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O   Diabo e seu companheiro passeavam durante o casamento do cavaleiro Portugal com a Princesa Lusitânia, filha de Lisboa, esposa do Sol. Muito curiosamente, observavam  a conversa entre dois distintos cavalheiros, um nobre mercador chamado “ Todo-Mundo ”,  e um pobre João-Ninguém, chamado,  justamente, “ Ninguém” .  Todo-Mundo chegou procurando por algo, então Ninguém lhe perguntou:   “ O que anda procurando,  meu amigo?”,  no que Todo-Mundo lhe responde:   “ busco coisas que nunca consigo encontrar, mas continuo procurando, pois um homem teimoso é honroso  em sempre teimar.” “  E qual seu nome, meu amigo?” “Meu nome é Todo Mundo,  passos os dias do ano inteiro  correndo atrás do imundo  cheiro bom que tem o dinheiro.” “ Já meu nome é Ninguém. Apenas espero por aqui com paciência,  pois tudo que anseio  é por minha consciência .” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 02 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons  |  Direitos Reservados
Achando isso divertido, disse  o Diabo a seu companheiro:  “Tome nota disso, meu companheiro” “ O que devo escrever?” “ Que Ninguém busca  a consciência,  mas Todo Mundo  busca o dinheiro”. Ninguém volta então a perguntar:  “ Se nada aí encontra, porque  continua a procurar?” “Porque talvez aqui  Honra muito grande  eu  possa encontrar.” “ Então irei lhe acompanhar, mas eu procurarei por virtudes que me acompanhem por  onde quer que eu andar ! “Outra coisa interessante ”,  disse o Diabo,  “ escreva aí, carrancudo,  veja que a nós não se ilude,  pois busca as honras  Todo Mundo,  enquanto Ninguém  busca a virtude .” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 03 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons  |  Direitos Reservados
Incomodado, perguntou Ninguém ao outro cavalheiro:   “ Busca por acaso algum outro bem maior que esse?” “ Sim”,  respondeu, “ busco quem me louvasse em cada coisa  que eu fizesse”. “  E eu ”, disse Ninguém,”  quem me repreendesse em cada coisa  que eu errasse”. Animado, disse o Diabo:   “Escreve mais.” “ E agora, o que me passou despercebido?” “ Oras, que quer em extremo grado Todo Mundo ser louvado e Ninguém em ser repreendido.” “ Também quero o Paraíso”,  disse Todo Mundo,”  mas sem ter  quem me chatear”. “ E eu, por minha falta de juízo, suando para minhas faltas pagar!” E disse sorrindo o Diabo:  “Pra que sirva de aviso, mais uma sentença se escreve: Todo Mundo agora  quer o Paraíso, mas Ninguém paga o que deve.” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 04 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons  |  Direitos Reservados
Continuou Todo Mundo:  “Eu sou vidrado em tapear,  e mentir nasceu comigo”. “Sem nunca chantagear,  a verdade eu sempre digo”,  emendou Ninguém. O Diabo pediu a seu companheiro, com muito bom-humor  e um sorriso malicioso:   “Bote anúncio na cidade, deste fato curioso: Aqui Ninguém  fala a verdade e  Todo Mundo é mentiroso!” Então voltaram ás bodas para brindar aos noivos, deixando  de lado os distintos cavalheiros,  visto que notaram  a  conclusão que se confirmara: Dali,  realmente Ninguém   se importava  e Todo Mundo só queria mesmo era saber de nada.  http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 05 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons  |  Direitos Reservados
“ Todo-Mundo e Ninguém” Texto original de Gil Vicente, em “  O Auto da Lusitânia ”, de 1531 Texto adaptado e Ilustrações  por  Marcio Batista  2010 | Creative Commons  |  Direitos Reservados  http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 06 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons  |  Direitos Reservados

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Todo-Mundo e Ninguém: busca por honra e virtude

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  • 2. http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 01 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
  • 3. O Diabo e seu companheiro passeavam durante o casamento do cavaleiro Portugal com a Princesa Lusitânia, filha de Lisboa, esposa do Sol. Muito curiosamente, observavam a conversa entre dois distintos cavalheiros, um nobre mercador chamado “ Todo-Mundo ”, e um pobre João-Ninguém, chamado, justamente, “ Ninguém” . Todo-Mundo chegou procurando por algo, então Ninguém lhe perguntou: “ O que anda procurando, meu amigo?”, no que Todo-Mundo lhe responde: “ busco coisas que nunca consigo encontrar, mas continuo procurando, pois um homem teimoso é honroso em sempre teimar.” “ E qual seu nome, meu amigo?” “Meu nome é Todo Mundo, passos os dias do ano inteiro correndo atrás do imundo cheiro bom que tem o dinheiro.” “ Já meu nome é Ninguém. Apenas espero por aqui com paciência, pois tudo que anseio é por minha consciência .” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 02 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
  • 4. Achando isso divertido, disse o Diabo a seu companheiro: “Tome nota disso, meu companheiro” “ O que devo escrever?” “ Que Ninguém busca a consciência, mas Todo Mundo busca o dinheiro”. Ninguém volta então a perguntar: “ Se nada aí encontra, porque continua a procurar?” “Porque talvez aqui Honra muito grande eu possa encontrar.” “ Então irei lhe acompanhar, mas eu procurarei por virtudes que me acompanhem por onde quer que eu andar ! “Outra coisa interessante ”, disse o Diabo, “ escreva aí, carrancudo, veja que a nós não se ilude, pois busca as honras Todo Mundo, enquanto Ninguém busca a virtude .” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 03 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
  • 5. Incomodado, perguntou Ninguém ao outro cavalheiro: “ Busca por acaso algum outro bem maior que esse?” “ Sim”, respondeu, “ busco quem me louvasse em cada coisa que eu fizesse”. “ E eu ”, disse Ninguém,” quem me repreendesse em cada coisa que eu errasse”. Animado, disse o Diabo: “Escreve mais.” “ E agora, o que me passou despercebido?” “ Oras, que quer em extremo grado Todo Mundo ser louvado e Ninguém em ser repreendido.” “ Também quero o Paraíso”, disse Todo Mundo,” mas sem ter quem me chatear”. “ E eu, por minha falta de juízo, suando para minhas faltas pagar!” E disse sorrindo o Diabo: “Pra que sirva de aviso, mais uma sentença se escreve: Todo Mundo agora quer o Paraíso, mas Ninguém paga o que deve.” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 04 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
  • 6. Continuou Todo Mundo: “Eu sou vidrado em tapear, e mentir nasceu comigo”. “Sem nunca chantagear, a verdade eu sempre digo”, emendou Ninguém. O Diabo pediu a seu companheiro, com muito bom-humor e um sorriso malicioso: “Bote anúncio na cidade, deste fato curioso: Aqui Ninguém fala a verdade e Todo Mundo é mentiroso!” Então voltaram ás bodas para brindar aos noivos, deixando de lado os distintos cavalheiros, visto que notaram a conclusão que se confirmara: Dali, realmente Ninguém se importava e Todo Mundo só queria mesmo era saber de nada. http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 05 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
  • 7. “ Todo-Mundo e Ninguém” Texto original de Gil Vicente, em “ O Auto da Lusitânia ”, de 1531 Texto adaptado e Ilustrações por Marcio Batista 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 06 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados