvolvimento da
introspeção, Petrarca ultrapassa todas as
convenções herdadas desde a poesia
provençal ao Dolce stil nuovo e é já um autor
moderno.
14. Petrarca e o Petrarquismo
Um dos aspetos que ganha relevo no Canzoniere de
Petrarca e se associa ao debate íntimo do homem
apaixonado é o gosto da solidão na Natureza, a
qual importa sobretudo pelas ressonâncias
interiores que implica.
Geralmente, o poeta apaixonado busca a solidão: o
locus solitarius.
Outro ambiente procurado pelo poeta é um lugar
aprazível no seio da natureza, um locus amoenus.
15. Petrarca e o Petrarquismo
Contudo, o espaço envolvente (o locus
solitarius e o locus amoenus) não traz
conforto para a dor de amor do poeta.
Ao contrário, ecoa de tal forma o seu
pesar que ainda o agudiza mais. E, por
influência do estado de espírito do poeta,
esse lugar no seio da natureza deixa de
ser aprazível e transforma-se num locus
horrendus, um espelho da sua alma.
16. Petrarca e o Petrarquismo
No Canzoniere, além da solidão por afastamento
de qualquer ser humano, há o isolamento mais
subtil no meio da multidão, “um andar solitário
entre a gente”, de que fala Camões.
É em contexto de solidão que mais se amplifica a
análise introspetiva do sujeito, tradutora do homem
dividido, possuído pelo estado incerto. E este não é
uma simples hesitação, mas um verdadeiro dilema
espiritual, que implica o sofrimento e,
simultaneamente, a dolendi uoluptas – a
voluptuosidade ou comprazimento na dor, pois, se
o poeta sofre é porque ama.
17. Petrarca e o Petrarquismo
No Canzoniere, não há lugar para a posse, mas há
lugar para o desejo e o poeta, por vezes,
autocondena-se por desejar. De facto, Petrarca
nunca chega a consumar o seu amor, porque
Laura morre. Mas a sua presença afirma-se, pois
aparece ainda em sonhos ao poeta, tal como a
Camões, nos sonetos petrarquistas, dedicados a
Dinamene (Ex. “Quando de minhas mágoas a
comprida / maginação os olhos me adormece”.
18. O Petrarquismo
O fundamento do petrarquismo é a tentativa
de imitar Petrarca. A primeira grande
diferença entre a obra deste e a dos seus
seguidores virá do seguinte facto: nos poetas
que o seguem, o petrarquismo é apenas uma
das componentes da sua realização literária.
Na verdade, estamos a cerca de um século
de Petrarca e os poetas podem combinar
com essa influência outros elementos,
designadamente, o hedonismo, o
aristotelismo, o neoplatonismo, etc.
19. Petrarquismo
Quer Dante (século XIII) quer Petrarca (século XIV)
recorrem à expressão desafogo, quando a escrita
não é pura invenção ou diversão, mas a expressão
de algo vivenciado, que procura um escape
através da criação poética. O desafogo é, assim,
um movimento de libertação da tensão interior. O
poeta acredita que a poesia pode ser desabafo e
que, apesar do problema não ser solucionado, é
minimizado. A estética do desafogo é então uma
tentativa de catarse do “eu” lírico enunciada no
próprio texto escrito.
20. Petrarquismo
A estética do desafogo não se trata de uma mera
lamentação, mas da procura de superação da divisão
interior, do desconcerto, como dirá Camões. Este
aspeto da poética do desafogo é um dos mais
importantes na caracterização do movimento
petrarquista. Tem, por exemplo, grande expressão na
lírica de Camões (ex. Canção X “Vinde cá, meu tão
certo secretário/…/papel, com que a pena desafogo”.
Em suma, quando falamos de petrarquismo como
fenómeno literário europeu, não estamos a pensar só
nos poetas que vieram imediatamente após Petrarca,
mas também num petrarquismo mais tardio,
essencialmente, do século XVI. Assim sendo, Petrarca
(século XIV) não se confunde com petrarquistas.
21. Petrarquismo
Resta dizer que, se a poesia de Petrarca foi
precursora da suprema poesia de Camões,
também teve responsabilidade nos defeitos que
caracterizam a poesia pós-camoniana, sobretudo
devido à exacerbada retórica e ao artificialismo.
Por exemplo, tornou-se lugar comum uma
característica do Canzoniere que consistia no
hábito de versificar no abstrato, situando numa
paisagem indeterminada e sempre idêntica um
perfil idealizado de mulher. Esta característica, que
tinha algum interesse em Petrarca, deixou de ter
qualquer relevo nos seus imitadores longínquos do
Barroco.
O Petrarquismo foi a língua poética do século XVI
em Portugal e na Europa.
22. Bibliografia breve
LOURENÇO, Eduardo (1994): In Camões 1525-1580. Le temps
de Camões par Vasco Graça Moura; Camões et le temps par
Eduardo Lourenço, Bordeaux: L’Escampette.
MARNOTO, Rita (1997): “Dolce Stil Nuovo”. In Biblos.
Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, vol.
2: 177-180.
MARNOTO, Rita (1997): O Petrarquismo Português do
Renascimento e do Maneirismo. Universidade de Coimbra:
Acta Universitatis Conimbrigensis.
PETRARCA, F. (2003): As Rimas de Petrarca. (Edição bilingue e
prefácio de Vasco Graça MOURA). Lisboa: Bertrand Editora.
SOARES, Maria Luísa de Castro (2007): Do Renascimento à sua
questionação – Vol. I. Sá de Miranda. Vila Real: UTAD.
SOARES, Maria Luísa de Castro (2013): Do Renascimento à sua
questionação – Vol. I. Camões e Frei Agostinho da Cruz. Vila
Real: UTAD