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Universidade Presbiteriana Mackenzie


ENTRE A PALAVRA E A PEDRA: PIETÀ

Willians Calazans de Vasconcelos de Melo (IC) e Alexandre Huady Torres Guimarães (Orientador)
Apoio: PIVIC Mackenzie


Resumo

Cinco séculos depois de Michelangelo ter esculpido Pietà, Milton Nascimento gravou a canção
“Pietà”, cuja letra incorpora elementos da devoção mariana ao mesmo tempo que dialoga com a obra
de Michelangelo. Estabelecendo um diálogo que se corporifica na confluência das linguagens verbal,
musical e visual, a canção de Milton Nascimento retoma alguns dos valores presentes na escultura
de Michelangelo. Estudos que contemplem tal manifestação dialógica ainda são incipientes quando
comparados à vasta corrente crítica do texto verbal, tendo estimulado, deste modo, o
desenvolvimento do presente trabalho. Alicerçado nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho foi
investigar a relação dialógica entre a escultura Pietà, de Michelangelo, e a letra da canção homônima,
de Milton Nascimento, partindo-se do seguinte questionamento: em que medida cada um dos textos
em questão se apropria dos elementos da devoção mariana e dialogam entre si? Para investigar a
relação entre a escultura e a letra da canção, inicialmente foi realizada uma pesquisa sobre a figura
de Maria, respaldada pelos atuais estudos da Mariologia. Partindo para a noção de dialogismo e
intertextualidade, recorreu-se à teoria de Bakhtin, Kristeva e demais estudiosos. Em seguida, partiu-
se para a análise da escultura e da letra da canção. Finalmente, teceram-se considerações a respeito
da análise realizada.

Palavras-chave: Pietà, Michelangelo, Milton Nascimento


Resumen

Cinco siglos después de Miguel Ángel tener esculpido Piedad, Milton Nascimento grabó la canción
“Pietà”, cuya letra incorpora elementos de la devoción mariana al mismo tiempo que dialoga con la
obra de Miguel Ángel. Estableciendo un diálogo que se corporifica en la confluencia de los lenguajes
verbal, musical y visual, la canción de Milton Nascimento retoma algunos de los valores presentes en
la escultura de Miguel Ángel. Estudios que contemplen tal manifestación dialógica son todavía
incipientes cuando comparados a la vasta corriente crítica del texto verbal, estimulando, pues, este
trabajo. Basado en eso, el objetivo de este trabajo fue investigar la relación entre la escultura Piedad,
de Miguel Ángel, y la letra de la canción homónima, de Milton Nascimento, partiéndose del siguiente
cuestionamiento: en qué medida cada uno de los textos se apropia de los elementos de la devoción
mariana y dialogan entre sí. Para investigar la relación entre la escultura y la letra de la canción,
inicialmente fue realizada una pesquisa sobre la figura de María, respaldada por los actuales estudios
de Mariología. Partiendo para la noción de dialogismo e intertextualidad, se recorrió a la teoría de
Bajtín, Kristeva y demás estudiosos. En seguida, se partió para el análisis de la escultura e de la letra
de la canción. Finalmente, se hicieron consideraciones acerca del análisis.

Palabras-llave: Piedad, Miguel Ángel, Milton Nascimento




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INTRODUÇÃO



Cinco séculos depois de Michelangelo ter esculpido Pietà, Milton Nascimento, expoente da
música popular brasileira, gravou a canção “Pietà”, cuja letra incorpora elementos da
devoção mariana ao mesmo tempo que dialoga com a obra de Michelangelo.

A escultura Pietà é um dos marcos da produção renascentista, consolidada como importante
patrimônio artístico da cultura ocidental. Sua composição revela a maestria de um dos
maiores artistas do Renascimento, consagrado pela crítica de arte especializada.

A temática de Pietà caracteriza-se como um dos episódios mais conhecidos no mundo
cristão: a morte de Jesus Cristo. A cena representada pela escultura ganha maior relevância
por reconstruir a atmosfera de dor, amor e piedade na qual está embebida a figura de Maria,
em relação à crucificação de seu filho, manifestada, sobretudo, na larga devoção presente
no Catolicismo a esta figura de mãe piedosa.

Estabelecendo um diálogo que se corporifica na confluência das linguagens verbal, musical
e visual, a canção de Milton Nascimento retoma alguns dos valores presentes na escultura
de Michelangelo. Estudos que contemplem tal manifestação dialógica ainda são incipientes
quando comparados à vasta corrente crítica do texto verbal, tendo estimulado, deste modo,
o desenvolvimento do presente trabalho, a fim de contribuir com a reflexão nesta área.

Alicerçado nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho foi investigar a relação dialógica
entre a escultura Pietà, de Michelangelo, e a letra da canção homônima, de Milton
Nascimento, partindo-se do seguinte questionamento: em que medida cada um dos textos
em questão se apropria dos elementos da devoção mariana e dialogam entre si?

Para investigar a relação entre a escultura e a letra da canção, inicialmente foi realizada
uma pesquisa sobre a figura de Maria, respaldada pelos atuais estudos da Mariologia. Tal
procedimento se fez necessário para melhor compreender as devidas proporções em
relação à devoção a esta figura, tratada pelos católicos como Nossa Senhora, avalizando a
análise dos elementos marianos em ambas as obras em questão.

Concebendo cada uma das obras, corpus de análise, como texto, foi necessária uma
pesquisa à luz das teorias linguísticas em relação à noção de texto e, consequentemente,
de intertextualidade.

Além de conceituar o texto, foi preciso identificar as especificidades que compõem o texto
da canção e o texto da escultura, para melhor analisar os mecanismos produtores de
sentido em cada uma destas expressões, uma vez que



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                       todo código é constituído de signos que criam sua própria sintaxe e maneira
                       de representar; logo, para decodificar qualquer sistema, é necessário
                       identificar o signo e a sintaxe que o constituem e lhe dão realidade
                       (FERRARA, 2007, p. 14).
Partindo para a noção de dialogismo e intertextualidade, recorreu-se à teoria de Bakhtin,
Kristeva e demais estudiosos.

Em seguida, partiu-se para a análise da escultura e da letra da canção. Finalmente,
teceram-se considerações a respeito da análise realizada.



MARIA



Incorporada ao imaginário coletivo como o arquétipo da mãe piedosa por excelência, Maria
transcende os limites puramente religiosos, manifestados na devoção a Nossa Senhora,
para adentrar nos meandros da cultura ocidental como um todo, resvalando nas expressões
artísticas de maneira variada: pintura, escultura, poesia, música etc.

De acordo com a narrativa bíblica, Maria foi escolhida para ser a mãe de Jesus Cristo, o
filho de Deus. Ainda virgem, um anjo enviado pelo Senhor lhe anunciou que ela conceberia
e daria à luz um menino, segundo a ação do Espírito Santo. Em resposta a tal anunciação,
Maria declarou-se subserviente aos desígnios divinos: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se
em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38).

O relato sobre Maria faz parte da narração dos quatro Evangelhos do Novo Testamento. No
Evangelho de Lucas encontram-se elementos mais detalhados sobre a mãe de Jesus, que
melhor avalizam a interpretação das Escrituras a respeito da figura mariana e dão base à
devoção a Nossa Senhora. As palavras presentes na Declaração de Acordo da Comissão
Internacional Anglicano-Católica Romana são contundentes a respeito:

                       Na narrativa do nascimento em Lucas, Maria é ressaltada desde o início.
                       [...] Ela recebe a mensagem do anjo e responde com obediência humilde
                       (Lc 1, 38). Ela viaja sozinha da Galileia à Judeia para visitar Isabel (Lc 1, 40)
                       e, em seu cântico, proclama a reviravolta escatológica que estará no âmago
                       da proclamação do Reino de Deus por seu filho. Maria é aquela que vê nas
                       entrelinhas dos acontecimentos (Lc 2, 19.51) e representa a interioridade da
                       fé e do sofrimento (Lc 2, 35) (2005, p. 18).
Dessa forma, Maria acaba por tornar-se a figura feminina de maior relevância dentro do
Novo Testamento. Sua presença também é percebida na narrativa do Antigo Testamento,
por meio das palavras do profeta Isaías, que assim declara: “Por isso, o próprio Senhor vos
dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ‘Deus Conosco’ (Is
7, 14)”.



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Maria, no seu pronto ato de obedecer a Deus, é vista como uma espécie de anti-Eva. Ao
passo que a desobediência de Eva no Paraíso trouxe o pecado para o mundo, e, com ele, a
proliferação do mal e do sofrimento, o sim de Maria presenteia a terra com a salvação da
humanidade, o próprio Jesus.

Mais adiante, no Evangelho de João, Maria está presente em dois importantes momentos da
vida de Jesus Cristo: nas bodas de Caná e na crucificação.

Em Caná, ela pede que seu filho intervenha na falta de vinho que havia ocorrido na
celebração das bodas. Mesmo não sendo ainda o momento de operar um milagre, eis que,
mediante a solicitação de sua mãe, compadecida diante da triste situação que se
descortinaria em tal evento, Jesus transforma a água em vinho da melhor qualidade.

A comunidade católica enxerga nesta cena importantes aspectos da relação entre Maria e
Jesus. Notam-se o respeito e a obediência próprios de um filho no que se refere a uma
solicitação materna. Daí emerge o caráter intercessor hoje inerente à figura mariana:
“[Maria] Apresenta-se como uma mãe que tem ascendência sobre o filho, sente-se em
comunhão com ele e procede como quem se sente segura de conseguir um grande favor”
(LARRAÑAGA, 1987, p. 24).

A mãe de Jesus permanece presente nos momentos cruciais da trajetória de seu filho. No
auge do sofrimento, Maria se encontra aos pés da cruz de Cristo, conforme o relato de João
(19, 25).

Até o último momento de sua vida, no apogeu de seu padecimento, Cristo debruçou sobre
Maria o olhar de um filho preocupado com o bem-estar de sua mãe. Ao mesmo tempo que
Maria manifestou todo o seu amor e piedade em relação às dores de seu filho,
compartilhando também ela desta dor. Sua presença quando da crucificação permite
perceber que, grosso modo, Maria foi “crucificada” ao lado de Jesus, percorrendo este
destino trágico com ele. Cumprindo, assim, a profecia de Simeão a ela dirigida: “E uma
espada transpassará a tua alma” (Lc 2, 35).

Na cena do Calvário, Maria “ocupa um lugar além da linguagem” (BEATTIE, 2001, p. 133).
Este lugar além-linguagem manifesta-se, sobretudo, na devoção a Nossa Senhora, na
construção paulatina da imagem da mãe de Cristo, imagem esta já entretecida de tons
míticos, legitimada pela tradição e pelos anseios da humanidade necessitada de uma figura
materna. A face maternal de Deus se completa na incompletude de informações acerca da
mulher escolhida para dar início a uma nova era entre o divino e o humano.

Quer segundo a Teologia, quer segundo a tradição popular, Maria caracteriza-se como uma
das figuras mais intrigantes da humanidade, revestida dos sentimentos que acompanham a
trajetória humana, no seu contexto histórico, ora caracterizada por expressões que lhe
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enaltecem o silêncio (LARRAÑAGA, 1987), ora consoante um olhar moderno-feminista,
capaz de enxergar na mãe de Jesus a força revolucionária da mulher: “Maria não é
subordinada nem subjugada, mas surge como um agente autônomo na presença de Deus,
sem qualquer necessidade de um homem para torná-la completa” (BEATTIE, 2001, p. 30).

Assim, para se estabelecer um perfil fidedigno da figura mariana, faz-se necessário articular
os pontos sobressalentes das distintas visões que se entrecruzam no eterno indagar, ainda
longe de uma resposta peremptória: “Quem foi Maria? Foi a mulher que deu um Sim a seu
senhor, e depois foi fiel a essa decisão até as últimas consequências e até o fim de seus
dias” (LARRAÑAGA, 1987, p. 65).



TEXTO



O texto se caracteriza como um todo organizado de sentido, uma unidade de comunicação
que se espraia em diferentes manifestações, tanto no plano verbal quanto nos planos visual
e sonoro.

O texto é definido, dicotomicamente, como objeto de significação, no que diz respeito à sua
organização interna que lhe confere um sentido, e como objeto de comunicação, em relação
ao seu contexto extralinguístico (BARROS, 2008). Cada tipo de texto estrutura-se de
maneira distinta. Diferentemente do texto verbal, o texto visual veicula seu conteúdo por
meio da relação entre cores, formas, linhas e volumes, caso da pintura e da escultura, por
exemplo (DISCINI, 2005).

Comparado ao texto verbal, o texto visual apresenta maior facilidade de assimilação de sua
mensagem por parte do receptor, uma vez que o leitor do texto verbal necessita de outros
recursos de decodificação do sentido:

                       Mas o discurso é frágil se comparado ao efeito do ícone que seduz com a
                       sua pura presença, dá-se sem tardança à fruição do olho, guardando
                       embora a transcendência do objeto. A imagem impõe-se, arrebata. O
                       discurso pede a quem o profere, e a quem o escuta, alguma paciência e a
                       virtude da esperança (BOSI, 2000, p. 33).
Eco (1999, p. 9) alerta que “todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça
parte de seu trabalho”, aludindo ao fato de que o sentido final de um texto, lato sensu, se
constrói na relação entre este e o leitor. O arcabouço cultural-cognitivo, bem como as
expectativas de leitura do receptor, interferem sobremaneira na compreensão final da
mensagem.




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Em todos os tipos de texto é possível observar uma articulação que lhes garante uma
tessitura (interna e externa), responsável por veicular um sentido e transmitir uma
mensagem.



DIALOGISMO E INTERTEXTUALIDADE



Entendendo, didaticamente, texto e discurso como sinônimos, pode-se entrever, grosso
modo, nestas palavras de Bakhtin o cerne do conceito de dialogismo: “Em todos os seus
caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de
outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa” (apud
FIORIN 2006, p. 18).

Segundo a noção de dialogismo, todo e qualquer discurso está embebido do discurso do
outro, estabelecendo uma relação tanto de afirmação quanto de negação entre os discursos:
“Mesmo que elas [vozes discursivas] não se manifestem no fio do discurso, estão aí
presentes” (FIORIN, 2006, p. 24).

Alargando a noção de dialogismo, Julia Kristeva, estudiosa da teoria bakhtiniana, denomina
o conceito de dialogismo por meio do termo intertextualidade. Segundo Kristeva, “todo texto
se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro
texto” (apud BARALDI, 2008, p. 16). A noção de intertextualidade em Kristeva procura
verificar de que modo ocorreu a incorporação de um texto em outro sem pautar-se em
aspectos valorativos, isto é, independentemente de se estabelecer uma relação entre o que
é considerado original ou imitação (PERRONE-MOISÉS, 2006).

Fiorin (2003), por sua vez, define a intertextualidade como a incorporação de elementos de
um texto em outro, tanto no intuito de reafirmar o sentido incorporado quanto para modificar
tal sentido. Percebe-se, portanto, uma sinonímia entre os termos dialogismo e
intertextualidade. No entanto, o segundo, depois da difusão do pensamento de Kristeva,
passou a ser utilizado em substituição ao primeiro.

Entretanto, Fiorin (2006) prefere manter uma distinção entre dialogismo e intertextualidade.
O linguista argumenta que a noção de dialogismo entende o discurso como enunciado,
englobando manifestações que vão desde o discurso oral até o discurso pictórico, por
exemplo. Já a noção de intertextualidade, segundo o autor, estaria mais vinculada ao texto
em sua materialidade verbal. Para distinguir tais conceitos, Fiorin propõe o termo
interdiscursividade:



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                       Isso pressupõe que toda intertextualidade implica a existência de uma
                       interdiscursividade (relações entre enunciados), mas nem toda
                       interdiscursividade implica uma intertextualidade. Por exemplo, quando um
                       texto não mostra, no seu fio, o discurso do outro, não há intertextualidade,
                       mas há interdiscursividade (2006, p. 52).
A par das diferenças nomenclatórias, permanece o princípio dialógico do texto/discurso e
sua relação mútua e constante entre os demais textos/discursos produzidos.



ESCULTURA



A origem da palavra escultura está no verbo latino sculpere, que significa entalhar (DONDIS,
1997). Ela promove a representação imediata de um elemento, por meio de sua
materialidade tridimensional.

Os materiais próprios da escultura são os diferentes tipos de pedras e metais, tais como o
mármore e o bronze, que conferem a esta manifestação artística um aspecto
monocromático, além da já mencionada tridimensionalidade, distinguindo-a, portanto, da
pintura. O mármore assume maior relevância no terreno da escultura por promover um tipo
de brilho e suavidade inerentes às características de tal pedra, além de tornar mais visível a
incidência de luz que contribui para um jogo de tonalidades e gradações (HEGEL, 1993).

A Antiguidade privilegiou sobremaneira tal manifestação de arte, pautando-se numa visão
idealizada, que valorizava a figura humana no auge de sua perfeição, valorização esta
retomada pela estética renascentista. Ao mencionar a escultura sacra, produzida a partir do
período gótico, Hegel conclui que ela não conseguiu atingir o mesmo nível de expressão
que possuía no período clássico, servindo mais como acessório às pinturas sacras do que
se mantendo uma arte autônoma. Entretanto, o filósofo vê em Michelangelo a exceção a
esta regra, devido a uma nova conjugação que o artista deu aos princípios clássicos e
cristãos:

                       Mas para os temas religiosos, é preciso todo o espírito, toda a força de
                       imaginação, todo o poder, toda a profundidade, a ousadia e a virtuosidade
                       de um mestre como Michelangelo, para realizar, com uma singularidade tão
                       produtiva, a união do princípio plástico dos antigos e da expressiva
                       interioridade que caracteriza a arte romântica (HEGEL, 1993, p. 440).
Para que a escultura atinja o seu fim estético é imprescindível que ela seja produzida
levando-se em consideração o espaço onde permanecerá, por se tratar de uma
manifestação de arte cuja dimensão pode ser vista e, principalmente, tocada.
Diferentemente da pintura, da fotografia e do cinema, que tão somente sugerem as três
dimensões, por meio do trabalho com o efeito de perspectiva e com os jogos de luz e
sombra (DONDIS, 1997).

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RENASCIMENTO E PIETÀ



A época renascentista é caracterizada, sobretudo, por uma forte influência de novos modos
de pensar, regidos pelo conhecimento de caráter científico, em detrimento do aspecto
dogmático-religioso. Formava-se o sistema capitalista, resultado da derrocada do
feudalismo. Casas comerciais surgiram, trazendo consigo uma nova estrutura econômica,
protagonizada por uma nova classe social: a burguesia (BARBEIRO, 2004).

No campo das artes, o Renascimento procurou resgatar elementos da cultura greco-
romana, além da valorização do homem e da natureza:

                        Trabalhando ora o espaço, na arquitetura, ora as linhas e as cores, na
                        pintura, ou ainda os volumes, na escultura, os artistas do Renascimento
                        sempre expressaram os maiores valores da época: a racionalidade e a
                        dignidade do ser humano (PROENÇA, 2002, p. 78).
Inovações na representação artística surgiram no momento em que passou a existir uma
articulação entre esta e as regras matemáticas da perspectiva, os segredos da anatomia
humana e a revisitação às fontes clássicas greco-romanas (GOMBRICH, 1999).

Assim influenciada, a arte deixou de ser considerada como algo estanque, detentora de um
equilíbrio incontestável. Doravante, a arte se dá por meio de incessante pesquisa “da própria
natureza, dos próprios fins e processos, da própria razão de ser no devir da história”
(ARGAN, 2003, p. 21).

