1. CAPÍTULO XIV
DA PRIMEIRA E SEGUNDA LEIS NATURAIS, E DOS CONTRATOS
O direito natural é a liberdade que cada um tem de preservar a sua
própria vida conforme suas próprias deliberações, pois a
palavra liberdade carrega consigo o pressuposto de que há uma ausência
de impedimentos externos no discernimento do que é melhor para a
preservação da sua própria vida, sem a interferência de um poder maior que
designaria isso. A lei natural proíbe o homem de fazer tudo o que possa
destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la ou
omitir o que pensa ser melhor para a sua preservação. Há uma distinção
entre o Direito e a lei, sendo esta uma imposição e aquele, uma liberação.
No estado de natureza – guerra de todos contra todos – cada um
é governado por sua própria razão, onde o homem tem direito a todas as
coisas, incluindo os corpos dos outros, o que significa insegurança.
Essa regra abarca a primeira lei da natureza, que trata da busca pela
paz e da sua manutenção para a própria segurança de cada indivíduo;
engloba, também, o direito da natureza, que permite que nos defendamos
com os meios que pudermos para nossa conservação.
Todos os homens têm que renunciar ao seu direito natural, pois se
somente uns o fazem, aí outros estarão se oferecendo como presa, e assim
não haverá paz. Quando alguém simplesmente renuncia ao seu direito, não
importa em favor de quem irá redundar o respectivo benefício e é dever de
quem renuncia não tornar nulo esse ato voluntário, pois senão isso seria
considerado injúria ou injustiça.
Quando alguém transfere o seu direito a outrem, pretende com
isso beneficiar a uma ou várias pessoas. Também se vê forçado a manter
esse benefício. Alguns direitos são impossíveis de se renunciar, como o
direito de legítima defesa (resistir ao ataque de quem pela força venha tentar
lhe tirar a vida). Contrato é a transferência mútua de direitos.
Tipos de contrato: pacto ou convenção – um dos contratantes entrega a
coisa contratada, permitindo que o outro entregue a parte dele em um tempo
posteriormente determinado; observância da promessa – ambas as partes
contratam agora para cumprir num futuro, confiando mutuamente uma na
outra; dádiva ou graça – quando a transferência não é mútua, somente uma
das partes entrega alguma coisa na esperança de obter vantagens.
2. Sinais de contrato: expressos – através de palavras no presente, passado
ou futuro (neste último constituem promessas); por inferências – as ações, o
silêncio ou a omissão de ações como manifestação da vontade de um dos
contratantes.
Um pacto no estado de natureza, onde não há garantias de que todos
cumprirão a sua parte no acordo, torna-se nulo a menor desconfiança. Logo,
faz-se necessário um poder comum situado acima dos contratantes, que
garanta o seu cumprimento através do direito e da força. Um pacto no
Estado civil é possível graças à existência de um poder coercitivo que
impede a violação da fé por parte dos contratantes (não existirá mais o
temor de que um dos contratantes não cumpra a sua parte). A transferência
do direito implica também em transferir os meios de gozá-lo, na medida em
que tal esteja em seu poder.
Não é possível fazer pactos com os animais (por não possuírem um
sistema de signos linguísticos do tipo simbólico e, logo, não estão aptos a
compreender a sua parte no contrato) nem com Deus. A matéria ou objeto
do pacto é sempre algo que possa estar sujeito à deliberação, a qual é
passível de ser cumprida por quem faz o contrato. Pactos aceitos por medo,
no estado de natureza, são obrigatórios. Exemplo: prisioneiros de guerra
que pagam por sua vida. Um pacto anterior anula outro posterior, pois quem
transmite seus direitos inicialmente não pode prometê-los novamente a um
terceiro (o segundo pacto), logo se torna nulo o posterior.
Um pacto em que não há compromisso de se defender da força através
da força é sempre nulo, pois não é possível prometer a renúncia do direito
de evitar a morte, o cárcere ou os ferimentos, logo, não há transferência de
direitos e, portanto, esse contrato não será válido. Um pacto no sentido de
autoacusação, sem garantia do perdão, é também inválido, assim como a
acusação daqueles que por sua condenação ficam na miséria. Isso porque
um testemunho, quando não é voluntário, é corrompido pela natureza (não
deve ser aceito) e, quando não vai receber crédito, não é obrigado a prestá-
lo.
No estado de natureza dois contratantes só poderão reforçar um pacto
de paz quando ambos jurarem pelo Deus que temem, porém o
juramento nada acrescenta à obrigação, logo, não há garantias.
CAPÍTULO XV
DE OUTRAS LEIS DE NATUREZA
3. A terceira lei da natureza diz que os homens cumpram os pactos que
celebrarem. Injustiça é o não cumprimento de um pacto. Para Hobbes temos
duas definições de justiça:
Comum: a justiça é a vontade constante de dar a cada um, o que é seu;
Hobbesiana: justiça consiste no cumprimento dos pactos válidos e essa
validade começa com o estabelecimento de um poder civil que obrigue
os homens a cumpri-los.
Um homem justo é o que se preocupa para que todas as suas ações
sejam justas e um homem injusto é o que despreza essa preocupação.
Hobbes divide em duas a justiça das ações:
Comutativa: consiste em uma proporção aritmética, igualdade de valor
das coisas, objeto do contrato;
Distributiva: consiste em uma proporção geométrica distribuição de
benefícios iguais a pessoas de méritos iguais.
Equidade ou justiça distributiva é gerada pela observância da lei que
determinar que se distribua equitativamente a cada homem o que lhe cabe,
segundo a razão. Todas as leis da natureza ditam a paz, resumindo-as: faz aos
outros o que gostaria que te fizessem. As leis da natureza obrigam in
foro interno, estão ligadas a um desejo de vê-las cumpridas, mas in
foro externo nem sempre obrigam. A verdadeira e única filosofia moral é a
ciência dessas leis da natureza, uma vez que a filosofia é a ciência do bem e
do mal na preservação do homem em sociedade. A designação “leis da
natureza” é correta apenas se esses ditames da razão forem feitos por Deus,
que tem direito de mando sobre todas as coisas.
CAPÍTULO XVI
DAS PESSOAS, AUTORES E COISAS PERSONIFICADAS
Uma pessoa é aquele cujas palavras ou ações são consideradas quer
como suas próprias, quer como representando as palavras ou ações de outro
homem ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas, seja com verdade
ou por ficção.
Pessoal natural: quando palavras ou ações são consideradas como
suas próprias. A pessoa é um ator e personificar é representar, seja a
si mesmo ou a outro;
4. Pessoa fictícia ou artificial: quando são consideradas como
representando palavras ou ações de outro. A pessoa será ator e aquele
a quem pertencem suas palavras ou ações será autor, este
terá autoridade, o que significa licença de quem pertence o direito.
Quando um ator faz um pacto por autoridade, obriga o autor a todas as
consequências do mesmo, como se ele mesmo estivesse fazendo. Por isso,
deve-se observar quem é o autor e não apenas o ator de um pacto. Aquele que
faz um pacto com o autor, através da mediação do ator, sem saber que
autoridade este tem, e no caso de esta autoridade não lhe ser comunicada
após ser pedida, deixa de ter obrigação. Quase todas as coisas podem ser
representadas por ficção (igrejas, hospitais, obras públicas etc.),
sendo personificadas por um reitor, diretor ou supervisor, que serão atores
desses seres inanimados, porém isso tudo só terá validade dentro de um
Estado civil.
Os ídolos podem ser personificados (como eram os deuses dos pagãos),
tendo funcionários do Estado para administrar seus bens e posses. Isso,
porém, só ocorre no Estado civil, o qual tinha autoridade sobre os ídolos, que
nunca serão autores, pois não são nada. Uma multidão é uma pessoa quando
representada por um só homem ou pessoa, com o consentimento da
representação por cada um dos constituintes. A unidade do representante (e
não do representado) que vai conferir à multidão o caráter de una. Uma
multidão pode também ter vários representantes, devendo estes ser
preferencialmente em número ímpar, sendo que a opinião da maioria será a
opinião válida como a de todos os representados. Há dois tipos de autores:
o autor propriamente dito, que representa a palavra ou ação de outro e o fiador,
que representa a ação ou o pacto de outro, podendo realizar até mesmo se o
outro não faz.
CAPÍTULO XVII
DAS CAUSAS, GERAÇÃO E DEFINIÇÃO DE UM ESTADO
Os homens buscam viver nos Estados para sua própria conservação e
para uma vida mais satisfeita, diferente do que ocorre na condição de guerra. É
preciso a instituição de um poder suficientemente grande, que nos forneça
segurança e no qual podemos inteiramente confiar, para que as leis de
natureza (justiça, equidade, modéstia, piedade etc.) sejam cumpridas, senão
cada um contará apenas com sua própria força e capacidade, como proteção
contra todos os outros. A união de poucos homens (assim como a
multidão) não garante a segurança, pois tende a fácil manipulação quando um
ou outro lado de interesses aumenta ou diminui. Logo, cairiam na opinião de
5. um pequeno grupo coeso ou entrariam todos em estado de guerra uns contra
os outros.
Diferenças entre o homem e as criaturas políticas da natureza (abelhas,
formigas, etc... que vivem em sociedade):
Os homens são movidos pela competição pela honra e pela dignidade, o
que gera o ódio e a inveja, logo, a guerra. Isso não ocorre no meio
animal.
Entre essas criaturas não há distinção entre o individual e o coletivo,
pois cada uma fazendo o seu individual, tendem ao bem comum. Nos
homens há uma constante comparação com os outros, prevalecendo o
individual.
Por serem irracionais, essas criaturas não veem erro na coletividade.
Nos homens, há muitos que se julgam mais sábios e mais capacitados,
logo, tende à desordem e à guerra civil, motivadas pela cobiça.
Essas criaturas não possuem representação simbólica (linguagem, por
exemplo), logo, não recorrem à persuasão umas das outras de seus
interesses particulares. Nos homens, pelo contrário, alguns podem
representar ser bons enquanto são maus e vice-versa (G.T.: em
concordância com Maquiavel, em O Príncipe, que fala que o príncipe
deve aparentar ser piedoso, não necessariamente o ser).
Nessas criaturas não existe o conceito de injúria e dano. Nos homens há
um natural exibicionismo originado de uns se considerarem mais
capazes ou mais sábios que os outros, que tende a se manifestar nas
ações dos que governam.
Essas criaturas realizam um acordo natural e os homens, um pacto
artificial, logo, necessitam de um poder comum que os mantenha unidos
em prol do bem comum.
A maneira de instituir um poder comum que nos defenda dos
estrangeiros ou das injúrias de uns contra os outros, é conferindo toda a
força e poder a um homem ou a uma assembleia (que por pluralidade de
votos se reduza a uma só vontade), onde estes são representantes de
todos os homens, os quais agem como autores de todos os atos que
aquele que os representa praticar. Isso se dá através de um pacto de
cada homem com todos os homens. Assim, todos estarão unidos em
torno de um Estado, o grande Leviatã, cujo poder que lhe foi conferido é
tão grande que é capaz de submeter a vontade de todos os homens no
sentido da paz e da ajuda mútua contra inimigos estrangeiros.
Soberano será o portador desse poder (poder soberano) e aqueles que
renunciaram aos seus direitos naturais em prol da segurança serão
os súditos.
6. Formas de aquisição de um poder soberano: aquisição – quando se faz
uso da força natural ou se sujeita os inimigos à sua vontade; instituição –
quando os homens concordam entre si em se submeterem voluntariamente,
visando à sua própria segurança.
CAPÍTULO XVIII
DOS DIREITOS DOS SOBERANOS POR INSTITUIÇÃO
Um Estado é considerado instituído quando uma multidão de homens
concorda e pactua, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem
seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles [sem
exceção], deverão autorizar todos os atos e decisões [destes], como se fossem
seus próprios atos e decisões, a fim de poderem conviver pacificamente e
serem protegidos do restante dos homens. Derivam dessa instituição do
Estado, todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder
soberano é conferido, mediante o consentimento do povo reunido.
Todo homem é obrigado a reconhecer e a ser considerado autor de tudo
que o soberano fizer e considerar bom fazer. Os súditos não podem depor o
soberano, pois como o soberano representa a vontade dos súditos não faz
sentido os súditos irem contra a própria vontade. Nenhum súdito pode se
libertar da sujeição, pois não pode haver quebra do pacto celebrado entre cada
um e cada um, e não entre o soberano e cada um dos outros. Até mesmo os
súditos que tiverem discordado devem aceitar o soberano escolhido pelo voto
da maioria, deve reconhecer todos os atos que ele venha a praticar, ou então
serem justamente destruídos pelos restantes. Nada do que o soberano faz
pode ser considerada injúria para qualquer súdito e nenhum deles pode acusá-
lo de injustiça. O soberano não pode ser condenado à morte, nem punido de
qualquer forma por seus súditos.
A finalidade da soberania constitui direito de qualquer homem ou
assembleia que detenha a soberania julgar todos os meios para a paz e a
defesa, bem como tudo o que possa causar perturbação dificuldade, pois essa
é a finalidade da instituição. É competência da soberania julgar quais opiniões
e doutrinas são contrárias à paz, e quais lhe são propícias. Hobbes descreve o
poder de prescrever regras concedidas à soberania como o poder através do
qual os homens podem saber quais os bens lhe trazem prazer e quais as
ações podem praticar sem serem molestados pelos demais. Esse poder de
prescrever regras é conhecido como propriedade (pacto com leis estabelecidas
pelo soberano). O poder soberano exerce o direito da judicatura, quer dizer,
ouvir e julgar todos os conflitos que possam surgir com respeito às leis ou com
respeito aos fatos. O direito de entrar em guerra quando corresponde ao bem
comum e reunir dinheiro entre os súditos para pagar as despesas pertence ao
soberano.
7. Como o soberano é o encarregado da paz e da defesa do Estado, ele
também é encarregado de indicar todos os conselheiros, ministros e
magistrados. O direito de punir é inerente à soberania. É o direito de
recompensar com riquezas e honras ou punir com castigos corporais ou
pecuniários qualquer súdito, de acordo com a lei previamente estabelecida.
Leis de honra são necessárias para que se atribua um valor aos
homens que bem serviram ou são capazes de bem servir ao Estado, há
necessidade de que os cumpridores dessas leis tenham força suficiente para a
execução destas. A autoridade atribuída ao soberano é indivisível e
inseparável. O poder de todos é o mesmo que o poder do soberano, porque o
poder da soberania é o mesmo, seja a quem pertença. A condição de súdito
não pode ser considerada miserável, se comparada com as terríveis misérias
que acompanham a Guerra Civil.
CAPÍTULO XIX
DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE GOVERNOS POR INSTITUIÇÃO, E DA
SUCESSÃO DO PODER SOBERANO