SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 12
Baixar para ler offline
REVISTA BRASILEIRA DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO / BRAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2007, VOL. 3, N . 2, 307-318                     O




                           PORQUE EU NÃO SOU UM PSICÓLOGO COGNITIVISTA1
                                  WHY I AM NOT A COGNITIVE PSYCHOLOGIST
                                                                 B. F. SKINNER
                                                       HARVARD UNIVERSITY, USA

                                                    RESUMO
     As variáveis das quais o comportamento humano é função estão no ambiente. Nós distinguimos entre (1) a ação
seletiva deste ambiente durante a evolução das espécies, (2) seu efeito em modelar e manter o repertório de
comportamentos que transforma cada membro da espécie em uma pessoa e (3) sua função como ocasião na qual o
comportamento ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam essas relações entre organismo e ambiente, mas eles
raramente lidam com elas diretamente. Em vez disso, eles inventam substitutos internos que se tornam objetivo de
estudo de sua ciência. Tendo mudado o ambiente para dentro da cabeça na forma de experiência consciente e o
comportamento na forma de intenção, desejos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitos das contingências de
reforçamento como conhecimento e regras, os psicólogos cognitivistas colocam tudo isso junto para compor um
simulacro interno do organismo, nada diferente do homúnculo clássico. O aparato mental estudado pela psicologia
cognitivista é simplesmente uma versão bastante grosseira das contingências de reforçamento e seus efeitos. Eu não
sou um psicólogo cognitivista por várias razões. Não vejo qualquer evidência de um mundo interior de vida mental
que se relacione quer com uma análise do comportamento como uma função de forças ambientais, quer com a
fisiologia do sistema nervoso. O apelo para estados e processos cognitivos é um desvio de atenção que pode ser
responsável por muitas de nossas falhas para resolver nossos problemas. Nós escolhemos o caminho errado já de
início, quando fazemos a suposição de que nossa meta é mudar “mentes e corações de mulheres e homens”.
Precisamos mudar nosso comportamento e só podemos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e social.
     Palavras-chave : cognitivismo, behaviorismo, comportamento, causação


                                                   ABSTRACT
    The variables of which human behavior is a function lie in the environment. We distinguish between (1) the
selective action of that environment during the evolution of the species, (2) its effect in shaping and maintaining
the repertoire of behavior which converts each member of the species into a person, and (3) its role as the occasion
upon which behavior occurs. Cognitive psychologists study these relations between organism and environment,
but they seldom deal with them directly. Instead they invent internal surrogates which become the subject matter
of their science. Having moved the environment inside the head in the form of conscious experience and behavior
in the form of intention, will, and choice, and having stored the effects of contingencies of reinforcement as
knowledge and rules, cognitive psychologists put them all together to compose an internal simulacrum of the
organism. The mental apparatus studied by cognitive psychology is simply a rather crude version of contingencies
of reinforcement and their effects. I am not a cognitive psychologist for several reasons. I see no evidence of an inner
world of mental life relative either to an analysis of behavior as a function of environmental forces or to the
physiology of the nervous system. The appeal to cognitive states and processes is a diversion which could well be
responsible for much of our failure to solve our problems. We choose the wrong path at the very start when we
suppose that our goal is to change the “minds and hearts of men and women”. We need to change our behavior and
we can do so only by changing our physical and social environments.
    Key words: cognitivism, behaviorism, behavior, causation


      As variáveis das quais o comportamento                                   bro da espécie em uma pessoa e (3) sua fun-
humano é função estão no ambiente. Nós dis-                                    ção como ocasião na qual o comportamento
tinguimos entre (1) a ação seletiva deste am-                                  ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam
biente durante a evolução das espécies, (2) seu                                essas relações entre organismo e ambiente, mas
efeito em modelar e manter o repertório de                                     eles raramente lidam com elas diretamente.
comportamentos que transforma cada mem-                                        Em vez disso, eles inventam substitutos in-

1 Artigo originalmente publicado em 1977 na revista Behaviorism, Vol. 5, nº 2, Fall, hoje Behavior and Philosophy, que autorizou a publicação da tradução.
 Tradução realizada por Olavo de Faria Galvão (Universidade Federal do Pará) e revisada por José Carlos Simões Fontes, em 1981. Resumos em português
 e inglês extraídos do texto original por Deisy das Graças de Souza; a publicação original não incluía resumo.



                                                                         307
B. F. SKINNER


ternos que se tornam objetivo de estudo de             pre que o objeto apresentado for branco, não
sua ciência.                                           importando a forma ou o tamanho, apenas bi-
       Tome-se, por exemplo, o tão falado pro-         cadas no painel marcado “branco” serão refor-
cesso de associação. No experimento de Pavlov          çadas, quando o objeto for vermelho, apenas
um cão faminto ouve uma campainha e então é            bicadas no painel marcado de “vermelho” serão
alimentado. Se isto ocorre muitas vezes, o cão         reforçadas, e assim por diante. Sob estas condi-
começa a salivar quando ouve a campainha. O            ções o pombo eventualmente bica o painel
padrão de explicação mentalista é de que o cão         marcado “branco” quando o objeto é branco, o
“associa” a campainha com a comida. Mas foi            painel marcado “vermelho” quando o objeto é
Pavlov quem as associou! “Associar” significa          vermelho e assim por diante; as crianças são
juntar ou unir. O cão meramente começa a sa-           ensinadas a nomear cores com contingências
livar ao ouvir a campainha. Não temos evidên-          similares e nós possuímos repertórios compa-
cia alguma de que ele o faça assim por causa de        ráveis, sustentados pelas práticas reforçadoras
um equivalente interno das contingências.              de nossos ambientes verbais.
       Na “associação de idéias” as idéias são ré-            Mas o que se diz sobre o que está se pas-
plicas internas de estímulos, ao que retornarei        sando na mente? Karl Popper (1957) propôs
adiante. Se nós já comemos limões, podemos             o problema clássico desta forma. “Podemos
sentir o gosto de limão ao ver um limão ou ver         dizer ou que (1) o termo universal “branco” é
um limão ao saborear suco de limão, mas não            um rótulo aposto a um conjunto de coisas ou
fazemos isso porque associamos o sabor com a           que (2) reunimos o conjunto porque as coisas
aparência. Eles estão associados no limão. Pelo        compartilham uma propriedade intrínseca de
menos o termo “associações de palavras” está           “brancura”.” Popper diz que a distinção é im-
nomeado corretamente. Se dizemos “lar”                 portante; os cientistas naturalistas podem op-
quando alguém diz “casa”, não é porque nós             tar pela primeira posição, mas os cientistas
associamos as duas palavras, mas porque elas           sociais devem tomar a segunda. Devemos di-
estão associadas no uso diário da língua. Asso-        zer, então, que o pombo está atribuindo um
ciação cognitiva é uma invenção. Mesmo que             termo universal a um conjunto de coisas ou
fosse real, ela não avançaria na direção de uma        reunindo um conjunto de coisas porque elas
explicação mais do que as contingências nas            compartilham uma propriedade intrínseca?
quais é modelada.                                      Claramente, é o experimentador e não o pom-
       Outro exemplo é abstração. Considere um         bo quem “vincula” a chave branca aos objetos
experimento simples. Um pombo faminto pode             apresentados e quem reúne o conjunto de ob-
bicar qualquer um de uma série de painéis com          jetos ao qual um evento reforçador particular
nomes de cores – “branco”, “vermelho”, “azul”,         é tornado contingente. Será que não devería-
e assim por diante, e as bicadas são reforçadas        mos simplesmente atribuir o comportamento
com pequenas quantidades de comida. Qual-              às contingências experimentais? E se assim for,
quer um de um conjunto de objetos – blocos,            porque não fazer o mesmo para crianças e nós
livros, flores, animais de brinquedo, etc. – po-       mesmos? O comportamento fica sob controle
dem ser vistos em um espaço adjacente. As se-          de estímulos sob certas contingências de
guintes contingências são então arranjadas: sem-       reforçamento. Contingências especiais


                                                     308
COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO


mantidas por comunidades verbais produzem             do e estereotipado.” (As contingências afetan-
“abstrações”. Nós vinculamos, sim, rótulos fí-        do o comportamento são simplificadas e exa-
sicos a coisas físicas e agrupamos objetos físi-      geradas e envolvem comportamento estereoti-
cos de acordo com propriedades rotuladas, mas         pado da parte dos pais e outras pessoas). “À
processos cognitivos comparáveis são invenções        medida que a criança se desenvolve
que, mesmo se reais, não estariam mais próxi-         cognitivamente, seus conceitos e,
mas de uma explicação do que as contingênci-          consequentemente suas atividades se tornam
as externas.                                          mais sofisticadas e realistas.” (À medida a cri-
       Outra explicação cognitiva dos mesmos          ança fica mais velha, as contingências se tor-
dados afirmaria que uma pessoa, como também           nam mais sutis e mais intimamente relaciona-
um pombo, forma uma idéia abstrata ou de-             das ao sexo real da criança). As crianças não
senvolve um conceito de cor. O desenvolvimen-         saem por aí formando conceitos de sua iden-
to de conceitos é um campo cognitivo especial-        tidade sexual e “consequentemente” se com-
mente popular. (A metáfora horticultural              portando de maneiras especiais; elas mudam
minimiza as contribuições do ambiente. Nós            seu comportamento vagarosamente à medida
podemos acelerar o crescimento da mente, mas          que as pessoas mudam as maneiras com que as
não somos mais responsáveis por sua caracte-          tratam por causa do seu sexo. O comporta-
rística final do que os fazendeiros pela caracte-     mento muda porque as contingências mudam,
rística das frutas e vegetais que eles tão cuida-     não porque uma entidade mental chamada
dosamente nutrem). A visão de cores é parte da        conceito se desenvolve.
dotação genética da maioria das pessoas e ela se            Muitos termos mentalistas ou cognitivos
desenvolve ou cresce no sentido fisiológico,          não se referem às contingências apenas, mas
possivelmente também em algum grau após o             ao comportamento que elas geram. Termos
nascimento. No entanto, a maioria dos estímu-         como “mente’, “desejo” e “pensamento” são
los adquire controle por sua posição nas con-         muitas vezes sinônimos de “comportamento”.
tingências de reforçamento. À medida que as           Um historiador escreve: “Prevalece o que po-
contingências se tornam mais complexas, elas          deria se chamar de estagnação do pensamen-
modelam e mantém comportamentos mais                  to, como se a mente, exausta após erigir a es-
complexos. É o ambiente que se desenvolve, não        trutura espiritual da Idade Média, tivesse se
uma propriedade mental ou cognitiva.                  afundado na inércia”. Exaustão é uma metáfo-
       Uma passagem de uma discussão recen-           ra plausível quando um período estagnado se
te do desenvolvimento da identidade sexual            segue a um ativo, mas foi o comportamento
em uma criança poderia ser transcrita como            que se tornou estagnado e inerte,
se segue: “A criança forma um conceito basea-         presumivelmente porque as contingências
da no que ela observou e ouviu dizer sobre o          mudaram. Certas condições sociais (“a estru-
que significa ser um menino ou uma meni-              tura espiritual da Idade Média”) tornaram as
na.” (O comportamento de uma criança é afe-           pessoas ativas. Um segundo conjunto de con-
tado por aquilo que ela observou e lhe conta-         dições, possivelmente produzido pelo próprio
ram sobre ser um menino ou uma menina).               comportamento gerado pelo primeiro, as tor-
“Este conceito é super simplificado, exagera-         nou muito menos ativas. Para compreender o


