2. ÁLVARES DE AZEVEDO
[o mal-do-século é a solidão]
MAL-DO-SÉCULO
[melancolia, spleen,obsessão pela morte]
A melancolia [melanina kole: “bile negra”], segundo os gregos, é um humor secretado pelo
baço [sede dos sentimentos] é consiste numa radical negação da perda. De acordo com a
psicanálise, o sujeito melancólico não consegue desligar-se de seu objeto perdido, o que o leva
a perder o interesse pela vida. Em alguns casos, a melancolia pode se tornar um caso
patológico, e exigir tratamento médico.
3. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
MAL-DO-SÉCULO
[melancolia, spleen,obsessão pela morte]
SONETO
Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
derrotismo
Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... Já esmorece a tristeza [mágoa] leva o locutor a um estado do prostração
O corpo exausto que o repouso esquece
Eis o estado em que a mágoa me tem posto! melancolia
O adeus, o teu adeus, minha saudade, a tristeza profunda leva à obsessão pela morte
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade sofrimento amoroso e idealização
Dá-me a esperança com que o seu mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
4. ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS
epígrafes
Cantando a vida, como o cisne a morte!
Dieu, amour et poésie sont les
trois mots que je voudrais
seuls graver sur ma pierre,
si je mérite une pierre!
estrutura
PARTES 1 e 3 PARTE 2
solar, idealização, ingenuidade ironia, pessimismo, spleen
A FACE DE ARIEL A FACE DE CALIBAN
dedicatória
O livro é dedicado à mãe do poeta [proposta de volta ao seio materno]
[postura adolescente]
5. ARIEL: primeira e terceira partes
suave ingênuo sensível
IDEALIZAÇÃO
sentimental elegíaco recatado
Era o vate da Corte – bem nutrido,
Descansem o meu leito solitário Farto de sangue, mas de veia pobre,
Na floresta dos homens esquecida. Caídos beiços, volumoso abdômen,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Grisalha cabeleira esparramada,
– Foi poeta – sonhou – e amou na vida. Tremendo narigão, mas testa curta;
Em suma, um glosador de sobremesas.
macabro satírico sarcástico
DESIDEALIZAÇÃO
ironia cinismo irreverência
CALIBAN: segunda parte
6. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
A FACE DE ARIEL
[visão ingênua e sentimental]
DREAMS, DREAMS, DREAMS
Virgem do meu amor, o beijo a furto
Que pouso em tua face adormecida
Não te lembra no peito os meus amores
E a febre de sonhar da minha vida?
Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio lirismo amoroso
O meu peito se afoga de ternura
E sinto que o porvir não vale um beijo a mulher amada aparece idealizada pelo locutor
E o céu um teu suspiro de ventura!
idealização
Um beijo divinal que acende as veias,
Que de encantos os olhos ilumina, mulher [virgem, anjo, adormecida]
Colhido a medo como flor da noite
Do teu lábio na rosa purpurina impossibilidade de realização amorosa
E um volver de teus olhos transparentes,
Um olhar dessa pálpebra sombria,
Talvez pudessem reviver-me n’alma
As santas ilusões de que eu vivia!
7. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
O AMOR IDEALIZADO
[mulher indisponível: branca, anjo, morta, virgem]
SONETO
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada, idealização
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia! vocabulário ligado à cor branca
Era a virgem do mar! Na escuma fria
mulher morta, mulher dormindo, anjo, virgem
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada o locutor observa a amada, mas não parte para a ação
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
poeta voyeur
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo... imagens sensuais
Formas nuas no leito resvalando...
medo de amar [mulher indisponível + mulher idealizada]
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando, visão ingênua e sentimental
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo.
8. A FACE DE ARIEL: uma postura doce e meiga
amada dormindo
medo anjo
de virgem morta
criança
amar a figura da estátua
O medo de amar é a revelação de uma postura imatura, adolescente e ingênua por parte do
poeta: diante da mulher de sua classe social, adota uma postura tímida e recatada para
expressar a impossibilidade do contato erótico.
9. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
A FACE DE ARIEL
[visão ingênua e sentimental]
VIRGEM MORTA
Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, tu dormes pura:
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
lirismo amoroso [idealização]
Bem cedo, ao menos, eu serei contigo
— Na dor do coração a morte leio... a mulher aparece como virgem [irmã dos anjos]
Poderei amanhã, talvez, meus lábios
Da irmã dos anjos encostar no seio... mulher morta
Morreu com ela da esperança o mundo!... [idealizada e indisponível para o sexo]
No leito virginal de minha noiva
Quero, nas sombras do verão da vida, melancolia [sofrimento amoroso]
Prantear os meus únicos amores,
medo de amar [idealização]
Quero ali, ao luar, sentir passando
Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,
Os sonhos de su’alma inocentinha.
10. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
A FACE DE ARIEL
[visão ingênua e sentimental]
LEMBRANÇA DE MORRER
Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente
spleen [mal-do-século]
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro melancolia
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfez ao dobre do sineiro; mulher morta
Só levo uma saudade – é dessas sombras postura adolescente
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! Pobre coitada [ligação com a irmã e com a mãe]
Que por minha tristeza te definhas!
idealização
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!
11. SEGUNDA INTRODUÇÃO: A face de Caliban
Cuidado, leitor, ao voltar a página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos
entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Barataria de D. Quixote, onde
Sancho é rei; e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João
Tenório: a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. Quase que depois de Ariel
esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa
binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta
escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces. Demais, perdoem-me os poetas do
tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao menos que o
sentimentalismo tão fashionable desde Werther e René.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
esta segunda introdução [de cunho metalingüístico] alerta o leitor para a temática da
da segunda parte da Lira dos vinte anos [desidealização, satanismo, ironia romântica]
trata-se, na verdade, de uma carta de intenções que objetiva aliar-se ao byronismo
12. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO
[a face de caliban: visão sarcástica do mundo]
SEM TÍTULO
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza: a ironia romântica
Canto à lua de noite serenatas,
poeta maldito, vagabundo, marginal
E quem vive de amor não tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem ouço a raiva desidealização
Nas cavernas do peito, sufocante,
a mulher de carne e osso aparece disponível sexualmente
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.
Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada...
13. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO
[a face de caliban: visão sarcástica do mundo]
O POETA MORIBUNDO
Poetas! amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!
Coração, por que tremes? Vejo a morte, desidealização
Ali vem lazarenta e desdentada...
Que noiva!... E devo então dormir com ela? poeta maldito, vagabundo, marginal
Se ela ao menos dormisse mascarada!
carnavalização da morte
No inferno estão suavíssimas belezas,
Cleópatras, Helenas, Eleonoras; a morte é vista como uma celebração festiva
Lá se namora em boa companhia,
Não pode haver inferno com Senhoras! corrosão das convenções sociais [byronismo]
Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
14. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
NEGAÇÃO DA PERDA, DESEJO DE MORTE
[a face de caliban: visão sarcástica do mundo]
SEM TÍTULO
Morrer! Morrer! É a voz das sepulturas!
Como a lua nas salas festivas dor e sofrimento
A morte em nós se estampa!
E os pobres sonhadores de venturas a morte é desejada, como possível fim para o sofrimento
Roxeiam amanhã nos funerais
E vão rolar na campa! morbidez
E por três noites padeci três anos, melancolia
Na vida cheia de saudade infinda...
Três anos de esperança e de martírio... desertificação
Três anos de sofrer – e espero ainda!
15. A POESIA DO ROMANTISMO
segunda geração
A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO
[a face de caliban: visão sarcástica do mundo]
É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!
É ela! é ela! murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
Esta noite eu ousei mais atrevido a ironia romântica
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono, a mulher de classes baixas está disponível para o sexo
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
desidealização
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado... [lavadeira, ferro de passar roupas, ronco]
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado! postura imatura e preconceituosa
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...