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ANTROPOLOGIA
2a
edição revisada
Governo do Estado do Maranhão
Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia,
Ensino Superior e Desenvolvimento Tecnológico
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA
Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet
ANTROPOLOGIA
Carlos Benedito Rodrigues da Silva
São Luís
2009
Edição:
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA
Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet
Coordenador do UemaNet
Prof. Antonio Roberto Coelho Serra
Coordenadora Pedagógica
Maria de Fátima Serra Rios
Coordenadora do Curso Pedagogia, a distância:
Heloísa Cardoso Varão Santos
Coordenadora de Produção de Material Didático UemaNet:
Camila Maria Silva Nascimento
Responsável pela Produção de Material Didático UemaNet:
Cristiane Costa Peixoto
Professor Conteudista:
Carlos Benedito Rodrigues da Silva
Revisão:
Liliane Moreira Lima
Lucirene Ferreira Lopes
Diagramação:
Josimar de Jesus Costa Almeida
Luis Macartney Serejo dos Santos
Tonho Lemos Martins
Capa:
Luciana Vasconcelos
Silva, Carlos Benedito Rodrigues da,
Antropologia / Carlos Benedito Rodrigues da Silva
(org.). 2. ed. rev. — São Luís: UemaNet, 2010.
123 p.
1. Antropologia. I. Carlos Benedito da Silva II.
Título.
CDU: 1:37
Copyright © UemaNet/UEMA
Universidade Estadual do Maranhão
Núcleo de Tecnologias para a Educação - UemaNet
Campus Universitário Paulo VI - São Luís - MA
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parte, sem a prévia autorização desta instituição.
Governadora do Estado do Maranhão
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Pró-reitor de Planejamento
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Prof. Porfírio Candanedo Guerra
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação
Prof. Walter Canales Sant’ana
Pró-reitora de Extensão e Assuntos Estudantis
Profª. Vânia Lourdes Martins Ferreira
Chefe de Gabinete da Reitoria
Prof. Raimundo de Oliveira Rocha Filho
Diretora do Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - CECEN
Profª. Andréa de Araújo
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
UNIDADE 1
CIÊNCIAS DA NATUREZA E CIÊNCIAS HUMANAS ................... 23
UNIDADE 2
O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPOLOGIA: definição, divisões,
objeto e métodos ..................................................... 39
UNIDADE 3
CONCEITUAÇÃO ANTROPOLÓGICA DE RAÇA E CULTURA ......... 79
REFERÊNCIAS .......................................................... 119
PLANO DE ENSINO
DISCIPLINA: Antropologia
Carga horária: 60 horas
EMENTA
Conceituação, objeto de estudo e objetivos; ciência da natureza e
ciência do homem, a Antropologia no quadro das ciências sociais;
natureza e cultura na Antropologia: cultura e sociedade no Brasil:
diferenciação étnico–cultural e educação; organização política
e econômica; linguagem, mito, religião e magia; a transmissão
cultural; unidade e diversidade; o popular e o erudito.
OBJETIVOS
Geral
¡	 O curso proporcionará uma visão inicial do que é antropologia
e sua posição entre as demais ciências. Pretende introduzir o
aluno a realizar uma análise antropológica de problemas sociais
e educacionais, partindo de exemplos concretos e sugerindo o
debate de conceitos e teorias.
Específicos
¡	 Definir cultura como fenômeno dinâmico de transformação e
diferenciação das sociedades humanas;
¡	 Identificar os principais componentes da cultura e analisar
criticamente as posições etnocêntricas estereotipadas em
relação às minorias étnicas e sociais.
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS
UNIDADE 1
CIÊNCIAS DA NATUREZA E CIÊNCIAS HUMANAS
UNIDADE 2
O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPOLOGIA: definição, divisões,
objeto e métodos
Desenvolvimento das Escolas Antropológicas
Os Precursores da Etnografia
Métodos da Investigação Antropológica
UNIDADE 3
CONCEITUAÇÃO ANTROPOLÓGICA DE RAÇA E CULTURA
Diferenciação Étnico-Cultural e Educação: a transmissão da
cultura
Dimensão Cultural da Escola
METODOLOGIA
Os objetivos propostos serão alcançados mediante a realização de
videoaulas e atividades que possibilitem o desenvolvimento reflexi-
vo da leitura dos fascículos, livros e textos complementares através
de debates, seminários, trabalhos em grupos e individuais.
AVALIAÇÃO
A avaliação será feita em três momentos. O primeiro consistirá nos
trabalhos desenvolvidos junto ao orientador, através da consulta
individual, e dos trabalhos em grupo; o segundo será uma prova
escrita; e o terceiro será a realização do seminário temático.
SUGESTÃO DE LEITURAS E REFERÊNCIAS
Dicas de Filmes
Diferenciação étnico-cultural e Escola
¡	 Central do Brasil – Diretor: Walter Sales; Brasil
¡	 Mentes Perigosas – Diretor: John N. Smith;USA
¡	 Sociedade dos Poetas Mortos (1991) – Diretor: Peter Weeir
Cultura e Diversidade
¡	 Um grito de liberdade (1987) – Diretor: Richard Attenborough;
Reino Unido- 157’
¡	 Mistérios da Humanidade – (National Geografhic Society).
Documentário sobre a origem do homem e sua evolução: A
descoberta dos fósseis, as marcas deixadas pelo homem e o
início do conhecimento da própria humanidade.
¡	 A missão (1986) – Diretor: Roland Joffe; USA – 147’
¡	 Guerra e Paz no Oriente Médio – O documentário analisa as
origens da guerra e as perspectivas de paz para a região. A
obra apresenta a cronologia detalhada do conflito (1947/1998)
e interessantes mapas dos países envolvidos.
Diversidade étnico-cultural no Brasil
¡	 O Quatrilho (1995) – Diretor: Flávio Barreto; Brasil – 120’
¡	 Xica da Silva (1995) – Diretor: Cacá Diegues; Brasil – 107’
¡	 Gaijin – Os caminhos da liberdade – Diretor:Tizuka Yamasaki
SUGESTÃO: FILMES
SUGESTÃO: LIVROS
ícones
Orientação para estudo
Ao longo desta apostila, você encontrará alguns ícones utilizados
para facilitar a comunicação com você.
Saiba, abaixo, o que cada um significa.
ATIVIDADES
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
D
esde o século XIX, a Antropologia traçou seus caminhos,
buscando ampliar a compreensão sobre as diversas formas
de existência e organização social da vida humana. Ao
longo dessa trajetória, criou conceitos, teorias, métodos de
investigação, mergulhou, enfim, em seu próprio interior no sentido
de definir-se mais adequadamente em relação à escolha do seu
objeto de estudo.
Em meados do século XX, a Antropologia adquiriu reconhecimento
no campo científico, apresentando novas conformações aos estudos
sobre cultura, etnia, raça, relações de parentesco, religiosidade,
organização social etc., ocupando espaços em todas as áreas de
conhecimento e exigindo novas posturas também dos estudiosos
das sociedades humanas.
O que apresentamos aqui é o resultado de análises e elaborações
de vários estudiosos que se debruçaram sobre a Antropologia, no
sentido de enfatizar sua importância no processo de conhecimento
da imensa diversidade étnica e cultural humana, em várias partes
do mundo.
A Antropologia não apresenta receitas nem fórmulas mágicas
para a produção do conhecimento, mas define-se com um corpo
teórico e procedimentos metodológicos próprios, forjados no
contato das diversas gerações de antropólogos, que se formaram
desde o século XIX, com as sociedades mais distanciadas cultural
APRESENTAÇÃO
e geograficamente em relação ao mundo ocidental. Neste sentido,
a antropologia sugere uma forma de olhar, uma forma de analisar
e interpretar o outro, o diferente, buscando neles as próprias
contradições da identidade do observador. Esse é o caminho
proposto pela Antropologia, como pedagogia de rompimento
com as noções preconceituosas, responsáveis por racismos,
colonizações e genocídios, que ainda permeiam as relações
humanas em várias partes do mundo. Portanto, a Antropologia
tem uma importância fundamental no processo educativo das
novas gerações. Especialmente, quando se pensa a educação em
um país de dimensões territoriais tão amplas e de culturas tão
diversificadas como é o Brasil.
Assim, esperamos com esse programa estar contribuindo para a
formação dos educadores a partir de uma formação antropológica,
relativizadora, que reconheça e enfatize o diferente, não em
termos de comparação entre superioridades e inferioridades, mas
na sua concepção de humanidade, na riqueza de ser diferente.
No primeiro capítulo, situaremos os alunos no processo de
construção do pensamento científico, abordando as relações
entre as diversas ciências, tanto as dedicadas ao estudo dos
fenômenos físicos da natureza quanto as ciências dedicadas aos
estudos das sociedades humanas, enfatizando a importância da
definição metodológica no processo de produção do conhecimento
e a definição do homem como conceito e objeto científico do
conhecimento. Em seguida, trabalharemos o processo de
construção da Antropologia, com suas definições, divisões, objeto
e métodos de investigação. Na terceira unidade abordaremos
acerca da conceituação antropológica de raça e cultura.
Posteriormente, indicaremos algumas sugestões de atividades,
como forma de avaliação do conhecimento adquirido pelos
alunos ao longo do desenvolvimento do programa. Finalmente,
indicaremos as sugestões de leituras, para orientar os alunos em
novas possibilidades de estudos.
			 Prof. Dr. Carlos Benedito R. da Silva
ANTROPOLOGIA: um estudo sobre o homem
Contextualização Histórica do Nascimento da Antropologia
Desde tempos muito antigos, o ser humano nunca deixou de
questionar sobre sua existência. A curiosidade humana sempre
esteve aguçada na busca de explicações para o porquê das coisas
acontecerem dessa ou daquela maneira.
Também no campo científico, estudiosos de todas as áreas
do conhecimento concordam com o fato de que, em todas as
sociedades, sempre existiram indivíduos que se dedicaram a
pensar sobre as atitudes e comportamentos humanos.
Segundo o antropólogo francês François Laplantine (1999, p. 13), “A
reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade e a elaboração
de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e
se deram na Ásia como na África, na América, na Oceania e na
Europa”.
Sem dúvidas, a curiosidade humana sempre esteve aguçada, mas
uma organização do conhecimento, ou seja, a constituição de uma
INTRODUÇÃO
antropologia como saber científico que elege o homem como seu
objeto de conhecimento, uma “ciência de estudo do homem”, é
relativamente recente na história da humanidade, e só vai ocorrer
no final do século XVIII. Até então, muita informação se acumulou
desordenadamente, por iniciativas particulares de aventureiros,
missionários ou viajantes.
É possível identificar alguns fatos importantes que contribuíram
para a organização do “estudo do homem” e para a formação do
pensamento científico ocidental.
Podemos nos remeter ao grego Heródoto, considerado o “pai da
História”, que viveu no século V a.C e fazia observações sobre vários
povos e diferentes costumes, nas regiões onde era possível conhecer
o mundo naquela época (uma vez que os meios de comunicação
na época não favoreciam esse contato), especialmente os povos
definidos como bárbaros.
Aliás, vocês devem saber que como bárbaros eram classificados
todos aqueles que não eram gregos, porque os gregos se definiam
com “os homens”, “os belos”, e não eram homens apenas
enquanto sinônimo de humanidade, eram o gênero masculino da
espécie. Dizem que os homens gregos se sentiam tão superiores e
importantes, que era degradante para um homem se relacionar
com uma mulher, pois esta era insignificante.
Pois bem, voltando a nossa viagem pelo estudo do homem, Heródo-
to falava, já na época, sobre um conceito dos mais atuais na Antro-
pologia contemporânea, o Etnocentrismo. Dizia ele, observando os
bárbaros, que se fosse dado aos homens, dentre todos os costumes
do mundo, escolher os melhores, eles acabariam escolhendo os seus
próprios costumes, pois estão sempre convencidos de que os seus
são melhores do que os dos outros.
Ora, ao nível pessoal, isso não tem grandes consequências. Uma
pessoa pode não gostar de outra por vários motivos, por ser gorda
ou por ser magra, por ser alta ou baixa. Alguém pode não gostar
de outro porque usa vermelho ou porque come caranguejo, ou
por outro motivo banal. Ou seja, é apenas um pré-conceito que
incomoda mais a quem pratica do que a quem sofre. Mas quando
Heródoto
http://greciantiga.org/
img/esc/as-
herodotos.jpg
Heródoto
essa atitude preconceituosa se caracteriza como rejeição a grupos
humanos, impedindo-os de exercitarem suas potencialidades, ou
é utilizada para definir as relações entre as nações do mundo, aí
está a origem dos grandes conflitos mundiais de caráter político,
religioso ou econômico. Os telejornais nos informam sobre isso
diariamente.
Bem, seguindo nossa viagem, chegamos ao ano 98 depois de Cristo.
Aliás, fazendo um parêntese aqui, vocês devem se dar conta também
de que Cristo é um “divisor de águas” na história da humanidade.
Tudo é demarcado antes e depois de Cristo. Mas, embora essa seja
uma questão instigante para debates, não é disso que quero falar.
Como já falei sobre o grego Heródoto, que viveu antes de Cristo,
vamos falar agora sobre Tácito, um romano que viveu depois de
Cristo e fazia reflexões sobre as tribos germânicas, atentando para
seus costumes e caráter em comparação com os romanos.
Vocês devem ter visto nas aulas de história, ou lido em algum lugar,
que os romanos viviam em grandes orgias, especialmente nas épocas
das colheitas. É interessante observar que a maioria das grandes
festas populares ocorrem na época das colheitas. No Maranhão, por
exemplo, tem a festa da juçara no Maracanã, a festa da melancia
em Arari, a festa do abacaxi em Turiaçu (bem, não tenho certeza,
mas se não acontecer, fica como sugestão). Todas essas festas estão
relacionadas com boas safras e fartura de alimentos. Mas, como o
Maranhão ainda não existia naquela época, vamos voltar a Roma.
Eu dizia que os romanos faziam grandes orgias na época das colheitas,
foi inclusive nessa época que inventaram o carnaval, a festa da carne.
Mas, Tácito então observava que, entre esses bárbaros alemães,
o casamento era uma instituição marcada pela austeridade e pela
moral, não havia as orgias como em Roma. Dizia ele, que os alemães
eram tão rígidos em seus costumes que, com raríssimas exceções, se
contentavam com apenas uma mulher para cada homem.
Ora, Tácito estava tomando como referência os costumes do seu
povo, onde homens e mulheres tomavam parte nas orgias. É claro
que isso se dava entre as castas superiores, porque o povo não tinha
acesso ao luxo, como sempre ocorreu na história da humanidade.
Essa reflexão sobre diferentes costumes fornece contribuições
importantes aos estudos sobre o comportamento humano. Isso tem
a ver com o que nós já falamos lá atrás, sobre o etnocentrismo,
tema que será explorado nas próximas unidades do nosso programa.
Seguindonossaviagem, vamosobservarque,depoisdasobservações
de Tácito, existem alguns registros de viajantes, lá pelos séculos
XIII e XIV, como Marco Polo, que saiu da Itália e viajou pela China e
pelo resto da Ásia, por mais de 20 anos, transmitindo uma grande
quantidade de informações sobre povos e costumes até então
desconhecidos pelos italianos. Outros viajantes de outras regiões
do mundo também apresentaram registros importantes sobre os
africanos, sobre o islamismo etc.
Nessa trajetória, chegamos à Idade Média, a Era das grandes invenções
e grandes descobertas, que possibilitaram acréscimos importantes
sobre o conhecimento que o homem tinha acerca de si mesmo.
A Idade Média é marcada pela chegada dos portugueses e espanhóis
no Novo Mundo. É marcada, também, pelo fortalecimento da
Igreja Católica, e aí estabelece-se uma disputa acirrada entre a
Ciência e a Religião.
Nessa época, predomina o pensamento religioso como explicação dos
fenômenos da natureza. É o Teocentrismo, “o direito e o poder divino
dos reis”. Os reis governam segundo a lei de Deus. O catolicismo tem
ingerência em todas as instâncias e o seu instrumento de controle
é a Santa Inquisição. Todos os que se atrevessem a questionar o
poder da Igreja eram punidos por ela. Muitos pensadores tiveram
que negar seus conhecimentos e suas teorias sobre o universo e
os que não o fizeram foram presos e torturados, sendo que alguns
deles chegaram a ser queimados nas chamadas fogueiras “santas”.
Nessa época se desenvolvem também as ideias sobre bruxaria e
magia negra, atribuídas especialmente às mulheres. Oficialmente,
quem detinha todo o conhecimento eram os representantes da
igreja católica, que exerciam um poder muito grande sobre o
povo. O próprio rei só era coroado pelos bispos e governava sob
“as graças de Deus”.
Mas, as mulheres que detinham conhecimentos sobre plantas
medicinais, que faziam partos, benziam etc., desafiavam esse
poder e, por isso, eram chamadas de bruxas, seres endemoniados,
que estariam praticando magia negra.
Na verdade, essa era uma forma de afastar qualquer ameaça ao
poder da igreja católica. As pessoas acusadas de bruxaria eram
queimadas vivas em praça pública. Uma das referências mais
conhecidas sobre isso é Joana D’Arc, que foi canonizada e virou
santa no próprio catolicismo.
Bem, apesar da Santa Inquisição, a mente humana continuava
em busca de explicações para os fenômenos da natureza, para o
sentido da vida. Por isso, a Idade Média é também o período das
grandes invenções, como a imprensa criada em 1446 que, mesmo
na clandestinidade, possibilitou contatos cada vez mais amplos com
as novas ideias sobre o conhecimento do homem e da natureza.
Os relatos de viagens, as descobertas de novos territórios habitados
por povos de costumes diferentes, entre outros fatos, começaram a
pôr em xeque as ideias de um mundo imutável.
No século XVIII, considerado o século das luzes, das grandes ideias,
os filósofos iluministas começam a falar mais intensamente sobre o
homem e o progresso do mundo. Segundo os iluministas franceses,
o mundo estava em constante mudança e mudança para melhor.
“Penso, logo existo” era a célebre frase do filósofo Descartes.
Segundo ele, o homem só deve tomar como certo aquilo que
seja passível de explicação, aquilo que a razão possa explicar e
compreender. Ou seja, a minha existência está condicionada à
minha capacidade de pensar sobre ela. Estavam lançadas as bases
do método científico.
O discurso filosófico dos iluministas sobre o homem e o progresso do
mundo vai estimular, entre outras coisas, as Revoluções Burguesas,
Revolução Francesa em 1789 e Revolução Industrial em 1750,
trazendo novas questões para a história do pensamento científico
ocidental.
No século XVIII, formulam-se novas ideias que impulsionaram
extraordinariamente o conhecimento científico. Uma delas foi a
ideia de natureza como processo. Ou seja, a natureza pode ser
transformada pela ação do tempo, mas também pela ação dos
homens, e isso traz consequências para o destino da humanidade.
A ideia de uma “iluminação” interior, isto é, de uma fonte subjetiva
e imediata de conhecimento inerente à espécie humana, associada
à ideia de natureza em processo, possibilita novas reflexões, onde
o homem passa a ser sujeito e objeto de conhecimento do próprio
homem.
A definição do conhecimento como atributo humano não excluía
a ideia do homem como criação divina, pois a fonte subjetiva e
imediata de conhecimento de cada ser humano tanto pode ser
uma intuição intelectual de cada pessoa, como pode ser inspiração
divina.
Essa ideia está na base do iluminismo, um movimento intelectual
caracterizado pela atitude crítica em relação à tradição, pela
concepção de uma ordem racional do mundo, pela ideia de
transformação do mundo, pela ideia de transformação dos
homens e de suas culturas expressas no progresso da humanidade,
perceptível com ampliação dos horizontes geográficos, pelo
conhecimento de povos com civilização independente da europeia,
como os chineses, ou com culturas consideradas primitivas, como
as de índios das Américas, de povos da África e de povos das ilhas
do Pacífico.
Essas reflexões, portanto, consolidam-se como as bases de formação
das Ciências Sociais no século XIX, que têm a sociedade, a cultura, o
homem, seu pensamento, suas relações e realizações como objetos
de estudo.
O questionamento dos iluministas é contra o Teocentrismo.Admite-
se Deus como criador do mundo, mas não como governador da
máquina do mundo, pois este tem leis próprias, definidas pela
ação humana. É claro que os religiosos vão dizer que os homens
só fazem o que fazem de acordo com a vontade de Deus, mas
esse é um outro debate, e eu não estou aqui para questionar nem
alimentar a fé de ninguém.
Um relato interessante foi apresentado pelo antropólogo Pertti J.
Pelto, no livro Iniciação ao Estudo de Antropologia, um dos que
estou usando como base para este programa. Ele afirma que:
Até o século XIX, muitos ou a maioria dos eruditos
que se ocupavam da diversidade cultural humana
e da história cultural haviam aceitado a idade
da Terra tal como a fixara o Arcebispo Ussher em
1650. O bom Arcebispo calculara, depois do estudo
cuidadoso das Escrituras, que o mundo havia sido
criado por Deus exatamente 4.004 anos antes do
nascimento de Cristo, e a essa teoria, o teólogo
Dr. Lightfoot acrescentara a demonstração de
que ”céu e terra, centro e circunferência, foram
criados juntos, no mesmo instante... e o homem
foi criado pela Trindade no dia 24 de outubro de
4.004 ... a. C., às nove horas da manhã”.
É claro que, na época, essa afirmação não causou o mesmo espanto
que está causando entre vocês agora, pois ainda estamos falando
de uma época em que o pensamento religioso era predominante.
Nas décadas de 1830 e 1840, no entanto, durante escavações na
França, foram econtradas algumas ferramentas que serviriam para
afirmar a existência do homem na terra, desde tempos muito mais
antigos.
Em 1857, porém, foi encontrado um fóssil considerado um dos
primeiros habitantes da Europa. Por ter sido encontrado às margens
do Rio Neander na Alemanha, este esqueleto fóssil recebeu o nome
de “Homem de Neanderthal”.
Outras descobertas se seguiram a essa, acirrando ainda mais as
discussões entre a ciência e a religião, sobre a antiguidade do
homem na terra.
Em 1859, ao curso de uma longa excursão, Charles Darwin acumula
muitas informações sobre o homem e seu mundo natural, que
resultou na publicação da obra A Origem das Espécies, defendendo
a teoria da seleção natural dos seres vivos.
Fonte: http://images.
google.com.br/
images?q=capela+cistina
A partir daí, os princípios básicos da evolução ganham importância
em todos os ramos do conhecimento. A ciência adquire status de
legitimidade para a explicação dos fenômenos do mundo. O estudo
do homem vai avançando, dando origem a conhecimentos cada
vez mais amplos.
1
unidade
Objetivo dESTA unidade:
Situar os alunos no
contexto histórico das
transformações que
originaram o surgimento
da Antropologia como
Ciência, dedicada
ao conhecimento dos
aspectos biológicos
e culturais da vida
humana, possibilitando
a compreensão das
suas principais divisões
e procedimentos
metodológicos.
CIÊNCIAS DA NATUREZA E CIÊNCIAS
HUMANAS
P
ara compreender as diferenças entre os estudos das
Ciências Naturais e das Ciências Sociais, precisamos
nos ater aos procedimentos metodológicos empregados
nesses dois campos de produção científica. É preciso
compreender a produção científica, a partir das relações
estabelecidas entre o pesquisador e o grupo estudado.
Um exemplo que, por nos ser bem próximo, serve para ilustrar:
quando um cientista natural, principalmente das áreas da
Biologia ou da Agronomia (embora os biólogos e agrônomos
também atuem no campo das Ciências Humanas) estuda
as formas de reprodução dos caranguejos que habitam os
manguezais do Maranhão, ou os campos de babaçu das regiões
agrícolas do interior do Estado, os pesquisadores não interagem
necessariamente com o caranguejo ou com a palmeira de
babaçu. A relação com esses objetos de conhecimento não
interfere necessariamente neles, no sentido de uma troca de
sentimentos, estes continuarão sendo caranguejo e palmeira
de babaçu como antes.
Quando, porém, os cientistas sociais, principalmente antro-
pólogos, estudam as manifestações do bumba-meu-boi, dos
terreiros das religiões tradicionais de origens africanas, ou
PEDAGOGIA24
as situações relacionadas ao trabalho das quebradeiras de coco
babaçu dos campos rurais maranhenses, o objeto de conhecimento
é o ser humano em suas várias dimensões.
Neste caso, sujeito e objeto se influenciam reciprocamente.
Durante o processo de conhecimento, estarão em jogo trocas
constantes de afetividades, valores e saberes. É possível ao
pesquisador, como diz Bronislaw Malinowsky, “pôr-se no lugar
do outro”, familiarizar-se com seus códigos de comunicação,
com suas linguagens e decifrá-las, a partir do reconhecimento do
investigado, não mais como objeto passivo de investigação, mas
como ator, sujeito e protagonista de sua própria história.
Outro aspecto importante na demarcação dessas diferentes
formas de abordagem científica é que os fenômenos da natureza
são repetitivos e podem, em certas condições, ser reproduzidos
em laboratórios.
Tanto as pesquisas sobre a reprodução dos caranguejos como sobre
as palmeiras de babaçu podem ser realizadas em laboratório, os
fatos e os fenômenos observados se mantêm na natureza, podem
ser reproduzidos sempre que desejarmos, ou quando for necessário.
Nos estudos sobre bumba-meu-boi, sobre religiosidade afro-
brasileira, ou sobre quebradeiras de coco, as situações não podem
ser reproduzidas nem congeladas para serem analisadas.
Mesmo que as pessoas realizem novamente a festa, como acontece
a cada ano, o ritual religioso, como acontece periodicamente,
de acordo com os respectivos calendários de cada terreiro, ou o
trabalho na lavoura, como acontece diariamente, as situações não
se reproduzirão da mesma maneira, os elementos componentes
daquele universo já não serão os mesmos, haverá certamente
outras pessoas, com situações diferentes, pode faltar dinheiro para
que a festa aconteça do mesmo jeito, o material para decoração
já não será o mesmo. Enfim, vários motivos podem interferir,
fazendo com que um mesmo evento aconteça de forma diferente
a cada ano. Tudo isso precisa ser levado em conta para uma análise
coerente da situação observada.
ANTROPOLOGIA | unidade 1 25
Uma diferença marcante, portanto, é que a reconstituição
possibilita comparações aproximativas entre os rituais, festas
etc., ocorridos em períodos diversos. Ou seja, sempre é possível
comparar as festas ou rituais de um ano com as de outro, as festas
de uma região com as de outras etc. Porém, mesmo sendo rituais
ou festas semelhantes, nunca serão da mesma maneira, seja de
uma região para outra ou de um ano para outro.
Por outro lado, a reprodução de uma mesma experiência por
várias vezes possibilita o estudo objetivo tendente à exatidão.
Ou seja, nas Ciências Naturais, a objetividade e a comprovação
das hipóteses são determinadas pelas possibilidades de quantas
reproduções forem necessárias de um mesmo experimento. Isso
significa que as experiências com animais ou insetos, as análises
do DNA, do cérebro ou do sangue, para descobrir doenças ou
para conhecer as potencialidades humanas, sempre serão feitas
da mesma forma e com os mesmos elementos, porque esses testes
podem ser isolados em laboratório.
Nas Ciências Sociais, a objetividade é dada pela fidelidade do
pesquisador às informações prestadas pelo sujeito da observação,
ou seja, quem organiza ou participa de uma atividade cultural
ou religiosa, quem vivencia determinadas experiências em seu
cotidiano ao longo de várias décadas, pode falar delas com
mais conhecimento. O pesquisador é apenas um tradutor desse
conhecimento em linguagem científica, mas para essa tradução
ser reconhecida como legítima, ele precisa respeitar o que o
informante está lhe dizendo e, a partir daí, comparar e analisar as
informações com as teorias.
O procedimento tradicional de pesquisa e apresentação de
resultados, tanto nas Ciências da Natureza quanto nas Ciências
Humanas, exige a adoção de critérios e procedimentos rigorosos,
em termos teórico-metodológicos, pois essa é uma condição
fundamental, não para comparar as ciências entre si, mas para
definir e diferenciar a análise e o conhecimento científico em
relação às especulações do senso comum.
PEDAGOGIA26
Nesse caso, em todas as atividades relacionadas à produção do
conhecimento científico, são necessários alguns procedimentos
sistematizados, como a revisão bibliográfica criteriosa, eviden-
ciando o conhecimento do pesquisador com o tema que resolveu
estudar, e também com as reflexões já produzidas por outros, so-
bre esse mesmo tema; definição de uma metodologia adequada
ao problema formulado na abordagem do problema; descrição dos
procedimentos utilizados no processo de investigação; descrição e
análise dos dados obtidos explicitando os conceitos e referenciais
utilizados como suporte teórico para a realização do estudo. Esses
procedimentos são essenciais para a definição da produção cientí-
fica em qualquer área do conhecimento.
Só para relembrar o que já foi afirmado no início deste estudo, a
constatação das diferenças entre os grupos humanos, bem como
a observação e interpretação dessas diferenças são tão antigas
quanto o contato entre grupos humanos.
A situação de contato dá visibilidade à diversidade, mas nem
sempre essa diversidade é encarada como fator positivo, pois as
observações feitas de modo comparativo acabam tomando como
referência os padrões do grupo do observador e, nesse caso, as
diferenças são traduzidas em termos de inferioridades, alimen-
tando noções preconceituosas de toda ordem, o que compromete
a objetividade científica.
Como mostramos na introdução, as primeiras observações
que chegaram até nós sobre o contato entre grupos humanos
diferenciados foram aquelas fixadas em registro escrito pelos
povos da antiguidade, principalmente europeus.
No desenvolvimento anterior à constituição da Antropologia como
ciência, podem-se distinguir duas fases: a fase da curiosidade e a
fase da comparação subjetiva.
A primeira fase se estende da antiguidade até o iluminismo. Nessa
fase, os outros povos e as outras culturas com os quais os europeus
entraram em contato eram objetos de admiração, de espanto, de
surpresa, de pasmo, de estranheza ou de assombro. As diferenças
ANTROPOLOGIA | unidade 1 27
observadas se tornaram objeto de estranhamento porque eram
distintas do conhecido, do familiar. As culturas diferentes foram
consideradas exóticas, isto é, estranhas para as concepções de
mundo dos europeus.
Ocontrasteentreofamiliar,odoméstico,opróprio,ocaracterístico-
do-nós e o estranho -próprio do outro- dá visibilidade à questão da
diversidade, colocando o desafio de sua explicação.
A diferença, além de estranheza, provoca insegurança, porquanto
abala a certeza da ordem social. A tendência é a elaboração
de análises carregadas de noções pré-conceituosas, definindo o
diferente como inferior.
Recusa-se, desse ponto de vista, a reconhecer a concepção do
outro porque ele é diferente.
Assim ocorreu quando os gregos, em contato com os povos da Ásia
Menor, lhes definiram como bárbaros, considerando a diferença de
seus costumes. “Bárbaro”, para os gregos e romanos, transformou-
se em categoria classificatória dos povos estrangeiros, com
costumes diferentes, sem a civilização greco-romana e, por isso
mesmo, selvagens, incultos, grosseiros, desumanos.
O termo “bárbaro”, além de passar a ideia de não civilizado, passa
também a ideia de não humano, o que demonstra uma relação
recíproca entre civilização e humanidade. Nesse caso, a diferença
de grau de civilização implicaria diferença de grau de humanização,
consequentemente, os europeus atribuíram a si mesmos um grau
mais elevado de civilização em relação aos outros povos.
Até hoje, muitos de nós acreditamos na inferioridade dos negros,
dos índios, das mulheres e dos latinos, em relação aos homens
brancos europeus. Muitos de nós acreditamos que as religiões de
origens africanas são coisas do demônio, que nos causam medo,
quando, na verdade, foram os europeus que inventaram isso,
para fortalecer sua ideologia de dominação colonizadora e para
assegurar seu domínio sobre as riquezas econômicas e culturais
das regiões onde se instalaram.
PEDAGOGIA28
As bases da hierarquia das diferenças encontram, desde então,
fundamentos na classificação de povos como bárbaros, embora
já se registrasse também a emergência de um pensamento mais
isento, fundante do relativismo das diferenças culturais.
Heródoto, o historiador grego comentado na introdução, ao
mesmo tempo em que registrava o estranhamento dos gregos ao
matriarcado, ou seja, a predominância das mulheres na transmissão
da herança familiar, registrou também sua conclusão de que todos
os povos, sem exceção, consideram seus costumes e suas crenças
melhores que os dos demais povos. Heródoto tem a percepção de
que o sentimento de autoavaliação na situação de comparação
entre culturas, se transforma em critério parcial, implicando
desvalorização do outro. Considera, todavia, a autovalorização
como um sentimento universal.
Passados vários séculos das aventurosas navegações dos gregos
do tempo de Heródoto pelo Mar Mediterrâneo, os espanhóis e
os portugueses descobriam as terras americanas, navegando
mares desconhecidos. A curiosidade e o espanto são mutuamente
expressos, revelando a rejeição pelo diferente, que é traduzido
por uma relação de inferioridade, atribuindo a esses povos uma
condição de selvageria e negando-lhes os atributos de humanidade,
questionando se o selvagem teria uma alma, como os “civilizados”
europeus.
Essas noções preconceituosas estão refletidas no debate entre o
dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera no século XVI, relatado
por François Laplantine (1999, p.38-49):
Àqueles que pretendem que os índios são bárbaros,
responderemos que essas pessoas têm aldeias,
vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política
que, em alguns reinos, é melhor que a nossa. [...]
esses povos igualavam ou até superavam muitas
nações do mundo conhecidas como policiadas e
razoáveis, e não eram inferiores a nenhuma delas.
Assim, igualavam-se aos gregos e aos romanos, e
até, em alguns de seus costumes, os superavam.
Eles superavam também a Inglaterra, a França, e
algumas de nossas regiões da Espanha. [...] Pois
a maioria dessas nações do mundo, senão todas,
foram muito pervertidas, irracionais e depravadas,
ANTROPOLOGIA | unidade 1 29
e deram mostra de muito menos prudência e
sagacidade em sua forma de se governarem e
exercerem as virtudes morais. Nós mesmos fomos
piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre toda
a extensão de nossa Espanha, pela barbárie de
nosso modo de vida e pela depravação de nossos
costumes (Las Casas).
Aqueles que superam os outros em prudência e
razão, mesmo que não sejam superiores em força
física, aqueles são, por natureza, os senhores;
ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos
lentos, mesmo que tenham as forças físicas para
cumprir todas as tarefas necessárias, são por
natureza servos. E é justo, e útil que sejam servos,
e vemos isso sancionado pela própria lei divina.
Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas
à vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre
justo e conforme o direito natural que essas pessoas
estejam submetidas ao império de príncipes e
de nações mais cultas e humanas, de modo que,
graças à virtude destas e à prudência de suas leis,
eles abandonem a barbárie e se conformem a uma
vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles
recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo meio
das armas e essa guerra será justa, bem como o
declara o direito natural que os homens honrados,
inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles
que não têm essas virtudes (Sepulvera).
Também o Diário de descoberta da América de Cristóvão Colombo,
as cartas de Hernan Cortez e as crônicas de narrações dos índios
sobre a conquista, recolhidas e publicadas por Leon-Portilla,
registram a curiosidade e a estranheza que a diferença provocava
entre índios e europeus.
Uns e outros ressaltam as diferenças físicas e culturais, mas lidam
de modo diverso com essa questão. Os espanhóis consideram
os índios ignorantes e, de acordo com o parecer do Almirante
da esquadra de Colombo, “não tinham nenhuma religião”. Os
espanhóis decidiram conquistar as terras dos índios, decidiram
que os índios deveriam ser convertidos em cristãos e serviçais.
O modo como descrevem os instrumentos indígenas e os seus
costumes denota uma clara relação de dominação e uma clara
desvalorização do outro, fundada na apreciação unilateral e auto-
centrada da diferença.
PEDAGOGIA30
Os índios consideram os espanhóis ameaçadores, perigosos. O
modo como descrevem os instrumentos dos civilizados, os navios,
os cavalos que nunca tinham visto antes e o estrépito com que
chegaram evidencia medo, estranheza, perplexidade, respeito e
expectativa de violência.
Para os índios, isto era sobrenatural, por isso mesmo associaram
os espanhóis a deuses.
O eixo superioridade/inferioridade é antagônico na visão que
espanhóis e índios têm, um em relação ao outro. Para os espanhóis,
os índios são prováveis escravos, para os índios os espanhóis são
prováveis deuses. Esse modo de lidar com a diferença marcou o
devir da história da colonização das Américas e das relações de
contato entre colonizadores e índios.
[...] cheguei às margens do grande mar e vi andar
pelo meio do mar uma serra ou morro grande,
que andava de um lugar para outro até chegar às
margens” (Relato indígena da Conquista, p. 34).
[...] espécie de torres ou pequenos morros que
vinham flutuando sobre o mar. Neles vinham
pessoas estranhas de carnes muito brancas, mais
que as nossas carnes, todas têm barbas longas e
os seus cabelos vão até as orelhas (Relato indígena
da Conquista in Leon-Portilla 1985, p. 31).
[...] vêm os cervos que trazem os homens em seus
lombos.Com seus calções de algodão, com seus
escudos de couro, com suas lanças de ferro. Suas
espadas pendem dos pescoções de seus cervos.
Estes têm cascavéis, estão encascavelados, vêm
trazendo cascavéis. Fazem estrépito as cascavéis,
repercutem as cascavéis.
Esses cavalos, esses cervos bufam, rugem. Suam
mares: o suor destilha deles como água. E a
espuma de seus focinhos cai ao solo gotejando. É
como água ensaboada com amole: gotas gordas a
escorrer.
Quando correm fazem estrondo: fazem estrépito,
sente-se o barulho, como se caíssem pedra no
chão. Logo a terra fica revolvida, logo a terra
enche-se de buracos onde eles puseram sua pata.
Por isso, a terra só fica dilacerada onde puseram
mão ou pata (Relato Indígena registrado por
Sahagrin in Leon-Portilla, 1985, p. 20).
Caravelas
http://www.lepanto.com.br/
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ANTROPOLOGIA | unidade 1 31
Foi uma cilada muito bem feita e conseguimos matar
uns quinhentos índios mais bravos e mais corajosos
[...] A única perda que tivemos aquele dia foi uma
égua, cujo cavaleiro caiu, e que saiu em corrida
sem rumo, indo parar no meio dos nossos inimigos
que a flecharam. Mesmo ferida ela veio até nosso
acampamento, mas acabou morrendo, o que nos
deu grande tristeza, pois os cavalos e éguas eram
o grande sustentáculo de nossas vitórias (Cortez,
1986, p. 93).
Antes do amanhecer do dia seguinte tornei a
sair com cavalos, peões e índios e queimei dez
povoados, onde havia mais de três mil casas. Como
trazíamos a bandeira da cruz e lutávamos por nossa
fé e por serviços de vossa sacra majestade, em
sua real ventura nos deu Deus tanta vitória, posto
que matamos muitos sem que nenhum dos nossos
sofresse dano (Cortez, 1986, p. 33).
A diversidade observada pelos conquistadores em uma postura
comparativa, fortalecia o fator da desigualdade e da inferioridade.
Não conseguiam apreender a originalidade da diferença. Não
conseguiram pensá-la como simples expressão da diversidade, como
evidência da pluralidade, como possibilidade de multiplicidade. Só
muito mais tarde, já no final do século XIX, essas ideias começaram
a mudar.
A fase da curiosidade contribuiu com o desenvolvimento de uma
volumosa literalidade etnográfica, ainda que desarticulada.
Começou a ser superada pelo iluminismo, inaugurando-se a
fase aproximativa da diferença na busca de comparação. Com
a expansão europeia, ampliou-se o contato com a diferença.
Muitas descrições etnográficas, motivadas pela curiosidade, foram
produzidas por viajantes, missionários e administradores coloniais.
No século XVIII, com os questionamentos apresentados pelos
iluministas, superou-se a fase da curiosidade, das conclusões
precipitadas, tiradas das relações entre cultura europeia e cultura
dos outros povos. É o começo da etnologia comparativa, ou seja,
o estudo mais detalhado dos costumes, com vistas a encontrar
uma explicação para certas correspondências de práticas culturais
entre povos de culturas diferentes.
Aldeias
Microsoft Office
PEDAGOGIA32
Procurava-se fazer a analogia, entre usos e costumes de povos
indígenas, com usos e costumes dos povos registrados na Bíblia
e nas obras de escritores da antiguidade clássica. A questão de
fundo era a explicação da cultura europeia em confronto com
as culturas dos povos “selvagens”. Emerge, na fase iluminista, o
propósito de se buscar uma explicação das semelhanças entre usos
e costumes de diferentes povos indígenas, em diferentes regiões
da terra, tendo-se como postulado a unidade do gênero humano.
Partindo-se dessa concepção, tradições de povos indígenas seriam
evidências de etapas anteriores, vestígios da mais recuada
antiguidade, anterior à própria antiguidade clássica.
Desenvolve-se o conceito de civilização como conceito explicativo,
na perspectiva da civilização como aperfeiçoamento natural
do homem. Os iluministas consideravam as culturas dos povos
indígenas como expressão de um momento civilizatório, um
estágio de evolução, uma etapa civilizatória regulada pelas leis da
natureza – um estágio anterior ao desenvolvimento da sociedade
europeia em que viviam.
Surge o conceito de “homem natural”, isto é, do homem em
estado natural, numa civilização entre selvagens, bárbaros e
civilizados, fundada na concepção de unidade histórica do homem
e de suas culturas. Estavam construídas as bases conceituais que
possibilitam, mais tarde, o desenvolvimento do evolucionismo.
Será preciso esperar o século XVIII, para entrarmos na modernidade,
conforme mostra Michel Foucault (1966), e só então se pode
apreender as condições históricas e culturais, para a constituição
de um projeto antropológico, com um saber que não resulte
apenas de reflexão ou contemplação, mas de observação empírica
sobre a existência concreta do homem, sobre suas instituições,
linguagens, comportamentos e relações de produção. Um saber,
enfim, que possibilite a construção de novos conceitos, começando
pelo próprio conceito de homem, enquanto objeto e sujeito do
conhecimento.
A partir do século XVIII, portanto, a problemática comparativa
entre as culturas dos povos indígenas, a Bíblia e a Antiguidade
ANTROPOLOGIA | unidade 1 33
Clássica, cedem lugar à problematização das origens da vida e da
cultura. Rompem-se com os limites antropocêntricos, amplia-se a
ideia de origem, superando-se a rigidez das teorias criacionistas
então vigentes.
Curiosidade. É tão forte que estamos dispostos até a perder
o paraíso, pelo gozo efêmero de ver aquilo que ainda não foi
visto. É assim que a nossa estória começa, num dos mais antigos
mitos religiosos. Preferimos morder o fruto do conhecimento,
com o risco de perder o Paraíso, pela alegria de um outro
gozo: saber...
Ali está, diante de nós, a coisa fascinante. Mas não nos basta
ver o que está de fora. É preciso entrar dentro, conhecer
os seus segredos, tomar posse de suas entranhas. Não é isto
que acontece com a própria experiência sexual? Os judeus,
no Antigo Testamento, empregavam uma única palavra para
designar o ato de conhecer e o ato de fazer amor. “E Adão
conheceu a sua mulher, e ela ficou grávida...” É assim mesmo
que acontece no conhecimento. Primeiro, o enamoramento.
Quem não está de amores com um objeto não pode conhecê-
lo. Depois vêm os movimentos exploratórios, a penetração,
o conhecimento do bom que estava oculto, experiência de
prazer maior ainda.
O fascínio do giro das estrelas, dos descaminhos dos cometas, a
beleza dos cristais, joias simétricas – ah! Quem fez a natureza
deve ser um joalheiro para fazer coisas tão lindas assim, e
também um grande geômetra para traçar nos céus os caminhos
matemáticos dos astros; quem sabe um músico, que toca
músicas inaudíveis aos ouvidos comuns, e somente perceptíveis
aos que conhecem as harmonias dos números! – os ímãs, seres
parapsicológicos, que puxam o ferro sem tocar, todos os corpos
do espaço, grandes ímãs, se puxando uns aos outros, atração
universal, amor universal, as marés que balançam aos ritmos da
lua e do sol, as plantas, mistérios, também ao ritmo da luz, suas
harmonias com as abelhas, a loucura, os sonhos, esta fantástica
PEDAGOGIA34
loteria que se chama genética, os animais arranjados em ordem
de complexidade crescente, tudo sugerindo que uns foram
surgindo dos outros, Darwin, a inflação, que bicho é este, que
ninguém consegue domar?, nossa permanente intranquilidade,
seres invisíveis, os deuses, a agressividade, o sadismo, por
que será que há pessoas que sentem prazer no sofrimento dos
outros?, as massas, boiadas estouradas, sem limites e sem moral,
“Hei Hitler!”, e as pessoas lutam para deixar de fumar e não
conseguem e, de repente, sem nenhum esforço, algo acontece
por dentro, e param de um estalo...
Não há limites para os mistérios. Alguns parecem pequenos, e
moram nas coisas simples do cotidiano. E nisto o cientista tem
algo que o liga ao poeta. Porque um poeta é isto, alguém que
consegue ver beleza em coisa que todo mundo pensa ser boba
e sem sentido. Por favor, leia Adélia Prado, mulher comum que
os deuses, brincalhões, dotaram desta graça incompreensível de
poder transfigurar o banal em coisa bela, aquilo de que ninguém
gosta em coisa erótica.
Como no seu poema sobre limpar peixes com o seu marido. O
cientista é a pessoa que é capaz de ver, nas coisas insignificantes,
grandes enigmas a serem desvendados, e o seu mundo se enche
de mistérios. Moram em nós mesmos, nos gestos que fazemos,
nas doenças que temos, em nossos sonhos e pesadelos, ódios e
amores; na nossa casa, no jardim, pela rua... Outros parecem
enormes e têm a ver com o início do universo, as profundezas do
espaço, as funduras da matéria. Mas tudo é parte de um mesmo
universo maravilhoso, espantoso, que nos faz tremer de gozo e de
terror, quando nos abrimos para o seu fascínio e penetramos os
seus segredos. Há o mistério das coisas, há o mistério das pessoas,
universos inteiros dentro do corpo, mundos bizarros que afloram
nas alucinações dos psicóticos, e que nos arranham vez por outra,
dormindo ou acordados, as funduras marinhas da Cecília Meireles,
as florestas do Rilke, Édipos, Narcisos, pessoas grandes por fora
onde moram crianças órfãs. Grandes solidões que buscavam a
presença de outras, os mundos da cultura e da sociedade, das festas
populares e das grandes celebrações coletivas e, repentinamente,
ANTROPOLOGIA | unidade 1 35
nos damos conta de que os enigmas coletivos da Via Láctea são
pequenos demais comparados com aqueles das pessoas que vemos
todo dia. Só que nossos olhares ficaram baços, e não percebemos
o maravilhoso ao nosso lado. Se fôssemos tomados pelo fascínio,
então pararíamos para ver e veríamos coisa de que nunca havíamos
suspeitado.
Mas, em tudo isto, é preciso não esquecer de uma coisa: ciência
é coisa humilde, pois se sabe que a verdade é inatingível. Nunca
lidamos com a coisa mesma, que sempre nos escapa. Aquilo que
temos são apenas modelos provisórios, coisas que construímos
por meio de símbolos, para entrar um pouco no desconhecido
(MARCELINO, 1988. p.13.14.15)
Considerando o que foi dito até agora, formem grupos com cinco
pessoas para discutir as seguintes questões:
Como ponto básico, podemos dizer, numa formulação
que será ampliada nos próximos capítulos, que o social
(e cultural) é tudo aquilo que independe da natureza
interna (genética ou quadro genético) ou externa
(fatores ambientais, naturais) (DAMATTA, 2000, p. 45).
Quais os fatores que elevam a antropologia ao status de
ciência e quais os elementos principais que caracterizam
a mesma enquanto uma ciência social?
Discuta sobre os principais fatos históricos que
contribuíram para o surgimento da antropologia.
PEDAGOGIA36
Como é possível diferenciar as ciências humanas e as
sociais das ciências exatas e naturais?
Concluídas as discussões, cada grupo deve fazer uma explanação
do resultado da atividade.
1492: a CONQUISTA do paraíso (1992)
Sinopse: Depardieu interpreta Cristóvão Colombo, um intrépido navegador
que descobre uma nova rota para chegar às Índias, porém não deixa de
estar sujeito às traições e carnificinas que suas viagens trariam como
consequência. O filme trata das duas primeiras viagens que se tornaram
um marco na vida desse almirante e nos leva à terceira e última etapa
da deslumbrante aventura. Bravura e cegueira, triunfo e desespero e a
arrogância do Velho Mundo, em contraste à inocência do Novo Mundo,
sucedem, nessa ordem, uma história guiada por poder e paixão extremados.
É A Conquista do Paraíso, o começo de uma nova era.
Direção: Ridley Scott
Gênero: Aventura
Elenco: Gérard Depardieu, Armand Assante, Sigourney Weaver, Loren
Dean, Ángela Molina, Fernando Rey, Michael Wincott, Tchéky Karyo,
Kevin Dunn, Frank Langella, Mark Margolis, Kario Salem, Billy L.
Sullivan, John Heffernan, Arnold Vosloo.
ANTROPOLOGIA | unidade 1 37
Em Nome da Rosa (1986)
Sinopse: Em 1327, um monge franciscano tem a ajuda de um noviço na
investigação de uma série de estranhas mortes em um mosteiro no norte
da Itália, durante a Idade Média.
Direção: Jean-Jacques Annaud
Gênero: Drama, Policial, Suspense, Thriller
Elenco: Sean Connery, Christian Slater, F. Murray Abraham, Valentina
Vargas, Ron Perlman, Michael Lonsdale, William Hickey, Elya Baskin,
Feodor Chaliapin Jr., Helmut Qualtinger, Volker Prechtel, Michael
Habeck, Urs Althaus.
Lutero (2003)
Sinopse: A biografia de Martinho Lutero (interpretado no filme por
Joseph Fiennes), alemão fundador da Igreja Protestante. Devido aos
abusos da Igreja Católica no século XVI, com grande exploração de
seus fiéis, Lutero lutou por uma igreja mais limpa e voltada para Deus,
sem a corrupção dos poderosos católicos da época
Direção: Eric Till
Gênero: Biografia/Drama
Elenco: Alfred Molina, Joseph Fiennes, Jonathan Firth, Claire Cox
A Rainha Margot (1994)
Sinopse: Agosto de 1572: Marguerite de Valois, irmã do imaturo rei
Carlos I, é bela, jovem e católica. Na França, trava-se uma sangrenta
guerra religiosa. Para impor a paz e reforçar o domínio da França,
a mãe, Catarina de Médicis, casa-a à força com Henrique de Navarra,
protestante huguenote e o futuro rei Henrique IV. Na sombra, Catarina
de Médicis continua a exercer o poder ordenando assaltos, envenenando
e instigando ao incesto. Mas a noite de 24 de Agosto que ficou para
sempre para a história como o Massacre de S. Bartolomeu, aproxima-
se... sacrificada às razões de Estado, a rainha Margot vai, no entanto,
conhecer o amor com um outro huguenote, o senhor de La Mole.
PEDAGOGIA38
Direção: Patrice Chéreau
Gênero: Drama
Elenco: Isabelle Adjani, Daniel Auteuil, Jean-Hugues Anglade,
Vincent Perez, Virna Lisi, Dominique Blanc, Pascal Greggory,
Claudio Amendola, Miguel Bosé, Asia Argento, Julien Rassam, Thomas
Kretschmann.
Apocalypto (2006)
Sinopse: Um homem é capturado para ser sacrificado, em nome da
prosperidade do império maia. Ele consegue fugir e tenta voltar para
casa o mais rápido possível, para salvar sua família.
Direção: Mel Gibson
Gênero: Aventura
Elenco: Rudy Youngblood (Jaguar Paw), Dalia Hernandez (Seven),
Jonathan Brewer (Blunted), Morris Birdyellowhead (Flint Sky),
Carlos Emilios Baez (Turtles Run), Ramirez Amilcar (Culr Nose), Israel
Contreras (Smoke Frog), Israel Rios (Cocoa Leaf), Maria Isabel Diaz
(Sogra), Iazua Larios (Sky Flower), Raoul Trujillo (Zero Wolf),
Gerard Taracena (Middle Eye), Rodolfo Palacios (Snake Ink), Mayra
Serbulo, Espiridion Acosta Cache.
2
unidade
Objetivos dESTA unidade:
Mostrar a trajetória
de construção da
Antropologia desde
o século XIX, suas
definições e divisões,
levando a compreender
também o que os
antropólogos estudam
(objeto de estudo).
Abrir as portas das
chamadas escolas
do pensamento
antropológico,
conhecendo seus
principais pensadores e
seus conceitos, visando
compreender suas
tendências e formas
de abordagem sobre as
culturas humanas.
O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPO-
LOGIA: definição,divisões,objetoemétodos
O
conceito de cultura é o conceito chave da explicação,
ou da interpretação antropológica, e, como tal, é a
chave mestra de investigação em todas as áreas e
especializações da Antropologia, pois é em torno desse conceito
que a Antropologia vai construir suas teorias e métodos de
pesquisa.
Antes, porém, de iniciar esse percurso, é conveniente remover
algumas pedras do caminho, facilitando o entendimento dos
desdobramentoseimplicaçõesdasnovasdimensõesqueoconceito
de cultura vai incorporando, desde a criação da Antropologia, no
fim do século XIX.
Pretendemos situar as limitações iniciais com que a Antropologia
define seu objeto, para ampliar as áreas de estudo, o que
chamamos de “olhar antropológico”.
Definindo o objeto da Antropologia
AAntropologia define como objeto original de suas investigações,
os povos sem escrita, as sociedades tribais da África e das
PEDAGOGIA40
Américas, definidas como “sociedades primitivas”, que transmitem
o conhecimento através da fala.
Pensando em termos comparativos, a História tradicionalmente
se ocupava do estudo do desenvolvimento das sociedades,
investigando sua documentação, sua memória escrita. A
Antropologia, por sua vez, se ocupou das sociedades longínquas,
isto é, com assentamento em lugares distantes. Esses povos
possuíam tecnologia simples em relação às sociedades europeias,
pouca amplitude de contatos sociais, população e território de
dimensões mais restritas, mesmo em termos de especialização
das atividades e funções sociais. Cabia à Antropologia realizar o
esforço de estudar suas tradições, usos e costumes.
Assim, a reflexão antropológica toma primeiramente, como objeto
de estudo, as sociedades chamadas “simples”, distanciadas e
diferenciadas das sociedades europeias.
Para os pioneiros da Antropologia, as sociedades “simples” eram
tomadas como situação de laboratório, como expressão – no
presente – de estágios anteriores de sua própria sociedade, das
sociedades “complexas”, associadas à civilização ocidental.
No entanto, a Antropologia não permanece presa a essa
comparação da diferença entre sociedades “simples” e sociedades
“civilizadas”. Começa a enfocar a diferença no interior das
próprias sociedades, buscando novas formas de abordagens dos
grupos sociais diferenciados, mesmo que esses grupos pertençam
à sociedade urbano-industrial contemporânea, mas sejam
culturalmente distanciados na forma de viver.
Sua especificidade científica, como campo de conhecimento, não
se restringe ao estudo de sociedades indígenas, ou de camponeses.
Abrange as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade.
A tendência atual, na Antropologia, é deslocar o foco da discussão
da especificidade do objeto para a especificidade de sua prática.
Ou seja, o importante não é mais quem é estudado, mas a maneira
como se estuda.
ANTROPOLOGIA | unidade 2 41
Ao longo de sua trajetória científica, a Antropologia acumulou
muitas informações sobre populações de diversas partes do mundo.
O aperfeiçoamento de seus métodos e técnicas de investigação
permitiu a elaboração dessas informações em diferentes esquemas
deanálise,sobdiferentesenfoquesemúltiplasdimensões.Istolevou
ao surgimento de campos especializados do saber antropológico,
com abordagens, corpo teórico e técnicas de pesquisa próprios.
Já não é mais possível a um antropólogo deter o conhecimento
ampliado que caracterizava os antropólogos dos séculos XIX,
dominando os vários ramos do saber antropológico, dando conta das
diversas tendências e aberturas, tanto no campo da Antropologia
Física, quanto no campo da Antropologia Cultural.
Atualmente, os antropólogos ligados à Antropologia Física
aproximam-se das áreas da Biologia, Paleontologia ou Genética,
enquanto que o antropólogo (ou etnólogo) que se aplica ao estudo
da Antropologia Cultural ou Social tem formação básica na área
das Ciências Sociais.
No Brasil, aAntropologia Social já apresenta várias especialidades:
Etnologia Indígena, Antropologia Rural, Antropologia das
Populações Afro-Brasileiras, Antropologia Urbana. Cada um
desses campos especializados tende, por sua vez, a comportar
níveis cada vez mais amplos de especialização.
Existe, hoje, uma vasta produção sobre Etnologia Indígena, por
exemplo, possibilitando ao antropólogo tornar-se um especialista
no conhecimento dos povos indígenas das várias regiões do país.
Na Antropologia Rural, por sua vez, a tematização contempla
trabalhadores rurais, migrantes, sem-terras, comportando, todos
esses temas, níveis correspondentes de especialização.
AAntropologia das Populações Afro-Brasilerias dispõe, também, de
amplos estudos que enfocam questões de raça, etnicidade, gênero,
identidade, comunidades quilombolas etc.. Novas abordagens
estimulam discussões, abrindo outras perspectivas teóricas.
A Antropologia Urbana vem se ocupando da vida social nas grandes
cidades, enfocando, especialmente, a diversidade cultural. Há,
PEDAGOGIA42
ainda, outras tendências de especialização temática, como religião,
família, gênero, infância, velhice, homossexualismo, saúde etc.
Para constituir-se de um corpo teórico e metodológico que a
qualifica como ciência dedicada ao estudo das diversidades e
especificidades das culturas humanas, a Antropologia seguiu uma
trajetória, ampliando suas reflexões, questionando seus próprios
conceitos, desde as concepções teóricas do Evolucionismo do
século XIX até dias atuais.
Definição e Divisões da Antropologia
O desenvolvimento do estudo dos grupos humanos, portanto,
se deu desde os primeiros contatos entre os povos do mundo.
O esforço de sistematização sobre esse conhecimento tem sido
historicamente estimulado cada vez que nos defrontamos com
outros seres humanos diferentes de nós.
Ao observarmos as diferenças do outro, ou seja, os grupos com
os quais não temos contatos próximos, acabamos nos olhando e
nos observando também, o que nos leva a nos conhecer melhor,
na medida em que percebemos mais claramente o que é comum
entre nós e o que nos distingue do outro. As situações comuns
partilhadas por um grupo, além de particularizá-lo em relação aos
outros, permite definir o seu pertencimento a uma comunidade.
A Antropologia procura decifrar e compreender as populações
humanas, no âmbito das suas diferentes formas de viver
em sociedade. Numa formulação bastante ampla e geral, a
Antropologia estuda o homem e suas realizações; numa formulação
mais aproximativa, a Antropologia estuda a sociedade como um
sistema de símbolos e significados. Uma das características das
populações humanas, e talvez a mais importante, é sua diversidade.
Sendo uma das ciências que têm o homem como objeto de
conhecimento, a antropologia procura responder a questão central
ANTROPOLOGIA | unidade 2 43
do significado da diferença, visando abarcar a totalidade da vida
humana em termos biológicos e culturais. O nome antropologia,
deriva de duas palavras gregas. Anthropos, que significa homem
e Logos, ou mais precisamente Logia, cujo significado remete a
estudo, ciência ou conhecimento. Daí a definição da Antropologia
como “Ciência de Estudo do Homem”.
Certamente, a antropologia não é a única ciência que estuda o
homem, muitas outras disciplinas científicas podem ser arroladas
nesse mesmo quadro, como a Sociologia, a Psicologia, a Genética,
dentre outras.
O que caracteriza a Antropologia e a distingue das demais ciências
é o seu objetivo de estudar o homem em todas as suas dimensões.
A unidade da Antropologia, diz o antropólogo Melville Herskovits:
Está no fato importantíssimo de que a Antropologia,
centrando sua atenção no homem, leva em conta
todos os aspectos da existência humana, biológica
e cultural, passada e presente, combinando esses
diversos materiais numa abordagem integrada do
problema da existência humana. Diversamente das
disciplinas que tratam de aspectos mais restritos
do ser humano, a Antropologia frisa o princípio de
que a vida não se vive por categorias mas é uma
corrente contínua (HERSKOVITS, 1978, p.16).
Ao mesmo tempo que se propõe a ser uma disciplina especializada,
a Antropologia tem um projeto abrangente, envolvendo temas de
estudo de outras áreas, como a biologia, a geografia, a psicologia,
a sociologia etc.
Para dar conta de uma proposta tão abrangente, alguns
antropólogos estabeleceram uma divisão da Antropologia em duas
grandes áreas: Antropologia Física e Antropologia Cultural.
Antropologia Geral
Antropologia Física
Antropologia Cultural
Etnologia
Linguística
Arqueologia
Etnografia
Antropologia
Social
PEDAGOGIA44
A Antropologia Física dedicou-se ao estudo dos aspectos biológicos
do homem. Essa área procurou estudar os processos evolutivos da
espécie humana, adotando procedimentos das Ciências Naturais
para detectar as origens, semelhanças e diferenças entre os homens.
A partir desses procedimentos, desenvolveram-se estudos
das raças, caracterizando o homem em raças diferentes,
apresentando estágios de desenvolvimento diferenciados de
acordo com as características biológicas. Esses conhecimentos
contribuíram significativamente para a classificação dos povos em
raças superiores e inferiores, resultando, entre outras coisas, no
extermínio dos povos indígenas da América e na escravização dos
povos negros da África.
A Antropologia Cultural se propõe ao estudo do homem como
ser cultural, analisando as múltiplas dimensões do ser humano
em sociedade, seus comportamentos e sua produção material. O
estudo da cultura aborda as dimensões simbólicas da ação social.
Toda sociedade possui sua cultura, um sistema de signos que podem
ser analisados, como componentes de um modo de comunicação.
A cultura consiste em estruturas de significado socialmente
estabelecidas, fornecendo a cada indivíduo do grupo um mapa,
uma referência para situar-se, em relação a sua sociedade e em
relação aos outros indivíduos ou grupos.
Toda cultura implica uma tradição social e historicamente
construída, com regras e normas elaboradas e vivenciadas
coletivamente. Ou seja, dentro de uma mesma cultura, as pessoas
falam a mesma língua, compartilham situações comuns de família,
religiosidade, trabalho, vestimenta, festas etc.. Ao mesmo tempo,
dentro de uma mesma cultura, é possível haver variações nas
formas de se relacionar com essas coisas.
As formas de trabalhar, de rezar, de se casar etc. podem ser
diferentes, mas as instituições, casamento, trabalho e religião
continuarão existindo. Alguém pode até mudar o jeito de se vestir,
mas nunca deixa de usar roupa, porque essa é uma convenção
estabelecida pela cultura.
ANTROPOLOGIA | unidade 2 45
É no plano da cultura que se torna possível refletir o homem
como criação do próprio homem. Para responder à natureza,
desenvolveu a capacidade de modificar-se, pensando e produzindo
diferentes possibilidades de respostas, projetando a compreensão
da diversidade e da pluralidade por meio da conversa com o outro.
Se o ser humano não tem a mesma capacidade orgânica dos outros
animais, de criar uma couraça ou pelos no corpo para se proteger
do frio, se não tem a mesma agilidade de um uma onça ou de uma
cobra, se não pode carregar a casa nas costas, como as tartarugas,
se não pode permanecer muito tempo embaixo da água, como os
peixes, ele é dotado de um cérebro muito complexo, que lhe dá
capacidade para produzir abrigos e equipamentos, permitindo-lhe
sobreviver a todas essas situações e a todas as transformações da
natureza.
A forma como esses equipamentos são produzidos vai ser dada
pela cultura e é diferente, de acordo com a época, o povo e a
região onde são produzidos. Por isso, os povos de cada cultura
vivem de formas diferentes, têm casas diferentes, se alimentam
de coisas diferentes. Essa é uma das características da diversidade
cultural humana, campo de estudo da Antropologia.
A Antropologia Cultural é subdivida em Etnologia, Linguística e
Arqueologia, e ainda, a Etnologia recebe outra divisão: Etnografia
e Antropologia Social.
Linguística é o estudo científico da linguagem. Estuda a
linguagem como patrimônio cultural de uma sociedade, possibilita
compreender como os indivíduos expressam seus valores, suas
preocupações e justificam seu universo social tanto através da
literatura escrita como da tradição oral.
A Arqueologia é associada à Antropologia Física, pois revela
aspectos do passado de uma cultura material. Ou seja, possibilita
o conhecimento sobre uma cultura já extinta, através da análise
de objetos e inscrições mediante escavações em moradias antigas
como monumentos, objetos de artes, ferramentas e outros
materiais produzidos pela ação humana.
PEDAGOGIA46
Etnologia é também chamada Antropologia Social ou Cultural.
Ocupa-se do estudo comparativo da cultura, procurando identificar
semelhanças e diferenças entre os povos.Analisa o desenvolvimento
das relações internas de uma cultura, e também as relações entre
as culturas. Etnografia é uma das etapas do estudo antropológico,
dedicada à descrição dos costumes, da cultura e das formas de vida
dos povos e dos problemas teóricos da análise sobre os costumes
humanos.
Atualmente, cada uma dessas áreas tornou-se uma disciplina
isolada, com um corpo teórico próprio. A Antropologia Física
relaciona-se mais aos estudos de genética, paleontologia e
biologia. A arqueologia relaciona-se com a geografia e a história.
No campo dedicado ao estudo das Culturas, existe uma identificação
maior entre Antropologia Cultural, Antropologia Social, Etnologia
e Etnografia, que podem se dedicar ao mesmo objeto de estudo,
recebendo distinções de acordo com a nacionalidade. Ou seja, a
Antropologia Social vem de uma tradição britânica, influenciada
pelos etnólogos franceses, enquanto a Antropologia Cultural vem
da tradição norte-americana, desenvolvida nos estudos sobre
comportamentos culturais dos diversos povo daquela sociedade.
DESENVOLVIMENTO DAS ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS
Abordagem Evolucionista
A Antropologia surge como ciência no final do século XIX, no
momento de intensa efervescência intelectual em toda a Europa.
O conceito de progresso, desenvolvido pelos humanistas do século
XVIII, ao universalizar-se, pavimentou solidamente a estrada por
onde caminharia mais tarde, sem maiores tropeços, o conceito de
evolução.
ANTROPOLOGIA | UNIDADE 2 47
Charles Darwin, a partir dos avanços de seus precedentes no
campo da Biologia, realizou a síntese das ideias sobre evolução
e desenvolveu sua tese explicativa da origem das espécies. A
generalização teórica da evolução das espécies permitia não só
explicar a diversidade dos seres vivos, como problematizar seu
aparecimento, desaparecimento e os processos biológicos que
permitem a variabilidade de formas orgânicas.
A teoria evolucionista significou uma revolução teórica sem
precedentes no século XIX, colocando em xeque as categorias
fixas do pensamento medieval, confrontando-se com as teses do
criacionismo e fornecendo, sem dúvidas, uma base lógica para a
superação das explicações teológicas sobre os eventos biológicos
e culturais do universo.
A repercussão do abalo dessas explicações evolucionistas sobre o
sentido da vida e da morte gerava insegurança, e se associava à
dimensão psicológica da vaidade ferida do homem, em perder sua
posição de rei e senhor da criação para tornar-se simplesmente
uma entre as múltiplas possibilidades de resultado do processo
evolutivo.
É no contexto desses embates ideológicos que os primeiros
antropólogos se esforçavam por estabelecer a ciência da cultura,
atribuindo-se como tarefa inicial a reconstrução do esquema
evolucionista da cultura, para explicar a diversidade cultural do
homem.
Tylor, pioneiro da ciência antropológica, formulou o primeiro
conceito científico de cultura, como “conjunto complexo que
inclui conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes e
quaisquer outras capacidades, e hábitos adquiridos pelo homem
como membro da sociedade”.
O conceito, como proposição descritiva, fornece suporte de
referência para o estudo etnográfico das diversas culturas, a partir
dos seus componentes (conhecimentos, crenças, arte, moral, lei,
costumes). Como generalização empírica, toda cultura presente,
passada e futura é conceituada como conjunto complexo. Patenteia
a possibilidade de descrição e de comparação.
Charles Darwin
http://bbsnews.net/
bbsn_images_2005_summer/
undated_charles_darwin.jpg
PEDAGOGIA48
O que é cultura? O conceito procura responder a essa questão,
explicando-a como fenômeno distinto, como realidade empírica
passível de descrição, de análise e de explicação.
Na comparação entre as diferentes culturas, os antropólogos
evolucionistas pretendiam reconstruir, inspirados no evolucionismo
biológico, os estágios de evolução cultural da humanidade, até
chegar ao estágio de evolução da sociedade europeia, considerada
o topo do desenvolvimento cultural.
O conceito de sobreviência, associado ao conceito de evolução
e ao conceito de cultura, fornece o esquema explicativo para
os estudos preconceituosos, definindo os grupos humanos
em estágios de desenvolvimento do mais primitivo ao mais
civilizado.
Como a linha evolutiva se associa à inviabilidade do progresso,
toda cultura deve passar pela mesma sucessão de fases, ou
estágios de desenvolvimento, na sua marcha evolutiva entre
a selvageria, a barbárie e a civilização.
Utilizando observações e registros de viajantes e missionários,
os antropólogos procuravam comparar componentes das
diversas culturas, para estabelecer a sua fase de evolução,
com base no estado de desenvolvimento dos meios de
produção, da religião, da organização social, enfim, de todos
os componentes do conjunto.
Utilizando o conceito de cultura e o método positivista de estudo,
esses antropólogos analisaram um formidável volume de dados
culturais de diferentes povos. No campo das representações
sociais, por exemplo, Taylor conclui que a manifestação religiosa
mais primitiva é a crença de que almas e espíritos animam todas
as coisas e todos os seres vivos do universo. Denominou esse
estágio religioso “primitivo” de animismo e propôs a seguinte
escala evolutiva religiosa: animismo>idolatria>politeísmo>
monoteísmo.
ANTROPOLOGIA | unidade 2 49
Realizando estudos sobre parentesco como fundamento da
organização social e política, Morgan, outro importante
antropólogo evolucionista, concluiu que a sequência evolutiva
da organização familiar foi a seguinte: promiscuidade>
matriarcado>patriarcado. Seus estudos comparativos sobre
meios de produção levaram-no a concluir que, no estágio
selvagem, o homem vive de caça, pesca e coleta. No estágio
bárbaro, o homem cria a agricultura, instrumentos, máquinas
e indústrias.
O PROGRESSO TÉCNICO DA HUMANIDADE, SEGUNDO A VISÃO EVO-
LUCIONISTA, PODE SER ESQUEMATIZADO NO SEGUINTE QUADRO:
Na rigidez do esquema, as culturas dos chamados povos primitivos
seriam, na atualidade, expressão de estágios e graus de evolução
anteriores à civilização. Sob esse mesmo enfoque, a permanência de
aspectos culturais primitivos mais avançados (como superstição nas
culturas europeias) seria explicada pelo conceito de sobrevivência.
O evolucionismo deu importante contribuição ao conhecimento
antropológico, ressaltando a importância da cultura, como
fenômeno observável, analisável, interpretável, o que lhe confere
o estatuto de objeto de estudo científico.
ESTÁGIO GRAU DESENVOLVIMENTO
Selvagem
Baixo
Médio
Alto
Invenção da linguagem
Uso do machado
Invenção do arco e da flecha
Bárbaro
Baixo
Médio
Alto
Invenção da cerâmica
Pastoreio, agricultura, irrigação
Domestificação do ferro
Civilização
Baixo
Médio
Alto
Invenção da escrita
Invenção da pólvora, da bússola, do papel,
da imprensa
Invenção da máquina, da indústria
PEDAGOGIA50
Essa escola possibilitou a utilização do método comparativo como
substituto do método experimental, para analisar e explicar os
fenômenos culturais em direção a proposições descritivas gerais,
ou seja, permitindo a construção de generalizações empíricas
sobre cultura e diversidade cultural.
A observação sistemática de várias culturas, ainda que em número
limitado, permite fazer a generalização de que as sociedades
humanas dispõem de um sistema de classificação de seus
membros. Isso, aplicado a todas as sociedades humanas, ainda que
a comprovação não seja integralmente possível.
Críticas ao Evolucionismo
As análises evolucionistas, todavia, foram em grande parte
deficientes, equivocadas, preconceituosas, dando suporte, por
exemplo, a usos vulgares.
A vulgarização de concepções estereotipadas deram sustentação
ao racismo, justificando-se em uma infundada relação causal entre
raça e desenvolvimento cultural, que o próprio evolucionismo
científico não postulava. O evolucionismo vulgar supõe uma
evolução cultural biologicamente sustentada, o que, por sua
vez, implicaria que as diferenças raciais expressassem diferentes
estágios de evolução do homem.
Tomando o fenômeno do progresso tecnológico da civilização
europeia numa relação mecânica com a raça branca, inferiu-se
que a raça branca expressava biologicamente mais alto grau de
evolução.
A tese do evolucionismo científico, no campo social, era de
que as disparidades culturais não resultavam de predisposições
congênitas, isto é, não eram biologicamente condicionadas. Umas
das postulações do evolucionismo científico era a unidade psíquica
do homem – todos os homens possuíam as mesmas capacidades
mentais.
ANTROPOLOGIA | unidade 2 51
As diferenças de progresso cultural são mostras empíricas de
estágios tardios, indo da mais ou menos arcaica às mais ou menos
civilizadas.
Todavia, os termos dessas concepções deram margem a
entendimentos equivocados, levando à universalização da
inferência da superioridade das sociedades mais civilizadas e da
inferioridade dos mais arcaicos ou primitivos, transpondo-se a
explicação de modo desordenado, sem nenhuma análise crítica do
campo biológico para o campo social.
A ideologia etnocêntrica da superioridade das culturas europeias
se disseminou como verdade. O etnocentrismo, como princípio
classificatório das culturas, relegou todos os povos não europeus
a planos inferiores. O etnocentrismo tomou a forma de racismo,
ideologia perversa que legitima a violência de homens contra
homens, a privação da igualdade de direitos baseada na diferença
de cor, na diferença de origem racial, como se a condição de
humanidade fosse redutível a traços fenotípicos e os homens
fossem uns mais humanos, e outros menos.
O caráter apriorístico dos esquemas evolucionistas acabaram por
despertar reserva, uma vez que eram elaborados com base em
dados fragmentados, coletados sem critério, provenientes de
fontes as mais diversas. A ambição por descobrir “leis” universais
de desenvolvimento humano passou a ser questionada. A validade
da pesquisa de gabinete também começou a ser avaliada
criticamente, e seus resultados contestados.
Ao eleger as sociedades civilizadas como ápice da evolução, e
as sociedades “arcaicas” ou “primitivas” como polo inferior, o
evolucionismo forneceu justificativa teórica ao colonialismo que
pretendia estender as vantagens da civilização aos povos que ainda
não haviam alcançado esse estágio, definido por eles mesmos,
como “superior”.
Ao definir como objeto as sociedades fora da esfera da civilização, a
Antropologia se manifestava a serviço do colonialismo, ela própria
profundamente impregnada da ideologia eurocêntrica, segundo a
PEDAGOGIA52
qual os povos civilizados europeus constituíam a referência para
comparar outros povos.
OS PRECURSORES DA ETNOGRAFIA
Boas e Malinowski
Se existiam, no final do século XIX, homens (geralmente missionários
e administradores) que possuíam um excelente conhecimento das
populações no meio das quais viviam – é o caso de Codrington,
que publica em 1891 uma obra sobre os melanésios; de Spencer e
Gillen, que relatam, em 1899, suas observações sobre os aborígines
australianos; ou de Junod, que escreve A Vida de uma Tribo Sul-
africana (1898), a etnografia propriamente dita só começa a existir
a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve,
ele mesmo, efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse
trabalho de observação direta é parte integrante da pesquisa.
A revolução que ocorrerá na Antropologia durante o primeiro terço
do século XX é considerável, ela põe fim à repartição das tarefas,
até então habitualmente divididas entre o observador colonial
(viajante, missionário, administrador e o pesquisador erudito) que,
tendo permanecido na metrópole, recebe, analisa e interpreta as
informações fornecidas por estes.
O pesquisador compreende, a partir desse momento, que ele deve
deixar seu gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade
dos que devem ser considerados não mais como informadores a
serem questionados, e sim como hóspedes que o recebem e mestres
que o ensinam. Ele aprende, então, como aluno atento, não apenas
a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a
pensar nessa língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele
mesmo. Tratam-se de condições de estudo radicalmente diferentes
das que conheciam o viajante do século XVIII e até o missionário
ANTROPOLOGIA | unidade 2 53
ou o administrador do século XIX, residindo geralmente fora da
sociedade indígena e obtendo informações por intermédio de
tradutores e informadores.
Em suma, a Antropologia se torna pela primeira vez uma atividade
ao ar livre, levada, como diz Malinowski, “ao vivo”, em uma
“natureza imensa, viagem e aberta”.
Esse trabalho de campo, longe de ser visto como um modo de
conhecimento secundário, servindo para ilustrar uma tese, é
considerado como a própria fonte de pesquisa. Orientou a partir
desse momento a abordagem da nova geração de etnólogos que,
desde os primeiros anos do século XX, realizou estadias prolongadas
entre as populações do mundo inteiro.
Em 1906 e 1908, Radcliffe-Brown estuda os habitantes das ilhas
Andaman. Em 1909 e 1910, Seligman dirige uma missão no Sudão.
Alguns anos mais tarde, Malinowski volta para a Grã-Bretanha,
impregnado do pensamento e dos sistemas de valores que lhe
revelou a população de um minúsculo arquipélago melanésio, ou
seja, as Ilhas Trobriand no Pacífico Sul, a partir de onde escreveu
seu clássico “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”.
A partir daí, os trabalhos etnográficos e a publicação das obras
que deles resultam seguem em um ritmo ininterrupto. Em 1901,
Rivers, um dos fundadores da antropologia inglesa, estuda os
Todas, da Índia; após a Primeira Guerra Mundial, Evans-Pritchard
estuda os Azandés (trad. Franc. 1972) e os Nuer (trad. Franc.
1968); Nadel, os Nupes da Nigéria; Fortes, os Tallensi; Margaret
Mead, os insulares da Nova Guiné etc.
Como não é nosso propósito aqui examinar toda a contribuição
desses diferentes pesquisadores na elaboração da etnografia e da
etnologia contemporâneas, focaremos a atenção sobre dois entre
eles, considerados dos mais importantes, um americano de origem
alemã: Franz Boas; o outro, polonês naturalizado inglês: Bronislaw
Malinowski, os quais passamos a estudar a partir de agora.
PEDAGOGIA54
Frans Boas (1858-1942)
Boas é considerado um dos mais importantes antropólogos
no processo de construção da antropologia. A partir de seus
ensinamentos, assistimos a uma verdadeira virada metodológica
na prática da antropologia. Suas contribuições foram das mais
significativas para o desenvolvimento dos trabalhos de campo.
Iniciadas a partir dos últimos anos do século XIX (em particular
entre os povos Kwakiutl e Chibook de Colúmbia Britânica),
suas pesquisas eram conduzidas a partir de um ponto de vista
rigorosamente minucioso.
No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado, desde os materiais
constitutivos das casas até as notas das melodias cantadas pelos
Esquimós, e isso detalhadamente, no detalhe do detalhe. Tudo
deve ser objeto da descrição mais meticulosa, da retranscrição
mais fiel (por exemplo, as diferentes versões de um mito, ou
diversos ingredientes entrando na composição de um alimento).
Frans Boas foi o primeiro a formular, com seus colaboradores, uma
crítica mais radical e mais elaborada sobre as noções de origem e
de reconstituição dos estágios propostas pelos evolucionistas. Ele
mostra que um costume só tem significado se for relacionado ao
contexto particular no qual está inserido.
Lewis Henri Morgan, que foi responsável pela divulgação dos
esquemas evolucionistas para as culturas humanas e, muito antes
dele, Montesquieu já tinha aberto o caminho a essa pesquisa cujo
objeto é a totalidade das relações sociais e dos elementos que a
constituem.
Mas, a diferença é que, a partir de Boas, entende-se que, para
compreender o lugar particular ocupado por um costume, não se
pode mais confiar em suposições ou em afirmações produzidas
através de relatos de missionários, ou de administradores coloniais.
Só é possível ao antropólogo elaborar uma monografia, isto é, dar
conta cientificamente de uma microssociedade, apreendida em
Frans Boas
http://www.webpages.
uidaho.edu/~rfrey/
images/220/Franz%20
Boas.jpg
ANTROPOLOGIA | UNIDADE 2 55
sua totalidade e considerada em sua autonomia teórica, a partir
do contato direto com essa sociedade.
Com Frans Boas, começa a surgir, portanto, a etnografia como
exercício profissional, que não se limita mais à simples coleta de
materiais à maneira dos antiquários, mas procura detectar o que
faz a unidade da cultura que se expressa através desses diferentes
materiais. Para ele, não há objeto nobre nem objeto indigno da
ciência. As piadas de um contador são tão importantes quanto
a mitologia que expressa o patrimônio do grupo. Em especial, a
maneira pela qual as sociedades tradicionais, indígenas, africanas,
camponesas ou quilombolas classificam suas atividades cotidianas,
mentais e sociais, deve ser levada em consideração. Boas anuncia,
assim, a constituição do que hoje chamamos de “etnociência”.
Ele foi um dos primeiros a mostrar para o etnólogo, não apenas
a importância, mas também a necessidade do acesso à língua da
cultura na qual trabalha. As tradições que estuda não poderiam
ser-lhe traduzidas. Ele próprio deve recolhê-las, na língua falada
pelos seus interlocutores.
A influência de Boas foi considerável para o reconhecimento da
Antropologia como ciência de estudo das culturas humanas. Foi o
grande pedagogo que formou a primeira geração de antropólogos
americanos na primeira metade do século XX.
Malinowski (1884-1942)
Malinowski dominou incontestavelmente a cena antropológica de
1922, ano de publicação de sua primeira obra, Os Argonautas do
Pacífico Ocidental, até sua morte, em 1942.
Foi um dos primeiros a conduzir cientificamente uma experiência
etnográfica, a viver com as populações que estudava e a recolher
seus materiais a partir do próprio idioma falado no grupo,
radicalizou essa compreensão por dentro e, para isso, procurou
romper ao máximo os contatos com o mundo europeu.
Malinowski
http://www.n-a-u.org/
MALINOWSKI4.JPG
PEDAGOGIA56
Fez duas estadias sucessivas nas ilhas Trobriand e ninguém, antes
dele, tinha se esforçado em penetrar tanto na mentalidade dos
outros e procurar traduzir o que sentem os homens e as mulheres
que pertencem a uma cultura que não é nossa.
Boas procurava estabelecer repertórios exaustivos, e muitos entre
seus seguidores nos Estados Unidos procuraram definir correlações
entre o maior número possível de variações. Malinowski considera
esse trabalho uma aberração. Convém, pelo contrário, segundo
ele, mostrar que a partir de um único costume, ou mesmo de um
único objeto (por exemplo a canoa trobriandesa), aparentemente
muito simples, aparece o perfil do conjunto de uma sociedade.
Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada
enquanto uma totalidade, tal como funciona no momento mesmo
onde a observamos.
Nessa história sobre a antropologia, podemos fazer uma breve
comparação entre James Frazer e Malinowski, com dois dos mais
inportantes pensadores da antropologia, desde o seu surgimento
no campo científico.
Frazer adota uma abordagem rigorosamente inversa, ou seja, seu
trabalho consiste em analisar de uma forma intensiva e contínua
uma microssociedade sem referir-se a sua história. Enquanto
Frazer procurava responder à pergunta: “Como nossa sociedade
chegou a se tornar o que é?” e respondia escrevendo O Ramo de
Ouro, Malinowski se pergunta o que é uma sociedade dada em
si mesma e o que a torna viável para os que a ela pertencem,
observando-a no presente, através da interação dos aspectos que
a constituem.
Frazer, quando questionado por que ele próprio, não observava as
sociedades a partir das quais tinha construído sua obra. Respondia:
“Deus me livre”! ou seja, Frazer era um homem de gabinete,
que escreveu 14 volumes de uma obra das mais importantes da
Antropologia, sobre magia e religião entre sociedades primitivas,
sem nunca ter tido contato com elas.
Com Malinowski, a Antropologia se torna uma “ciência” da
tradução do pensamento e da cultura do outro, do diferente,
ANTROPOLOGIA | unidade 2 57
em termos de sua própria especificidade. Assim, vira as costas
ao empreendimento evolucionista de reconstituição das origens
da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares
características de cada cultura.
O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas, é que os costumes dos
Trobriandeses, tão profundamente diferentes dos nossos, têm uma
significação e uma coerência, são sistemas lógicos perfeitamente
elaborados.
Atualmente, todos os etnólogos estão convencidos de que as
sociedades diferentes da nossa, são sociedades humanas tanto
quanto a nossa, e que os homens e mulheres que nelas vivem
são adultos que se comportam diferentemente de nós, e não
“primitivos”, autômatos atrasados, que pararam em uma época
distante e vivem presos a tradições estúpidas.
A fim de pensar essa coerência interna das culturas, Malinowski
elabora uma teoria (o funcionalismo) que tem seu modelo nas
ciências da natureza. Segundo ele, o indivíduo sente um certo
número de necessidades, e cada cultura tem precisamente a função
de satisfazer, a sua maneira, essas necessidades fundamentais.
Cada uma realiza isso elaborando instituições (econômicas,
políticas, jurídicas, educativas...), fornecendo respostas coletivas
organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, soluções
originais para atender a essas necessidades.
Uma outra característica do pensamento desse pesquisador é sua
preocupação em abrir as fronteiras disciplinares, propondo os
estudos sobre o homem através da tripla articulação do social,
do psicológico e do biológico. Convém, em primeiro lugar, para
Malinowski, localizar a relação estreita do social e do biológico;
o que decorre do ponto anterior, já que, para ele, uma sociedade
funciona como um organismo, onde as relações biológicas devem
ser consideradas, não apenas como o modelo explicativo, que
permite pensar as relações sociais, mas como o seu próprio
fundamento.
Além disso, uma verdadeira ciência da sociedade inclui o estudo
das motivações psicológicas, dos comportamentos, o estudo
PEDAGOGIA58
dos sonhos e dos desejos do indivíduo. E Malinowski, quanto a
esse aspecto, vai muito além da análise da efetividade de seus
interlocutores. Ele procura reviver nele próprio os sentimentos
dos outros, fazendo da observação participante um mergulho do
pesquisador no interior da cultura e do outro, compartilhando
seus sentimentos, seus códigos de linguagem e comunicação e
interiorizando suas reações emotivas.
Compreendendo que o único modo de conhecimento aprofundado
sobre o outro é a participação na sua existência, Malinowski
inventa, literalmente, e é o primeiro a pôr em prática o método
de observação participativa, dando-nos o exemplo do que deve ser
o estudo intensivo de uma sociedade que nos é estanha.
Malinowski ensinou os antropólogos a olhar o outro na riqueza
de ser diferente. Deu-lhes o exemplo daquilo que devia ser uma
pesquisa de campo, que não tem mais nada a ver com a atividade
do “investigador” questionando “informadores”. É preciso dedicar-
se à observação de fatos sociais, aparentemente minúsculos e
insignificantes, cujos significados só podem ser encontrados nas
suas posições que ocupam na sociedade como um todo.
Assim, as canoas trobriandesas (das quais falamos acima)
são descritas em relação ao grupo que as fabrica e ao ritual
mágico que as consagra, às regulamentações que definem sua
posse etc., algumas transportando de ilha em ilha colares de
conchas vermelhas, outras, transportando pulseiras de conchas,
efetuando em sentidos contrários percursos invariáveis, passando
necessariamente de novo por seu local de origem, fechando um
círculo de relações sociais.
Malinowski mostra que estamos frente a um processo de troca
generalizado, que não se restringe apenas à dimensão econômica,
pois nos permite encontrar os significados políticos, mágicos,
religiosos e estéticos do grupo inteiro.
Finalmente, uma das grandes qualidades de Malinowski é sua
faculdade de restituição da existência desses homens e dessas
mulheres, que puderam ser conhecidos apenas através de uma
relação e de uma experiência pessoais.
ANTROPOLOGIA | unidade 2 59
Essa exigência de conduzir um projeto científico sem renunciar à
sensibilidade artística é que define a etnologia.
Malinowski ensinou a muitos, não apenas a olhar, mas a escrever,
restituindo às cenas da vida cotidiana seu relevo e sua cor.
“Um historiador”, escreve Raymond Firth, “pode ser surdo, um
jurista pode ser cego, um filósofo pode a rigor ser surdo e cego,
mas é preciso que o antropólogo entenda o que as pessoas dizem
e veja o que fazem”.
Ora, a grande força de Malinowski foi ter conseguido fazer ver e
ouvir aos seus leitores aquilo que ele mesmo tinha visto, ouvido,
sentido.
Abordagem Funcionalista
No início do século XX, o movimento de contestação ao
evolucionismo, feito por antropólogos insatisfeitos com o
encaminhamento teórico-metodológico da disciplina, centrou-
se em torno de dois núcleos argumentativos: os antropólogos
evolucionistas lidavam com dados colhidos por outros. Era essencial
e indispensável que os antropólogos colhessem, eles próprios,
os dados; tornava-se cientificamente necessário aos estudos
antropológicos o deslocamento metodológico da investigação de
gabinete para pesquisa de campo.
O conceito de cultura se desenvolve no sentido teórico de pensar a
cultura como sistema composto de unidade (traços culturais) que
interagem uns com os outros, formando combinações e sínteses.
Decifrar o funcionamento dos sistemas passa a ser o desafio da
Antropologia.
Desenvolve-se, então, o conceito de função e o método
funcionalista, que podem ser definidos como “metodologia de
exploração da interdependência”, para compreender como as
sociedades funcionam.
PEDAGOGIA60
Uma característica do funcionalismo é a preocupação em mostrar
que as sociedades humanas e suas respectivas culturas existem
como um corpo orgânico, constituído de partes interdependentes. As
partes não podem ser plenamente compreendidas separadamente do
todo, e o todo deve ser compreendido em termos de suas partes, suas
relações uma com a outra e com o sistema sociocultural em conjunto.
A cultura é concebida como um todo integrado, cujos traços
estão funcionalmente relacionados. Avança-se, portanto, da ideia
evolucionista da cultura como todo complexo, cuja relação entre
seus elementos não é questionada, para a ideia funcionalista de
cultura como sistema vivo e dinâmico, cujos elementos são inter-
relacionados, preenchendo cada qual uma função específica no
esquema integral.
A Antropologia, ao invés da preocupação com as origens e evolução
das culturas, passou a preocupar-se em responder às questões de
como funcionam os sistemas culturais e de que forma chegaram, em
sua diversidade, a ser o que são.
Malinowsky procura dar uma resposta a essas questões, elaborando
a teoria funcionalista da cultura. Seguindo o modelo das ciências
da natureza, na perspectiva de que a cultura determina e causa a
cultura, Malinowsky parte do pressuposto que os indivíduos sentem,
em qualquer tempo, em qualquer lugar, dadas necessidades, e que
em diferentes tempos, em diferentes lugares os homens elaboram
coletivamente suas respostas a essas necessidades.
De acordo com Malinowski, cada cultura tem como função sistemática
satisfazer essas necessidades fundamentais, e cada uma o faz à sua
própria maneira.
Vejamos os quadros ilustrativos?
NECESSIDADES BÁSICAS RESPOSTAS CULTURAIS
Metabolismo Abastecimento
Reprodução Parentesco
Bem-estar corporal Abrigo
Seguridade Proteção
Movimento Atividades
Crescimento Exercitação
Saúde Higiene
ANTROPOLOGIA | unidade 2 61
Nenhum sistema cultural é superior ou inferior ao outro, pois
responde adequadamente às necessidades da sociedade que o
desenvolveu, de acordo com seus interesses.
O fato de desenvolver suas próprias respostas culturais torna
todos os grupos humanos culturalmente diferenciados, iguais em
capacidade. As diferenças de desenvolvimento material e técnico
foram esvaziadas do conteúdo hierarquizante que o evolucionismo
lhes atribuía. São abordadas como dados de significação relativa,
em conformidade com a função que desempenha no sistema
cultural de que é parte.
Outros antropólogos funcionalistas contribuíram sobremaneira
para a compreensão das instituições sociais como respostas
organizativas. Radacliffe-Brown, por exemplo, contribuiu para a
abordagem dos sistemas culturais como sistemas de integração
social. O conceito de organização social é tomado como chave de
explicação do sistema cultural.
Os antropólogos funcionalistas universalizam a etnografia como
prática antropológica, demonstrando a pesquisa de campo
como ponto de partida para análise e explicações científicas dos
processos culturais.
Somente a pesquisa de campo permite a compreensão da
lógica particular da cultura que está sendo estudada. Parte-se,
portanto, do princípio de que cada cultura tem sua própria lógica
característica, o que desloca a questão do relativismo cultural a
NECESSIDADES BÁSICAS RESPOSTAS ORGANIZATIVAS
Produção, uso, manutenção e
renovação dos utensílios e bens de
consumo.