                                                309
B. F. SKINNER


que realmente aconteceu, deveríamos saber por        soas em particular, uma vez que o período du-
que as contingências mudaram não porque o            rou mais que o tempo de uma vida. O que
pensamento se tornou estagnado ou inerte.            mudou foram, presumivelmente, as condições
       O comportamento é internalizado como          que afetavam o comportamento dos membros
vida mental quando é muito sutil para ser ob-        da classe. Talvez tenham perdido seu dinheiro,
servado por outros – quando, como dizemos, é         talvez classes competidoras tenham se tornado
encoberto. Um escritor apontou que “o maes-          mais poderosas.
tro de uma orquestra mantém uma mesma ca-                  Sentimentos, ou as condições corporais
dência de acordo com o ritmo interno, e ele          que sentimos, são comumente tomadas como
pode dividir aquela cadência ao meio várias ve-      as causas do comportamento. Nós vamos dar
zes com uma precisão que rivaliza a de qual-         uma volta porque “nos sentimos a fim de ir”. É
quer instrumento mecânico.” Mas existe um            surpreendente quão freqüentemente a futilida-
ritmo interno? Manter a cadência é um com-           de de tal explicação é reconhecida. Um biólogo
portamento. Partes do corpo servem com fre-          de renome, C.H. Waddington (1974), revisan-
qüência como pêndulos úteis na determinação          do um livro de Tinbergen, escreveu assim:
de velocidade, como quando o músico amador
marca o compasso com o pé ou como o tocador                “Não fica claro até que ponto ele (Tinbergen)
de rock com todo o corpo, mas outros compor-               concordaria com o argumento de uma das dis-
tamentos bem cadenciados precisam ser apren-               cussões críticas mais perceptivas da etologia feita
didos. O maestro marca o compasso de forma                 por Suzanne Sanger, que argumenta que cada
estável porque ele aprendeu a fazê-lo assim sob            passo em uma estrutura complexa do comporta-
contingências de reforçamento bastante preci-              mento é controlada, não por um conjunto hie-
sas. O comportamento pode ser reduzido em                  rárquico de centros neuronais, mas pelos senti-
escala até que não seja visível a outros. Ainda            mentos imediatos do animal. O animal, ela afir-
assim é sentido pelo maestro, mas é uma sensa-             ma, dá o próximo passo na seqüência não para
ção de comportamento, não de tempo. A his-                 aproximar-se de um objetivo útil, ou mesmo
tória do “desenvolvimento de um sentido de                 como um movimento em direção a uma consu-
tempo pelo homem” ao longo dos séculos não                 mação agradável, mas porque ele se sente a fim
é uma questão de crescimento cognitivo, mas                de fazer aquilo naquele momento.”
da invenção de calendários, relógios e meios de
manter registros – em outras palavras, de um              Evidentemente, o próprio Waddington
ambiente que “guarda tempo”.                         concorda de modo parcial com esta “visão
      Quando um historiador relata que em um         perceptiva.”
dado período “uma classe governante saudável,               Mas suponha que Langer esteja certa.
brilhante e tradicional perdeu sua vontade” ele      Suponha que os animais simplesmente fazem o
está apenas relatando que ela parou de agir como     que eles estão a fim de fazer. Qual é o próximo
uma classe governante saudável, brilhante e tra-     passo para explicar seu comportamento? Clara-
dicional. O termo vontade sugere mudanças            mente, uma ciência do comportamento dos
mais profundas, mas elas não são identificadas.      animais deveria ser substituída ou
Elas não poderiam ter sido mudanças em pes-          complementada por uma ciência dos sentimen-


                                                   310
COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO


tos dos animais. Ela seria tão extensa quanto a       mentais ou cognitivos que se diz iniciarem a
ciência do comportamento, porque haveria              ação. No reflexo, condicionado ou
presumivelmente uma sensação para cada ato.           incondicionado, há uma causa anterior conspí-
Mas os sentimentos são mais difíceis de identi-       cua. Algo dispara a resposta. Mas o comporta-
ficar e descrever do que os comportamentos            mento que tenha sido reforçado positivamente
atribuíveis a eles, e nós teríamos abandonado o       ocorre em ocasiões em que, ainda que predis-
objeto de estudos objetivo em favor de um de          ponham, nunca compelem sua ocorrência. O
status dúbio, acessível apenas por meio dos ca-       comportamento parece começar de repente, sem
nais necessariamente defeituosos da                   aviso prévio, como se fosse gerado espontanea-
introspecção. As contingências seriam as mes-         mente. Daí a invenção de entidades cognitivas
mas. Os sentimentos e o comportamento teri-           tais como intenção, propósito ou desejo. Os
am as mesmas causas.                                  mesmos problemas foram debatidos com rela-
       Um político Britânico afirmou recente-         ção à Teoria da Evolução e pela mesma razão: a
mente que a chave para o crime nas ruas era a         seleção é um modo causal especial não facil-
frustração. Os jovens assaltam e roubam por-          mente observável. Porque as circunstâncias
que se sentem frustrados. Mas porque eles se          controladoras que repousam na história de
sentem frustrados? Uma possível razão é o fato        reforçamento de um organismo são obscuras, o
de estarem desempregados ou porque eles não           substituto mental tem sua chance. Sob
têm a educação necessária para conseguir em-          reforçamento positivo, dizemos que fazemos o
pregos ou porque não existem empregos dispo-          que estamos livres para fazer; daí a noção de
níveis. Portanto, para resolver o problema do         livre arbítrio como uma condição iniciadora.
crime nas ruas, devemos mudar as escolas e a          (Eu acho que foi Jonathan Edwards quem dis-
economia. Mas que função a frustração tem             se que acreditamos em livre arbítrio porque sa-
nisso tudo? Será o caso de que quando alguém          bemos sobre nossos comportamentos, mas não
não pode obter um emprego se sente frustrado          sobre as suas causas).
e que quando alguém se sente frustrado assalta              Quando não sabemos por que uma pes-
e rouba, ou será simplesmente o caso de que           soa faz uma coisa ao invés de outra, nós dize-
quando alguém não pode ganhar dinheiro esse           mos que elas “escolhem” ou “tomam decisões”.
alguém mais provavelmente irá roubá-lo – e            Escolher, originalmente significava examinar,
possivelmente experimentar uma condição cor-          escrutinizar cuidadosamente ou testar.
poral chamada frustração?                             Etimologicamente, decidir significa cortar ou-
       Considerando que muitos eventos que de-        tras possibilidades, mover-se em uma direção
vem ser levados em conta ao se explicar o com-        da qual não há retorno. Escolher e decidir são,
portamento estão associados com estados corpo-        então, formas conspícuas de comportamento,
rais que podem ser sentidos, o que é sentido pode     mas psicólogos cognitivistas, não obstante, in-
servir como uma pista para as contingências. Mas      ventaram equivalentes internos. Anatole
os sentimentos não são as contingências e não as      Rapaport (1973) coloca dessa forma: “Em um
podem substituir como causas.                         experimento psicológico, um sujeito tem que
       Por sua própria natureza o comportamen-        escolher entre alternativas e selecionar uma al-
to operante encoraja a invenção de processos          ternativa entre outras”. Quando tal ocorre, ele


                                                311
B. F. SKINNER


diz: “o senso comum sugere que ele seja guiado         mas esta não é uma exceção; é um exemplo de
por uma preferência”. O senso comum de fato            comportamento governado por regras, do qual
sugere isso, e também o fazem os psicólogos            falaremos mais tarde).
cognitivistas, mas onde está e o que é uma pre-              Já chega de internalização cognitiva de
ferência? É algo mais do que uma tendência a           contingências de reforçamento e invenção de
fazer uma coisa ao invés de outra? Quando não          causas cognitivas do comportamento. Bem mais
podemos dizer de onde vem o vento e para onde          nociva para uma análise efetiva é a internalização
vai, nós dizemos que ele “sopra caprichosamen-         do ambiente. Os gregos inventaram a mente
te” (ao pé da letra: “sopra para onde se inclina a     para explicar como o mundo real podia ser co-
soprar”). E o senso comum, senão a psicologia          nhecido. Para eles, conhecer significava estar
cognitivista, credita isso à preferência. (A pro-      familiarizado com, ser íntimo de. O próprio
pósito, inclinar-se é um exemplo de termo com          termo cognição está relacionado a coito, no sen-
um referencial físico usado para se referir a um       tido bíblico em que se diz que um homem co-
processo mental. Significa, naturalmente, in-          nheceu uma mulher. Não tendo uma física ade-
clinar-se, como quando o navio balança. E uma          quada do som e da luz, nem qualquer química
vez que as coisas usualmente caem na direção           do paladar e do olfato, os gregos não podiam
em que se inclinam, nós dizemos que as pesso-          entender como o mundo fora do corpo, possi-
as se inclinam em favor de um candidato em             velmente a alguma distância, podia ser conhe-
uma eleição como uma forma grosseira de pre-           cido. Devia haver cópias internas. Daí os equi-
dizer como elas vão votar. A mesma metáfora se         valentes cognitivos do mundo real.
encontra em “inclinação”; nós estamos “incli-                A distinção entre realidade e experiência
nados a votar em X. Mas isto não significa que         consciente tem sido feita tão freqüentemente
tenhamos tendências e inclinações internas que         que agora parece auto-evidente. Fred Attneave
afetam o nosso comportamento).                         (1974) escreveu recentemente que “a afirma-
      “Intenção” é um termo bastante similar,          ção de que o mundo que conhecemos é uma
que só significa antecipação. A versão cognitiva       representação é, em minha opinião, um truísmo
é uma questão crítica na lingüística atual. A          – não há realmente nenhum jeito de estar erra-
intenção do locutor deve ser considerada? Em           do”. Mas existem pelo menos duas maneiras de
uma análise operante o comportamento é deter-          entender o que se quer dizer. Se a afirmação
minado pelas conseqüências que o seguem em             quer dizer que nós podemos apenas conhecer
um dado ambiente verbal, e é de conseqüências          representações do mundo externo, isto é um
que os psicólogos cognitivistas estão realmente        “truísmo” apenas se não somos nossos corpos,
falando quando falam de intenções. Todo com-           mas habitantes localizados em algum lugar
portamento operante “antecipa” um futuro,              dentro dele. Nossos corpos estão em contato
mesmo que as únicas conseqüências responsá-            com o mundo real e podem responder a ele
veis por sua força já tenham ocorrido. Eu vou a        diretamente, mas se estamos ocultos em al-
um bebedouro “com a intenção” de tomar um              gum ponto na cabeça, devemos nos satisfazer
pouco d’água no sentido de que eu vou porque           com representações.
no passado eu pude beber quando fui lá. (Eu                  Outra significação possível é a de que co-
posso ir pela primeira vez seguindo indicações,        nhecer seja o próprio processo de construir có-


                                                     312
COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO


pias mentais das coisas reais, mas se for esse o             Reconhecimento é um termo chave na
caso, como conhecemos as cópias? Fazemos có-         teoria cognitiva, e ele cobre um extenso cam-
pias delas? Será infinita essa regressão?            po. Ele é freqüentemente contrastado com per-
      Alguns psicólogos cognitivistas reconhe-       cepção. Dizemos que somos capazes de ver que
cem que conhecer é ação, mas tentam defender         existem três pontos em um cartão, mas apenas
seu ponto de vista apelando para outros equi-        sabemos que existem treze após contá-los, em-
valentes mentais. O conhecimento é entendi-          bora contar seja uma forma de comportamen-
do como “um sistema de proposições”. De acor-        to. Depois de notar que uma espiral pode ser
do com um escritor, “quando usamos a palavra         vista como sendo contínua, mas que isso só se
“ver” nos referimos a uma ponte entre um pa-         descobre rastreando-a, Bela Julesz (1975) disse
drão de estimulação sensorial e o conhecimen-        que “qualquer tarefa visual que não pode ser
to que é proposicional. Mas “proposicional” é        desempenhada espontaneamente, sem esforço
simplesmente         um       eufemismo      de      ou deliberação, pode ser considerada como uma
“comportamental”, e a “ponte” é entre estímu-        tarefa cognitiva ao invés de perceptual,” embo-
los e comportamento e foi construída quando          ra todos os passos naquele exemplo sejam cla-
os estímulos eram partes das contingências.          ramente comportamentais.
      Teorias representacionais do conhecimen-             “Saber como fazer alguma coisa” é um equi-
to são construídas a partir do comportamento         valente interno de comportamento em sua rela-
prático. Nós fazemos sim cópias das coisas. Nós      ção com as contingências. Uma criança aprende
construímos trabalhos artísticos de representa-      a andar de bicicleta e então se diz que ela possui
ção, porque olhar para eles é reforçado de for-      conhecimento de como manobrá-la. O compor-
ma bastante similar a olhar para o que eles re-      tamento da criança foi mudado pelas contingên-
presentam. Nós fazemos mapas, porque o nos-          cias de reforçamento mantidas por bicicletas; a
so comportamento de segui-los é reforçado            criança não toma posse das contingências.
quando chegamos ao nosso destino no territó-                 Falar em saber acerca de coisas é tam-
rio mapeado. Mas existem equivalentes inter-         bém construir um equivalente interno das con-
nos? Quando devaneamos, primeiro construí-           tingências. Nós assistimos a um jogo de fute-
mos cópias dos episódios reforçadores que en-        bol e dizemos então possuir o conhecimento
tão vemos ou simplesmente vemos as coisas de         do que aconteceu. Nós lemos um livro e dize-
novo? Quando aprendemos a andar em um                mos saber do que se trata. O jogo e o livro
determinado território, construímos mapas            estão, de alguma forma, “representados” em
cognitivos que então seguimos, ou seguimos o         nossas mentes: nós estamos “de posse de certos
território? Se nós seguimos o mapa cognitivo,        fatos”. Mas a evidência é simplesmente de que
devemos aprender a fazer isso, e tal aprendiza-      nós podemos descrever o que aconteceu no
gem irá requerer um mapa do mapa? Não há             jogo e relatar sobre o que o livro versava. Nos-
nenhuma evidência da construção mental de            so comportamento mudou, mas não há ne-
imagens para serem olhadas ou mapas para se-         nhuma evidência de que tenhamos adquirido
rem seguidos. O corpo responde ao mundo no           conhecimento. Estar “de posse de fatos” não é
ponto de contato; fazer cópias seria um desper-      conter os fatos dentro de nós mesmos, mas ter
dício de tempo.                                      sido afetado por eles.


                                               313
B. F. SKINNER


       Posse de conhecimento implica em               mais útil do que dizer que o meu comporta-
armazenamento, um campo em que os psicó-              mento ao jantar é armazenado como memórias
logos cognitivistas construíram um grande nú-         prandiais, ou coçar-se como memória pruriente?
mero de equivalentes mentais do comportamen-          Os fatos observados são bastante simples: eu
to. Diz-se que o organismo internaliza e arma-        adquiro um repertório de comportamento, par-
zena o ambiente, possivelmente de alguma for-         tes do qual eu exibo em ocasiões apropriadas. A
ma já processada. Suponhamos que uma meni-            metáfora de armazenagem e recuperação vai bem
na tenha visto uma gravura ontem e hoje, quan-        além desses fatos.
do solicitada a descrevê-la, o faz. O que aconte-            O computador, juntamente com a teoria
ceu? Uma resposta tradicional seria mais ou           da informação planejada para lidar com siste-
menos assim: quando ela viu a gravura ontem           mas físicos, fez da metáfora da entrada-
ela formou uma cópia em sua mente (a qual,            armazenamento-recuperação-saída um modis-
de fato, foi tudo o que ela viu). Ela codificou a     mo. O esforço para fazer máquinas que pensam
gravura de forma adequada e armazenou-a em            como pessoas teve como efeito apoiar as teorias
sua memória, onde permanece até hoje. Hoje            que sugerem que pessoas pensam como máqui-
quando solicitada a descrever a figura, ela pro-      nas. A mente foi recentemente definida como
curou em sua memória, recuperou a cópia co-           “o sistema de organizações e estruturas perten-
dificada e converteu-a em algo semelhante à           centes a um indivíduo que processa entradas...
gravura original, para a qual ela então olhou e       e provê saídas para os vários subsistemas e o
descreveu. A explicação é baseada no                  mundo.” Mas organizações e estruturas do quê?
armazenamento físico de memorandos. Faze-             (A metáfora ganha força pelo modo como des-
mos cópias e outros registros, e respondemos a        carta problemas trabalhosos. Falando de entra-
eles. Mas fazemos qualquer coisa desse tipo em        da se pode esquecer todo o trabalho da psicolo-
nossas mentes?                                        gia sensorial e da fisiologia; falando de saída se
       Se alguma coisa é “armazenada”, é com-         esquece de todo o problema de descrever e ana-
portamento. Nós falamos de “aquisição” de com-        lisar a ação; e falando de armazenamento e re-
portamento, mas de que forma ele é possuído?          cuperação da informação pode-se esquivar de
Onde está o comportamento quando o orga-              todos os problemas difíceis relacionados a como
nismo não está se comportando? Onde os com-           os organismos são efetivamente mudados pelo
portamentos que exibo quando estou ouvindo            contato com seus ambientes e como tais mu-
música, jantando, conversando com um ami-             danças sobrevivem.).
go, dando um passeio matinal ou coçando uma                  Freqüentemente se diz que os dados sen-
picada estão no presente momento e que forma          soriais são armazenados como imagem, da mes-
eles têm? Um psicólogo cognitivista disse que o       ma forma que se diz que as imagens represen-
comportamento verbal é armazenado como                tam o mundo real. Uma vez dentro, elas são
“memórias léxicas”. O comportamento verbal            manipuladas de acordo com os propósitos
deixa freqüentemente registros públicos que           cognitivos. Há um experimento conhecido so-
podem ser armazenados em estantes e livrarias         bre generalização de cor em que um pombo
e a metáfora da armazenagem é, portanto, par-         bica um disco de, digamos, luz verde, e o com-
ticularmente plausível. Mas essa expressão é          portamento é reforçado em esquema de inter-


                                                    314
COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO


valo variável. Quando se desenvolve uma taxa          tenta resolvê-lo. Contrariamente, a teoria
estável de respostas não se dá mais nenhum            cognitiva sustenta que eu armazeno uma regra.
reforçador e a cor do disco é mudada. O pom-          Regras são muito usadas como substitutos men-
bo responde a uma outra cor com uma taxa              tais do comportamento, em parte porque elas
que depende de quanto ela difere da cor origi-        podem ser memorizadas e, portanto, “possuídas”,
nal; cores bastante semelhantes evocam taxas          mas há uma diferença importante entre regras e
bastante altas, cores muito diferentes taxas bai-     as contingências que elas descrevem. Regras po-
xas. Um psicólogo cognitivista poderia expli-         dem ser internalizadas no sentido de que pode-
car o problema desta forma: o pombo percebe           mos dizê-las a nós mesmos, mas ao fazê-lo, nós
uma cor nova (como “entrada”), recupera a cor         não internalizamos as contingências.
original da memória, onde ela estava armaze-                Eu posso aprender a resolver o quebra-
nada de alguma forma, põe as duas imagens             cabeça de duas maneiras. Posso mexer com as
coloridas lado a lado, de forma que possam            peças para lá e para cá até conseguir uma res-
ser facilmente comparadas e depois de avaliar         posta que as separe. O comportamento será for-
a diferença, responde com a taxa apropriada.          talecido, e se eu fizer a mesma coisa várias ve-
Mas que vantagem se ganha indo de um pom-             zes, eventualmente serei capaz de separar as
bo que responde a diferentes cores em um dis-         peças rapidamente. Meu comportamento foi
co para um pombo interno que responde às              modelado e mantido por seus efeitos sobre as
imagens coloridas em sua mente? O fato sim-           peças. Eu posso, por outro lado, simplesmente
ples é que por causa de uma história conheci-         seguir as instruções impressas que vêm com o
da de reforçamento, cores diferentes contro-          quebra-cabeça. As instruções descrevem o com-
lam taxas diferentes.                                 portamento que separa as peças, e se eu já tiver
      A metáfora cognitiva está baseada em com-       aprendido a seguir instruções, posso evitar o
portamento que ocorre no mundo real. Nós              processo possivelmente longo de ter meu com-
guardamos exemplares de coisas e as retoma-           portamento modelado pelas contingências.
mos e comparamos com outros exemplares. Nós                 Instruções são regras. Assim como con-
os comparamos no sentido literal de colocá-los        selhos, avisos, máximas, provérbios e leis ci-
lado a lado, para tornar as diferenças mais ób-       entíficas e governamentais, elas são parte im-
vias. E respondemos a diferentes coisas de dife-      portante de uma cultura, permitindo às pes-
rentes formas. Mas isso é tudo, todo o campo          soas tirar proveito da experiência dos outros.
de processamento de informação pode ser               Aqueles que adquiriram o comportamento pela
reformulado como mudança no controle exer-            exposição às contingências descrevem as con-
cido pelos estímulos.                                 tingências, e outros, então, evitam se expor
      O armazenamento do conhecimento                 comportando-se das formas descritas. Mas os
factual levanta outro problema. Quando eu             psicólogos cognitivistas defendem que algo do
aprendo, digamos, a separar um quebra-cabeça          mesmo tipo ocorre internamente quando as
por partes, parece improvável que eu armazene         pessoas aprendem diretamente por meio das
meu conhecimento de como fazê-lo a partir de          contingências. Diz-se que elas descobrem re-
uma cópia do quebra-cabeça ou das contingên-          gras que, então, elas mesmas seguem. Mas as
cias que o quebra-cabeça apresenta para quem          regras não estão nas contingências, nem pre-


                                                315
B. F. SKINNER


cisam ser conhecidas por aqueles que adqui-          te comum. Usando um dicionário e uma gra-
rem comportamento sob exposição a estas. (Por        mática nós podemos compor sentenças aceitá-
sorte nossa isto é assim, uma vez que regras         veis em uma língua que não falamos, e pode-
são produtos verbais que surgiram muito tar-         mos ocasionalmente consultar um dicionário
de na evolução da espécie).                          ou uma gramática ao falar nossa própria lín-
       A distinção entre e regras e contingênci-     gua, mas mesmo assim raramente falamos apli-
as é realmente importante no campo do com-           cando regras. Nós falamos porque nosso com-
portamento verbal. Crianças aprendem a falar         portamento é modelado e mantido pelas práti-
mediante o contato com comunidades verbais,          cas de uma comunidade verbal.
possivelmente sem instrução. Algumas respos-                Tendo mudado o ambiente para dentro
tas verbais são efetivas e outras não, e durante     da cabeça na forma de experiência consciente e
um período de tempo mais e mais comporta-            o comportamento na forma de intenção, dese-
mento é modelado e mantido. As contingênci-          jos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitos
as que tem esse efeito podem ser analisadas.         das contingências de reforçamento como conhe-
Uma resposta verbal “significa” algo no sentido      cimento e regras, os psicólogos cognitivistas
de que o locutor está sob controle de circuns-       colocam tudo isso junto para compor um si-
tâncias particulares; um estímulo verbal “signi-     mulacro interno do organismo, um tipo de
fica” algo no sentido de que o ouvinte responde      doppleganger, nada diferente do homúnculo
a ele de maneiras particulares. A comunidade         clássico, cujo comportamento é o objeto de es-
verbal mantém contingências onde respostas           tudo do que Piaget e outros chamaram de
que ocorrem em ocasiões particulares servem          “behaviorismo subjetivo”. O aparato mental
como estímulos úteis para ouvintes que, então,       estudado pela psicologia cognitivista é simples-
se comportam apropriadamente às ocasiões.            mente uma versão bastante grosseira das con-
       Relações mais complexas entre os com-         tingências de reforçamento e seus efeitos.
portamentos do locutor e do ouvinte caem no                 Todo processo chamado cognitivo tem um
campo da sintaxe e da gramática. Até a época         modelo físico. Nós associamos coisas colocando-
dos gregos, parece que ninguém sabia que ha-         as juntas. Nós armazenamos memorandos e re-
via regras de gramática, ainda que as pessoas        cuperamos para uso posterior. Nós comparamos
falassem gramaticalmente no sentido em que           coisas colocando-as lado a lado para enfatizar as
se comportavam efetivamente sob as contingên-        diferenças. Nós discriminamos coisas umas das
cias mantidas pelas comunidades verbais, as-         outras separando-as e tratando-as de diferentes
sim como as crianças de hoje aprendem a falar        maneiras. Nós identificamos objetos retirando-
sem a necessidade de regras para seguir. Mas os      os do ambiente confuso. Nós abstraímos conjun-
psicólogos cognitivistas insistem que falantes e     tos de itens de arranjos complexos. Nós descre-
ouvintes devem descobrir as regras por si pró-       vemos contingências de reforçamento em regras.
prios. Uma autoridade inclusive, definiu falar       Essas são as ações das pessoas reais. É apenas no
como “engajar-se em uma forma de comporta-           mundo fantasioso de uma pessoa interna que elas
mento intencional governado por regras”. Mas         se tornam processos mentais.
não há evidência de que regras tenham qual-                A própria rapidez com que os processos
quer participação no comportamento do falan-         cognitivos são inventados para explicar o com-


                                                   316
COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO


portamento deveria suscitar suspeita. Molière         processos internos; a questão é quão bem eles
fez uma piada de um exemplo médico há mais            podem ser conhecidos via introspecção. Como
de três séculos atrás. “Doutores estudados me         eu      argumentei         noutra       ocasião,
perguntaram por que razão o ópio faz alguém           autoconhecimento ou consciência se tornaram
dormir, ao que eu respondi que há nele uma            possíveis apenas quando a espécie adquiriu com-
virtude soporífera cuja natureza é a de aquietar      portamento verbal, e isso foi muito tarde em
os sentidos.” O personagem de Molière pode-           sua história. O único sistema nervoso até então
ria ter citado evidências de introspecção, invo-      disponível se desenvolveu por outros propósi-
cando um efeito colateral da droga, dizendo:          tos e não fazia contato com as atividades fisio-
“Ao que eu respondi que o ópio faz a pessoa           lógicas mais importantes. Aqueles que se vêem
sentir sono”. Mas a virtude soporífera em si é        pensando vêem pouco mais do que seu com-
totalmente uma invenção, e não deixa de ter           portamento perceptual e motor, aberto e enco-
paralelos atuais.                                     berto. Poder-se-ia dizer que eles observam os
        Recentemente ocorreu na Europa uma            resultados de “processos cognitivos”, mas não
conferência sobre o assunto da criatividade ci-       os próprios processos – um “fluxo de consciên-
entífica. Um relato publicado na Science (1974)       cia” mas não o que causa o fluxo, a “ imagem de
começa revelando que mais de noventa por cento        um limão” mas não o ato de associar aparência
da inovação científica foi obtida por menos de        com sabor, seu uso de um termo abstrato mas
dez por cento de todos os cientistas. A senten-       não o processo de abstração, um nome lembra-
ça seguinte poderia ser parafraseada desta for-       do mas não sua recuperação da memória, e as-
ma: “Os doutores estudados me perguntaram             sim por diante. Pela introspecção nós não ob-
pela causa e a razão por que isso seria assim, ao     servamos os processos fisiológicos por meio dos
que eu respondi que é porque apenas uns pou-          quais o comportamento é modelado e mantido
cos cientistas possuem criatividade.” Similar-        pelas contingências de reforçamento.
mente, os doutores estudados me perguntaram                 Mas os fisiologistas os observam e os psi-
pela causa e a razão porque as crianças apren-        cólogos cognitivistas apontam para as semelhan-
dem a falar com grande rapidez, ao que eu res-        ças que sugerem que eles e os fisiologistas estão
pondi que isso se dá porque elas possuem com-         falando das mesmas coisas. O próprio fato de
petência lingüística. “As audiências de Molière       que os processos cognitivos se dão dentro do
cairiam no riso”.                                     organismo sugere que a abordagem cognitiva
       Os psicólogos cognitivistas têm duas res-      está mais próxima da fisiologia do que as con-
postas para a acusação de que o aparato mental        tingências de reforçamento estudadas por aque-
é uma metáfora ou um construto. Uma é que             les que analisam o comportamento. Mas se os
os processos cognitivos são conhecidos via            processos cognitivos são moldados simplesmen-
introspecção. Todos os seres pensantes não sa-        te com base nas contingências ambientais, o
bem que pensam? E se os behavioristas dizem           fato deles serem designados para um espaço
que não, será que eles não estão ou demons-           dentro da pele não os traz mais próximos de
trando uma mentalidade de ordem inferior ou           uma abordagem fisiológica. Pelo contrário, a
agindo de má fé em defesa de sua posição? Nin-        fascinação com uma vida interior imaginada tem
guém dúvida que o comportamento envolve               levado à negligência dos fatos observados. Os


                                                317
B. F. SKINNER


construtos cognitivos dão aos fisiologistas uma       social. Nós escolhemos o caminho errado já de
explicação enganosa do que deveriam encon-            início, quando fazemos a suposição de que nossa
trar dentro do organismo.                             meta é mudar “mentes e corações de mulheres e
       Em suma, então, eu não sou um psicólo-         homens” ao invés do mundo em que eles vivem.
go cognitivista por várias razões. Não vejo qual-
quer evidência de um mundo interior de vida                             REFERÊNCIAS
mental que se relacione quer com uma análise
do comportamento como uma função de for-              Attneave, F. (1974). How do you know? American
ças ambientais quer com a fisiologia do sistema            Psychologist, 29, 493-499.
nervoso. As respectivas ciências do comporta-         Julesz, B., (1975). Experiments in the visual perception
mento e a fisiologia avançarão mais rapidamente          of texture. Scientific American, 232(4), 34-43.
se seus domínios forem corretamente definidos         Popper, K. 1957. The poverty of historicism. London:
e analisados.                                            Routledge & Kagan Paul.
      Eu estou igualmente preocupado com as           Rapoport, A. (1973). Experimental games and their uses
conseqüências práticas. O apelo para estados e            in psychology. Morristown, NJ: General Learning
processos cognitivos é um desvio de atenção que           Press.
bem pode ser responsável por muito de nossa           Waddington, C. H. (1974). New York Review, February,
falha em resolver nossos problemas. Nós preci-           3, 1974.
samos mudar nosso comportamento e só pode-
mos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e                 Tradução recebida em 29 de agosto de 2007




                                                    318

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Behavorismo metodologicoeradical
Behavorismo metodologicoeradicalBehavorismo metodologicoeradical
Behavorismo metodologicoeradicalLima Venancio
 
Behaviorismo clássico e teóricos
Behaviorismo clássico e teóricosBehaviorismo clássico e teóricos
Behaviorismo clássico e teóricosThales Rocha
 
Comportamentalismo ou Behaviorismo
Comportamentalismo ou BehaviorismoComportamentalismo ou Behaviorismo
Comportamentalismo ou BehaviorismoErica Nascimento
 
A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...
A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...
A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...Iara Andriele Carvalho
 
John watson e o behaviorismo
John watson e o behaviorismoJohn watson e o behaviorismo
John watson e o behaviorismoFrancisca Maria
 
Aula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.ppt
Aula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.pptAula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.ppt
Aula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.pptBruna Talita
 
O Behaviorismo
O BehaviorismoO Behaviorismo
O Behaviorismooseas1234
 
Aula 2 O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamento
Aula 2   O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamentoAula 2   O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamento
Aula 2 O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamentoLudmila Moura
 
Teoria do Behaviorismo de Skinner
Teoria do Behaviorismo de SkinnerTeoria do Behaviorismo de Skinner
Teoria do Behaviorismo de SkinnerEduardo Petrucci
 
Aula introducao a psicologia comportamental fabiana
Aula introducao a psicologia comportamental   fabianaAula introducao a psicologia comportamental   fabiana
Aula introducao a psicologia comportamental fabianaLidiane Oliveira Costa
 
O comportamentalismo
O comportamentalismoO comportamentalismo
O comportamentalismoLaizi Santos
 

Mais procurados (18)

Teoria Comportamental
Teoria  ComportamentalTeoria  Comportamental
Teoria Comportamental
 
Behaviorismo
BehaviorismoBehaviorismo
Behaviorismo
 
Behavorismo metodologicoeradical
Behavorismo metodologicoeradicalBehavorismo metodologicoeradical
Behavorismo metodologicoeradical
 
O behaviorismo 2
O  behaviorismo 2O  behaviorismo 2
O behaviorismo 2
 
Behaviorismo - História Filosofia
Behaviorismo - História FilosofiaBehaviorismo - História Filosofia
Behaviorismo - História Filosofia
 
Behaviorismo clássico e teóricos
Behaviorismo clássico e teóricosBehaviorismo clássico e teóricos
Behaviorismo clássico e teóricos
 
Comportamentalismo ou Behaviorismo
Comportamentalismo ou BehaviorismoComportamentalismo ou Behaviorismo
Comportamentalismo ou Behaviorismo
 
A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...
A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...
A concepção skinneriana de personalidade (Comunicação oral XXIII Encontro da ...
 
John watson e o behaviorismo
John watson e o behaviorismoJohn watson e o behaviorismo
John watson e o behaviorismo
 
Aula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.ppt
Aula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.pptAula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.ppt
Aula 01 o behaviorismo radical e a psicologia como ciência.ppt
 
O Behaviorismo
O BehaviorismoO Behaviorismo
O Behaviorismo
 
Skinner slides
Skinner   slidesSkinner   slides
Skinner slides
 
Aula 2 O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamento
Aula 2   O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamentoAula 2   O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamento
Aula 2 O Behaviorismo - uma proposta de estudo do comportamento
 
Watson e o behaviorismo
Watson e o behaviorismoWatson e o behaviorismo
Watson e o behaviorismo
 
Behaviorismo ss
Behaviorismo ssBehaviorismo ss
Behaviorismo ss
 
Teoria do Behaviorismo de Skinner
Teoria do Behaviorismo de SkinnerTeoria do Behaviorismo de Skinner
Teoria do Behaviorismo de Skinner
 
Aula introducao a psicologia comportamental fabiana
Aula introducao a psicologia comportamental   fabianaAula introducao a psicologia comportamental   fabiana
Aula introducao a psicologia comportamental fabiana
 
O comportamentalismo
O comportamentalismoO comportamentalismo
O comportamentalismo
 

Semelhante a Por que não sou um psicólogo cognitivista

Humanismo x Behaviorismo
Humanismo x BehaviorismoHumanismo x Behaviorismo
Humanismo x Behaviorismomairamatoscosta
 
Manifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdf
Manifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdfManifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdf
Manifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdfJady Tavares
 
Trabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docx
Trabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docxTrabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docx
Trabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docxceciliamonteiro12
 
John watson comportamento
John watson comportamentoJohn watson comportamento
John watson comportamentoLima Venancio
 
Comportamento aprendido e instintivo
Comportamento aprendido e instintivo  Comportamento aprendido e instintivo
Comportamento aprendido e instintivo Mariane Meneghel
 
Aula 7 percepção e atenção
Aula 7   percepção e atençãoAula 7   percepção e atenção
Aula 7 percepção e atençãoPsicologia_2015
 
Cap 3 Teorias da aprendizagem
Cap 3   Teorias da aprendizagemCap 3   Teorias da aprendizagem
Cap 3 Teorias da aprendizagemGustavo Blank
 
Introdução à psicologia
Introdução à psicologiaIntrodução à psicologia
Introdução à psicologiaLaércio Góes
 
1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx
1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx
1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptxAntónio Moreira
 
Desenvolvimento humano
Desenvolvimento humanoDesenvolvimento humano
Desenvolvimento humano842203966
 
Desenvolvimento humano
Desenvolvimento humanoDesenvolvimento humano
Desenvolvimento humano842203966
 
Jean Piaget - Desenvolvimento Cognitivo
Jean Piaget - Desenvolvimento CognitivoJean Piaget - Desenvolvimento Cognitivo
Jean Piaget - Desenvolvimento CognitivoBruno Carrasco
 
Psicologia Jurídica (Aula II)
Psicologia Jurídica (Aula II)Psicologia Jurídica (Aula II)
Psicologia Jurídica (Aula II)julilp10
 
Psic 10º ano m1 - evolução da psicologia
Psic 10º ano   m1 - evolução da psicologiaPsic 10º ano   m1 - evolução da psicologia
Psic 10º ano m1 - evolução da psicologiaJorge Machado
 

Semelhante a Por que não sou um psicólogo cognitivista (20)

Humanismo x Behaviorismo
Humanismo x BehaviorismoHumanismo x Behaviorismo
Humanismo x Behaviorismo
 
Manifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdf
Manifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdfManifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdf
Manifesto_Behaviorista_John_B_Watson.pdf
 
causas internas x causas externas
causas internas x causas externascausas internas x causas externas
causas internas x causas externas
 
Trabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docx
Trabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docxTrabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docx
Trabalho Introdução à Psicologia Cap 4.docx
 
APRENDIZAGEM
APRENDIZAGEMAPRENDIZAGEM
APRENDIZAGEM
 
John watson comportamento
John watson comportamentoJohn watson comportamento
John watson comportamento
 
Comportamento aprendido e instintivo
Comportamento aprendido e instintivo  Comportamento aprendido e instintivo
Comportamento aprendido e instintivo
 
Educação
EducaçãoEducação
Educação
 
Aula 7 percepção e atenção
Aula 7   percepção e atençãoAula 7   percepção e atenção
Aula 7 percepção e atenção
 
Cap 3 Teorias da aprendizagem
Cap 3   Teorias da aprendizagemCap 3   Teorias da aprendizagem
Cap 3 Teorias da aprendizagem
 
Introdução à psicologia
Introdução à psicologiaIntrodução à psicologia
Introdução à psicologia
 
1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx
1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx
1_introducao_ao_estudo_da_psicologia _ descobrindo a psicologia.pptx
 
Passo 5 2007 1
Passo 5 2007 1Passo 5 2007 1
Passo 5 2007 1
 
Desenvolvimento humano
Desenvolvimento humanoDesenvolvimento humano
Desenvolvimento humano
 
Desenvolvimento humano
Desenvolvimento humanoDesenvolvimento humano
Desenvolvimento humano
 
Jean Piaget - Desenvolvimento Cognitivo
Jean Piaget - Desenvolvimento CognitivoJean Piaget - Desenvolvimento Cognitivo
Jean Piaget - Desenvolvimento Cognitivo
 
Psicologia Jurídica (Aula II)
Psicologia Jurídica (Aula II)Psicologia Jurídica (Aula II)
Psicologia Jurídica (Aula II)
 
Psicologia evolucionista
Psicologia evolucionistaPsicologia evolucionista
Psicologia evolucionista
 
Autismo
AutismoAutismo
Autismo
 
Psic 10º ano m1 - evolução da psicologia
Psic 10º ano   m1 - evolução da psicologiaPsic 10º ano   m1 - evolução da psicologia
Psic 10º ano m1 - evolução da psicologia
 