Decorre em meio a esta efervescência cultural a definitiva legitimação do ofício do artista, do
profissional que se dedica ao estudo e à produção de arte como forma de subsistência,
inserido o seu labor sob uma perspectiva não somente artístico-filosófica, desinteressada,
mas também sob um olhar econômico-mercantilista. Representantes da época renascentista
conhecida como Quinhentos foram, entre outros, Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael,
cujas obras alcançaram limites até então desconhecidos pela história da arte italiana e pela
cultura ocidental.

Singular em relação à tríade mencionada é Michelangelo Bounarroti (1475-1564). Ele foi
aprendiz de Domenico Ghirlandaio (1449-1494), um dos principais nomes do período
conhecido como Quatrocentos florentino. O artista, a fim de retratar com alta fidedignidade a
figura humana em suas obras pictóricas e escultóricas, dedicou-se durante muito tempo ao
estudo da anatomia humana, mediante pesquisas envolvendo a dissecação de cadáveres,
além de acurados estudos sobre estatuária grega, fiel na representação de movimentos do
corpo humano, “com todos os seus músculos e tendões” (GOMBRICH, 1999, p. 304).




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Universidade Presbiteriana Mackenzie


Um dos resultados de seus estudos sobre escultura é a famosa Pietà, hoje presente na
Basílica de São Pedro, no Vaticano.

Concebida quando o artista tinha 23 anos, a escultura Pietà cristaliza de forma ímpar, até
então inédita no cenário da arte italiana, a atmosfera piedosa que paira sobre a figura de
Maria, mãe de Jesus Cristo. A este respeito comenta Proença (2002, p. 92):

                       A Pietà [...] mostra um surpreendente trabalho de escultura em mármore, ao
                       registrar o drapeado das roupas, os músculos e as veias dos corpos. [...]
                       Desobedecendo à passagem do tempo, retrata a mãe de Jesus como uma
                       mulher jovem, cuja expressão de docilidade contrasta com o assunto da
                       cena.
A força de Pietà serve como divisor de águas no que diz respeito ao modo de representar a
figura de Maria:

                       Representações de Maria ao pé da cruz e sua imagem tradicional
                       recebendo o corpo crucificado de Jesus (a Pietà) evocam o sofrimento de
                       uma mãe diante da morte de seu filho. Anglicanos e católicos romanos, da
                       mesma maneira, são atraídos pela mãe de Cristo, como uma figura de
                       ternura e compaixão (COMISSÃO INTERNACIONAL ANGLICANO-
                       CATÓLICA ROMANA, 2005, p. 57).
Cada detalhe da escultura impressiona. O contraste entre a figura jovem de Maria e a
tragicidade da cena produzem um efeito de equilíbrio singular à obra:

                       Nossa Senhora mantém no colo o Cristo morto, como se fosse um menino
                       adormecido; ela é jovem, como quando Cristo era menino. Talvez a estátua
                       queira ser exatamente isto: uma visão, ou melhor, a previsão ou a
                       prefiguração que a Virgem tem da paixão do Filho. À previsão liga-se
                       imediatamente o lamento: o gesto demonstrativo da mão de Nossa Senhora
                       diz que a previsão se tornou, infelizmente, verdadeira (ARGAN, 2003, p. 27-
                       28).
O tamanho original da escultura é 1, 74 m de altura. A
estátua apresenta um formato triangular, piramidal. Este
formato pode ser associado às três pessoas divinas da
Santíssima Trindade, numa alusão indireta ao fato de Maria
manter um vínculo com Deus Pai, que a escolhera como
mãe de seu filho; Deus Espírito Santo, que, agindo em
Maria, a fez conceber ainda virgem; e Deus Filho, como
                     matriz de sua carne: “Maria dá vida à
                     estrutura que fundará a nova proposta de mundo” (GUIMARÃES,
                     2008, p. 8).

                     Para estabelecer uma relação harmônica e proporcional entre os
                     corpos retratados na escultura, o artista acomodou a figura de Jesus
                     no manto de Maria, reforçando, deste modo, a ligação presente entre
                     mãe e filho (BARRETO; OLIVEIRA, 2004).


                                                                                                9
As mãos da Virgem apresentam posições e funções antagônicas. A mão direita, a apoiar o
                                    cadáver de Cristo, está nitidamente fazendo força para
                                    sustentá-lo, tanto que chega a afundar na leveza de seu
                                    manto. A mão esquerda, ao contrário, denota um gesto
                                    de leveza, como se apresentasse o corpo de seu filho,
                                    morto, “convidando o espectador à mesma estupefação”
                                    (BARRETO; OLIVEIRA, 2004, p. 187).

Apesar de morto, Cristo parece estar adormecido nos braços de sua
mãe. A cena representada na escultura registra horas depois da
descida do corpo de Jesus da cruz, uma vez que ainda parece correr-
lhe sangue nas veias.

Em contrapartida à tragicidade da cena, a figura de Maria reveste-se
de docilidade pelo já mencionado drapeado das roupas, que promove
um tom etéreo ao momento retratado. A feminilidade da mãe de Jesus

                                      é percebida na jovialidade que emana de seu rosto,
                                      nos detalhes da composição de sua face.

                                      Contemplativa, Maria mostra-se resignada ante o
                                      término de todas as dores de seu filho. O olhar parado,
                                      capturado pelas mãos de Michelangelo, parece tomar
                                      de empréstimo a última frase de Cristo: “Tudo está
consumado” (Jo 19, 30).

Numa profícua relação entre forma e conteúdo, Michelangelo
deixa marcas indeléveis no cenário da arte ocidental. Trabalhando
um tema de largo alcance entre os adeptos do Catolicismo, o
artista soube conjugar de maneira ímpar toda a atmosfera
arquetípica de piedade que paira sobre a figura de Maria:

                        Pietà é a metáfora da dor materna que não tem
                        nome. A morfologia de um sofrimento agudo
                        que nos retira a fala e que nos dificulta as
                        respostas. [...] Pietà só é bela porque
                        conhecemos a sua continuidade. O filho
                        ressurgiu. Aquele momento não é definitivo. A dor é a ponte que a fez
                        chegar ao lugar mais belo de seu coração. É a vida (MELO, s/d, p. 1).




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Universidade Presbiteriana Mackenzie


MÚSICA, LITERATURA E PIETÀ



A canção é um texto sincrético por excelência, por ancorar-se em duas linguagens distintas,
porém, complementares: a verbal e a musical. A primeira realiza-se mediante o processo de
arranjo e significação das palavras. A segunda, “além de seu significado próprio, expresso
em suas formas, comunica sentidos que, de alguma maneira, reportam-se ao mundo
extramusical dos conceitos [...]” (TINOCO; ALEXANDRIA, s/d, p. 1-2).

Desprovida do acompanhamento musical, a letra da canção passa a carregar seu
significado rítmico por meio do arranjo das palavras, predominando o aspecto literário do
texto. Ora em conjunto, ora separadas, letra e melodia representam a dicotomia entre
música e literatura, as quais, no dizer de Oliveira (2003, p. 22), constituem-se “artes irmãs”.
A expressão gênero lírico, por exemplo, ao designar a produção de caráter poético, faz
alusão direta à lira, instrumento que acompanhava a entoação destes textos:

                       Na música, assim como na literatura, revela-se a estrutura de um todo
                       indivisível, típica manifestação de organismo atuante. Expressão criada
                       globalmente, cada uma de suas partes se constituem em elementos
                       inseparáveis de apreensão musical e sensação estética. A literatura, arte da
                       musicalidade subjetiva, implícita, repete tal integração todo-partes
                       constitutivas (TINOCO; ALEXANDRIA, s/d, p. 1).
Cada estética literária privilegiou a seu modo a relação entre o texto literário e o ritmo
musical. As cantigas trovadorescas são exemplo profícuo desta relação. O surgimento do
soneto, por sua vez, já marca o distanciamento do acompanhamento musical na forma de
instrumento, dando margem ao entranhar de som e palavra no interior do próprio texto
literário.

Herdeira desta relação música-literatura, a música popular brasileira apresenta artistas que
souberam trabalhar entre os limites da linguagem literária e da linguagem musical. Vinicius
de Moraes, Chico Buarque e Caetano Veloso são exemplos contemporâneos deste
imbricamento das artes, os quais recebem, pelas mãos de Rennó (2003, p. 53), a alcunha
de “trovadores da modernidade”.

Ao mesmo tempo que atuam separadamente, cada uma delas carregando elementos que
lhe são peculiarmente constituintes, música e literatura parecem realizar um perene
movimento de aproximação. O cerne deste embate interartístico culmina na relação entre
ritmo e mensagem:

                       Nesse sentido, pode-se entender uma determinada apreciação do texto
                       musical como tipo de narrativa, considerando seus aspectos de estética,
                       informação e dialogismo — relação comunicacional entre quem produz e
                       quem recebe a mensagem literária e/ou musical (TINOCO; ALEXANDRIA,
                       s/d, p. 5).


                                                                                                11
Perseguir, pois, a relação entre música e literatura, constitui-se, na atualidade, uma das
ferramentas mais eficazes de análise de determinadas obras, inseridas num contexto de
convergência das artes e da comunicação.

Sob esta perspectiva, a letra da canção “Pietà”, composta por Milton Nascimento, em
parceria com Chico Amaral, título do CD lançado em 2003 pela Warner Music Brasil,
exemplifica, contundentemente, o diálogo da música com a poesia.

Consagrado pela crítica, Milton Nascimento é considerado um dos maiores cantores da
música popular brasileira. Além de ter participado do grupo Clube da Esquina, na década de
1970, o cantor e compositor levou para todo o Brasil, por meio de sua voz e de sua
interpretação, parte da riqueza da cultura mineira, além de reatualizar o folclore nacional,
mediante gravações de “Calix Bento” e “Cuitelinho”, entre outras. Sua produção musical é
marcada por uma forte variedade de composições e mistura de estilos. Premiado nacional e
internacionalmente, Milton Nascimento integra o imaginário coletivo da música popular
brasileira com suas canções, entre as quais “Canção da América”, “Maria Maria”,
“Travessia”.