Economia
Codificação das normas de
comportamento e sanções relativas.
Controle social
Conhecimento e transmissão da
tradição.
Educação
Autoridade e poder para cada
instituição
Organização política
PEDAGOGIA62
um patamar de investigação, para além da simples constatação de
sua ocorrência como fenômeno.
Esse pensamento associa ao conceito de cultura a noção de
processo, como modos de pensar, de sentir, de agir característicos
de uma cultura, e cada processo como elemento estrutural da
organização social.
Por isso mesmo, os estudos funcionalistas, por fornecerem aos
governos coloniais o conhecimento do funcionamento da cultura
dos povos colonizados, permitiram-lhes, em alguns casos, melhor
controle e maior domínio sobre estes.
Por outro lado, ao se empenharem em demonstrar a constituição
sistemática da cultura, os antropólogos funcionalistas não
reconheciam o conflito como elemento da dinâmica social.
Para eles, a sociedade está sempre em equilíbrio. O conflito é
apreendido pela ótica positivista de perturbação da ordem, sem
se questionar se a ordem é justa ou não.
Se o funcionalismo ganhou espaço por oferecer aos pesquisadores
um sentido para os dados sociais e culturais, uma chave de
explicação para a prática etnocêntrica começou a perder interesse
pela redução da etnografia a descrições simplistas de relações e
correlações culturais, como um fim em si mesmas, sem nenhuma
perspectiva de comparações empíricas, conduzindo os estudos da
cultura a um empirismo limitado e pobre.
Abordagem Estruturalista
É a partir da análise das relações sociais, sob o enfoque de sua
função estrutural, que se articulam as bases para o desenvolvimento
estruturalista do conceito de cultura.
De acordo com Lévi-Strauss, reconhecidamente o principal teórico
do estruturalismo, “a noção de estrutura não se relaciona com a
realidade empírica, ou seja, não pode ser observada como algo
concreto, mas deve ser pensada como um modelo de análise,
Lévi-Strauus
http://www.
libreriahebraica.
com/catalog/images/
claude.jpg
Antropologia
Antropologia
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LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOColégio Santa Teresinha
 

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Antropologia

  • 2.
  • 3. Governo do Estado do Maranhão Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Desenvolvimento Tecnológico Universidade Estadual do Maranhão - UEMA Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet ANTROPOLOGIA Carlos Benedito Rodrigues da Silva São Luís 2009
  • 4. Edição: Universidade Estadual do Maranhão - UEMA Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet Coordenador do UemaNet Prof. Antonio Roberto Coelho Serra Coordenadora Pedagógica Maria de Fátima Serra Rios Coordenadora do Curso Pedagogia, a distância: Heloísa Cardoso Varão Santos Coordenadora de Produção de Material Didático UemaNet: Camila Maria Silva Nascimento Responsável pela Produção de Material Didático UemaNet: Cristiane Costa Peixoto Professor Conteudista: Carlos Benedito Rodrigues da Silva Revisão: Liliane Moreira Lima Lucirene Ferreira Lopes Diagramação: Josimar de Jesus Costa Almeida Luis Macartney Serejo dos Santos Tonho Lemos Martins Capa: Luciana Vasconcelos Silva, Carlos Benedito Rodrigues da, Antropologia / Carlos Benedito Rodrigues da Silva (org.). 2. ed. rev. — São Luís: UemaNet, 2010. 123 p. 1. Antropologia. I. Carlos Benedito da Silva II. Título. CDU: 1:37 Copyright © UemaNet/UEMA Universidade Estadual do Maranhão Núcleo de Tecnologias para a Educação - UemaNet Campus Universitário Paulo VI - São Luís - MA Fone-fax: (98) 3257-1195 http://www.uemanet.uema.br e-mail: nead@uema.br Proibida a reprodução desta publicação, no todo ou em parte, sem a prévia autorização desta instituição. Governadora do Estado do Maranhão Roseana Sarney Murad Reitor da uema Prof. José Augusto Silva Oliveira Vice-reitor da Uema Prof. Gustavo Pereira da Costa Pró-reitor de Administração Prof. José Bello Salgado Neto Pró-reitor de Planejamento Prof. José Gomes Pereira Pró-reitor de Graduação Prof. Porfírio Candanedo Guerra Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Walter Canales Sant’ana Pró-reitora de Extensão e Assuntos Estudantis Profª. Vânia Lourdes Martins Ferreira Chefe de Gabinete da Reitoria Prof. Raimundo de Oliveira Rocha Filho Diretora do Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - CECEN Profª. Andréa de Araújo
  • 5. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO UNIDADE 1 CIÊNCIAS DA NATUREZA E CIÊNCIAS HUMANAS ................... 23 UNIDADE 2 O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPOLOGIA: definição, divisões, objeto e métodos ..................................................... 39 UNIDADE 3 CONCEITUAÇÃO ANTROPOLÓGICA DE RAÇA E CULTURA ......... 79 REFERÊNCIAS .......................................................... 119
  • 6.
  • 7. PLANO DE ENSINO DISCIPLINA: Antropologia Carga horária: 60 horas EMENTA Conceituação, objeto de estudo e objetivos; ciência da natureza e ciência do homem, a Antropologia no quadro das ciências sociais; natureza e cultura na Antropologia: cultura e sociedade no Brasil: diferenciação étnico–cultural e educação; organização política e econômica; linguagem, mito, religião e magia; a transmissão cultural; unidade e diversidade; o popular e o erudito. OBJETIVOS Geral ¡ O curso proporcionará uma visão inicial do que é antropologia e sua posição entre as demais ciências. Pretende introduzir o aluno a realizar uma análise antropológica de problemas sociais e educacionais, partindo de exemplos concretos e sugerindo o debate de conceitos e teorias.
  • 8. Específicos ¡ Definir cultura como fenômeno dinâmico de transformação e diferenciação das sociedades humanas; ¡ Identificar os principais componentes da cultura e analisar criticamente as posições etnocêntricas estereotipadas em relação às minorias étnicas e sociais. CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS UNIDADE 1 CIÊNCIAS DA NATUREZA E CIÊNCIAS HUMANAS UNIDADE 2 O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPOLOGIA: definição, divisões, objeto e métodos Desenvolvimento das Escolas Antropológicas Os Precursores da Etnografia Métodos da Investigação Antropológica UNIDADE 3 CONCEITUAÇÃO ANTROPOLÓGICA DE RAÇA E CULTURA Diferenciação Étnico-Cultural e Educação: a transmissão da cultura Dimensão Cultural da Escola
  • 9. METODOLOGIA Os objetivos propostos serão alcançados mediante a realização de videoaulas e atividades que possibilitem o desenvolvimento reflexi- vo da leitura dos fascículos, livros e textos complementares através de debates, seminários, trabalhos em grupos e individuais. AVALIAÇÃO A avaliação será feita em três momentos. O primeiro consistirá nos trabalhos desenvolvidos junto ao orientador, através da consulta individual, e dos trabalhos em grupo; o segundo será uma prova escrita; e o terceiro será a realização do seminário temático. SUGESTÃO DE LEITURAS E REFERÊNCIAS Dicas de Filmes Diferenciação étnico-cultural e Escola ¡ Central do Brasil – Diretor: Walter Sales; Brasil ¡ Mentes Perigosas – Diretor: John N. Smith;USA ¡ Sociedade dos Poetas Mortos (1991) – Diretor: Peter Weeir Cultura e Diversidade ¡ Um grito de liberdade (1987) – Diretor: Richard Attenborough; Reino Unido- 157’ ¡ Mistérios da Humanidade – (National Geografhic Society). Documentário sobre a origem do homem e sua evolução: A descoberta dos fósseis, as marcas deixadas pelo homem e o início do conhecimento da própria humanidade. ¡ A missão (1986) – Diretor: Roland Joffe; USA – 147’
  • 10. ¡ Guerra e Paz no Oriente Médio – O documentário analisa as origens da guerra e as perspectivas de paz para a região. A obra apresenta a cronologia detalhada do conflito (1947/1998) e interessantes mapas dos países envolvidos. Diversidade étnico-cultural no Brasil ¡ O Quatrilho (1995) – Diretor: Flávio Barreto; Brasil – 120’ ¡ Xica da Silva (1995) – Diretor: Cacá Diegues; Brasil – 107’ ¡ Gaijin – Os caminhos da liberdade – Diretor:Tizuka Yamasaki
  • 11. SUGESTÃO: FILMES SUGESTÃO: LIVROS ícones Orientação para estudo Ao longo desta apostila, você encontrará alguns ícones utilizados para facilitar a comunicação com você. Saiba, abaixo, o que cada um significa. ATIVIDADES REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
  • 12.
  • 13. D esde o século XIX, a Antropologia traçou seus caminhos, buscando ampliar a compreensão sobre as diversas formas de existência e organização social da vida humana. Ao longo dessa trajetória, criou conceitos, teorias, métodos de investigação, mergulhou, enfim, em seu próprio interior no sentido de definir-se mais adequadamente em relação à escolha do seu objeto de estudo. Em meados do século XX, a Antropologia adquiriu reconhecimento no campo científico, apresentando novas conformações aos estudos sobre cultura, etnia, raça, relações de parentesco, religiosidade, organização social etc., ocupando espaços em todas as áreas de conhecimento e exigindo novas posturas também dos estudiosos das sociedades humanas. O que apresentamos aqui é o resultado de análises e elaborações de vários estudiosos que se debruçaram sobre a Antropologia, no sentido de enfatizar sua importância no processo de conhecimento da imensa diversidade étnica e cultural humana, em várias partes do mundo. A Antropologia não apresenta receitas nem fórmulas mágicas para a produção do conhecimento, mas define-se com um corpo teórico e procedimentos metodológicos próprios, forjados no contato das diversas gerações de antropólogos, que se formaram desde o século XIX, com as sociedades mais distanciadas cultural APRESENTAÇÃO
  • 14. e geograficamente em relação ao mundo ocidental. Neste sentido, a antropologia sugere uma forma de olhar, uma forma de analisar e interpretar o outro, o diferente, buscando neles as próprias contradições da identidade do observador. Esse é o caminho proposto pela Antropologia, como pedagogia de rompimento com as noções preconceituosas, responsáveis por racismos, colonizações e genocídios, que ainda permeiam as relações humanas em várias partes do mundo. Portanto, a Antropologia tem uma importância fundamental no processo educativo das novas gerações. Especialmente, quando se pensa a educação em um país de dimensões territoriais tão amplas e de culturas tão diversificadas como é o Brasil. Assim, esperamos com esse programa estar contribuindo para a formação dos educadores a partir de uma formação antropológica, relativizadora, que reconheça e enfatize o diferente, não em termos de comparação entre superioridades e inferioridades, mas na sua concepção de humanidade, na riqueza de ser diferente. No primeiro capítulo, situaremos os alunos no processo de construção do pensamento científico, abordando as relações entre as diversas ciências, tanto as dedicadas ao estudo dos fenômenos físicos da natureza quanto as ciências dedicadas aos estudos das sociedades humanas, enfatizando a importância da definição metodológica no processo de produção do conhecimento e a definição do homem como conceito e objeto científico do conhecimento. Em seguida, trabalharemos o processo de construção da Antropologia, com suas definições, divisões, objeto e métodos de investigação. Na terceira unidade abordaremos acerca da conceituação antropológica de raça e cultura. Posteriormente, indicaremos algumas sugestões de atividades, como forma de avaliação do conhecimento adquirido pelos alunos ao longo do desenvolvimento do programa. Finalmente, indicaremos as sugestões de leituras, para orientar os alunos em novas possibilidades de estudos. Prof. Dr. Carlos Benedito R. da Silva
  • 15. ANTROPOLOGIA: um estudo sobre o homem Contextualização Histórica do Nascimento da Antropologia Desde tempos muito antigos, o ser humano nunca deixou de questionar sobre sua existência. A curiosidade humana sempre esteve aguçada na busca de explicações para o porquê das coisas acontecerem dessa ou daquela maneira. Também no campo científico, estudiosos de todas as áreas do conhecimento concordam com o fato de que, em todas as sociedades, sempre existiram indivíduos que se dedicaram a pensar sobre as atitudes e comportamentos humanos. Segundo o antropólogo francês François Laplantine (1999, p. 13), “A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram na Ásia como na África, na América, na Oceania e na Europa”. Sem dúvidas, a curiosidade humana sempre esteve aguçada, mas uma organização do conhecimento, ou seja, a constituição de uma INTRODUÇÃO
  • 16. antropologia como saber científico que elege o homem como seu objeto de conhecimento, uma “ciência de estudo do homem”, é relativamente recente na história da humanidade, e só vai ocorrer no final do século XVIII. Até então, muita informação se acumulou desordenadamente, por iniciativas particulares de aventureiros, missionários ou viajantes. É possível identificar alguns fatos importantes que contribuíram para a organização do “estudo do homem” e para a formação do pensamento científico ocidental. Podemos nos remeter ao grego Heródoto, considerado o “pai da História”, que viveu no século V a.C e fazia observações sobre vários povos e diferentes costumes, nas regiões onde era possível conhecer o mundo naquela época (uma vez que os meios de comunicação na época não favoreciam esse contato), especialmente os povos definidos como bárbaros. Aliás, vocês devem saber que como bárbaros eram classificados todos aqueles que não eram gregos, porque os gregos se definiam com “os homens”, “os belos”, e não eram homens apenas enquanto sinônimo de humanidade, eram o gênero masculino da espécie. Dizem que os homens gregos se sentiam tão superiores e importantes, que era degradante para um homem se relacionar com uma mulher, pois esta era insignificante. Pois bem, voltando a nossa viagem pelo estudo do homem, Heródo- to falava, já na época, sobre um conceito dos mais atuais na Antro- pologia contemporânea, o Etnocentrismo. Dizia ele, observando os bárbaros, que se fosse dado aos homens, dentre todos os costumes do mundo, escolher os melhores, eles acabariam escolhendo os seus próprios costumes, pois estão sempre convencidos de que os seus são melhores do que os dos outros. Ora, ao nível pessoal, isso não tem grandes consequências. Uma pessoa pode não gostar de outra por vários motivos, por ser gorda ou por ser magra, por ser alta ou baixa. Alguém pode não gostar de outro porque usa vermelho ou porque come caranguejo, ou por outro motivo banal. Ou seja, é apenas um pré-conceito que incomoda mais a quem pratica do que a quem sofre. Mas quando Heródoto http://greciantiga.org/ img/esc/as- herodotos.jpg Heródoto
  • 17. essa atitude preconceituosa se caracteriza como rejeição a grupos humanos, impedindo-os de exercitarem suas potencialidades, ou é utilizada para definir as relações entre as nações do mundo, aí está a origem dos grandes conflitos mundiais de caráter político, religioso ou econômico. Os telejornais nos informam sobre isso diariamente. Bem, seguindo nossa viagem, chegamos ao ano 98 depois de Cristo. Aliás, fazendo um parêntese aqui, vocês devem se dar conta também de que Cristo é um “divisor de águas” na história da humanidade. Tudo é demarcado antes e depois de Cristo. Mas, embora essa seja uma questão instigante para debates, não é disso que quero falar. Como já falei sobre o grego Heródoto, que viveu antes de Cristo, vamos falar agora sobre Tácito, um romano que viveu depois de Cristo e fazia reflexões sobre as tribos germânicas, atentando para seus costumes e caráter em comparação com os romanos. Vocês devem ter visto nas aulas de história, ou lido em algum lugar, que os romanos viviam em grandes orgias, especialmente nas épocas das colheitas. É interessante observar que a maioria das grandes festas populares ocorrem na época das colheitas. No Maranhão, por exemplo, tem a festa da juçara no Maracanã, a festa da melancia em Arari, a festa do abacaxi em Turiaçu (bem, não tenho certeza, mas se não acontecer, fica como sugestão). Todas essas festas estão relacionadas com boas safras e fartura de alimentos. Mas, como o Maranhão ainda não existia naquela época, vamos voltar a Roma. Eu dizia que os romanos faziam grandes orgias na época das colheitas, foi inclusive nessa época que inventaram o carnaval, a festa da carne. Mas, Tácito então observava que, entre esses bárbaros alemães, o casamento era uma instituição marcada pela austeridade e pela moral, não havia as orgias como em Roma. Dizia ele, que os alemães eram tão rígidos em seus costumes que, com raríssimas exceções, se contentavam com apenas uma mulher para cada homem. Ora, Tácito estava tomando como referência os costumes do seu povo, onde homens e mulheres tomavam parte nas orgias. É claro que isso se dava entre as castas superiores, porque o povo não tinha acesso ao luxo, como sempre ocorreu na história da humanidade.
  • 18. Essa reflexão sobre diferentes costumes fornece contribuições importantes aos estudos sobre o comportamento humano. Isso tem a ver com o que nós já falamos lá atrás, sobre o etnocentrismo, tema que será explorado nas próximas unidades do nosso programa. Seguindonossaviagem, vamosobservarque,depoisdasobservações de Tácito, existem alguns registros de viajantes, lá pelos séculos XIII e XIV, como Marco Polo, que saiu da Itália e viajou pela China e pelo resto da Ásia, por mais de 20 anos, transmitindo uma grande quantidade de informações sobre povos e costumes até então desconhecidos pelos italianos. Outros viajantes de outras regiões do mundo também apresentaram registros importantes sobre os africanos, sobre o islamismo etc. Nessa trajetória, chegamos à Idade Média, a Era das grandes invenções e grandes descobertas, que possibilitaram acréscimos importantes sobre o conhecimento que o homem tinha acerca de si mesmo. A Idade Média é marcada pela chegada dos portugueses e espanhóis no Novo Mundo. É marcada, também, pelo fortalecimento da Igreja Católica, e aí estabelece-se uma disputa acirrada entre a Ciência e a Religião. Nessa época, predomina o pensamento religioso como explicação dos fenômenos da natureza. É o Teocentrismo, “o direito e o poder divino dos reis”. Os reis governam segundo a lei de Deus. O catolicismo tem ingerência em todas as instâncias e o seu instrumento de controle é a Santa Inquisição. Todos os que se atrevessem a questionar o poder da Igreja eram punidos por ela. Muitos pensadores tiveram que negar seus conhecimentos e suas teorias sobre o universo e os que não o fizeram foram presos e torturados, sendo que alguns deles chegaram a ser queimados nas chamadas fogueiras “santas”. Nessa época se desenvolvem também as ideias sobre bruxaria e magia negra, atribuídas especialmente às mulheres. Oficialmente, quem detinha todo o conhecimento eram os representantes da igreja católica, que exerciam um poder muito grande sobre o povo. O próprio rei só era coroado pelos bispos e governava sob “as graças de Deus”.
  • 19. Mas, as mulheres que detinham conhecimentos sobre plantas medicinais, que faziam partos, benziam etc., desafiavam esse poder e, por isso, eram chamadas de bruxas, seres endemoniados, que estariam praticando magia negra. Na verdade, essa era uma forma de afastar qualquer ameaça ao poder da igreja católica. As pessoas acusadas de bruxaria eram queimadas vivas em praça pública. Uma das referências mais conhecidas sobre isso é Joana D’Arc, que foi canonizada e virou santa no próprio catolicismo. Bem, apesar da Santa Inquisição, a mente humana continuava em busca de explicações para os fenômenos da natureza, para o sentido da vida. Por isso, a Idade Média é também o período das grandes invenções, como a imprensa criada em 1446 que, mesmo na clandestinidade, possibilitou contatos cada vez mais amplos com as novas ideias sobre o conhecimento do homem e da natureza. Os relatos de viagens, as descobertas de novos territórios habitados por povos de costumes diferentes, entre outros fatos, começaram a pôr em xeque as ideias de um mundo imutável. No século XVIII, considerado o século das luzes, das grandes ideias, os filósofos iluministas começam a falar mais intensamente sobre o homem e o progresso do mundo. Segundo os iluministas franceses, o mundo estava em constante mudança e mudança para melhor. “Penso, logo existo” era a célebre frase do filósofo Descartes. Segundo ele, o homem só deve tomar como certo aquilo que seja passível de explicação, aquilo que a razão possa explicar e compreender. Ou seja, a minha existência está condicionada à minha capacidade de pensar sobre ela. Estavam lançadas as bases do método científico. O discurso filosófico dos iluministas sobre o homem e o progresso do mundo vai estimular, entre outras coisas, as Revoluções Burguesas, Revolução Francesa em 1789 e Revolução Industrial em 1750, trazendo novas questões para a história do pensamento científico ocidental.
  • 20. No século XVIII, formulam-se novas ideias que impulsionaram extraordinariamente o conhecimento científico. Uma delas foi a ideia de natureza como processo. Ou seja, a natureza pode ser transformada pela ação do tempo, mas também pela ação dos homens, e isso traz consequências para o destino da humanidade. A ideia de uma “iluminação” interior, isto é, de uma fonte subjetiva e imediata de conhecimento inerente à espécie humana, associada à ideia de natureza em processo, possibilita novas reflexões, onde o homem passa a ser sujeito e objeto de conhecimento do próprio homem. A definição do conhecimento como atributo humano não excluía a ideia do homem como criação divina, pois a fonte subjetiva e imediata de conhecimento de cada ser humano tanto pode ser uma intuição intelectual de cada pessoa, como pode ser inspiração divina. Essa ideia está na base do iluminismo, um movimento intelectual caracterizado pela atitude crítica em relação à tradição, pela concepção de uma ordem racional do mundo, pela ideia de transformação do mundo, pela ideia de transformação dos homens e de suas culturas expressas no progresso da humanidade, perceptível com ampliação dos horizontes geográficos, pelo conhecimento de povos com civilização independente da europeia, como os chineses, ou com culturas consideradas primitivas, como as de índios das Américas, de povos da África e de povos das ilhas do Pacífico. Essas reflexões, portanto, consolidam-se como as bases de formação das Ciências Sociais no século XIX, que têm a sociedade, a cultura, o homem, seu pensamento, suas relações e realizações como objetos de estudo. O questionamento dos iluministas é contra o Teocentrismo.Admite- se Deus como criador do mundo, mas não como governador da máquina do mundo, pois este tem leis próprias, definidas pela ação humana. É claro que os religiosos vão dizer que os homens
  • 21. só fazem o que fazem de acordo com a vontade de Deus, mas esse é um outro debate, e eu não estou aqui para questionar nem alimentar a fé de ninguém. Um relato interessante foi apresentado pelo antropólogo Pertti J. Pelto, no livro Iniciação ao Estudo de Antropologia, um dos que estou usando como base para este programa. Ele afirma que: Até o século XIX, muitos ou a maioria dos eruditos que se ocupavam da diversidade cultural humana e da história cultural haviam aceitado a idade da Terra tal como a fixara o Arcebispo Ussher em 1650. O bom Arcebispo calculara, depois do estudo cuidadoso das Escrituras, que o mundo havia sido criado por Deus exatamente 4.004 anos antes do nascimento de Cristo, e a essa teoria, o teólogo Dr. Lightfoot acrescentara a demonstração de que ”céu e terra, centro e circunferência, foram criados juntos, no mesmo instante... e o homem foi criado pela Trindade no dia 24 de outubro de 4.004 ... a. C., às nove horas da manhã”. É claro que, na época, essa afirmação não causou o mesmo espanto que está causando entre vocês agora, pois ainda estamos falando de uma época em que o pensamento religioso era predominante. Nas décadas de 1830 e 1840, no entanto, durante escavações na França, foram econtradas algumas ferramentas que serviriam para afirmar a existência do homem na terra, desde tempos muito mais antigos. Em 1857, porém, foi encontrado um fóssil considerado um dos primeiros habitantes da Europa. Por ter sido encontrado às margens do Rio Neander na Alemanha, este esqueleto fóssil recebeu o nome de “Homem de Neanderthal”. Outras descobertas se seguiram a essa, acirrando ainda mais as discussões entre a ciência e a religião, sobre a antiguidade do homem na terra. Em 1859, ao curso de uma longa excursão, Charles Darwin acumula muitas informações sobre o homem e seu mundo natural, que resultou na publicação da obra A Origem das Espécies, defendendo a teoria da seleção natural dos seres vivos. Fonte: http://images. google.com.br/ images?q=capela+cistina
  • 22. A partir daí, os princípios básicos da evolução ganham importância em todos os ramos do conhecimento. A ciência adquire status de legitimidade para a explicação dos fenômenos do mundo. O estudo do homem vai avançando, dando origem a conhecimentos cada vez mais amplos.