Por que não sou um psicólogo cognitivista

  • 1. REVISTA BRASILEIRA DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO / BRAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2007, VOL. 3, N . 2, 307-318 O PORQUE EU NÃO SOU UM PSICÓLOGO COGNITIVISTA1 WHY I AM NOT A COGNITIVE PSYCHOLOGIST B. F. SKINNER HARVARD UNIVERSITY, USA RESUMO As variáveis das quais o comportamento humano é função estão no ambiente. Nós distinguimos entre (1) a ação seletiva deste ambiente durante a evolução das espécies, (2) seu efeito em modelar e manter o repertório de comportamentos que transforma cada membro da espécie em uma pessoa e (3) sua função como ocasião na qual o comportamento ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam essas relações entre organismo e ambiente, mas eles raramente lidam com elas diretamente. Em vez disso, eles inventam substitutos internos que se tornam objetivo de estudo de sua ciência. Tendo mudado o ambiente para dentro da cabeça na forma de experiência consciente e o comportamento na forma de intenção, desejos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitos das contingências de reforçamento como conhecimento e regras, os psicólogos cognitivistas colocam tudo isso junto para compor um simulacro interno do organismo, nada diferente do homúnculo clássico. O aparato mental estudado pela psicologia cognitivista é simplesmente uma versão bastante grosseira das contingências de reforçamento e seus efeitos. Eu não sou um psicólogo cognitivista por várias razões. Não vejo qualquer evidência de um mundo interior de vida mental que se relacione quer com uma análise do comportamento como uma função de forças ambientais, quer com a fisiologia do sistema nervoso. O apelo para estados e processos cognitivos é um desvio de atenção que pode ser responsável por muitas de nossas falhas para resolver nossos problemas. Nós escolhemos o caminho errado já de início, quando fazemos a suposição de que nossa meta é mudar “mentes e corações de mulheres e homens”. Precisamos mudar nosso comportamento e só podemos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e social. Palavras-chave : cognitivismo, behaviorismo, comportamento, causação ABSTRACT The variables of which human behavior is a function lie in the environment. We distinguish between (1) the selective action of that environment during the evolution of the species, (2) its effect in shaping and maintaining the repertoire of behavior which converts each member of the species into a person, and (3) its role as the occasion upon which behavior occurs. Cognitive psychologists study these relations between organism and environment, but they seldom deal with them directly. Instead they invent internal surrogates which become the subject matter of their science. Having moved the environment inside the head in the form of conscious experience and behavior in the form of intention, will, and choice, and having stored the effects of contingencies of reinforcement as knowledge and rules, cognitive psychologists put them all together to compose an internal simulacrum of the organism. The mental apparatus studied by cognitive psychology is simply a rather crude version of contingencies of reinforcement and their effects. I am not a cognitive psychologist for several reasons. I see no evidence of an inner world of mental life relative either to an analysis of behavior as a function of environmental forces or to the physiology of the nervous system. The appeal to cognitive states and processes is a diversion which could well be responsible for much of our failure to solve our problems. We choose the wrong path at the very start when we suppose that our goal is to change the “minds and hearts of men and women”. We need to change our behavior and we can do so only by changing our physical and social environments. Key words: cognitivism, behaviorism, behavior, causation As variáveis das quais o comportamento bro da espécie em uma pessoa e (3) sua fun- humano é função estão no ambiente. Nós dis- ção como ocasião na qual o comportamento tinguimos entre (1) a ação seletiva deste am- ocorre. Os psicólogos cognitivistas estudam biente durante a evolução das espécies, (2) seu essas relações entre organismo e ambiente, mas efeito em modelar e manter o repertório de eles raramente lidam com elas diretamente. comportamentos que transforma cada mem- Em vez disso, eles inventam substitutos in- 1 Artigo originalmente publicado em 1977 na revista Behaviorism, Vol. 5, nº 2, Fall, hoje Behavior and Philosophy, que autorizou a publicação da tradução. Tradução realizada por Olavo de Faria Galvão (Universidade Federal do Pará) e revisada por José Carlos Simões Fontes, em 1981. Resumos em português e inglês extraídos do texto original por Deisy das Graças de Souza; a publicação original não incluía resumo. 307
  • 2. B. F. SKINNER ternos que se tornam objetivo de estudo de pre que o objeto apresentado for branco, não sua ciência. importando a forma ou o tamanho, apenas bi- Tome-se, por exemplo, o tão falado pro- cadas no painel marcado “branco” serão refor- cesso de associação. No experimento de Pavlov çadas, quando o objeto for vermelho, apenas um cão faminto ouve uma campainha e então é bicadas no painel marcado de “vermelho” serão alimentado. Se isto ocorre muitas vezes, o cão reforçadas, e assim por diante. Sob estas condi- começa a salivar quando ouve a campainha. O ções o pombo eventualmente bica o painel padrão de explicação mentalista é de que o cão marcado “branco” quando o objeto é branco, o “associa” a campainha com a comida. Mas foi painel marcado “vermelho” quando o objeto é Pavlov quem as associou! “Associar” significa vermelho e assim por diante; as crianças são juntar ou unir. O cão meramente começa a sa- ensinadas a nomear cores com contingências livar ao ouvir a campainha. Não temos evidên- similares e nós possuímos repertórios compa- cia alguma de que ele o faça assim por causa de ráveis, sustentados pelas práticas reforçadoras um equivalente interno das contingências. de nossos ambientes verbais. Na “associação de idéias” as idéias são ré- Mas o que se diz sobre o que está se pas- plicas internas de estímulos, ao que retornarei sando na mente? Karl Popper (1957) propôs adiante. Se nós já comemos limões, podemos o problema clássico desta forma. “Podemos sentir o gosto de limão ao ver um limão ou ver dizer ou que (1) o termo universal “branco” é um limão ao saborear suco de limão, mas não um rótulo aposto a um conjunto de coisas ou fazemos isso porque associamos o sabor com a que (2) reunimos o conjunto porque as coisas aparência. Eles estão associados no limão. Pelo compartilham uma propriedade intrínseca de menos o termo “associações de palavras” está “brancura”.” Popper diz que a distinção é im- nomeado corretamente. Se dizemos “lar” portante; os cientistas naturalistas podem op- quando alguém diz “casa”, não é porque nós tar pela primeira posição, mas os cientistas associamos as duas palavras, mas porque elas sociais devem tomar a segunda. Devemos di- estão associadas no uso diário da língua. Asso- zer, então, que o pombo está atribuindo um ciação cognitiva é uma invenção. Mesmo que termo universal a um conjunto de coisas ou fosse real, ela não avançaria na direção de uma reunindo um conjunto de coisas porque elas explicação mais do que as contingências nas compartilham uma propriedade intrínseca? quais é modelada. Claramente, é o experimentador e não o pom- Outro exemplo é abstração. Considere um bo quem “vincula” a chave branca aos objetos experimento simples. Um pombo faminto pode apresentados e quem reúne o conjunto de ob- bicar qualquer um de uma série de painéis com jetos ao qual um evento reforçador particular nomes de cores – “branco”, “vermelho”, “azul”, é tornado contingente. Será que não devería- e assim por diante, e as bicadas são reforçadas mos simplesmente atribuir o comportamento com pequenas quantidades de comida. Qual- às contingências experimentais? E se assim for, quer um de um conjunto de objetos – blocos, porque não fazer o mesmo para crianças e nós livros, flores, animais de brinquedo, etc. – po- mesmos? O comportamento fica sob controle dem ser vistos em um espaço adjacente. As se- de estímulos sob certas contingências de guintes contingências são então arranjadas: sem- reforçamento. Contingências especiais 308
  • 3. COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO mantidas por comunidades verbais produzem do e estereotipado.” (As contingências afetan- “abstrações”. Nós vinculamos, sim, rótulos fí- do o comportamento são simplificadas e exa- sicos a coisas físicas e agrupamos objetos físi- geradas e envolvem comportamento estereoti- cos de acordo com propriedades rotuladas, mas pado da parte dos pais e outras pessoas). “À processos cognitivos comparáveis são invenções medida que a criança se desenvolve que, mesmo se reais, não estariam mais próxi- cognitivamente, seus conceitos e, mas de uma explicação do que as contingênci- consequentemente suas atividades se tornam as externas. mais sofisticadas e realistas.” (À medida a cri- Outra explicação cognitiva dos mesmos ança fica mais velha, as contingências se tor- dados afirmaria que uma pessoa, como também nam mais sutis e mais intimamente relaciona- um pombo, forma uma idéia abstrata ou de- das ao sexo real da criança). As crianças não senvolve um conceito de cor. O desenvolvimen- saem por aí formando conceitos de sua iden- to de conceitos é um campo cognitivo especial- tidade sexual e “consequentemente” se com- mente popular. (A metáfora horticultural portando de maneiras especiais; elas mudam minimiza as contribuições do ambiente. Nós seu comportamento vagarosamente à medida podemos acelerar o crescimento da mente, mas que as pessoas mudam as maneiras com que as não somos mais responsáveis por sua caracte- tratam por causa do seu sexo. O comporta- rística final do que os fazendeiros pela caracte- mento muda porque as contingências mudam, rística das frutas e vegetais que eles tão cuida- não porque uma entidade mental chamada dosamente nutrem). A visão de cores é parte da conceito se desenvolve. dotação genética da maioria das pessoas e ela se Muitos termos mentalistas ou cognitivos desenvolve ou cresce no sentido fisiológico, não se referem às contingências apenas, mas possivelmente também em algum grau após o ao comportamento que elas geram. Termos nascimento. No entanto, a maioria dos estímu- como “mente’, “desejo” e “pensamento” são los adquire controle por sua posição nas con- muitas vezes sinônimos de “comportamento”. tingências de reforçamento. À medida que as Um historiador escreve: “Prevalece o que po- contingências se tornam mais complexas, elas deria se chamar de estagnação do pensamen- modelam e mantém comportamentos mais to, como se a mente, exausta após erigir a es- complexos. É o ambiente que se desenvolve, não trutura espiritual da Idade Média, tivesse se uma propriedade mental ou cognitiva. afundado na inércia”. Exaustão é uma metáfo- Uma passagem de uma discussão recen- ra plausível quando um período estagnado se te do desenvolvimento da identidade sexual segue a um ativo, mas foi o comportamento em uma criança poderia ser transcrita como que se tornou estagnado e inerte, se segue: “A criança forma um conceito basea- presumivelmente porque as contingências da no que ela observou e ouviu dizer sobre o mudaram. Certas condições sociais (“a estru- que significa ser um menino ou uma meni- tura espiritual da Idade Média”) tornaram as na.” (O comportamento de uma criança é afe- pessoas ativas. Um segundo conjunto de con- tado por aquilo que ela observou e lhe conta- dições, possivelmente produzido pelo próprio ram sobre ser um menino ou uma menina). comportamento gerado pelo primeiro, as tor- “Este conceito é super simplificado, exagera- nou muito menos ativas. Para compreender o 309
  • 4. B. F. SKINNER que realmente aconteceu, deveríamos saber por soas em particular, uma vez que o período du- que as contingências mudaram não porque o rou mais que o tempo de uma vida. O que pensamento se tornou estagnado ou inerte. mudou foram, presumivelmente, as condições O comportamento é internalizado como que afetavam o comportamento dos membros vida mental quando é muito sutil para ser ob- da classe. Talvez tenham perdido seu dinheiro, servado por outros – quando, como dizemos, é talvez classes competidoras tenham se tornado encoberto. Um escritor apontou que “o maes- mais poderosas. tro de uma orquestra mantém uma mesma ca- Sentimentos, ou as condições corporais dência de acordo com o ritmo interno, e ele que sentimos, são comumente tomadas como pode dividir aquela cadência ao meio várias ve- as causas do comportamento. Nós vamos dar zes com uma precisão que rivaliza a de qual- uma volta porque “nos sentimos a fim de ir”. É quer instrumento mecânico.” Mas existe um surpreendente quão freqüentemente a futilida- ritmo interno? Manter a cadência é um com- de de tal explicação é reconhecida. Um biólogo portamento. Partes do corpo servem com fre- de renome, C.H. Waddington (1974), revisan- qüência como pêndulos úteis na determinação do um livro de Tinbergen, escreveu assim: de velocidade, como quando o músico amador marca o compasso com o pé ou como o tocador “Não fica claro até que ponto ele (Tinbergen) de rock com todo o corpo, mas outros compor- concordaria com o argumento de uma das dis- tamentos bem cadenciados precisam ser apren- cussões críticas mais perceptivas da etologia feita didos. O maestro marca o compasso de forma por Suzanne Sanger, que argumenta que cada estável porque ele aprendeu a fazê-lo assim sob passo em uma estrutura complexa do comporta- contingências de reforçamento bastante preci- mento é controlada, não por um conjunto hie- sas. O comportamento pode ser reduzido em rárquico de centros neuronais, mas pelos senti- escala até que não seja visível a outros. Ainda mentos imediatos do animal. O animal, ela afir- assim é sentido pelo maestro, mas é uma sensa- ma, dá o próximo passo na seqüência não para ção de comportamento, não de tempo. A his- aproximar-se de um objetivo útil, ou mesmo tória do “desenvolvimento de um sentido de como um movimento em direção a uma consu- tempo pelo homem” ao longo dos séculos não mação agradável, mas porque ele se sente a fim é uma questão de crescimento cognitivo, mas de fazer aquilo naquele momento.” da invenção de calendários, relógios e meios de manter registros – em outras palavras, de um Evidentemente, o próprio Waddington ambiente que “guarda tempo”. concorda de modo parcial com esta “visão Quando um historiador relata que em um perceptiva.” dado período “uma classe governante saudável, Mas suponha que Langer esteja certa. brilhante e tradicional perdeu sua vontade” ele Suponha que os animais simplesmente fazem o está apenas relatando que ela parou de agir como que eles estão a fim de fazer. Qual é o próximo uma classe governante saudável, brilhante e tra- passo para explicar seu comportamento? Clara- dicional. O termo vontade sugere mudanças mente, uma ciência do comportamento dos mais profundas, mas elas não são identificadas. animais deveria ser substituída ou Elas não poderiam ter sido mudanças em pes- complementada por uma ciência dos sentimen- 310