A faixa 12 do CD Pietà estabelece, por meio da canção homônima, um diálogo intertextual
com a escultura Pietà, de Michelangelo, ao mesmo tempo que trabalha com valores
presentes na devoção à figura mariana.

Constituída de oito estrofes, a letra da canção apresenta predominância de aliterações da
sibilante /s/ e da vibrante /r/, que lhe conferem um ritmo ao mesmo tempo suave e vibrante.

Observa-se, na canção, uma relação eu-tu altamente delineada. A presença da
subjetividade do enunciador é marcada pelos verbos (“guardo”, “tenho”, “deixo”, “deito”,
“prometo”), pronomes possessivos (“meu”, “minha”) e pronome oblíquo (“me”) na primeira
pessoa do singular. Esta voz enunciativa dirige-se a um enunciatário demarcado pelos
verbos (“sabes”, “choras”, “verás”, “és”), pronome possessivo (“teu”) e pronomes oblíquos
(“te”, “ti”) na segunda pessoa do singular.

O sujeito enunciador está associado à posse, manifestada pelos verbos “guardo” e “tenho”.
A ideia de entrega manifesta-se por meio dos verbos “deixo” e “deito”. Pode-se, pois,
estabelecer uma relação entre posse e entrega à imagem de Cristo desfalecido nos braços
de sua mãe.

O sujeito enunciatário filia-se às imagens de sabedoria, lamento e contemplação, oriundas
da presença dos verbos “sabes”, “choras” e “verás”. Esta postura, chorosa, ao mesmo
tempo resignada e contemplativa, se corporifica na figura da Virgem que ampara o corpo de
seu filho.


                                                                                          12
Universidade Presbiteriana Mackenzie


A letra da canção está repleta de elementos que permitem estabelecer uma relação com a
escultura de Michelangelo. A primeira estrofe faz referência a “olhar” e “manto abrigo”, numa
alusão ao olhar de Maria sobre Jesus que, morto, repousa sobre o drapeado de seu manto.
Os versos 3 e 4 apresentam um clamor da parte do sujeito enunciador sustentado pelo
verbo vir no modo imperativo afirmativo (“Vem me amparar, vem me trazer/ A voz que pode
me socorrer”). Manifesta-se o desejo da voz enunciativa de ser acolhida pelo enunciatário.
Tal desejo de aconchego é nitidamente percebido nos dois versos seguintes (“Pra não sofrer
a hora má/ Deixo meu corpo em teu coração”), em que a expressão “hora má” torna-se
eufemismo para a palavra morte.

Ressalta-se que a morte, na cultura ocidental, sempre esteve associada a algo negativo, à
hora má da vida. No entanto, em meio à devoção prestada a Maria por parte dos católicos,
encontra-se o título de Nossa Senhora da Boa Morte, uma vez que, segundo o dogma da
Assunção de Nossa Senhora, Maria, quando de sua morte, foi arrebatada de corpo e alma
para o céu, mantendo-se incorruptível. A este dogma liga-se a crença de que a Virgem
intercede para que não haja sofrimentos diante da morte.

A segunda estrofe da letra da canção traz referência às “mãos”, em seu terceiro verso. Mãos
estas que quebram “as duras setas do padecer”, conforme consta do verso 10, ao mesmo
tempo que são mãos fortes de mulher, conforme afirma o verso 21. Na canção, as mãos do
enunciatário apresentam grande relevância, por manifestar calma, ruptura do sofrimento.
Também se observa na escultura esta mesma relação, visto que a mão direita de Maria
exerce a função de amparo e sustentação do corpo de Cristo, ao passo que a esquerda está
a apresentar o corpo já desfalecido de seu filho.

Mais adiante, na terceira estrofe, o verso 13 novamente apresenta a ideia de aconchego e
amparo, numa alusão à escultura (“Deito em teu peito largo”). No entanto, observa-se uma
espécie de desejo de inversão de papéis entre enunciador e enunciatário. A imagem de
Cristo, até agora associada ao sujeito da enunciação, manifestado, sobretudo, por meio dos
verbos na primeira pessoa do singular, passa, por um breve momento, a ocupar a função de
objeto direto da oração (“Prometo a ti dia virá/ Verás o filho te proteger”). Esta mudança de
sujeito da oração para objeto permite perceber que o filho, outrora protegido pelos braços de
sua mãe quando de sua morte, assegura-lhe a retribuição deste amparo, mediante um
consolo que a ela será devido em momento vindouro, conforme atestam os versos 16, 17 e
18 (“Verás o filho te proteger/ Te consolar e recolher/ A flor de sangue da solidão”).

As estrofes 4 e 5 servem como fechamento à reflexão precedente. O sujeito enunciador
utiliza a expressão “este cravo”, repetidamente, nos versos 24 e 25 (“Foi o mundo que me
deixou/ Para sempre este cravo/ Este cravo, minha paixão/ Que é a luz do teu rosto”). A


                                                                                            13
palavra cravo apresenta, entre seus significados, o de prego com o qual se fixava os
supliciados na cruz. Por meio deste significado, pode-se perceber uma função metonímica
no emprego desta palavra na construção da letra da canção, numa alusão à forma trágica
de morte a que Cristo foi submetido. Ainda nestes mesmos versos, o cravo é associado ao
termo paixão. Termo que, indiretamente, faz referência à própria paixão de Cristo, no
sentido etimológico da palavra latina passione, sofrimento, avalizando, pois, a presente
interpretação. Finalmente, cravo e paixão, isto é, morte e sofrimento de Cristo, são
associados à figura de Maria, por meio do verso 25 (“Que é a luz do teu rosto”). O sujeito
enunciador afirma que a luz do rosto do enunciatário é constituída da sua própria paixão, o
cravo de sua morte. Percebe-se uma relação entre a face de Maria e o sofrimento de Cristo,
corporificada na escultura. O olhar da Virgem em direção a seu filho morto é de resignação
e contemplação, de onde se depreende que a mãe está a comungar da morte do filho, ao
passo que este, no auge de seu sofrimento, está a nutrir-se do colo de sua mãe.

Desta forma, a canção “Pietà” dialoga com a escultura de Michelangelo, ao mesmo tempo
que articula referências e elementos presentes na devoção a Nossa Senhora. O texto
musical, estruturado em forte demarcação rítmica e ancorado em apurado trabalho da
linguagem poética, consegue, por si só, reconstruir a atmosfera de piedade que paira sobre
a figura de Maria. O significado veiculado pela canção, no entanto, potencializa-se quando
se reestabelece o diálogo entre esta e a escultura, bem como entre ambos os textos e toda
a tradição religiosa de devoção a Maria.



CONCLUSÃO



Observa-se na Pietà, de Michelangelo, um esmerado trabalho artístico no que diz respeito
ao discurso escultórico produzido durante o período renascentista. Tal peça de mármore
legitimou-se como um dos ícones da história da arte ocidental. Pietà revela a maestria de
Michelangelo no terreno da escultura, ao lado de demais obras, como Davi (1504) e Moisés
(1515).

Conforme já mencionado, Pietà singulariza-se entre as representações do mesmo tema
outrora realizadas, por condensar de maneira ímpar toda a atmosfera de dolorosa piedade
envolta à figura de Maria, no que tange à crucificação e consequente morte de seu filho,
Jesus Cristo.

Todos os predicados de Pietà garantem ainda hoje reflexões por parte de críticos e analistas
das artes e de demais ramos do saber. Debruçando sobre a escultura um olhar teológico,
Pietà cristaliza genuinamente diversos aspectos relacionados à devoção mariana, tornando-
                                                                                         14
Universidade Presbiteriana Mackenzie


se ícone fecundo da dimensão materna e acolhedora na qual está revestida tal personagem
da História. Avalizada pela Mariologia e pela tradição popular, Maria chega a ultrapassar os
limites que lhe permitem circular pelas diferentes manifestações artísticas, conforme visto
neste trabalho, a escultura e a música.

Vencendo, portanto, questões temporais, Pietà atualiza-se pelas mãos de Milton
Nascimento. Por meio da relação entre som e palavra ratifica-se a atmosfera presente na
escultura, produzida há mais de cinco séculos.

Mediante a noção de dialogismo e intertextualidade, é possível estabelecer um diálogo entre
ambos os textos, na medida em que se observa a incorporação de elementos do primeiro na
construção do segundo. Ao mesmo tempo que cada texto em questão apresenta uma
unidade autônoma de significação, o sentido da canção potencializa-se, amplia-se, quando
se estabelece uma relação entre esta e a escultura, bem como com a tradição devocional
mariana.

Pietà permite constatar a inter-relação discursiva que permeia as diferentes manifestações
de linguagens. O presente exercício de resgate intertextual colabora para que se estabeleça
uma relação menos ingênua com o texto, de um modo geral, sem perder de vista a
perspectiva dialógica em que épocas, estilos, linguagens e significados se enriquecem num
embate vivo e intenso.



REFERÊNCIAS



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Universidade Presbiteriana Mackenzie


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Contato: willians.calazans@hotmail.com e huady@mackenzie.br.




                                                                                           17

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  • 1. Universidade Presbiteriana Mackenzie ENTRE A PALAVRA E A PEDRA: PIETÀ Willians Calazans de Vasconcelos de Melo (IC) e Alexandre Huady Torres Guimarães (Orientador) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo Cinco séculos depois de Michelangelo ter esculpido Pietà, Milton Nascimento gravou a canção “Pietà”, cuja letra incorpora elementos da devoção mariana ao mesmo tempo que dialoga com a obra de Michelangelo. Estabelecendo um diálogo que se corporifica na confluência das linguagens verbal, musical e visual, a canção de Milton Nascimento retoma alguns dos valores presentes na escultura de Michelangelo. Estudos que contemplem tal manifestação dialógica ainda são incipientes quando comparados à vasta corrente crítica do texto verbal, tendo estimulado, deste modo, o desenvolvimento do presente trabalho. Alicerçado nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho foi investigar a relação dialógica entre a escultura Pietà, de Michelangelo, e a letra da canção homônima, de Milton Nascimento, partindo-se do seguinte questionamento: em que medida cada um dos textos em questão se apropria dos elementos da devoção mariana e dialogam entre si? Para investigar a relação entre a escultura e a letra da canção, inicialmente foi realizada uma pesquisa sobre a figura de Maria, respaldada pelos atuais estudos da Mariologia. Partindo para a noção de dialogismo e intertextualidade, recorreu-se à teoria de Bakhtin, Kristeva e demais estudiosos. Em seguida, partiu- se para a análise da escultura e da letra da canção. Finalmente, teceram-se considerações a respeito da análise realizada. Palavras-chave: Pietà, Michelangelo, Milton Nascimento Resumen Cinco siglos después de Miguel Ángel tener esculpido Piedad, Milton Nascimento grabó la canción “Pietà”, cuya letra incorpora elementos de la devoción mariana al mismo tiempo que dialoga con la obra de Miguel Ángel. Estableciendo un diálogo que se corporifica en la confluencia de los lenguajes verbal, musical y visual, la canción de Milton Nascimento retoma algunos de los valores presentes en la escultura de Miguel Ángel. Estudios que contemplen tal manifestación dialógica son todavía incipientes cuando comparados a la vasta corriente crítica del texto verbal, estimulando, pues, este trabajo. Basado en eso, el objetivo de este trabajo fue investigar la relación entre la escultura Piedad, de Miguel Ángel, y la letra de la canción homónima, de Milton Nascimento, partiéndose del siguiente cuestionamiento: en qué medida cada uno de los textos se apropia de los elementos de la devoción mariana y dialogan entre sí. Para investigar la relación entre la escultura y la letra de la canción, inicialmente fue realizada una pesquisa sobre la figura de María, respaldada por los actuales estudios de Mariología. Partiendo para la noción de dialogismo e intertextualidad, se recorrió a la teoría de Bajtín, Kristeva y demás estudiosos. En seguida, se partió para el análisis de la escultura e de la letra de la canción. Finalmente, se hicieron consideraciones acerca del análisis. Palabras-llave: Piedad, Miguel Ángel, Milton Nascimento 1
  • 2. INTRODUÇÃO Cinco séculos depois de Michelangelo ter esculpido Pietà, Milton Nascimento, expoente da música popular brasileira, gravou a canção “Pietà”, cuja letra incorpora elementos da devoção mariana ao mesmo tempo que dialoga com a obra de Michelangelo. A escultura Pietà é um dos marcos da produção renascentista, consolidada como importante patrimônio artístico da cultura ocidental. Sua composição revela a maestria de um dos maiores artistas do Renascimento, consagrado pela crítica de arte especializada. A temática de Pietà caracteriza-se como um dos episódios mais conhecidos no mundo cristão: a morte de Jesus Cristo. A cena representada pela escultura ganha maior relevância por reconstruir a atmosfera de dor, amor e piedade na qual está embebida a figura de Maria, em relação à crucificação de seu filho, manifestada, sobretudo, na larga devoção presente no Catolicismo a esta figura de mãe piedosa. Estabelecendo um diálogo que se corporifica na confluência das linguagens verbal, musical e visual, a canção de Milton Nascimento retoma alguns dos valores presentes na escultura de Michelangelo. Estudos que contemplem tal manifestação dialógica ainda são incipientes quando comparados à vasta corrente crítica do texto verbal, tendo estimulado, deste modo, o desenvolvimento do presente trabalho, a fim de contribuir com a reflexão nesta área. Alicerçado nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho foi investigar a relação dialógica entre a escultura Pietà, de Michelangelo, e a letra da canção homônima, de Milton Nascimento, partindo-se do seguinte questionamento: em que medida cada um dos textos em questão se apropria dos elementos da devoção mariana e dialogam entre si? Para investigar a relação entre a escultura e a letra da canção, inicialmente foi realizada uma pesquisa sobre a figura de Maria, respaldada pelos atuais estudos da Mariologia. Tal procedimento se fez necessário para melhor compreender as devidas proporções em relação à devoção a esta figura, tratada pelos católicos como Nossa Senhora, avalizando a análise dos elementos marianos em ambas as obras em questão. Concebendo cada uma das obras, corpus de análise, como texto, foi necessária uma pesquisa à luz das teorias linguísticas em relação à noção de texto e, consequentemente, de intertextualidade. Além de conceituar o texto, foi preciso identificar as especificidades que compõem o texto da canção e o texto da escultura, para melhor analisar os mecanismos produtores de sentido em cada uma destas expressões, uma vez que 2
  • 3. Universidade Presbiteriana Mackenzie todo código é constituído de signos que criam sua própria sintaxe e maneira de representar; logo, para decodificar qualquer sistema, é necessário identificar o signo e a sintaxe que o constituem e lhe dão realidade (FERRARA, 2007, p. 14). Partindo para a noção de dialogismo e intertextualidade, recorreu-se à teoria de Bakhtin, Kristeva e demais estudiosos. Em seguida, partiu-se para a análise da escultura e da letra da canção. Finalmente, teceram-se considerações a respeito da análise realizada. MARIA Incorporada ao imaginário coletivo como o arquétipo da mãe piedosa por excelência, Maria transcende os limites puramente religiosos, manifestados na devoção a Nossa Senhora, para adentrar nos meandros da cultura ocidental como um todo, resvalando nas expressões artísticas de maneira variada: pintura, escultura, poesia, música etc. De acordo com a narrativa bíblica, Maria foi escolhida para ser a mãe de Jesus Cristo, o filho de Deus. Ainda virgem, um anjo enviado pelo Senhor lhe anunciou que ela conceberia e daria à luz um menino, segundo a ação do Espírito Santo. Em resposta a tal anunciação, Maria declarou-se subserviente aos desígnios divinos: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). O relato sobre Maria faz parte da narração dos quatro Evangelhos do Novo Testamento. No Evangelho de Lucas encontram-se elementos mais detalhados sobre a mãe de Jesus, que melhor avalizam a interpretação das Escrituras a respeito da figura mariana e dão base à devoção a Nossa Senhora. As palavras presentes na Declaração de Acordo da Comissão Internacional Anglicano-Católica Romana são contundentes a respeito: Na narrativa do nascimento em Lucas, Maria é ressaltada desde o início. [...] Ela recebe a mensagem do anjo e responde com obediência humilde (Lc 1, 38). Ela viaja sozinha da Galileia à Judeia para visitar Isabel (Lc 1, 40) e, em seu cântico, proclama a reviravolta escatológica que estará no âmago da proclamação do Reino de Deus por seu filho. Maria é aquela que vê nas entrelinhas dos acontecimentos (Lc 2, 19.51) e representa a interioridade da fé e do sofrimento (Lc 2, 35) (2005, p. 18). Dessa forma, Maria acaba por tornar-se a figura feminina de maior relevância dentro do Novo Testamento. Sua presença também é percebida na narrativa do Antigo Testamento, por meio das palavras do profeta Isaías, que assim declara: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ‘Deus Conosco’ (Is 7, 14)”. 3
  • 4. Maria, no seu pronto ato de obedecer a Deus, é vista como uma espécie de anti-Eva. Ao passo que a desobediência de Eva no Paraíso trouxe o pecado para o mundo, e, com ele, a proliferação do mal e do sofrimento, o sim de Maria presenteia a terra com a salvação da humanidade, o próprio Jesus. Mais adiante, no Evangelho de João, Maria está presente em dois importantes momentos da vida de Jesus Cristo: nas bodas de Caná e na crucificação. Em Caná, ela pede que seu filho intervenha na falta de vinho que havia ocorrido na celebração das bodas. Mesmo não sendo ainda o momento de operar um milagre, eis que, mediante a solicitação de sua mãe, compadecida diante da triste situação que se descortinaria em tal evento, Jesus transforma a água em vinho da melhor qualidade. A comunidade católica enxerga nesta cena importantes aspectos da relação entre Maria e Jesus. Notam-se o respeito e a obediência próprios de um filho no que se refere a uma solicitação materna. Daí emerge o caráter intercessor hoje inerente à figura mariana: “[Maria] Apresenta-se como uma mãe que tem ascendência sobre o filho, sente-se em comunhão com ele e procede como quem se sente segura de conseguir um grande favor” (LARRAÑAGA, 1987, p. 24). A mãe de Jesus permanece presente nos momentos cruciais da trajetória de seu filho. No auge do sofrimento, Maria se encontra aos pés da cruz de Cristo, conforme o relato de João (19, 25). Até o último momento de sua vida, no apogeu de seu padecimento, Cristo debruçou sobre Maria o olhar de um filho preocupado com o bem-estar de sua mãe. Ao mesmo tempo que Maria manifestou todo o seu amor e piedade em relação às dores de seu filho, compartilhando também ela desta dor. Sua presença quando da crucificação permite perceber que, grosso modo, Maria foi “crucificada” ao lado de Jesus, percorrendo este destino trágico com ele. Cumprindo, assim, a profecia de Simeão a ela dirigida: “E uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2, 35). Na cena do Calvário, Maria “ocupa um lugar além da linguagem” (BEATTIE, 2001, p. 133). Este lugar além-linguagem manifesta-se, sobretudo, na devoção a Nossa Senhora, na construção paulatina da imagem da mãe de Cristo, imagem esta já entretecida de tons míticos, legitimada pela tradição e pelos anseios da humanidade necessitada de uma figura materna. A face maternal de Deus se completa na incompletude de informações acerca da mulher escolhida para dar início a uma nova era entre o divino e o humano. Quer segundo a Teologia, quer segundo a tradição popular, Maria caracteriza-se como uma das figuras mais intrigantes da humanidade, revestida dos sentimentos que acompanham a trajetória humana, no seu contexto histórico, ora caracterizada por expressões que lhe 4