  • 23. 1 unidade Objetivo dESTA unidade: Situar os alunos no contexto histórico das transformações que originaram o surgimento da Antropologia como Ciência, dedicada ao conhecimento dos aspectos biológicos e culturais da vida humana, possibilitando a compreensão das suas principais divisões e procedimentos metodológicos. CIÊNCIAS DA NATUREZA E CIÊNCIAS HUMANAS P ara compreender as diferenças entre os estudos das Ciências Naturais e das Ciências Sociais, precisamos nos ater aos procedimentos metodológicos empregados nesses dois campos de produção científica. É preciso compreender a produção científica, a partir das relações estabelecidas entre o pesquisador e o grupo estudado. Um exemplo que, por nos ser bem próximo, serve para ilustrar: quando um cientista natural, principalmente das áreas da Biologia ou da Agronomia (embora os biólogos e agrônomos também atuem no campo das Ciências Humanas) estuda as formas de reprodução dos caranguejos que habitam os manguezais do Maranhão, ou os campos de babaçu das regiões agrícolas do interior do Estado, os pesquisadores não interagem necessariamente com o caranguejo ou com a palmeira de babaçu. A relação com esses objetos de conhecimento não interfere necessariamente neles, no sentido de uma troca de sentimentos, estes continuarão sendo caranguejo e palmeira de babaçu como antes. Quando, porém, os cientistas sociais, principalmente antro- pólogos, estudam as manifestações do bumba-meu-boi, dos terreiros das religiões tradicionais de origens africanas, ou
  • 24. PEDAGOGIA24 as situações relacionadas ao trabalho das quebradeiras de coco babaçu dos campos rurais maranhenses, o objeto de conhecimento é o ser humano em suas várias dimensões. Neste caso, sujeito e objeto se influenciam reciprocamente. Durante o processo de conhecimento, estarão em jogo trocas constantes de afetividades, valores e saberes. É possível ao pesquisador, como diz Bronislaw Malinowsky, “pôr-se no lugar do outro”, familiarizar-se com seus códigos de comunicação, com suas linguagens e decifrá-las, a partir do reconhecimento do investigado, não mais como objeto passivo de investigação, mas como ator, sujeito e protagonista de sua própria história. Outro aspecto importante na demarcação dessas diferentes formas de abordagem científica é que os fenômenos da natureza são repetitivos e podem, em certas condições, ser reproduzidos em laboratórios. Tanto as pesquisas sobre a reprodução dos caranguejos como sobre as palmeiras de babaçu podem ser realizadas em laboratório, os fatos e os fenômenos observados se mantêm na natureza, podem ser reproduzidos sempre que desejarmos, ou quando for necessário. Nos estudos sobre bumba-meu-boi, sobre religiosidade afro- brasileira, ou sobre quebradeiras de coco, as situações não podem ser reproduzidas nem congeladas para serem analisadas. Mesmo que as pessoas realizem novamente a festa, como acontece a cada ano, o ritual religioso, como acontece periodicamente, de acordo com os respectivos calendários de cada terreiro, ou o trabalho na lavoura, como acontece diariamente, as situações não se reproduzirão da mesma maneira, os elementos componentes daquele universo já não serão os mesmos, haverá certamente outras pessoas, com situações diferentes, pode faltar dinheiro para que a festa aconteça do mesmo jeito, o material para decoração já não será o mesmo. Enfim, vários motivos podem interferir, fazendo com que um mesmo evento aconteça de forma diferente a cada ano. Tudo isso precisa ser levado em conta para uma análise coerente da situação observada.
  • 25. ANTROPOLOGIA | unidade 1 25 Uma diferença marcante, portanto, é que a reconstituição possibilita comparações aproximativas entre os rituais, festas etc., ocorridos em períodos diversos. Ou seja, sempre é possível comparar as festas ou rituais de um ano com as de outro, as festas de uma região com as de outras etc. Porém, mesmo sendo rituais ou festas semelhantes, nunca serão da mesma maneira, seja de uma região para outra ou de um ano para outro. Por outro lado, a reprodução de uma mesma experiência por várias vezes possibilita o estudo objetivo tendente à exatidão. Ou seja, nas Ciências Naturais, a objetividade e a comprovação das hipóteses são determinadas pelas possibilidades de quantas reproduções forem necessárias de um mesmo experimento. Isso significa que as experiências com animais ou insetos, as análises do DNA, do cérebro ou do sangue, para descobrir doenças ou para conhecer as potencialidades humanas, sempre serão feitas da mesma forma e com os mesmos elementos, porque esses testes podem ser isolados em laboratório. Nas Ciências Sociais, a objetividade é dada pela fidelidade do pesquisador às informações prestadas pelo sujeito da observação, ou seja, quem organiza ou participa de uma atividade cultural ou religiosa, quem vivencia determinadas experiências em seu cotidiano ao longo de várias décadas, pode falar delas com mais conhecimento. O pesquisador é apenas um tradutor desse conhecimento em linguagem científica, mas para essa tradução ser reconhecida como legítima, ele precisa respeitar o que o informante está lhe dizendo e, a partir daí, comparar e analisar as informações com as teorias. O procedimento tradicional de pesquisa e apresentação de resultados, tanto nas Ciências da Natureza quanto nas Ciências Humanas, exige a adoção de critérios e procedimentos rigorosos, em termos teórico-metodológicos, pois essa é uma condição fundamental, não para comparar as ciências entre si, mas para definir e diferenciar a análise e o conhecimento científico em relação às especulações do senso comum.
  • 26. PEDAGOGIA26 Nesse caso, em todas as atividades relacionadas à produção do conhecimento científico, são necessários alguns procedimentos sistematizados, como a revisão bibliográfica criteriosa, eviden- ciando o conhecimento do pesquisador com o tema que resolveu estudar, e também com as reflexões já produzidas por outros, so- bre esse mesmo tema; definição de uma metodologia adequada ao problema formulado na abordagem do problema; descrição dos procedimentos utilizados no processo de investigação; descrição e análise dos dados obtidos explicitando os conceitos e referenciais utilizados como suporte teórico para a realização do estudo. Esses procedimentos são essenciais para a definição da produção cientí- fica em qualquer área do conhecimento. Só para relembrar o que já foi afirmado no início deste estudo, a constatação das diferenças entre os grupos humanos, bem como a observação e interpretação dessas diferenças são tão antigas quanto o contato entre grupos humanos. A situação de contato dá visibilidade à diversidade, mas nem sempre essa diversidade é encarada como fator positivo, pois as observações feitas de modo comparativo acabam tomando como referência os padrões do grupo do observador e, nesse caso, as diferenças são traduzidas em termos de inferioridades, alimen- tando noções preconceituosas de toda ordem, o que compromete a objetividade científica. Como mostramos na introdução, as primeiras observações que chegaram até nós sobre o contato entre grupos humanos diferenciados foram aquelas fixadas em registro escrito pelos povos da antiguidade, principalmente europeus. No desenvolvimento anterior à constituição da Antropologia como ciência, podem-se distinguir duas fases: a fase da curiosidade e a fase da comparação subjetiva. A primeira fase se estende da antiguidade até o iluminismo. Nessa fase, os outros povos e as outras culturas com os quais os europeus entraram em contato eram objetos de admiração, de espanto, de surpresa, de pasmo, de estranheza ou de assombro. As diferenças
  • 27. ANTROPOLOGIA | unidade 1 27 observadas se tornaram objeto de estranhamento porque eram distintas do conhecido, do familiar. As culturas diferentes foram consideradas exóticas, isto é, estranhas para as concepções de mundo dos europeus. Ocontrasteentreofamiliar,odoméstico,opróprio,ocaracterístico- do-nós e o estranho -próprio do outro- dá visibilidade à questão da diversidade, colocando o desafio de sua explicação. A diferença, além de estranheza, provoca insegurança, porquanto abala a certeza da ordem social. A tendência é a elaboração de análises carregadas de noções pré-conceituosas, definindo o diferente como inferior. Recusa-se, desse ponto de vista, a reconhecer a concepção do outro porque ele é diferente. Assim ocorreu quando os gregos, em contato com os povos da Ásia Menor, lhes definiram como bárbaros, considerando a diferença de seus costumes. “Bárbaro”, para os gregos e romanos, transformou- se em categoria classificatória dos povos estrangeiros, com costumes diferentes, sem a civilização greco-romana e, por isso mesmo, selvagens, incultos, grosseiros, desumanos. O termo “bárbaro”, além de passar a ideia de não civilizado, passa também a ideia de não humano, o que demonstra uma relação recíproca entre civilização e humanidade. Nesse caso, a diferença de grau de civilização implicaria diferença de grau de humanização, consequentemente, os europeus atribuíram a si mesmos um grau mais elevado de civilização em relação aos outros povos. Até hoje, muitos de nós acreditamos na inferioridade dos negros, dos índios, das mulheres e dos latinos, em relação aos homens brancos europeus. Muitos de nós acreditamos que as religiões de origens africanas são coisas do demônio, que nos causam medo, quando, na verdade, foram os europeus que inventaram isso, para fortalecer sua ideologia de dominação colonizadora e para assegurar seu domínio sobre as riquezas econômicas e culturais das regiões onde se instalaram.
  • 28. PEDAGOGIA28 As bases da hierarquia das diferenças encontram, desde então, fundamentos na classificação de povos como bárbaros, embora já se registrasse também a emergência de um pensamento mais isento, fundante do relativismo das diferenças culturais. Heródoto, o historiador grego comentado na introdução, ao mesmo tempo em que registrava o estranhamento dos gregos ao matriarcado, ou seja, a predominância das mulheres na transmissão da herança familiar, registrou também sua conclusão de que todos os povos, sem exceção, consideram seus costumes e suas crenças melhores que os dos demais povos. Heródoto tem a percepção de que o sentimento de autoavaliação na situação de comparação entre culturas, se transforma em critério parcial, implicando desvalorização do outro. Considera, todavia, a autovalorização como um sentimento universal. Passados vários séculos das aventurosas navegações dos gregos do tempo de Heródoto pelo Mar Mediterrâneo, os espanhóis e os portugueses descobriam as terras americanas, navegando mares desconhecidos. A curiosidade e o espanto são mutuamente expressos, revelando a rejeição pelo diferente, que é traduzido por uma relação de inferioridade, atribuindo a esses povos uma condição de selvageria e negando-lhes os atributos de humanidade, questionando se o selvagem teria uma alma, como os “civilizados” europeus. Essas noções preconceituosas estão refletidas no debate entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera no século XVI, relatado por François Laplantine (1999, p.38-49): Àqueles que pretendem que os índios são bárbaros, responderemos que essas pessoas têm aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa. [...] esses povos igualavam ou até superavam muitas nações do mundo conhecidas como policiadas e razoáveis, e não eram inferiores a nenhuma delas. Assim, igualavam-se aos gregos e aos romanos, e até, em alguns de seus costumes, os superavam. Eles superavam também a Inglaterra, a França, e algumas de nossas regiões da Espanha. [...] Pois a maioria dessas nações do mundo, senão todas, foram muito pervertidas, irracionais e depravadas,
  • 29. ANTROPOLOGIA | unidade 1 29 e deram mostra de muito menos prudência e sagacidade em sua forma de se governarem e exercerem as virtudes morais. Nós mesmos fomos piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre toda a extensão de nossa Espanha, pela barbárie de nosso modo de vida e pela depravação de nossos costumes (Las Casas). Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em força física, aqueles são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos. E é justo, e útil que sejam servos, e vemos isso sancionado pela própria lei divina. Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças à virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a barbárie e se conformem a uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo meio das armas e essa guerra será justa, bem como o declara o direito natural que os homens honrados, inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles que não têm essas virtudes (Sepulvera). Também o Diário de descoberta da América de Cristóvão Colombo, as cartas de Hernan Cortez e as crônicas de narrações dos índios sobre a conquista, recolhidas e publicadas por Leon-Portilla, registram a curiosidade e a estranheza que a diferença provocava entre índios e europeus. Uns e outros ressaltam as diferenças físicas e culturais, mas lidam de modo diverso com essa questão. Os espanhóis consideram os índios ignorantes e, de acordo com o parecer do Almirante da esquadra de Colombo, “não tinham nenhuma religião”. Os espanhóis decidiram conquistar as terras dos índios, decidiram que os índios deveriam ser convertidos em cristãos e serviçais. O modo como descrevem os instrumentos indígenas e os seus costumes denota uma clara relação de dominação e uma clara desvalorização do outro, fundada na apreciação unilateral e auto- centrada da diferença.
  • 30. PEDAGOGIA30 Os índios consideram os espanhóis ameaçadores, perigosos. O modo como descrevem os instrumentos dos civilizados, os navios, os cavalos que nunca tinham visto antes e o estrépito com que chegaram evidencia medo, estranheza, perplexidade, respeito e expectativa de violência. Para os índios, isto era sobrenatural, por isso mesmo associaram os espanhóis a deuses. O eixo superioridade/inferioridade é antagônico na visão que espanhóis e índios têm, um em relação ao outro. Para os espanhóis, os índios são prováveis escravos, para os índios os espanhóis são prováveis deuses. Esse modo de lidar com a diferença marcou o devir da história da colonização das Américas e das relações de contato entre colonizadores e índios. [...] cheguei às margens do grande mar e vi andar pelo meio do mar uma serra ou morro grande, que andava de um lugar para outro até chegar às margens” (Relato indígena da Conquista, p. 34). [...] espécie de torres ou pequenos morros que vinham flutuando sobre o mar. Neles vinham pessoas estranhas de carnes muito brancas, mais que as nossas carnes, todas têm barbas longas e os seus cabelos vão até as orelhas (Relato indígena da Conquista in Leon-Portilla 1985, p. 31). [...] vêm os cervos que trazem os homens em seus lombos.Com seus calções de algodão, com seus escudos de couro, com suas lanças de ferro. Suas espadas pendem dos pescoções de seus cervos. Estes têm cascavéis, estão encascavelados, vêm trazendo cascavéis. Fazem estrépito as cascavéis, repercutem as cascavéis. Esses cavalos, esses cervos bufam, rugem. Suam mares: o suor destilha deles como água. E a espuma de seus focinhos cai ao solo gotejando. É como água ensaboada com amole: gotas gordas a escorrer. Quando correm fazem estrondo: fazem estrépito, sente-se o barulho, como se caíssem pedra no chão. Logo a terra fica revolvida, logo a terra enche-se de buracos onde eles puseram sua pata. Por isso, a terra só fica dilacerada onde puseram mão ou pata (Relato Indígena registrado por Sahagrin in Leon-Portilla, 1985, p. 20). Caravelas http://www.lepanto.com.br/ Imagens1/Carvw2.jpg
  • 31. ANTROPOLOGIA | unidade 1 31 Foi uma cilada muito bem feita e conseguimos matar uns quinhentos índios mais bravos e mais corajosos [...] A única perda que tivemos aquele dia foi uma égua, cujo cavaleiro caiu, e que saiu em corrida sem rumo, indo parar no meio dos nossos inimigos que a flecharam. Mesmo ferida ela veio até nosso acampamento, mas acabou morrendo, o que nos deu grande tristeza, pois os cavalos e éguas eram o grande sustentáculo de nossas vitórias (Cortez, 1986, p. 93). Antes do amanhecer do dia seguinte tornei a sair com cavalos, peões e índios e queimei dez povoados, onde havia mais de três mil casas. Como trazíamos a bandeira da cruz e lutávamos por nossa fé e por serviços de vossa sacra majestade, em sua real ventura nos deu Deus tanta vitória, posto que matamos muitos sem que nenhum dos nossos sofresse dano (Cortez, 1986, p. 33). A diversidade observada pelos conquistadores em uma postura comparativa, fortalecia o fator da desigualdade e da inferioridade. Não conseguiam apreender a originalidade da diferença. Não conseguiram pensá-la como simples expressão da diversidade, como evidência da pluralidade, como possibilidade de multiplicidade. Só muito mais tarde, já no final do século XIX, essas ideias começaram a mudar. A fase da curiosidade contribuiu com o desenvolvimento de uma volumosa literalidade etnográfica, ainda que desarticulada. Começou a ser superada pelo iluminismo, inaugurando-se a fase aproximativa da diferença na busca de comparação. Com a expansão europeia, ampliou-se o contato com a diferença. Muitas descrições etnográficas, motivadas pela curiosidade, foram produzidas por viajantes, missionários e administradores coloniais. No século XVIII, com os questionamentos apresentados pelos iluministas, superou-se a fase da curiosidade, das conclusões precipitadas, tiradas das relações entre cultura europeia e cultura dos outros povos. É o começo da etnologia comparativa, ou seja, o estudo mais detalhado dos costumes, com vistas a encontrar uma explicação para certas correspondências de práticas culturais entre povos de culturas diferentes. Aldeias Microsoft Office
  • 32. PEDAGOGIA32 Procurava-se fazer a analogia, entre usos e costumes de povos indígenas, com usos e costumes dos povos registrados na Bíblia e nas obras de escritores da antiguidade clássica. A questão de fundo era a explicação da cultura europeia em confronto com as culturas dos povos “selvagens”. Emerge, na fase iluminista, o propósito de se buscar uma explicação das semelhanças entre usos e costumes de diferentes povos indígenas, em diferentes regiões da terra, tendo-se como postulado a unidade do gênero humano. Partindo-se dessa concepção, tradições de povos indígenas seriam evidências de etapas anteriores, vestígios da mais recuada antiguidade, anterior à própria antiguidade clássica. Desenvolve-se o conceito de civilização como conceito explicativo, na perspectiva da civilização como aperfeiçoamento natural do homem. Os iluministas consideravam as culturas dos povos indígenas como expressão de um momento civilizatório, um estágio de evolução, uma etapa civilizatória regulada pelas leis da natureza – um estágio anterior ao desenvolvimento da sociedade europeia em que viviam. Surge o conceito de “homem natural”, isto é, do homem em estado natural, numa civilização entre selvagens, bárbaros e civilizados, fundada na concepção de unidade histórica do homem e de suas culturas. Estavam construídas as bases conceituais que possibilitam, mais tarde, o desenvolvimento do evolucionismo. Será preciso esperar o século XVIII, para entrarmos na modernidade, conforme mostra Michel Foucault (1966), e só então se pode apreender as condições históricas e culturais, para a constituição de um projeto antropológico, com um saber que não resulte apenas de reflexão ou contemplação, mas de observação empírica sobre a existência concreta do homem, sobre suas instituições, linguagens, comportamentos e relações de produção. Um saber, enfim, que possibilite a construção de novos conceitos, começando pelo próprio conceito de homem, enquanto objeto e sujeito do conhecimento. A partir do século XVIII, portanto, a problemática comparativa entre as culturas dos povos indígenas, a Bíblia e a Antiguidade
  • 33. ANTROPOLOGIA | unidade 1 33 Clássica, cedem lugar à problematização das origens da vida e da cultura. Rompem-se com os limites antropocêntricos, amplia-se a ideia de origem, superando-se a rigidez das teorias criacionistas então vigentes. Curiosidade. É tão forte que estamos dispostos até a perder o paraíso, pelo gozo efêmero de ver aquilo que ainda não foi visto. É assim que a nossa estória começa, num dos mais antigos mitos religiosos. Preferimos morder o fruto do conhecimento, com o risco de perder o Paraíso, pela alegria de um outro gozo: saber... Ali está, diante de nós, a coisa fascinante. Mas não nos basta ver o que está de fora. É preciso entrar dentro, conhecer os seus segredos, tomar posse de suas entranhas. Não é isto que acontece com a própria experiência sexual? Os judeus, no Antigo Testamento, empregavam uma única palavra para designar o ato de conhecer e o ato de fazer amor. “E Adão conheceu a sua mulher, e ela ficou grávida...” É assim mesmo que acontece no conhecimento. Primeiro, o enamoramento. Quem não está de amores com um objeto não pode conhecê- lo. Depois vêm os movimentos exploratórios, a penetração, o conhecimento do bom que estava oculto, experiência de prazer maior ainda. O fascínio do giro das estrelas, dos descaminhos dos cometas, a beleza dos cristais, joias simétricas – ah! Quem fez a natureza deve ser um joalheiro para fazer coisas tão lindas assim, e também um grande geômetra para traçar nos céus os caminhos matemáticos dos astros; quem sabe um músico, que toca músicas inaudíveis aos ouvidos comuns, e somente perceptíveis aos que conhecem as harmonias dos números! – os ímãs, seres parapsicológicos, que puxam o ferro sem tocar, todos os corpos do espaço, grandes ímãs, se puxando uns aos outros, atração universal, amor universal, as marés que balançam aos ritmos da lua e do sol, as plantas, mistérios, também ao ritmo da luz, suas harmonias com as abelhas, a loucura, os sonhos, esta fantástica
  • 34. PEDAGOGIA34 loteria que se chama genética, os animais arranjados em ordem de complexidade crescente, tudo sugerindo que uns foram surgindo dos outros, Darwin, a inflação, que bicho é este, que ninguém consegue domar?, nossa permanente intranquilidade, seres invisíveis, os deuses, a agressividade, o sadismo, por que será que há pessoas que sentem prazer no sofrimento dos outros?, as massas, boiadas estouradas, sem limites e sem moral, “Hei Hitler!”, e as pessoas lutam para deixar de fumar e não conseguem e, de repente, sem nenhum esforço, algo acontece por dentro, e param de um estalo... Não há limites para os mistérios. Alguns parecem pequenos, e moram nas coisas simples do cotidiano. E nisto o cientista tem algo que o liga ao poeta. Porque um poeta é isto, alguém que consegue ver beleza em coisa que todo mundo pensa ser boba e sem sentido. Por favor, leia Adélia Prado, mulher comum que os deuses, brincalhões, dotaram desta graça incompreensível de poder transfigurar o banal em coisa bela, aquilo de que ninguém gosta em coisa erótica. Como no seu poema sobre limpar peixes com o seu marido. O cientista é a pessoa que é capaz de ver, nas coisas insignificantes, grandes enigmas a serem desvendados, e o seu mundo se enche de mistérios. Moram em nós mesmos, nos gestos que fazemos, nas doenças que temos, em nossos sonhos e pesadelos, ódios e amores; na nossa casa, no jardim, pela rua... Outros parecem enormes e têm a ver com o início do universo, as profundezas do espaço, as funduras da matéria. Mas tudo é parte de um mesmo universo maravilhoso, espantoso, que nos faz tremer de gozo e de terror, quando nos abrimos para o seu fascínio e penetramos os seus segredos. Há o mistério das coisas, há o mistério das pessoas, universos inteiros dentro do corpo, mundos bizarros que afloram nas alucinações dos psicóticos, e que nos arranham vez por outra, dormindo ou acordados, as funduras marinhas da Cecília Meireles, as florestas do Rilke, Édipos, Narcisos, pessoas grandes por fora onde moram crianças órfãs. Grandes solidões que buscavam a presença de outras, os mundos da cultura e da sociedade, das festas populares e das grandes celebrações coletivas e, repentinamente,
  • 35. ANTROPOLOGIA | unidade 1 35 nos damos conta de que os enigmas coletivos da Via Láctea são pequenos demais comparados com aqueles das pessoas que vemos todo dia. Só que nossos olhares ficaram baços, e não percebemos o maravilhoso ao nosso lado. Se fôssemos tomados pelo fascínio, então pararíamos para ver e veríamos coisa de que nunca havíamos suspeitado. Mas, em tudo isto, é preciso não esquecer de uma coisa: ciência é coisa humilde, pois se sabe que a verdade é inatingível. Nunca lidamos com a coisa mesma, que sempre nos escapa. Aquilo que temos são apenas modelos provisórios, coisas que construímos por meio de símbolos, para entrar um pouco no desconhecido (MARCELINO, 1988. p.13.14.15) Considerando o que foi dito até agora, formem grupos com cinco pessoas para discutir as seguintes questões: Como ponto básico, podemos dizer, numa formulação que será ampliada nos próximos capítulos, que o social (e cultural) é tudo aquilo que independe da natureza interna (genética ou quadro genético) ou externa (fatores ambientais, naturais) (DAMATTA, 2000, p. 45). Quais os fatores que elevam a antropologia ao status de ciência e quais os elementos principais que caracterizam a mesma enquanto uma ciência social? Discuta sobre os principais fatos históricos que contribuíram para o surgimento da antropologia.