  • 5. COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO tos dos animais. Ela seria tão extensa quanto a mentais ou cognitivos que se diz iniciarem a ciência do comportamento, porque haveria ação. No reflexo, condicionado ou presumivelmente uma sensação para cada ato. incondicionado, há uma causa anterior conspí- Mas os sentimentos são mais difíceis de identi- cua. Algo dispara a resposta. Mas o comporta- ficar e descrever do que os comportamentos mento que tenha sido reforçado positivamente atribuíveis a eles, e nós teríamos abandonado o ocorre em ocasiões em que, ainda que predis- objeto de estudos objetivo em favor de um de ponham, nunca compelem sua ocorrência. O status dúbio, acessível apenas por meio dos ca- comportamento parece começar de repente, sem nais necessariamente defeituosos da aviso prévio, como se fosse gerado espontanea- introspecção. As contingências seriam as mes- mente. Daí a invenção de entidades cognitivas mas. Os sentimentos e o comportamento teri- tais como intenção, propósito ou desejo. Os am as mesmas causas. mesmos problemas foram debatidos com rela- Um político Britânico afirmou recente- ção à Teoria da Evolução e pela mesma razão: a mente que a chave para o crime nas ruas era a seleção é um modo causal especial não facil- frustração. Os jovens assaltam e roubam por- mente observável. Porque as circunstâncias que se sentem frustrados. Mas porque eles se controladoras que repousam na história de sentem frustrados? Uma possível razão é o fato reforçamento de um organismo são obscuras, o de estarem desempregados ou porque eles não substituto mental tem sua chance. Sob têm a educação necessária para conseguir em- reforçamento positivo, dizemos que fazemos o pregos ou porque não existem empregos dispo- que estamos livres para fazer; daí a noção de níveis. Portanto, para resolver o problema do livre arbítrio como uma condição iniciadora. crime nas ruas, devemos mudar as escolas e a (Eu acho que foi Jonathan Edwards quem dis- economia. Mas que função a frustração tem se que acreditamos em livre arbítrio porque sa- nisso tudo? Será o caso de que quando alguém bemos sobre nossos comportamentos, mas não não pode obter um emprego se sente frustrado sobre as suas causas). e que quando alguém se sente frustrado assalta Quando não sabemos por que uma pes- e rouba, ou será simplesmente o caso de que soa faz uma coisa ao invés de outra, nós dize- quando alguém não pode ganhar dinheiro esse mos que elas “escolhem” ou “tomam decisões”. alguém mais provavelmente irá roubá-lo – e Escolher, originalmente significava examinar, possivelmente experimentar uma condição cor- escrutinizar cuidadosamente ou testar. poral chamada frustração? Etimologicamente, decidir significa cortar ou- Considerando que muitos eventos que de- tras possibilidades, mover-se em uma direção vem ser levados em conta ao se explicar o com- da qual não há retorno. Escolher e decidir são, portamento estão associados com estados corpo- então, formas conspícuas de comportamento, rais que podem ser sentidos, o que é sentido pode mas psicólogos cognitivistas, não obstante, in- servir como uma pista para as contingências. Mas ventaram equivalentes internos. Anatole os sentimentos não são as contingências e não as Rapaport (1973) coloca dessa forma: “Em um podem substituir como causas. experimento psicológico, um sujeito tem que Por sua própria natureza o comportamen- escolher entre alternativas e selecionar uma al- to operante encoraja a invenção de processos ternativa entre outras”. Quando tal ocorre, ele 311
  • 6. B. F. SKINNER diz: “o senso comum sugere que ele seja guiado mas esta não é uma exceção; é um exemplo de por uma preferência”. O senso comum de fato comportamento governado por regras, do qual sugere isso, e também o fazem os psicólogos falaremos mais tarde). cognitivistas, mas onde está e o que é uma pre- Já chega de internalização cognitiva de ferência? É algo mais do que uma tendência a contingências de reforçamento e invenção de fazer uma coisa ao invés de outra? Quando não causas cognitivas do comportamento. Bem mais podemos dizer de onde vem o vento e para onde nociva para uma análise efetiva é a internalização vai, nós dizemos que ele “sopra caprichosamen- do ambiente. Os gregos inventaram a mente te” (ao pé da letra: “sopra para onde se inclina a para explicar como o mundo real podia ser co- soprar”). E o senso comum, senão a psicologia nhecido. Para eles, conhecer significava estar cognitivista, credita isso à preferência. (A pro- familiarizado com, ser íntimo de. O próprio pósito, inclinar-se é um exemplo de termo com termo cognição está relacionado a coito, no sen- um referencial físico usado para se referir a um tido bíblico em que se diz que um homem co- processo mental. Significa, naturalmente, in- nheceu uma mulher. Não tendo uma física ade- clinar-se, como quando o navio balança. E uma quada do som e da luz, nem qualquer química vez que as coisas usualmente caem na direção do paladar e do olfato, os gregos não podiam em que se inclinam, nós dizemos que as pesso- entender como o mundo fora do corpo, possi- as se inclinam em favor de um candidato em velmente a alguma distância, podia ser conhe- uma eleição como uma forma grosseira de pre- cido. Devia haver cópias internas. Daí os equi- dizer como elas vão votar. A mesma metáfora se valentes cognitivos do mundo real. encontra em “inclinação”; nós estamos “incli- A distinção entre realidade e experiência nados a votar em X. Mas isto não significa que consciente tem sido feita tão freqüentemente tenhamos tendências e inclinações internas que que agora parece auto-evidente. Fred Attneave afetam o nosso comportamento). (1974) escreveu recentemente que “a afirma- “Intenção” é um termo bastante similar, ção de que o mundo que conhecemos é uma que só significa antecipação. A versão cognitiva representação é, em minha opinião, um truísmo é uma questão crítica na lingüística atual. A – não há realmente nenhum jeito de estar erra- intenção do locutor deve ser considerada? Em do”. Mas existem pelo menos duas maneiras de uma análise operante o comportamento é deter- entender o que se quer dizer. Se a afirmação minado pelas conseqüências que o seguem em quer dizer que nós podemos apenas conhecer um dado ambiente verbal, e é de conseqüências representações do mundo externo, isto é um que os psicólogos cognitivistas estão realmente “truísmo” apenas se não somos nossos corpos, falando quando falam de intenções. Todo com- mas habitantes localizados em algum lugar portamento operante “antecipa” um futuro, dentro dele. Nossos corpos estão em contato mesmo que as únicas conseqüências responsá- com o mundo real e podem responder a ele veis por sua força já tenham ocorrido. Eu vou a diretamente, mas se estamos ocultos em al- um bebedouro “com a intenção” de tomar um gum ponto na cabeça, devemos nos satisfazer pouco d’água no sentido de que eu vou porque com representações. no passado eu pude beber quando fui lá. (Eu Outra significação possível é a de que co- posso ir pela primeira vez seguindo indicações, nhecer seja o próprio processo de construir có- 312
  • 7. COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO pias mentais das coisas reais, mas se for esse o Reconhecimento é um termo chave na caso, como conhecemos as cópias? Fazemos có- teoria cognitiva, e ele cobre um extenso cam- pias delas? Será infinita essa regressão? po. Ele é freqüentemente contrastado com per- Alguns psicólogos cognitivistas reconhe- cepção. Dizemos que somos capazes de ver que cem que conhecer é ação, mas tentam defender existem três pontos em um cartão, mas apenas seu ponto de vista apelando para outros equi- sabemos que existem treze após contá-los, em- valentes mentais. O conhecimento é entendi- bora contar seja uma forma de comportamen- do como “um sistema de proposições”. De acor- to. Depois de notar que uma espiral pode ser do com um escritor, “quando usamos a palavra vista como sendo contínua, mas que isso só se “ver” nos referimos a uma ponte entre um pa- descobre rastreando-a, Bela Julesz (1975) disse drão de estimulação sensorial e o conhecimen- que “qualquer tarefa visual que não pode ser to que é proposicional. Mas “proposicional” é desempenhada espontaneamente, sem esforço simplesmente um eufemismo de ou deliberação, pode ser considerada como uma “comportamental”, e a “ponte” é entre estímu- tarefa cognitiva ao invés de perceptual,” embo- los e comportamento e foi construída quando ra todos os passos naquele exemplo sejam cla- os estímulos eram partes das contingências. ramente comportamentais. Teorias representacionais do conhecimen- “Saber como fazer alguma coisa” é um equi- to são construídas a partir do comportamento valente interno de comportamento em sua rela- prático. Nós fazemos sim cópias das coisas. Nós ção com as contingências. Uma criança aprende construímos trabalhos artísticos de representa- a andar de bicicleta e então se diz que ela possui ção, porque olhar para eles é reforçado de for- conhecimento de como manobrá-la. O compor- ma bastante similar a olhar para o que eles re- tamento da criança foi mudado pelas contingên- presentam. Nós fazemos mapas, porque o nos- cias de reforçamento mantidas por bicicletas; a so comportamento de segui-los é reforçado criança não toma posse das contingências. quando chegamos ao nosso destino no territó- Falar em saber acerca de coisas é tam- rio mapeado. Mas existem equivalentes inter- bém construir um equivalente interno das con- nos? Quando devaneamos, primeiro construí- tingências. Nós assistimos a um jogo de fute- mos cópias dos episódios reforçadores que en- bol e dizemos então possuir o conhecimento tão vemos ou simplesmente vemos as coisas de do que aconteceu. Nós lemos um livro e dize- novo? Quando aprendemos a andar em um mos saber do que se trata. O jogo e o livro determinado território, construímos mapas estão, de alguma forma, “representados” em cognitivos que então seguimos, ou seguimos o nossas mentes: nós estamos “de posse de certos território? Se nós seguimos o mapa cognitivo, fatos”. Mas a evidência é simplesmente de que devemos aprender a fazer isso, e tal aprendiza- nós podemos descrever o que aconteceu no gem irá requerer um mapa do mapa? Não há jogo e relatar sobre o que o livro versava. Nos- nenhuma evidência da construção mental de so comportamento mudou, mas não há ne- imagens para serem olhadas ou mapas para se- nhuma evidência de que tenhamos adquirido rem seguidos. O corpo responde ao mundo no conhecimento. Estar “de posse de fatos” não é ponto de contato; fazer cópias seria um desper- conter os fatos dentro de nós mesmos, mas ter dício de tempo. sido afetado por eles. 313
  • 8. B. F. SKINNER Posse de conhecimento implica em mais útil do que dizer que o meu comporta- armazenamento, um campo em que os psicó- mento ao jantar é armazenado como memórias logos cognitivistas construíram um grande nú- prandiais, ou coçar-se como memória pruriente? mero de equivalentes mentais do comportamen- Os fatos observados são bastante simples: eu to. Diz-se que o organismo internaliza e arma- adquiro um repertório de comportamento, par- zena o ambiente, possivelmente de alguma for- tes do qual eu exibo em ocasiões apropriadas. A ma já processada. Suponhamos que uma meni- metáfora de armazenagem e recuperação vai bem na tenha visto uma gravura ontem e hoje, quan- além desses fatos. do solicitada a descrevê-la, o faz. O que aconte- O computador, juntamente com a teoria ceu? Uma resposta tradicional seria mais ou da informação planejada para lidar com siste- menos assim: quando ela viu a gravura ontem mas físicos, fez da metáfora da entrada- ela formou uma cópia em sua mente (a qual, armazenamento-recuperação-saída um modis- de fato, foi tudo o que ela viu). Ela codificou a mo. O esforço para fazer máquinas que pensam gravura de forma adequada e armazenou-a em como pessoas teve como efeito apoiar as teorias sua memória, onde permanece até hoje. Hoje que sugerem que pessoas pensam como máqui- quando solicitada a descrever a figura, ela pro- nas. A mente foi recentemente definida como curou em sua memória, recuperou a cópia co- “o sistema de organizações e estruturas perten- dificada e converteu-a em algo semelhante à centes a um indivíduo que processa entradas... gravura original, para a qual ela então olhou e e provê saídas para os vários subsistemas e o descreveu. A explicação é baseada no mundo.” Mas organizações e estruturas do quê? armazenamento físico de memorandos. Faze- (A metáfora ganha força pelo modo como des- mos cópias e outros registros, e respondemos a carta problemas trabalhosos. Falando de entra- eles. Mas fazemos qualquer coisa desse tipo em da se pode esquecer todo o trabalho da psicolo- nossas mentes? gia sensorial e da fisiologia; falando de saída se Se alguma coisa é “armazenada”, é com- esquece de todo o problema de descrever e ana- portamento. Nós falamos de “aquisição” de com- lisar a ação; e falando de armazenamento e re- portamento, mas de que forma ele é possuído? cuperação da informação pode-se esquivar de Onde está o comportamento quando o orga- todos os problemas difíceis relacionados a como nismo não está se comportando? Onde os com- os organismos são efetivamente mudados pelo portamentos que exibo quando estou ouvindo contato com seus ambientes e como tais mu- música, jantando, conversando com um ami- danças sobrevivem.). go, dando um passeio matinal ou coçando uma Freqüentemente se diz que os dados sen- picada estão no presente momento e que forma soriais são armazenados como imagem, da mes- eles têm? Um psicólogo cognitivista disse que o ma forma que se diz que as imagens represen- comportamento verbal é armazenado como tam o mundo real. Uma vez dentro, elas são “memórias léxicas”. O comportamento verbal manipuladas de acordo com os propósitos deixa freqüentemente registros públicos que cognitivos. Há um experimento conhecido so- podem ser armazenados em estantes e livrarias bre generalização de cor em que um pombo e a metáfora da armazenagem é, portanto, par- bica um disco de, digamos, luz verde, e o com- ticularmente plausível. Mas essa expressão é portamento é reforçado em esquema de inter- 314