  • 5. Universidade Presbiteriana Mackenzie enaltecem o silêncio (LARRAÑAGA, 1987), ora consoante um olhar moderno-feminista, capaz de enxergar na mãe de Jesus a força revolucionária da mulher: “Maria não é subordinada nem subjugada, mas surge como um agente autônomo na presença de Deus, sem qualquer necessidade de um homem para torná-la completa” (BEATTIE, 2001, p. 30). Assim, para se estabelecer um perfil fidedigno da figura mariana, faz-se necessário articular os pontos sobressalentes das distintas visões que se entrecruzam no eterno indagar, ainda longe de uma resposta peremptória: “Quem foi Maria? Foi a mulher que deu um Sim a seu senhor, e depois foi fiel a essa decisão até as últimas consequências e até o fim de seus dias” (LARRAÑAGA, 1987, p. 65). TEXTO O texto se caracteriza como um todo organizado de sentido, uma unidade de comunicação que se espraia em diferentes manifestações, tanto no plano verbal quanto nos planos visual e sonoro. O texto é definido, dicotomicamente, como objeto de significação, no que diz respeito à sua organização interna que lhe confere um sentido, e como objeto de comunicação, em relação ao seu contexto extralinguístico (BARROS, 2008). Cada tipo de texto estrutura-se de maneira distinta. Diferentemente do texto verbal, o texto visual veicula seu conteúdo por meio da relação entre cores, formas, linhas e volumes, caso da pintura e da escultura, por exemplo (DISCINI, 2005). Comparado ao texto verbal, o texto visual apresenta maior facilidade de assimilação de sua mensagem por parte do receptor, uma vez que o leitor do texto verbal necessita de outros recursos de decodificação do sentido: Mas o discurso é frágil se comparado ao efeito do ícone que seduz com a sua pura presença, dá-se sem tardança à fruição do olho, guardando embora a transcendência do objeto. A imagem impõe-se, arrebata. O discurso pede a quem o profere, e a quem o escuta, alguma paciência e a virtude da esperança (BOSI, 2000, p. 33). Eco (1999, p. 9) alerta que “todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça parte de seu trabalho”, aludindo ao fato de que o sentido final de um texto, lato sensu, se constrói na relação entre este e o leitor. O arcabouço cultural-cognitivo, bem como as expectativas de leitura do receptor, interferem sobremaneira na compreensão final da mensagem. 5
  • 6. Em todos os tipos de texto é possível observar uma articulação que lhes garante uma tessitura (interna e externa), responsável por veicular um sentido e transmitir uma mensagem. DIALOGISMO E INTERTEXTUALIDADE Entendendo, didaticamente, texto e discurso como sinônimos, pode-se entrever, grosso modo, nestas palavras de Bakhtin o cerne do conceito de dialogismo: “Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa” (apud FIORIN 2006, p. 18). Segundo a noção de dialogismo, todo e qualquer discurso está embebido do discurso do outro, estabelecendo uma relação tanto de afirmação quanto de negação entre os discursos: “Mesmo que elas [vozes discursivas] não se manifestem no fio do discurso, estão aí presentes” (FIORIN, 2006, p. 24). Alargando a noção de dialogismo, Julia Kristeva, estudiosa da teoria bakhtiniana, denomina o conceito de dialogismo por meio do termo intertextualidade. Segundo Kristeva, “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (apud BARALDI, 2008, p. 16). A noção de intertextualidade em Kristeva procura verificar de que modo ocorreu a incorporação de um texto em outro sem pautar-se em aspectos valorativos, isto é, independentemente de se estabelecer uma relação entre o que é considerado original ou imitação (PERRONE-MOISÉS, 2006). Fiorin (2003), por sua vez, define a intertextualidade como a incorporação de elementos de um texto em outro, tanto no intuito de reafirmar o sentido incorporado quanto para modificar tal sentido. Percebe-se, portanto, uma sinonímia entre os termos dialogismo e intertextualidade. No entanto, o segundo, depois da difusão do pensamento de Kristeva, passou a ser utilizado em substituição ao primeiro. Entretanto, Fiorin (2006) prefere manter uma distinção entre dialogismo e intertextualidade. O linguista argumenta que a noção de dialogismo entende o discurso como enunciado, englobando manifestações que vão desde o discurso oral até o discurso pictórico, por exemplo. Já a noção de intertextualidade, segundo o autor, estaria mais vinculada ao texto em sua materialidade verbal. Para distinguir tais conceitos, Fiorin propõe o termo interdiscursividade: 6
  • 7. Universidade Presbiteriana Mackenzie Isso pressupõe que toda intertextualidade implica a existência de uma interdiscursividade (relações entre enunciados), mas nem toda interdiscursividade implica uma intertextualidade. Por exemplo, quando um texto não mostra, no seu fio, o discurso do outro, não há intertextualidade, mas há interdiscursividade (2006, p. 52). A par das diferenças nomenclatórias, permanece o princípio dialógico do texto/discurso e sua relação mútua e constante entre os demais textos/discursos produzidos. ESCULTURA A origem da palavra escultura está no verbo latino sculpere, que significa entalhar (DONDIS, 1997). Ela promove a representação imediata de um elemento, por meio de sua materialidade tridimensional. Os materiais próprios da escultura são os diferentes tipos de pedras e metais, tais como o mármore e o bronze, que conferem a esta manifestação artística um aspecto monocromático, além da já mencionada tridimensionalidade, distinguindo-a, portanto, da pintura. O mármore assume maior relevância no terreno da escultura por promover um tipo de brilho e suavidade inerentes às características de tal pedra, além de tornar mais visível a incidência de luz que contribui para um jogo de tonalidades e gradações (HEGEL, 1993). A Antiguidade privilegiou sobremaneira tal manifestação de arte, pautando-se numa visão idealizada, que valorizava a figura humana no auge de sua perfeição, valorização esta retomada pela estética renascentista. Ao mencionar a escultura sacra, produzida a partir do período gótico, Hegel conclui que ela não conseguiu atingir o mesmo nível de expressão que possuía no período clássico, servindo mais como acessório às pinturas sacras do que se mantendo uma arte autônoma. Entretanto, o filósofo vê em Michelangelo a exceção a esta regra, devido a uma nova conjugação que o artista deu aos princípios clássicos e cristãos: Mas para os temas religiosos, é preciso todo o espírito, toda a força de imaginação, todo o poder, toda a profundidade, a ousadia e a virtuosidade de um mestre como Michelangelo, para realizar, com uma singularidade tão produtiva, a união do princípio plástico dos antigos e da expressiva interioridade que caracteriza a arte romântica (HEGEL, 1993, p. 440). Para que a escultura atinja o seu fim estético é imprescindível que ela seja produzida levando-se em consideração o espaço onde permanecerá, por se tratar de uma manifestação de arte cuja dimensão pode ser vista e, principalmente, tocada. Diferentemente da pintura, da fotografia e do cinema, que tão somente sugerem as três dimensões, por meio do trabalho com o efeito de perspectiva e com os jogos de luz e sombra (DONDIS, 1997). 7
  • 8. RENASCIMENTO E PIETÀ A época renascentista é caracterizada, sobretudo, por uma forte influência de novos modos de pensar, regidos pelo conhecimento de caráter científico, em detrimento do aspecto dogmático-religioso. Formava-se o sistema capitalista, resultado da derrocada do feudalismo. Casas comerciais surgiram, trazendo consigo uma nova estrutura econômica, protagonizada por uma nova classe social: a burguesia (BARBEIRO, 2004). No campo das artes, o Renascimento procurou resgatar elementos da cultura greco- romana, além da valorização do homem e da natureza: Trabalhando ora o espaço, na arquitetura, ora as linhas e as cores, na pintura, ou ainda os volumes, na escultura, os artistas do Renascimento sempre expressaram os maiores valores da época: a racionalidade e a dignidade do ser humano (PROENÇA, 2002, p. 78). Inovações na representação artística surgiram no momento em que passou a existir uma articulação entre esta e as regras matemáticas da perspectiva, os segredos da anatomia humana e a revisitação às fontes clássicas greco-romanas (GOMBRICH, 1999). Assim influenciada, a arte deixou de ser considerada como algo estanque, detentora de um equilíbrio incontestável. Doravante, a arte se dá por meio de incessante pesquisa “da própria natureza, dos próprios fins e processos, da própria razão de ser no devir da história” (ARGAN, 2003, p. 21). Decorre em meio a esta efervescência cultural a definitiva legitimação do ofício do artista, do profissional que se dedica ao estudo e à produção de arte como forma de subsistência, inserido o seu labor sob uma perspectiva não somente artístico-filosófica, desinteressada, mas também sob um olhar econômico-mercantilista. Representantes da época renascentista conhecida como Quinhentos foram, entre outros, Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael, cujas obras alcançaram limites até então desconhecidos pela história da arte italiana e pela cultura ocidental. Singular em relação à tríade mencionada é Michelangelo Bounarroti (1475-1564). Ele foi aprendiz de Domenico Ghirlandaio (1449-1494), um dos principais nomes do período conhecido como Quatrocentos florentino. O artista, a fim de retratar com alta fidedignidade a figura humana em suas obras pictóricas e escultóricas, dedicou-se durante muito tempo ao estudo da anatomia humana, mediante pesquisas envolvendo a dissecação de cadáveres, além de acurados estudos sobre estatuária grega, fiel na representação de movimentos do corpo humano, “com todos os seus músculos e tendões” (GOMBRICH, 1999, p. 304). 8