  • 36. PEDAGOGIA36 Como é possível diferenciar as ciências humanas e as sociais das ciências exatas e naturais? Concluídas as discussões, cada grupo deve fazer uma explanação do resultado da atividade. 1492: a CONQUISTA do paraíso (1992) Sinopse: Depardieu interpreta Cristóvão Colombo, um intrépido navegador que descobre uma nova rota para chegar às Índias, porém não deixa de estar sujeito às traições e carnificinas que suas viagens trariam como consequência. O filme trata das duas primeiras viagens que se tornaram um marco na vida desse almirante e nos leva à terceira e última etapa da deslumbrante aventura. Bravura e cegueira, triunfo e desespero e a arrogância do Velho Mundo, em contraste à inocência do Novo Mundo, sucedem, nessa ordem, uma história guiada por poder e paixão extremados. É A Conquista do Paraíso, o começo de uma nova era. Direção: Ridley Scott Gênero: Aventura Elenco: Gérard Depardieu, Armand Assante, Sigourney Weaver, Loren Dean, Ángela Molina, Fernando Rey, Michael Wincott, Tchéky Karyo, Kevin Dunn, Frank Langella, Mark Margolis, Kario Salem, Billy L. Sullivan, John Heffernan, Arnold Vosloo.
  • 37. ANTROPOLOGIA | unidade 1 37 Em Nome da Rosa (1986) Sinopse: Em 1327, um monge franciscano tem a ajuda de um noviço na investigação de uma série de estranhas mortes em um mosteiro no norte da Itália, durante a Idade Média. Direção: Jean-Jacques Annaud Gênero: Drama, Policial, Suspense, Thriller Elenco: Sean Connery, Christian Slater, F. Murray Abraham, Valentina Vargas, Ron Perlman, Michael Lonsdale, William Hickey, Elya Baskin, Feodor Chaliapin Jr., Helmut Qualtinger, Volker Prechtel, Michael Habeck, Urs Althaus. Lutero (2003) Sinopse: A biografia de Martinho Lutero (interpretado no filme por Joseph Fiennes), alemão fundador da Igreja Protestante. Devido aos abusos da Igreja Católica no século XVI, com grande exploração de seus fiéis, Lutero lutou por uma igreja mais limpa e voltada para Deus, sem a corrupção dos poderosos católicos da época Direção: Eric Till Gênero: Biografia/Drama Elenco: Alfred Molina, Joseph Fiennes, Jonathan Firth, Claire Cox A Rainha Margot (1994) Sinopse: Agosto de 1572: Marguerite de Valois, irmã do imaturo rei Carlos I, é bela, jovem e católica. Na França, trava-se uma sangrenta guerra religiosa. Para impor a paz e reforçar o domínio da França, a mãe, Catarina de Médicis, casa-a à força com Henrique de Navarra, protestante huguenote e o futuro rei Henrique IV. Na sombra, Catarina de Médicis continua a exercer o poder ordenando assaltos, envenenando e instigando ao incesto. Mas a noite de 24 de Agosto que ficou para sempre para a história como o Massacre de S. Bartolomeu, aproxima- se... sacrificada às razões de Estado, a rainha Margot vai, no entanto, conhecer o amor com um outro huguenote, o senhor de La Mole.
  • 38. PEDAGOGIA38 Direção: Patrice Chéreau Gênero: Drama Elenco: Isabelle Adjani, Daniel Auteuil, Jean-Hugues Anglade, Vincent Perez, Virna Lisi, Dominique Blanc, Pascal Greggory, Claudio Amendola, Miguel Bosé, Asia Argento, Julien Rassam, Thomas Kretschmann. Apocalypto (2006) Sinopse: Um homem é capturado para ser sacrificado, em nome da prosperidade do império maia. Ele consegue fugir e tenta voltar para casa o mais rápido possível, para salvar sua família. Direção: Mel Gibson Gênero: Aventura Elenco: Rudy Youngblood (Jaguar Paw), Dalia Hernandez (Seven), Jonathan Brewer (Blunted), Morris Birdyellowhead (Flint Sky), Carlos Emilios Baez (Turtles Run), Ramirez Amilcar (Culr Nose), Israel Contreras (Smoke Frog), Israel Rios (Cocoa Leaf), Maria Isabel Diaz (Sogra), Iazua Larios (Sky Flower), Raoul Trujillo (Zero Wolf), Gerard Taracena (Middle Eye), Rodolfo Palacios (Snake Ink), Mayra Serbulo, Espiridion Acosta Cache.
  • 39. 2 unidade Objetivos dESTA unidade: Mostrar a trajetória de construção da Antropologia desde o século XIX, suas definições e divisões, levando a compreender também o que os antropólogos estudam (objeto de estudo). Abrir as portas das chamadas escolas do pensamento antropológico, conhecendo seus principais pensadores e seus conceitos, visando compreender suas tendências e formas de abordagem sobre as culturas humanas. O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPO- LOGIA: definição,divisões,objetoemétodos O conceito de cultura é o conceito chave da explicação, ou da interpretação antropológica, e, como tal, é a chave mestra de investigação em todas as áreas e especializações da Antropologia, pois é em torno desse conceito que a Antropologia vai construir suas teorias e métodos de pesquisa. Antes, porém, de iniciar esse percurso, é conveniente remover algumas pedras do caminho, facilitando o entendimento dos desdobramentoseimplicaçõesdasnovasdimensõesqueoconceito de cultura vai incorporando, desde a criação da Antropologia, no fim do século XIX. Pretendemos situar as limitações iniciais com que a Antropologia define seu objeto, para ampliar as áreas de estudo, o que chamamos de “olhar antropológico”. Definindo o objeto da Antropologia AAntropologia define como objeto original de suas investigações, os povos sem escrita, as sociedades tribais da África e das
  • 40. PEDAGOGIA40 Américas, definidas como “sociedades primitivas”, que transmitem o conhecimento através da fala. Pensando em termos comparativos, a História tradicionalmente se ocupava do estudo do desenvolvimento das sociedades, investigando sua documentação, sua memória escrita. A Antropologia, por sua vez, se ocupou das sociedades longínquas, isto é, com assentamento em lugares distantes. Esses povos possuíam tecnologia simples em relação às sociedades europeias, pouca amplitude de contatos sociais, população e território de dimensões mais restritas, mesmo em termos de especialização das atividades e funções sociais. Cabia à Antropologia realizar o esforço de estudar suas tradições, usos e costumes. Assim, a reflexão antropológica toma primeiramente, como objeto de estudo, as sociedades chamadas “simples”, distanciadas e diferenciadas das sociedades europeias. Para os pioneiros da Antropologia, as sociedades “simples” eram tomadas como situação de laboratório, como expressão – no presente – de estágios anteriores de sua própria sociedade, das sociedades “complexas”, associadas à civilização ocidental. No entanto, a Antropologia não permanece presa a essa comparação da diferença entre sociedades “simples” e sociedades “civilizadas”. Começa a enfocar a diferença no interior das próprias sociedades, buscando novas formas de abordagens dos grupos sociais diferenciados, mesmo que esses grupos pertençam à sociedade urbano-industrial contemporânea, mas sejam culturalmente distanciados na forma de viver. Sua especificidade científica, como campo de conhecimento, não se restringe ao estudo de sociedades indígenas, ou de camponeses. Abrange as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. A tendência atual, na Antropologia, é deslocar o foco da discussão da especificidade do objeto para a especificidade de sua prática. Ou seja, o importante não é mais quem é estudado, mas a maneira como se estuda.
  • 41. ANTROPOLOGIA | unidade 2 41 Ao longo de sua trajetória científica, a Antropologia acumulou muitas informações sobre populações de diversas partes do mundo. O aperfeiçoamento de seus métodos e técnicas de investigação permitiu a elaboração dessas informações em diferentes esquemas deanálise,sobdiferentesenfoquesemúltiplasdimensões.Istolevou ao surgimento de campos especializados do saber antropológico, com abordagens, corpo teórico e técnicas de pesquisa próprios. Já não é mais possível a um antropólogo deter o conhecimento ampliado que caracterizava os antropólogos dos séculos XIX, dominando os vários ramos do saber antropológico, dando conta das diversas tendências e aberturas, tanto no campo da Antropologia Física, quanto no campo da Antropologia Cultural. Atualmente, os antropólogos ligados à Antropologia Física aproximam-se das áreas da Biologia, Paleontologia ou Genética, enquanto que o antropólogo (ou etnólogo) que se aplica ao estudo da Antropologia Cultural ou Social tem formação básica na área das Ciências Sociais. No Brasil, aAntropologia Social já apresenta várias especialidades: Etnologia Indígena, Antropologia Rural, Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, Antropologia Urbana. Cada um desses campos especializados tende, por sua vez, a comportar níveis cada vez mais amplos de especialização. Existe, hoje, uma vasta produção sobre Etnologia Indígena, por exemplo, possibilitando ao antropólogo tornar-se um especialista no conhecimento dos povos indígenas das várias regiões do país. Na Antropologia Rural, por sua vez, a tematização contempla trabalhadores rurais, migrantes, sem-terras, comportando, todos esses temas, níveis correspondentes de especialização. AAntropologia das Populações Afro-Brasilerias dispõe, também, de amplos estudos que enfocam questões de raça, etnicidade, gênero, identidade, comunidades quilombolas etc.. Novas abordagens estimulam discussões, abrindo outras perspectivas teóricas. A Antropologia Urbana vem se ocupando da vida social nas grandes cidades, enfocando, especialmente, a diversidade cultural. Há,
  • 42. PEDAGOGIA42 ainda, outras tendências de especialização temática, como religião, família, gênero, infância, velhice, homossexualismo, saúde etc. Para constituir-se de um corpo teórico e metodológico que a qualifica como ciência dedicada ao estudo das diversidades e especificidades das culturas humanas, a Antropologia seguiu uma trajetória, ampliando suas reflexões, questionando seus próprios conceitos, desde as concepções teóricas do Evolucionismo do século XIX até dias atuais. Definição e Divisões da Antropologia O desenvolvimento do estudo dos grupos humanos, portanto, se deu desde os primeiros contatos entre os povos do mundo. O esforço de sistematização sobre esse conhecimento tem sido historicamente estimulado cada vez que nos defrontamos com outros seres humanos diferentes de nós. Ao observarmos as diferenças do outro, ou seja, os grupos com os quais não temos contatos próximos, acabamos nos olhando e nos observando também, o que nos leva a nos conhecer melhor, na medida em que percebemos mais claramente o que é comum entre nós e o que nos distingue do outro. As situações comuns partilhadas por um grupo, além de particularizá-lo em relação aos outros, permite definir o seu pertencimento a uma comunidade. A Antropologia procura decifrar e compreender as populações humanas, no âmbito das suas diferentes formas de viver em sociedade. Numa formulação bastante ampla e geral, a Antropologia estuda o homem e suas realizações; numa formulação mais aproximativa, a Antropologia estuda a sociedade como um sistema de símbolos e significados. Uma das características das populações humanas, e talvez a mais importante, é sua diversidade. Sendo uma das ciências que têm o homem como objeto de conhecimento, a antropologia procura responder a questão central
  • 43. ANTROPOLOGIA | unidade 2 43 do significado da diferença, visando abarcar a totalidade da vida humana em termos biológicos e culturais. O nome antropologia, deriva de duas palavras gregas. Anthropos, que significa homem e Logos, ou mais precisamente Logia, cujo significado remete a estudo, ciência ou conhecimento. Daí a definição da Antropologia como “Ciência de Estudo do Homem”. Certamente, a antropologia não é a única ciência que estuda o homem, muitas outras disciplinas científicas podem ser arroladas nesse mesmo quadro, como a Sociologia, a Psicologia, a Genética, dentre outras. O que caracteriza a Antropologia e a distingue das demais ciências é o seu objetivo de estudar o homem em todas as suas dimensões. A unidade da Antropologia, diz o antropólogo Melville Herskovits: Está no fato importantíssimo de que a Antropologia, centrando sua atenção no homem, leva em conta todos os aspectos da existência humana, biológica e cultural, passada e presente, combinando esses diversos materiais numa abordagem integrada do problema da existência humana. Diversamente das disciplinas que tratam de aspectos mais restritos do ser humano, a Antropologia frisa o princípio de que a vida não se vive por categorias mas é uma corrente contínua (HERSKOVITS, 1978, p.16). Ao mesmo tempo que se propõe a ser uma disciplina especializada, a Antropologia tem um projeto abrangente, envolvendo temas de estudo de outras áreas, como a biologia, a geografia, a psicologia, a sociologia etc. Para dar conta de uma proposta tão abrangente, alguns antropólogos estabeleceram uma divisão da Antropologia em duas grandes áreas: Antropologia Física e Antropologia Cultural. Antropologia Geral Antropologia Física Antropologia Cultural Etnologia Linguística Arqueologia Etnografia Antropologia Social
  • 44. PEDAGOGIA44 A Antropologia Física dedicou-se ao estudo dos aspectos biológicos do homem. Essa área procurou estudar os processos evolutivos da espécie humana, adotando procedimentos das Ciências Naturais para detectar as origens, semelhanças e diferenças entre os homens. A partir desses procedimentos, desenvolveram-se estudos das raças, caracterizando o homem em raças diferentes, apresentando estágios de desenvolvimento diferenciados de acordo com as características biológicas. Esses conhecimentos contribuíram significativamente para a classificação dos povos em raças superiores e inferiores, resultando, entre outras coisas, no extermínio dos povos indígenas da América e na escravização dos povos negros da África. A Antropologia Cultural se propõe ao estudo do homem como ser cultural, analisando as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade, seus comportamentos e sua produção material. O estudo da cultura aborda as dimensões simbólicas da ação social. Toda sociedade possui sua cultura, um sistema de signos que podem ser analisados, como componentes de um modo de comunicação. A cultura consiste em estruturas de significado socialmente estabelecidas, fornecendo a cada indivíduo do grupo um mapa, uma referência para situar-se, em relação a sua sociedade e em relação aos outros indivíduos ou grupos. Toda cultura implica uma tradição social e historicamente construída, com regras e normas elaboradas e vivenciadas coletivamente. Ou seja, dentro de uma mesma cultura, as pessoas falam a mesma língua, compartilham situações comuns de família, religiosidade, trabalho, vestimenta, festas etc.. Ao mesmo tempo, dentro de uma mesma cultura, é possível haver variações nas formas de se relacionar com essas coisas. As formas de trabalhar, de rezar, de se casar etc. podem ser diferentes, mas as instituições, casamento, trabalho e religião continuarão existindo. Alguém pode até mudar o jeito de se vestir, mas nunca deixa de usar roupa, porque essa é uma convenção estabelecida pela cultura.
  • 45. ANTROPOLOGIA | unidade 2 45 É no plano da cultura que se torna possível refletir o homem como criação do próprio homem. Para responder à natureza, desenvolveu a capacidade de modificar-se, pensando e produzindo diferentes possibilidades de respostas, projetando a compreensão da diversidade e da pluralidade por meio da conversa com o outro. Se o ser humano não tem a mesma capacidade orgânica dos outros animais, de criar uma couraça ou pelos no corpo para se proteger do frio, se não tem a mesma agilidade de um uma onça ou de uma cobra, se não pode carregar a casa nas costas, como as tartarugas, se não pode permanecer muito tempo embaixo da água, como os peixes, ele é dotado de um cérebro muito complexo, que lhe dá capacidade para produzir abrigos e equipamentos, permitindo-lhe sobreviver a todas essas situações e a todas as transformações da natureza. A forma como esses equipamentos são produzidos vai ser dada pela cultura e é diferente, de acordo com a época, o povo e a região onde são produzidos. Por isso, os povos de cada cultura vivem de formas diferentes, têm casas diferentes, se alimentam de coisas diferentes. Essa é uma das características da diversidade cultural humana, campo de estudo da Antropologia. A Antropologia Cultural é subdivida em Etnologia, Linguística e Arqueologia, e ainda, a Etnologia recebe outra divisão: Etnografia e Antropologia Social. Linguística é o estudo científico da linguagem. Estuda a linguagem como patrimônio cultural de uma sociedade, possibilita compreender como os indivíduos expressam seus valores, suas preocupações e justificam seu universo social tanto através da literatura escrita como da tradição oral. A Arqueologia é associada à Antropologia Física, pois revela aspectos do passado de uma cultura material. Ou seja, possibilita o conhecimento sobre uma cultura já extinta, através da análise de objetos e inscrições mediante escavações em moradias antigas como monumentos, objetos de artes, ferramentas e outros materiais produzidos pela ação humana.
  • 46. PEDAGOGIA46 Etnologia é também chamada Antropologia Social ou Cultural. Ocupa-se do estudo comparativo da cultura, procurando identificar semelhanças e diferenças entre os povos.Analisa o desenvolvimento das relações internas de uma cultura, e também as relações entre as culturas. Etnografia é uma das etapas do estudo antropológico, dedicada à descrição dos costumes, da cultura e das formas de vida dos povos e dos problemas teóricos da análise sobre os costumes humanos. Atualmente, cada uma dessas áreas tornou-se uma disciplina isolada, com um corpo teórico próprio. A Antropologia Física relaciona-se mais aos estudos de genética, paleontologia e biologia. A arqueologia relaciona-se com a geografia e a história. No campo dedicado ao estudo das Culturas, existe uma identificação maior entre Antropologia Cultural, Antropologia Social, Etnologia e Etnografia, que podem se dedicar ao mesmo objeto de estudo, recebendo distinções de acordo com a nacionalidade. Ou seja, a Antropologia Social vem de uma tradição britânica, influenciada pelos etnólogos franceses, enquanto a Antropologia Cultural vem da tradição norte-americana, desenvolvida nos estudos sobre comportamentos culturais dos diversos povo daquela sociedade. DESENVOLVIMENTO DAS ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS Abordagem Evolucionista A Antropologia surge como ciência no final do século XIX, no momento de intensa efervescência intelectual em toda a Europa. O conceito de progresso, desenvolvido pelos humanistas do século XVIII, ao universalizar-se, pavimentou solidamente a estrada por onde caminharia mais tarde, sem maiores tropeços, o conceito de evolução.
  • 47. ANTROPOLOGIA | UNIDADE 2 47 Charles Darwin, a partir dos avanços de seus precedentes no campo da Biologia, realizou a síntese das ideias sobre evolução e desenvolveu sua tese explicativa da origem das espécies. A generalização teórica da evolução das espécies permitia não só explicar a diversidade dos seres vivos, como problematizar seu aparecimento, desaparecimento e os processos biológicos que permitem a variabilidade de formas orgânicas. A teoria evolucionista significou uma revolução teórica sem precedentes no século XIX, colocando em xeque as categorias fixas do pensamento medieval, confrontando-se com as teses do criacionismo e fornecendo, sem dúvidas, uma base lógica para a superação das explicações teológicas sobre os eventos biológicos e culturais do universo. A repercussão do abalo dessas explicações evolucionistas sobre o sentido da vida e da morte gerava insegurança, e se associava à dimensão psicológica da vaidade ferida do homem, em perder sua posição de rei e senhor da criação para tornar-se simplesmente uma entre as múltiplas possibilidades de resultado do processo evolutivo. É no contexto desses embates ideológicos que os primeiros antropólogos se esforçavam por estabelecer a ciência da cultura, atribuindo-se como tarefa inicial a reconstrução do esquema evolucionista da cultura, para explicar a diversidade cultural do homem. Tylor, pioneiro da ciência antropológica, formulou o primeiro conceito científico de cultura, como “conjunto complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes e quaisquer outras capacidades, e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. O conceito, como proposição descritiva, fornece suporte de referência para o estudo etnográfico das diversas culturas, a partir dos seus componentes (conhecimentos, crenças, arte, moral, lei, costumes). Como generalização empírica, toda cultura presente, passada e futura é conceituada como conjunto complexo. Patenteia a possibilidade de descrição e de comparação. Charles Darwin http://bbsnews.net/ bbsn_images_2005_summer/ undated_charles_darwin.jpg
  • 48. PEDAGOGIA48 O que é cultura? O conceito procura responder a essa questão, explicando-a como fenômeno distinto, como realidade empírica passível de descrição, de análise e de explicação. Na comparação entre as diferentes culturas, os antropólogos evolucionistas pretendiam reconstruir, inspirados no evolucionismo biológico, os estágios de evolução cultural da humanidade, até chegar ao estágio de evolução da sociedade europeia, considerada o topo do desenvolvimento cultural. O conceito de sobreviência, associado ao conceito de evolução e ao conceito de cultura, fornece o esquema explicativo para os estudos preconceituosos, definindo os grupos humanos em estágios de desenvolvimento do mais primitivo ao mais civilizado. Como a linha evolutiva se associa à inviabilidade do progresso, toda cultura deve passar pela mesma sucessão de fases, ou estágios de desenvolvimento, na sua marcha evolutiva entre a selvageria, a barbárie e a civilização. Utilizando observações e registros de viajantes e missionários, os antropólogos procuravam comparar componentes das diversas culturas, para estabelecer a sua fase de evolução, com base no estado de desenvolvimento dos meios de produção, da religião, da organização social, enfim, de todos os componentes do conjunto. Utilizando o conceito de cultura e o método positivista de estudo, esses antropólogos analisaram um formidável volume de dados culturais de diferentes povos. No campo das representações sociais, por exemplo, Taylor conclui que a manifestação religiosa mais primitiva é a crença de que almas e espíritos animam todas as coisas e todos os seres vivos do universo. Denominou esse estágio religioso “primitivo” de animismo e propôs a seguinte escala evolutiva religiosa: animismo>idolatria>politeísmo> monoteísmo.