  • 9. COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO valo variável. Quando se desenvolve uma taxa tenta resolvê-lo. Contrariamente, a teoria estável de respostas não se dá mais nenhum cognitiva sustenta que eu armazeno uma regra. reforçador e a cor do disco é mudada. O pom- Regras são muito usadas como substitutos men- bo responde a uma outra cor com uma taxa tais do comportamento, em parte porque elas que depende de quanto ela difere da cor origi- podem ser memorizadas e, portanto, “possuídas”, nal; cores bastante semelhantes evocam taxas mas há uma diferença importante entre regras e bastante altas, cores muito diferentes taxas bai- as contingências que elas descrevem. Regras po- xas. Um psicólogo cognitivista poderia expli- dem ser internalizadas no sentido de que pode- car o problema desta forma: o pombo percebe mos dizê-las a nós mesmos, mas ao fazê-lo, nós uma cor nova (como “entrada”), recupera a cor não internalizamos as contingências. original da memória, onde ela estava armaze- Eu posso aprender a resolver o quebra- nada de alguma forma, põe as duas imagens cabeça de duas maneiras. Posso mexer com as coloridas lado a lado, de forma que possam peças para lá e para cá até conseguir uma res- ser facilmente comparadas e depois de avaliar posta que as separe. O comportamento será for- a diferença, responde com a taxa apropriada. talecido, e se eu fizer a mesma coisa várias ve- Mas que vantagem se ganha indo de um pom- zes, eventualmente serei capaz de separar as bo que responde a diferentes cores em um dis- peças rapidamente. Meu comportamento foi co para um pombo interno que responde às modelado e mantido por seus efeitos sobre as imagens coloridas em sua mente? O fato sim- peças. Eu posso, por outro lado, simplesmente ples é que por causa de uma história conheci- seguir as instruções impressas que vêm com o da de reforçamento, cores diferentes contro- quebra-cabeça. As instruções descrevem o com- lam taxas diferentes. portamento que separa as peças, e se eu já tiver A metáfora cognitiva está baseada em com- aprendido a seguir instruções, posso evitar o portamento que ocorre no mundo real. Nós processo possivelmente longo de ter meu com- guardamos exemplares de coisas e as retoma- portamento modelado pelas contingências. mos e comparamos com outros exemplares. Nós Instruções são regras. Assim como con- os comparamos no sentido literal de colocá-los selhos, avisos, máximas, provérbios e leis ci- lado a lado, para tornar as diferenças mais ób- entíficas e governamentais, elas são parte im- vias. E respondemos a diferentes coisas de dife- portante de uma cultura, permitindo às pes- rentes formas. Mas isso é tudo, todo o campo soas tirar proveito da experiência dos outros. de processamento de informação pode ser Aqueles que adquiriram o comportamento pela reformulado como mudança no controle exer- exposição às contingências descrevem as con- cido pelos estímulos. tingências, e outros, então, evitam se expor O armazenamento do conhecimento comportando-se das formas descritas. Mas os factual levanta outro problema. Quando eu psicólogos cognitivistas defendem que algo do aprendo, digamos, a separar um quebra-cabeça mesmo tipo ocorre internamente quando as por partes, parece improvável que eu armazene pessoas aprendem diretamente por meio das meu conhecimento de como fazê-lo a partir de contingências. Diz-se que elas descobrem re- uma cópia do quebra-cabeça ou das contingên- gras que, então, elas mesmas seguem. Mas as cias que o quebra-cabeça apresenta para quem regras não estão nas contingências, nem pre- 315
  • 10. B. F. SKINNER cisam ser conhecidas por aqueles que adqui- te comum. Usando um dicionário e uma gra- rem comportamento sob exposição a estas. (Por mática nós podemos compor sentenças aceitá- sorte nossa isto é assim, uma vez que regras veis em uma língua que não falamos, e pode- são produtos verbais que surgiram muito tar- mos ocasionalmente consultar um dicionário de na evolução da espécie). ou uma gramática ao falar nossa própria lín- A distinção entre e regras e contingênci- gua, mas mesmo assim raramente falamos apli- as é realmente importante no campo do com- cando regras. Nós falamos porque nosso com- portamento verbal. Crianças aprendem a falar portamento é modelado e mantido pelas práti- mediante o contato com comunidades verbais, cas de uma comunidade verbal. possivelmente sem instrução. Algumas respos- Tendo mudado o ambiente para dentro tas verbais são efetivas e outras não, e durante da cabeça na forma de experiência consciente e um período de tempo mais e mais comporta- o comportamento na forma de intenção, dese- mento é modelado e mantido. As contingênci- jos, e escolhas, e tendo armazenado os efeitos as que tem esse efeito podem ser analisadas. das contingências de reforçamento como conhe- Uma resposta verbal “significa” algo no sentido cimento e regras, os psicólogos cognitivistas de que o locutor está sob controle de circuns- colocam tudo isso junto para compor um si- tâncias particulares; um estímulo verbal “signi- mulacro interno do organismo, um tipo de fica” algo no sentido de que o ouvinte responde doppleganger, nada diferente do homúnculo a ele de maneiras particulares. A comunidade clássico, cujo comportamento é o objeto de es- verbal mantém contingências onde respostas tudo do que Piaget e outros chamaram de que ocorrem em ocasiões particulares servem “behaviorismo subjetivo”. O aparato mental como estímulos úteis para ouvintes que, então, estudado pela psicologia cognitivista é simples- se comportam apropriadamente às ocasiões. mente uma versão bastante grosseira das con- Relações mais complexas entre os com- tingências de reforçamento e seus efeitos. portamentos do locutor e do ouvinte caem no Todo processo chamado cognitivo tem um campo da sintaxe e da gramática. Até a época modelo físico. Nós associamos coisas colocando- dos gregos, parece que ninguém sabia que ha- as juntas. Nós armazenamos memorandos e re- via regras de gramática, ainda que as pessoas cuperamos para uso posterior. Nós comparamos falassem gramaticalmente no sentido em que coisas colocando-as lado a lado para enfatizar as se comportavam efetivamente sob as contingên- diferenças. Nós discriminamos coisas umas das cias mantidas pelas comunidades verbais, as- outras separando-as e tratando-as de diferentes sim como as crianças de hoje aprendem a falar maneiras. Nós identificamos objetos retirando- sem a necessidade de regras para seguir. Mas os os do ambiente confuso. Nós abstraímos conjun- psicólogos cognitivistas insistem que falantes e tos de itens de arranjos complexos. Nós descre- ouvintes devem descobrir as regras por si pró- vemos contingências de reforçamento em regras. prios. Uma autoridade inclusive, definiu falar Essas são as ações das pessoas reais. É apenas no como “engajar-se em uma forma de comporta- mundo fantasioso de uma pessoa interna que elas mento intencional governado por regras”. Mas se tornam processos mentais. não há evidência de que regras tenham qual- A própria rapidez com que os processos quer participação no comportamento do falan- cognitivos são inventados para explicar o com- 316
  • 11. COGNITIVISMO E BEHAVIORISMO portamento deveria suscitar suspeita. Molière processos internos; a questão é quão bem eles fez uma piada de um exemplo médico há mais podem ser conhecidos via introspecção. Como de três séculos atrás. “Doutores estudados me eu argumentei noutra ocasião, perguntaram por que razão o ópio faz alguém autoconhecimento ou consciência se tornaram dormir, ao que eu respondi que há nele uma possíveis apenas quando a espécie adquiriu com- virtude soporífera cuja natureza é a de aquietar portamento verbal, e isso foi muito tarde em os sentidos.” O personagem de Molière pode- sua história. O único sistema nervoso até então ria ter citado evidências de introspecção, invo- disponível se desenvolveu por outros propósi- cando um efeito colateral da droga, dizendo: tos e não fazia contato com as atividades fisio- “Ao que eu respondi que o ópio faz a pessoa lógicas mais importantes. Aqueles que se vêem sentir sono”. Mas a virtude soporífera em si é pensando vêem pouco mais do que seu com- totalmente uma invenção, e não deixa de ter portamento perceptual e motor, aberto e enco- paralelos atuais. berto. Poder-se-ia dizer que eles observam os Recentemente ocorreu na Europa uma resultados de “processos cognitivos”, mas não conferência sobre o assunto da criatividade ci- os próprios processos – um “fluxo de consciên- entífica. Um relato publicado na Science (1974) cia” mas não o que causa o fluxo, a “ imagem de começa revelando que mais de noventa por cento um limão” mas não o ato de associar aparência da inovação científica foi obtida por menos de com sabor, seu uso de um termo abstrato mas dez por cento de todos os cientistas. A senten- não o processo de abstração, um nome lembra- ça seguinte poderia ser parafraseada desta for- do mas não sua recuperação da memória, e as- ma: “Os doutores estudados me perguntaram sim por diante. Pela introspecção nós não ob- pela causa e a razão por que isso seria assim, ao servamos os processos fisiológicos por meio dos que eu respondi que é porque apenas uns pou- quais o comportamento é modelado e mantido cos cientistas possuem criatividade.” Similar- pelas contingências de reforçamento. mente, os doutores estudados me perguntaram Mas os fisiologistas os observam e os psi- pela causa e a razão porque as crianças apren- cólogos cognitivistas apontam para as semelhan- dem a falar com grande rapidez, ao que eu res- ças que sugerem que eles e os fisiologistas estão pondi que isso se dá porque elas possuem com- falando das mesmas coisas. O próprio fato de petência lingüística. “As audiências de Molière que os processos cognitivos se dão dentro do cairiam no riso”. organismo sugere que a abordagem cognitiva Os psicólogos cognitivistas têm duas res- está mais próxima da fisiologia do que as con- postas para a acusação de que o aparato mental tingências de reforçamento estudadas por aque- é uma metáfora ou um construto. Uma é que les que analisam o comportamento. Mas se os os processos cognitivos são conhecidos via processos cognitivos são moldados simplesmen- introspecção. Todos os seres pensantes não sa- te com base nas contingências ambientais, o bem que pensam? E se os behavioristas dizem fato deles serem designados para um espaço que não, será que eles não estão ou demons- dentro da pele não os traz mais próximos de trando uma mentalidade de ordem inferior ou uma abordagem fisiológica. Pelo contrário, a agindo de má fé em defesa de sua posição? Nin- fascinação com uma vida interior imaginada tem guém dúvida que o comportamento envolve levado à negligência dos fatos observados. Os 317
  • 12. B. F. SKINNER construtos cognitivos dão aos fisiologistas uma social. Nós escolhemos o caminho errado já de explicação enganosa do que deveriam encon- início, quando fazemos a suposição de que nossa trar dentro do organismo. meta é mudar “mentes e corações de mulheres e Em suma, então, eu não sou um psicólo- homens” ao invés do mundo em que eles vivem. go cognitivista por várias razões. Não vejo qual- quer evidência de um mundo interior de vida REFERÊNCIAS mental que se relacione quer com uma análise do comportamento como uma função de for- Attneave, F. (1974). How do you know? American ças ambientais quer com a fisiologia do sistema Psychologist, 29, 493-499. nervoso. As respectivas ciências do comporta- Julesz, B., (1975). Experiments in the visual perception mento e a fisiologia avançarão mais rapidamente of texture. Scientific American, 232(4), 34-43. se seus domínios forem corretamente definidos Popper, K. 1957. The poverty of historicism. London: e analisados. Routledge & Kagan Paul. Eu estou igualmente preocupado com as Rapoport, A. (1973). Experimental games and their uses conseqüências práticas. O apelo para estados e in psychology. Morristown, NJ: General Learning processos cognitivos é um desvio de atenção que Press. bem pode ser responsável por muito de nossa Waddington, C. H. (1974). New York Review, February, falha em resolver nossos problemas. Nós preci- 3, 1974. samos mudar nosso comportamento e só pode- mos fazê-lo mudando nosso ambiente físico e Tradução recebida em 29 de agosto de 2007 318