  • 9. Universidade Presbiteriana Mackenzie Um dos resultados de seus estudos sobre escultura é a famosa Pietà, hoje presente na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Concebida quando o artista tinha 23 anos, a escultura Pietà cristaliza de forma ímpar, até então inédita no cenário da arte italiana, a atmosfera piedosa que paira sobre a figura de Maria, mãe de Jesus Cristo. A este respeito comenta Proença (2002, p. 92): A Pietà [...] mostra um surpreendente trabalho de escultura em mármore, ao registrar o drapeado das roupas, os músculos e as veias dos corpos. [...] Desobedecendo à passagem do tempo, retrata a mãe de Jesus como uma mulher jovem, cuja expressão de docilidade contrasta com o assunto da cena. A força de Pietà serve como divisor de águas no que diz respeito ao modo de representar a figura de Maria: Representações de Maria ao pé da cruz e sua imagem tradicional recebendo o corpo crucificado de Jesus (a Pietà) evocam o sofrimento de uma mãe diante da morte de seu filho. Anglicanos e católicos romanos, da mesma maneira, são atraídos pela mãe de Cristo, como uma figura de ternura e compaixão (COMISSÃO INTERNACIONAL ANGLICANO- CATÓLICA ROMANA, 2005, p. 57). Cada detalhe da escultura impressiona. O contraste entre a figura jovem de Maria e a tragicidade da cena produzem um efeito de equilíbrio singular à obra: Nossa Senhora mantém no colo o Cristo morto, como se fosse um menino adormecido; ela é jovem, como quando Cristo era menino. Talvez a estátua queira ser exatamente isto: uma visão, ou melhor, a previsão ou a prefiguração que a Virgem tem da paixão do Filho. À previsão liga-se imediatamente o lamento: o gesto demonstrativo da mão de Nossa Senhora diz que a previsão se tornou, infelizmente, verdadeira (ARGAN, 2003, p. 27- 28). O tamanho original da escultura é 1, 74 m de altura. A estátua apresenta um formato triangular, piramidal. Este formato pode ser associado às três pessoas divinas da Santíssima Trindade, numa alusão indireta ao fato de Maria manter um vínculo com Deus Pai, que a escolhera como mãe de seu filho; Deus Espírito Santo, que, agindo em Maria, a fez conceber ainda virgem; e Deus Filho, como matriz de sua carne: “Maria dá vida à estrutura que fundará a nova proposta de mundo” (GUIMARÃES, 2008, p. 8). Para estabelecer uma relação harmônica e proporcional entre os corpos retratados na escultura, o artista acomodou a figura de Jesus no manto de Maria, reforçando, deste modo, a ligação presente entre mãe e filho (BARRETO; OLIVEIRA, 2004). 9
  • 10. As mãos da Virgem apresentam posições e funções antagônicas. A mão direita, a apoiar o cadáver de Cristo, está nitidamente fazendo força para sustentá-lo, tanto que chega a afundar na leveza de seu manto. A mão esquerda, ao contrário, denota um gesto de leveza, como se apresentasse o corpo de seu filho, morto, “convidando o espectador à mesma estupefação” (BARRETO; OLIVEIRA, 2004, p. 187). Apesar de morto, Cristo parece estar adormecido nos braços de sua mãe. A cena representada na escultura registra horas depois da descida do corpo de Jesus da cruz, uma vez que ainda parece correr- lhe sangue nas veias. Em contrapartida à tragicidade da cena, a figura de Maria reveste-se de docilidade pelo já mencionado drapeado das roupas, que promove um tom etéreo ao momento retratado. A feminilidade da mãe de Jesus é percebida na jovialidade que emana de seu rosto, nos detalhes da composição de sua face. Contemplativa, Maria mostra-se resignada ante o término de todas as dores de seu filho. O olhar parado, capturado pelas mãos de Michelangelo, parece tomar de empréstimo a última frase de Cristo: “Tudo está consumado” (Jo 19, 30). Numa profícua relação entre forma e conteúdo, Michelangelo deixa marcas indeléveis no cenário da arte ocidental. Trabalhando um tema de largo alcance entre os adeptos do Catolicismo, o artista soube conjugar de maneira ímpar toda a atmosfera arquetípica de piedade que paira sobre a figura de Maria: Pietà é a metáfora da dor materna que não tem nome. A morfologia de um sofrimento agudo que nos retira a fala e que nos dificulta as respostas. [...] Pietà só é bela porque conhecemos a sua continuidade. O filho ressurgiu. Aquele momento não é definitivo. A dor é a ponte que a fez chegar ao lugar mais belo de seu coração. É a vida (MELO, s/d, p. 1). 10
  • 11. Universidade Presbiteriana Mackenzie MÚSICA, LITERATURA E PIETÀ A canção é um texto sincrético por excelência, por ancorar-se em duas linguagens distintas, porém, complementares: a verbal e a musical. A primeira realiza-se mediante o processo de arranjo e significação das palavras. A segunda, “além de seu significado próprio, expresso em suas formas, comunica sentidos que, de alguma maneira, reportam-se ao mundo extramusical dos conceitos [...]” (TINOCO; ALEXANDRIA, s/d, p. 1-2). Desprovida do acompanhamento musical, a letra da canção passa a carregar seu significado rítmico por meio do arranjo das palavras, predominando o aspecto literário do texto. Ora em conjunto, ora separadas, letra e melodia representam a dicotomia entre música e literatura, as quais, no dizer de Oliveira (2003, p. 22), constituem-se “artes irmãs”. A expressão gênero lírico, por exemplo, ao designar a produção de caráter poético, faz alusão direta à lira, instrumento que acompanhava a entoação destes textos: Na música, assim como na literatura, revela-se a estrutura de um todo indivisível, típica manifestação de organismo atuante. Expressão criada globalmente, cada uma de suas partes se constituem em elementos inseparáveis de apreensão musical e sensação estética. A literatura, arte da musicalidade subjetiva, implícita, repete tal integração todo-partes constitutivas (TINOCO; ALEXANDRIA, s/d, p. 1). Cada estética literária privilegiou a seu modo a relação entre o texto literário e o ritmo musical. As cantigas trovadorescas são exemplo profícuo desta relação. O surgimento do soneto, por sua vez, já marca o distanciamento do acompanhamento musical na forma de instrumento, dando margem ao entranhar de som e palavra no interior do próprio texto literário. Herdeira desta relação música-literatura, a música popular brasileira apresenta artistas que souberam trabalhar entre os limites da linguagem literária e da linguagem musical. Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Caetano Veloso são exemplos contemporâneos deste imbricamento das artes, os quais recebem, pelas mãos de Rennó (2003, p. 53), a alcunha de “trovadores da modernidade”. Ao mesmo tempo que atuam separadamente, cada uma delas carregando elementos que lhe são peculiarmente constituintes, música e literatura parecem realizar um perene movimento de aproximação. O cerne deste embate interartístico culmina na relação entre ritmo e mensagem: Nesse sentido, pode-se entender uma determinada apreciação do texto musical como tipo de narrativa, considerando seus aspectos de estética, informação e dialogismo — relação comunicacional entre quem produz e quem recebe a mensagem literária e/ou musical (TINOCO; ALEXANDRIA, s/d, p. 5). 11
  • 12. Perseguir, pois, a relação entre música e literatura, constitui-se, na atualidade, uma das ferramentas mais eficazes de análise de determinadas obras, inseridas num contexto de convergência das artes e da comunicação. Sob esta perspectiva, a letra da canção “Pietà”, composta por Milton Nascimento, em parceria com Chico Amaral, título do CD lançado em 2003 pela Warner Music Brasil, exemplifica, contundentemente, o diálogo da música com a poesia. Consagrado pela crítica, Milton Nascimento é considerado um dos maiores cantores da música popular brasileira. Além de ter participado do grupo Clube da Esquina, na década de 1970, o cantor e compositor levou para todo o Brasil, por meio de sua voz e de sua interpretação, parte da riqueza da cultura mineira, além de reatualizar o folclore nacional, mediante gravações de “Calix Bento” e “Cuitelinho”, entre outras. Sua produção musical é marcada por uma forte variedade de composições e mistura de estilos. Premiado nacional e internacionalmente, Milton Nascimento integra o imaginário coletivo da música popular brasileira com suas canções, entre as quais “Canção da América”, “Maria Maria”, “Travessia”. A faixa 12 do CD Pietà estabelece, por meio da canção homônima, um diálogo intertextual com a escultura Pietà, de Michelangelo, ao mesmo tempo que trabalha com valores presentes na devoção à figura mariana. Constituída de oito estrofes, a letra da canção apresenta predominância de aliterações da sibilante /s/ e da vibrante /r/, que lhe conferem um ritmo ao mesmo tempo suave e vibrante. Observa-se, na canção, uma relação eu-tu altamente delineada. A presença da subjetividade do enunciador é marcada pelos verbos (“guardo”, “tenho”, “deixo”, “deito”, “prometo”), pronomes possessivos (“meu”, “minha”) e pronome oblíquo (“me”) na primeira pessoa do singular. Esta voz enunciativa dirige-se a um enunciatário demarcado pelos verbos (“sabes”, “choras”, “verás”, “és”), pronome possessivo (“teu”) e pronomes oblíquos (“te”, “ti”) na segunda pessoa do singular. O sujeito enunciador está associado à posse, manifestada pelos verbos “guardo” e “tenho”. A ideia de entrega manifesta-se por meio dos verbos “deixo” e “deito”. Pode-se, pois, estabelecer uma relação entre posse e entrega à imagem de Cristo desfalecido nos braços de sua mãe. O sujeito enunciatário filia-se às imagens de sabedoria, lamento e contemplação, oriundas da presença dos verbos “sabes”, “choras” e “verás”. Esta postura, chorosa, ao mesmo tempo resignada e contemplativa, se corporifica na figura da Virgem que ampara o corpo de seu filho. 12