  • 49. ANTROPOLOGIA | unidade 2 49 Realizando estudos sobre parentesco como fundamento da organização social e política, Morgan, outro importante antropólogo evolucionista, concluiu que a sequência evolutiva da organização familiar foi a seguinte: promiscuidade> matriarcado>patriarcado. Seus estudos comparativos sobre meios de produção levaram-no a concluir que, no estágio selvagem, o homem vive de caça, pesca e coleta. No estágio bárbaro, o homem cria a agricultura, instrumentos, máquinas e indústrias. O PROGRESSO TÉCNICO DA HUMANIDADE, SEGUNDO A VISÃO EVO- LUCIONISTA, PODE SER ESQUEMATIZADO NO SEGUINTE QUADRO: Na rigidez do esquema, as culturas dos chamados povos primitivos seriam, na atualidade, expressão de estágios e graus de evolução anteriores à civilização. Sob esse mesmo enfoque, a permanência de aspectos culturais primitivos mais avançados (como superstição nas culturas europeias) seria explicada pelo conceito de sobrevivência. O evolucionismo deu importante contribuição ao conhecimento antropológico, ressaltando a importância da cultura, como fenômeno observável, analisável, interpretável, o que lhe confere o estatuto de objeto de estudo científico. ESTÁGIO GRAU DESENVOLVIMENTO Selvagem Baixo Médio Alto Invenção da linguagem Uso do machado Invenção do arco e da flecha Bárbaro Baixo Médio Alto Invenção da cerâmica Pastoreio, agricultura, irrigação Domestificação do ferro Civilização Baixo Médio Alto Invenção da escrita Invenção da pólvora, da bússola, do papel, da imprensa Invenção da máquina, da indústria
  • 50. PEDAGOGIA50 Essa escola possibilitou a utilização do método comparativo como substituto do método experimental, para analisar e explicar os fenômenos culturais em direção a proposições descritivas gerais, ou seja, permitindo a construção de generalizações empíricas sobre cultura e diversidade cultural. A observação sistemática de várias culturas, ainda que em número limitado, permite fazer a generalização de que as sociedades humanas dispõem de um sistema de classificação de seus membros. Isso, aplicado a todas as sociedades humanas, ainda que a comprovação não seja integralmente possível. Críticas ao Evolucionismo As análises evolucionistas, todavia, foram em grande parte deficientes, equivocadas, preconceituosas, dando suporte, por exemplo, a usos vulgares. A vulgarização de concepções estereotipadas deram sustentação ao racismo, justificando-se em uma infundada relação causal entre raça e desenvolvimento cultural, que o próprio evolucionismo científico não postulava. O evolucionismo vulgar supõe uma evolução cultural biologicamente sustentada, o que, por sua vez, implicaria que as diferenças raciais expressassem diferentes estágios de evolução do homem. Tomando o fenômeno do progresso tecnológico da civilização europeia numa relação mecânica com a raça branca, inferiu-se que a raça branca expressava biologicamente mais alto grau de evolução. A tese do evolucionismo científico, no campo social, era de que as disparidades culturais não resultavam de predisposições congênitas, isto é, não eram biologicamente condicionadas. Umas das postulações do evolucionismo científico era a unidade psíquica do homem – todos os homens possuíam as mesmas capacidades mentais.
  • 51. ANTROPOLOGIA | unidade 2 51 As diferenças de progresso cultural são mostras empíricas de estágios tardios, indo da mais ou menos arcaica às mais ou menos civilizadas. Todavia, os termos dessas concepções deram margem a entendimentos equivocados, levando à universalização da inferência da superioridade das sociedades mais civilizadas e da inferioridade dos mais arcaicos ou primitivos, transpondo-se a explicação de modo desordenado, sem nenhuma análise crítica do campo biológico para o campo social. A ideologia etnocêntrica da superioridade das culturas europeias se disseminou como verdade. O etnocentrismo, como princípio classificatório das culturas, relegou todos os povos não europeus a planos inferiores. O etnocentrismo tomou a forma de racismo, ideologia perversa que legitima a violência de homens contra homens, a privação da igualdade de direitos baseada na diferença de cor, na diferença de origem racial, como se a condição de humanidade fosse redutível a traços fenotípicos e os homens fossem uns mais humanos, e outros menos. O caráter apriorístico dos esquemas evolucionistas acabaram por despertar reserva, uma vez que eram elaborados com base em dados fragmentados, coletados sem critério, provenientes de fontes as mais diversas. A ambição por descobrir “leis” universais de desenvolvimento humano passou a ser questionada. A validade da pesquisa de gabinete também começou a ser avaliada criticamente, e seus resultados contestados. Ao eleger as sociedades civilizadas como ápice da evolução, e as sociedades “arcaicas” ou “primitivas” como polo inferior, o evolucionismo forneceu justificativa teórica ao colonialismo que pretendia estender as vantagens da civilização aos povos que ainda não haviam alcançado esse estágio, definido por eles mesmos, como “superior”. Ao definir como objeto as sociedades fora da esfera da civilização, a Antropologia se manifestava a serviço do colonialismo, ela própria profundamente impregnada da ideologia eurocêntrica, segundo a
  • 52. PEDAGOGIA52 qual os povos civilizados europeus constituíam a referência para comparar outros povos. OS PRECURSORES DA ETNOGRAFIA Boas e Malinowski Se existiam, no final do século XIX, homens (geralmente missionários e administradores) que possuíam um excelente conhecimento das populações no meio das quais viviam – é o caso de Codrington, que publica em 1891 uma obra sobre os melanésios; de Spencer e Gillen, que relatam, em 1899, suas observações sobre os aborígines australianos; ou de Junod, que escreve A Vida de uma Tribo Sul- africana (1898), a etnografia propriamente dita só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve, ele mesmo, efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta é parte integrante da pesquisa. A revolução que ocorrerá na Antropologia durante o primeiro terço do século XX é considerável, ela põe fim à repartição das tarefas, até então habitualmente divididas entre o observador colonial (viajante, missionário, administrador e o pesquisador erudito) que, tendo permanecido na metrópole, recebe, analisa e interpreta as informações fornecidas por estes. O pesquisador compreende, a partir desse momento, que ele deve deixar seu gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser considerados não mais como informadores a serem questionados, e sim como hóspedes que o recebem e mestres que o ensinam. Ele aprende, então, como aluno atento, não apenas a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele mesmo. Tratam-se de condições de estudo radicalmente diferentes das que conheciam o viajante do século XVIII e até o missionário
  • 53. ANTROPOLOGIA | unidade 2 53 ou o administrador do século XIX, residindo geralmente fora da sociedade indígena e obtendo informações por intermédio de tradutores e informadores. Em suma, a Antropologia se torna pela primeira vez uma atividade ao ar livre, levada, como diz Malinowski, “ao vivo”, em uma “natureza imensa, viagem e aberta”. Esse trabalho de campo, longe de ser visto como um modo de conhecimento secundário, servindo para ilustrar uma tese, é considerado como a própria fonte de pesquisa. Orientou a partir desse momento a abordagem da nova geração de etnólogos que, desde os primeiros anos do século XX, realizou estadias prolongadas entre as populações do mundo inteiro. Em 1906 e 1908, Radcliffe-Brown estuda os habitantes das ilhas Andaman. Em 1909 e 1910, Seligman dirige uma missão no Sudão. Alguns anos mais tarde, Malinowski volta para a Grã-Bretanha, impregnado do pensamento e dos sistemas de valores que lhe revelou a população de um minúsculo arquipélago melanésio, ou seja, as Ilhas Trobriand no Pacífico Sul, a partir de onde escreveu seu clássico “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”. A partir daí, os trabalhos etnográficos e a publicação das obras que deles resultam seguem em um ritmo ininterrupto. Em 1901, Rivers, um dos fundadores da antropologia inglesa, estuda os Todas, da Índia; após a Primeira Guerra Mundial, Evans-Pritchard estuda os Azandés (trad. Franc. 1972) e os Nuer (trad. Franc. 1968); Nadel, os Nupes da Nigéria; Fortes, os Tallensi; Margaret Mead, os insulares da Nova Guiné etc. Como não é nosso propósito aqui examinar toda a contribuição desses diferentes pesquisadores na elaboração da etnografia e da etnologia contemporâneas, focaremos a atenção sobre dois entre eles, considerados dos mais importantes, um americano de origem alemã: Franz Boas; o outro, polonês naturalizado inglês: Bronislaw Malinowski, os quais passamos a estudar a partir de agora.
  • 54. PEDAGOGIA54 Frans Boas (1858-1942) Boas é considerado um dos mais importantes antropólogos no processo de construção da antropologia. A partir de seus ensinamentos, assistimos a uma verdadeira virada metodológica na prática da antropologia. Suas contribuições foram das mais significativas para o desenvolvimento dos trabalhos de campo. Iniciadas a partir dos últimos anos do século XIX (em particular entre os povos Kwakiutl e Chibook de Colúmbia Britânica), suas pesquisas eram conduzidas a partir de um ponto de vista rigorosamente minucioso. No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado, desde os materiais constitutivos das casas até as notas das melodias cantadas pelos Esquimós, e isso detalhadamente, no detalhe do detalhe. Tudo deve ser objeto da descrição mais meticulosa, da retranscrição mais fiel (por exemplo, as diferentes versões de um mito, ou diversos ingredientes entrando na composição de um alimento). Frans Boas foi o primeiro a formular, com seus colaboradores, uma crítica mais radical e mais elaborada sobre as noções de origem e de reconstituição dos estágios propostas pelos evolucionistas. Ele mostra que um costume só tem significado se for relacionado ao contexto particular no qual está inserido. Lewis Henri Morgan, que foi responsável pela divulgação dos esquemas evolucionistas para as culturas humanas e, muito antes dele, Montesquieu já tinha aberto o caminho a essa pesquisa cujo objeto é a totalidade das relações sociais e dos elementos que a constituem. Mas, a diferença é que, a partir de Boas, entende-se que, para compreender o lugar particular ocupado por um costume, não se pode mais confiar em suposições ou em afirmações produzidas através de relatos de missionários, ou de administradores coloniais. Só é possível ao antropólogo elaborar uma monografia, isto é, dar conta cientificamente de uma microssociedade, apreendida em Frans Boas http://www.webpages. uidaho.edu/~rfrey/ images/220/Franz%20 Boas.jpg
  • 55. ANTROPOLOGIA | UNIDADE 2 55 sua totalidade e considerada em sua autonomia teórica, a partir do contato direto com essa sociedade. Com Frans Boas, começa a surgir, portanto, a etnografia como exercício profissional, que não se limita mais à simples coleta de materiais à maneira dos antiquários, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura que se expressa através desses diferentes materiais. Para ele, não há objeto nobre nem objeto indigno da ciência. As piadas de um contador são tão importantes quanto a mitologia que expressa o patrimônio do grupo. Em especial, a maneira pela qual as sociedades tradicionais, indígenas, africanas, camponesas ou quilombolas classificam suas atividades cotidianas, mentais e sociais, deve ser levada em consideração. Boas anuncia, assim, a constituição do que hoje chamamos de “etnociência”. Ele foi um dos primeiros a mostrar para o etnólogo, não apenas a importância, mas também a necessidade do acesso à língua da cultura na qual trabalha. As tradições que estuda não poderiam ser-lhe traduzidas. Ele próprio deve recolhê-las, na língua falada pelos seus interlocutores. A influência de Boas foi considerável para o reconhecimento da Antropologia como ciência de estudo das culturas humanas. Foi o grande pedagogo que formou a primeira geração de antropólogos americanos na primeira metade do século XX. Malinowski (1884-1942) Malinowski dominou incontestavelmente a cena antropológica de 1922, ano de publicação de sua primeira obra, Os Argonautas do Pacífico Ocidental, até sua morte, em 1942. Foi um dos primeiros a conduzir cientificamente uma experiência etnográfica, a viver com as populações que estudava e a recolher seus materiais a partir do próprio idioma falado no grupo, radicalizou essa compreensão por dentro e, para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo europeu. Malinowski http://www.n-a-u.org/ MALINOWSKI4.JPG
  • 56. PEDAGOGIA56 Fez duas estadias sucessivas nas ilhas Trobriand e ninguém, antes dele, tinha se esforçado em penetrar tanto na mentalidade dos outros e procurar traduzir o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa. Boas procurava estabelecer repertórios exaustivos, e muitos entre seus seguidores nos Estados Unidos procuraram definir correlações entre o maior número possível de variações. Malinowski considera esse trabalho uma aberração. Convém, pelo contrário, segundo ele, mostrar que a partir de um único costume, ou mesmo de um único objeto (por exemplo a canoa trobriandesa), aparentemente muito simples, aparece o perfil do conjunto de uma sociedade. Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade, tal como funciona no momento mesmo onde a observamos. Nessa história sobre a antropologia, podemos fazer uma breve comparação entre James Frazer e Malinowski, com dois dos mais inportantes pensadores da antropologia, desde o seu surgimento no campo científico. Frazer adota uma abordagem rigorosamente inversa, ou seja, seu trabalho consiste em analisar de uma forma intensiva e contínua uma microssociedade sem referir-se a sua história. Enquanto Frazer procurava responder à pergunta: “Como nossa sociedade chegou a se tornar o que é?” e respondia escrevendo O Ramo de Ouro, Malinowski se pergunta o que é uma sociedade dada em si mesma e o que a torna viável para os que a ela pertencem, observando-a no presente, através da interação dos aspectos que a constituem. Frazer, quando questionado por que ele próprio, não observava as sociedades a partir das quais tinha construído sua obra. Respondia: “Deus me livre”! ou seja, Frazer era um homem de gabinete, que escreveu 14 volumes de uma obra das mais importantes da Antropologia, sobre magia e religião entre sociedades primitivas, sem nunca ter tido contato com elas. Com Malinowski, a Antropologia se torna uma “ciência” da tradução do pensamento e da cultura do outro, do diferente,
  • 57. ANTROPOLOGIA | unidade 2 57 em termos de sua própria especificidade. Assim, vira as costas ao empreendimento evolucionista de reconstituição das origens da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares características de cada cultura. O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas, é que os costumes dos Trobriandeses, tão profundamente diferentes dos nossos, têm uma significação e uma coerência, são sistemas lógicos perfeitamente elaborados. Atualmente, todos os etnólogos estão convencidos de que as sociedades diferentes da nossa, são sociedades humanas tanto quanto a nossa, e que os homens e mulheres que nelas vivem são adultos que se comportam diferentemente de nós, e não “primitivos”, autômatos atrasados, que pararam em uma época distante e vivem presos a tradições estúpidas. A fim de pensar essa coerência interna das culturas, Malinowski elabora uma teoria (o funcionalismo) que tem seu modelo nas ciências da natureza. Segundo ele, o indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente a função de satisfazer, a sua maneira, essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educativas...), fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, soluções originais para atender a essas necessidades. Uma outra característica do pensamento desse pesquisador é sua preocupação em abrir as fronteiras disciplinares, propondo os estudos sobre o homem através da tripla articulação do social, do psicológico e do biológico. Convém, em primeiro lugar, para Malinowski, localizar a relação estreita do social e do biológico; o que decorre do ponto anterior, já que, para ele, uma sociedade funciona como um organismo, onde as relações biológicas devem ser consideradas, não apenas como o modelo explicativo, que permite pensar as relações sociais, mas como o seu próprio fundamento. Além disso, uma verdadeira ciência da sociedade inclui o estudo das motivações psicológicas, dos comportamentos, o estudo
  • 58. PEDAGOGIA58 dos sonhos e dos desejos do indivíduo. E Malinowski, quanto a esse aspecto, vai muito além da análise da efetividade de seus interlocutores. Ele procura reviver nele próprio os sentimentos dos outros, fazendo da observação participante um mergulho do pesquisador no interior da cultura e do outro, compartilhando seus sentimentos, seus códigos de linguagem e comunicação e interiorizando suas reações emotivas. Compreendendo que o único modo de conhecimento aprofundado sobre o outro é a participação na sua existência, Malinowski inventa, literalmente, e é o primeiro a pôr em prática o método de observação participativa, dando-nos o exemplo do que deve ser o estudo intensivo de uma sociedade que nos é estanha. Malinowski ensinou os antropólogos a olhar o outro na riqueza de ser diferente. Deu-lhes o exemplo daquilo que devia ser uma pesquisa de campo, que não tem mais nada a ver com a atividade do “investigador” questionando “informadores”. É preciso dedicar- se à observação de fatos sociais, aparentemente minúsculos e insignificantes, cujos significados só podem ser encontrados nas suas posições que ocupam na sociedade como um todo. Assim, as canoas trobriandesas (das quais falamos acima) são descritas em relação ao grupo que as fabrica e ao ritual mágico que as consagra, às regulamentações que definem sua posse etc., algumas transportando de ilha em ilha colares de conchas vermelhas, outras, transportando pulseiras de conchas, efetuando em sentidos contrários percursos invariáveis, passando necessariamente de novo por seu local de origem, fechando um círculo de relações sociais. Malinowski mostra que estamos frente a um processo de troca generalizado, que não se restringe apenas à dimensão econômica, pois nos permite encontrar os significados políticos, mágicos, religiosos e estéticos do grupo inteiro. Finalmente, uma das grandes qualidades de Malinowski é sua faculdade de restituição da existência desses homens e dessas mulheres, que puderam ser conhecidos apenas através de uma relação e de uma experiência pessoais.
  • 59. ANTROPOLOGIA | unidade 2 59 Essa exigência de conduzir um projeto científico sem renunciar à sensibilidade artística é que define a etnologia. Malinowski ensinou a muitos, não apenas a olhar, mas a escrever, restituindo às cenas da vida cotidiana seu relevo e sua cor. “Um historiador”, escreve Raymond Firth, “pode ser surdo, um jurista pode ser cego, um filósofo pode a rigor ser surdo e cego, mas é preciso que o antropólogo entenda o que as pessoas dizem e veja o que fazem”. Ora, a grande força de Malinowski foi ter conseguido fazer ver e ouvir aos seus leitores aquilo que ele mesmo tinha visto, ouvido, sentido. Abordagem Funcionalista No início do século XX, o movimento de contestação ao evolucionismo, feito por antropólogos insatisfeitos com o encaminhamento teórico-metodológico da disciplina, centrou- se em torno de dois núcleos argumentativos: os antropólogos evolucionistas lidavam com dados colhidos por outros. Era essencial e indispensável que os antropólogos colhessem, eles próprios, os dados; tornava-se cientificamente necessário aos estudos antropológicos o deslocamento metodológico da investigação de gabinete para pesquisa de campo. O conceito de cultura se desenvolve no sentido teórico de pensar a cultura como sistema composto de unidade (traços culturais) que interagem uns com os outros, formando combinações e sínteses. Decifrar o funcionamento dos sistemas passa a ser o desafio da Antropologia. Desenvolve-se, então, o conceito de função e o método funcionalista, que podem ser definidos como “metodologia de exploração da interdependência”, para compreender como as sociedades funcionam.
  • 60. PEDAGOGIA60 Uma característica do funcionalismo é a preocupação em mostrar que as sociedades humanas e suas respectivas culturas existem como um corpo orgânico, constituído de partes interdependentes. As partes não podem ser plenamente compreendidas separadamente do todo, e o todo deve ser compreendido em termos de suas partes, suas relações uma com a outra e com o sistema sociocultural em conjunto. A cultura é concebida como um todo integrado, cujos traços estão funcionalmente relacionados. Avança-se, portanto, da ideia evolucionista da cultura como todo complexo, cuja relação entre seus elementos não é questionada, para a ideia funcionalista de cultura como sistema vivo e dinâmico, cujos elementos são inter- relacionados, preenchendo cada qual uma função específica no esquema integral. A Antropologia, ao invés da preocupação com as origens e evolução das culturas, passou a preocupar-se em responder às questões de como funcionam os sistemas culturais e de que forma chegaram, em sua diversidade, a ser o que são. Malinowsky procura dar uma resposta a essas questões, elaborando a teoria funcionalista da cultura. Seguindo o modelo das ciências da natureza, na perspectiva de que a cultura determina e causa a cultura, Malinowsky parte do pressuposto que os indivíduos sentem, em qualquer tempo, em qualquer lugar, dadas necessidades, e que em diferentes tempos, em diferentes lugares os homens elaboram coletivamente suas respostas a essas necessidades. De acordo com Malinowski, cada cultura tem como função sistemática satisfazer essas necessidades fundamentais, e cada uma o faz à sua própria maneira. Vejamos os quadros ilustrativos? NECESSIDADES BÁSICAS RESPOSTAS CULTURAIS Metabolismo Abastecimento Reprodução Parentesco Bem-estar corporal Abrigo Seguridade Proteção Movimento Atividades Crescimento Exercitação Saúde Higiene
  • 61. ANTROPOLOGIA | unidade 2 61 Nenhum sistema cultural é superior ou inferior ao outro, pois responde adequadamente às necessidades da sociedade que o desenvolveu, de acordo com seus interesses. O fato de desenvolver suas próprias respostas culturais torna todos os grupos humanos culturalmente diferenciados, iguais em capacidade. As diferenças de desenvolvimento material e técnico foram esvaziadas do conteúdo hierarquizante que o evolucionismo lhes atribuía. São abordadas como dados de significação relativa, em conformidade com a função que desempenha no sistema cultural de que é parte. Outros antropólogos funcionalistas contribuíram sobremaneira para a compreensão das instituições sociais como respostas organizativas. Radacliffe-Brown, por exemplo, contribuiu para a abordagem dos sistemas culturais como sistemas de integração social. O conceito de organização social é tomado como chave de explicação do sistema cultural. Os antropólogos funcionalistas universalizam a etnografia como prática antropológica, demonstrando a pesquisa de campo como ponto de partida para análise e explicações científicas dos processos culturais. Somente a pesquisa de campo permite a compreensão da lógica particular da cultura que está sendo estudada. Parte-se, portanto, do princípio de que cada cultura tem sua própria lógica característica, o que desloca a questão do relativismo cultural a NECESSIDADES BÁSICAS RESPOSTAS ORGANIZATIVAS Produção, uso, manutenção e renovação dos utensílios e bens de consumo. Economia Codificação das normas de comportamento e sanções relativas. Controle social Conhecimento e transmissão da tradição. Educação Autoridade e poder para cada instituição Organização política
  • 62. PEDAGOGIA62 um patamar de investigação, para além da simples constatação de sua ocorrência como fenômeno. Esse pensamento associa ao conceito de cultura a noção de processo, como modos de pensar, de sentir, de agir característicos de uma cultura, e cada processo como elemento estrutural da organização social. Por isso mesmo, os estudos funcionalistas, por fornecerem aos governos coloniais o conhecimento do funcionamento da cultura dos povos colonizados, permitiram-lhes, em alguns casos, melhor controle e maior domínio sobre estes. Por outro lado, ao se empenharem em demonstrar a constituição sistemática da cultura, os antropólogos funcionalistas não reconheciam o conflito como elemento da dinâmica social. Para eles, a sociedade está sempre em equilíbrio. O conflito é apreendido pela ótica positivista de perturbação da ordem, sem se questionar se a ordem é justa ou não. Se o funcionalismo ganhou espaço por oferecer aos pesquisadores um sentido para os dados sociais e culturais, uma chave de explicação para a prática etnocêntrica começou a perder interesse pela redução da etnografia a descrições simplistas de relações e correlações culturais, como um fim em si mesmas, sem nenhuma perspectiva de comparações empíricas, conduzindo os estudos da cultura a um empirismo limitado e pobre. Abordagem Estruturalista É a partir da análise das relações sociais, sob o enfoque de sua função estrutural, que se articulam as bases para o desenvolvimento estruturalista do conceito de cultura. De acordo com Lévi-Strauss, reconhecidamente o principal teórico do estruturalismo, “a noção de estrutura não se relaciona com a realidade empírica, ou seja, não pode ser observada como algo concreto, mas deve ser pensada como um modelo de análise, Lévi-Strauus http://www. libreriahebraica. com/catalog/images/ claude.jpg