  • 13. Universidade Presbiteriana Mackenzie A letra da canção está repleta de elementos que permitem estabelecer uma relação com a escultura de Michelangelo. A primeira estrofe faz referência a “olhar” e “manto abrigo”, numa alusão ao olhar de Maria sobre Jesus que, morto, repousa sobre o drapeado de seu manto. Os versos 3 e 4 apresentam um clamor da parte do sujeito enunciador sustentado pelo verbo vir no modo imperativo afirmativo (“Vem me amparar, vem me trazer/ A voz que pode me socorrer”). Manifesta-se o desejo da voz enunciativa de ser acolhida pelo enunciatário. Tal desejo de aconchego é nitidamente percebido nos dois versos seguintes (“Pra não sofrer a hora má/ Deixo meu corpo em teu coração”), em que a expressão “hora má” torna-se eufemismo para a palavra morte. Ressalta-se que a morte, na cultura ocidental, sempre esteve associada a algo negativo, à hora má da vida. No entanto, em meio à devoção prestada a Maria por parte dos católicos, encontra-se o título de Nossa Senhora da Boa Morte, uma vez que, segundo o dogma da Assunção de Nossa Senhora, Maria, quando de sua morte, foi arrebatada de corpo e alma para o céu, mantendo-se incorruptível. A este dogma liga-se a crença de que a Virgem intercede para que não haja sofrimentos diante da morte. A segunda estrofe da letra da canção traz referência às “mãos”, em seu terceiro verso. Mãos estas que quebram “as duras setas do padecer”, conforme consta do verso 10, ao mesmo tempo que são mãos fortes de mulher, conforme afirma o verso 21. Na canção, as mãos do enunciatário apresentam grande relevância, por manifestar calma, ruptura do sofrimento. Também se observa na escultura esta mesma relação, visto que a mão direita de Maria exerce a função de amparo e sustentação do corpo de Cristo, ao passo que a esquerda está a apresentar o corpo já desfalecido de seu filho. Mais adiante, na terceira estrofe, o verso 13 novamente apresenta a ideia de aconchego e amparo, numa alusão à escultura (“Deito em teu peito largo”). No entanto, observa-se uma espécie de desejo de inversão de papéis entre enunciador e enunciatário. A imagem de Cristo, até agora associada ao sujeito da enunciação, manifestado, sobretudo, por meio dos verbos na primeira pessoa do singular, passa, por um breve momento, a ocupar a função de objeto direto da oração (“Prometo a ti dia virá/ Verás o filho te proteger”). Esta mudança de sujeito da oração para objeto permite perceber que o filho, outrora protegido pelos braços de sua mãe quando de sua morte, assegura-lhe a retribuição deste amparo, mediante um consolo que a ela será devido em momento vindouro, conforme atestam os versos 16, 17 e 18 (“Verás o filho te proteger/ Te consolar e recolher/ A flor de sangue da solidão”). As estrofes 4 e 5 servem como fechamento à reflexão precedente. O sujeito enunciador utiliza a expressão “este cravo”, repetidamente, nos versos 24 e 25 (“Foi o mundo que me deixou/ Para sempre este cravo/ Este cravo, minha paixão/ Que é a luz do teu rosto”). A 13
  • 14. palavra cravo apresenta, entre seus significados, o de prego com o qual se fixava os supliciados na cruz. Por meio deste significado, pode-se perceber uma função metonímica no emprego desta palavra na construção da letra da canção, numa alusão à forma trágica de morte a que Cristo foi submetido. Ainda nestes mesmos versos, o cravo é associado ao termo paixão. Termo que, indiretamente, faz referência à própria paixão de Cristo, no sentido etimológico da palavra latina passione, sofrimento, avalizando, pois, a presente interpretação. Finalmente, cravo e paixão, isto é, morte e sofrimento de Cristo, são associados à figura de Maria, por meio do verso 25 (“Que é a luz do teu rosto”). O sujeito enunciador afirma que a luz do rosto do enunciatário é constituída da sua própria paixão, o cravo de sua morte. Percebe-se uma relação entre a face de Maria e o sofrimento de Cristo, corporificada na escultura. O olhar da Virgem em direção a seu filho morto é de resignação e contemplação, de onde se depreende que a mãe está a comungar da morte do filho, ao passo que este, no auge de seu sofrimento, está a nutrir-se do colo de sua mãe. Desta forma, a canção “Pietà” dialoga com a escultura de Michelangelo, ao mesmo tempo que articula referências e elementos presentes na devoção a Nossa Senhora. O texto musical, estruturado em forte demarcação rítmica e ancorado em apurado trabalho da linguagem poética, consegue, por si só, reconstruir a atmosfera de piedade que paira sobre a figura de Maria. O significado veiculado pela canção, no entanto, potencializa-se quando se reestabelece o diálogo entre esta e a escultura, bem como entre ambos os textos e toda a tradição religiosa de devoção a Maria. CONCLUSÃO Observa-se na Pietà, de Michelangelo, um esmerado trabalho artístico no que diz respeito ao discurso escultórico produzido durante o período renascentista. Tal peça de mármore legitimou-se como um dos ícones da história da arte ocidental. Pietà revela a maestria de Michelangelo no terreno da escultura, ao lado de demais obras, como Davi (1504) e Moisés (1515). Conforme já mencionado, Pietà singulariza-se entre as representações do mesmo tema outrora realizadas, por condensar de maneira ímpar toda a atmosfera de dolorosa piedade envolta à figura de Maria, no que tange à crucificação e consequente morte de seu filho, Jesus Cristo. Todos os predicados de Pietà garantem ainda hoje reflexões por parte de críticos e analistas das artes e de demais ramos do saber. Debruçando sobre a escultura um olhar teológico, Pietà cristaliza genuinamente diversos aspectos relacionados à devoção mariana, tornando- 14
  • 15. Universidade Presbiteriana Mackenzie se ícone fecundo da dimensão materna e acolhedora na qual está revestida tal personagem da História. Avalizada pela Mariologia e pela tradição popular, Maria chega a ultrapassar os limites que lhe permitem circular pelas diferentes manifestações artísticas, conforme visto neste trabalho, a escultura e a música. Vencendo, portanto, questões temporais, Pietà atualiza-se pelas mãos de Milton Nascimento. Por meio da relação entre som e palavra ratifica-se a atmosfera presente na escultura, produzida há mais de cinco séculos. Mediante a noção de dialogismo e intertextualidade, é possível estabelecer um diálogo entre ambos os textos, na medida em que se observa a incorporação de elementos do primeiro na construção do segundo. Ao mesmo tempo que cada texto em questão apresenta uma unidade autônoma de significação, o sentido da canção potencializa-se, amplia-se, quando se estabelece uma relação entre esta e a escultura, bem como com a tradição devocional mariana. Pietà permite constatar a inter-relação discursiva que permeia as diferentes manifestações de linguagens. O presente exercício de resgate intertextual colabora para que se estabeleça uma relação menos ingênua com o texto, de um modo geral, sem perder de vista a perspectiva dialógica em que épocas, estilos, linguagens e significados se enriquecem num embate vivo e intenso. REFERÊNCIAS ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana: De Michelangelo ao Futurismo. Trad. Wilma De Katinszky. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. v. 3. BARALDI, Vanessa de Paula Zagnole. Marcas intertextuais no discurso publicitário da Aspirina: Se é Bayer, é bom. 2008. Dissertação (Mestrado em Letras) — Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008. BARBEIRO, Heródoto. Apresentação. In: BARRETO, Gilson; OLIVEIRA, Marcelo G. A arte secreta de Michelangelo: uma lição de anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004. BARRETO, Gilson; OLIVEIRA, Marcelo G. A arte secreta de Michelangelo: uma lição de anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2008. BEATTIE, Tina. Redescobrindo Maria a partir dos Evangelhos. Trad. Silvio Neves Ferreira. São Paulo: Paulinas, 2001. 15
  • 16. BÍBLIA SAGRADA. 151. ed. São Paulo: Ave-Maria, 2002. BOSI, Alfredo. Imagem, discurso. O ser e o tempo da poesia. 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. BOUNARROTI, Michelangelo. Pietà (1499). Disponível em: <http://www.la- pieta.org/_page_/gallery/photorama>. Acesso em: 1 mar. 2010. COMISSÃO INTERNACIONAL ANGLICANO-CATÓLICA ROMANA. Maria: graça e esperança em Cristo. Trad. Débora Balancin. São Paulo: Paulinas, 2005. DISCINI, Norma. A comunicação nos textos. São Paulo: Contexto, 2005. DONDIS, Donis A. A sintaxe da linguagem visual. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ECO, Umberto. Entrando no bosque. Seis passeios pelos bosques da ficção. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. 5. ed. São Paulo: Ática, 2007. FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. _______________. Polifonia textual e discursiva. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz (orgs.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade: Em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 2003. GOMBRICH, Ernst H. A história da arte. Trad. Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. GUIMARÃES, Alexandre Huady Torres. No contraste, o destacar do mito. XI Congresso Internacional da ABRALIC, USP, 2008. Disponível em: <http://www.abralic.org/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/013/ALEXANDRE_GUIM ARAES.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2010. HEGEL, G. W. Friedrich. Estética. Trad. Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino. Lisboa: Guimarães Editores, 1993. LARRAÑAGA, Inácio. O silêncio de Maria. Trad. José Carlos Correa Pedroso. 16. ed. São Paulo: Paulinas, 1987. MELO, Fábio de (Pe.). Pietà. Revista Ir ao povo. Disponível em: <http://fabiodemelo.com.br/novo/blog/index.php?cd_fotolog=17>. Acesso em: 25 abr. 2010. NASCIMENTO, Milton. CD. Pietà. 2003. Warner Music Brasil. OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. Introdução à melopoética: a música na literatura brasileira. In: _______________ (et al.). Literatura e música. São Paulo: Senac, 2003. 16
  • 17. Universidade Presbiteriana Mackenzie PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura comparada, intertexto e Antropofagia. Flores da escrivaninha: Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. PROENÇA, Graça. História da arte. 16. ed. São Paulo: Ática, 2002. RENNÓ, Carlos. Poesia literária e poesia de música: convergências. In: OLIVEIRA, Solange Ribeiro de (et al.). Literatura e música. São Paulo: Senac, 2003. TINOCO, Robson Coelho; ALEXANDRIA, Marília de. Poemas, música e dialogias: novos processos melopoéticos. Disponível em: <http://www.onda.eti.br/revistaintercambio/conteudo/arquivos/1861.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2010. Contato: willians.calazans@hotmail.com e huady@mackenzie.br. 17