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Edileila Maria Leite Portes1 
BAUMAN, Zygmunt. “Vidas Desperdiçadas”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 
Este livro é o resultado das reflexões que o autor vem construindo a partir do seu olhar de sociólogo humanista para o mundo moderno e para as consequências da modernização que considera “perpétua, compulsiva, obsessiva e perniciosa”. O tema central da obra é o cenário sombrio onde o mundo moderno se desenrola, o que nos leva a perceber que a utopia de que a modernidade seria “a condição universal da humanidade” já não existe mais: estamos num mundo “cheio” - de pessoas e de coisas - que exclui aquilo e aqueles que se tornam “redundantes” - refugos materiais e humanos. A obra está dividida em quatro capítulos que explicitam o “projeto” elaborado para o mundo moderno: desde a sua gênese até as consequências que essa modernidade trouxe para a vida humana. Tal como Guy Debord, Bauman nos incita a fazer uma nova trajetória nessa “sociedade do espetáculo”. 
Caberá ao leitor, assim, adentrar nos vários temas que ele aborda: desde o desemprego, a imigração, o exílio, a superpopulação, a centralidade e a marginalidade, a criminalidade, os sistemas políticos passando pelos sentimentos de angústia, de depressão, de insegurança que permeiam as relações humanas modernas chegando as questões da arte, da beleza, da estética, da identidade e da alteridade. Já na introdução nos incita a essas reflexões ao dizer que “há mais de uma forma de contar a história da modernidade”. Faz aqui uma analogia das cidades modernas com as “cidades invisíveis” de Italo Calvino, buscando mostrar, através da fala do personagem Marco Polo, como a maioria das pessoas desconhece, na verdade, os lugares em que vivem. Segundo o autor, este livro é dedicado a “esse problema que não é apenas técnico. Tenta explicar o que mais ele é, além de técnico, e por que, antes de mais nada, ele é um problema”(p.11). 
1 Possui graduação em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialização em Folclore e Cultura Popular e Mestrado em Gestão Integrada do Território. É Membro Efetivo da Comissão Mineira de Folclore. Atualmente é professora assistente da Universidade Vale do Rio Doce. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Artes Visuais, atuando principalmente nas seguintes áreas: desenho, composição e plástica, percepção visual, história da arte, cultura, folclore, identidade, território e territorialidades
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No capitulo primeiro “No começo era o projeto – ou o refugo da construção da ordem”, o autor traz à tona os problemas vividos pela geração dos nascidos na década de 1970, chamados de Geração X (Grã-Bretanha e outros países desenvolvidos) – “mal-estares e aflições”, “sofrimento líquido”, na linguagem utilizada pelo autor, como conseqüência dos males que afligem a sociedade contemporânea, resquícios da tão decantada modernidade. Coloca ainda em evidência, o paradoxo em que vive essa sociedade: ao mesmo tempo em que é uma sociedade de projetos, é uma sociedade vivendo sem “um projeto de vida”, com pequena expectativa de continuidade dos projetos que foram elaborados, “quando foram”. Traz como um desses males, o “desemprego e baixas expectativas de emprego”, o que faz com que essa geração seja redundante - “desnecessária, sem uso”. Tornando-se redundante, se destina ao refugo. Ao explicitar as causas do mal estar da citada geração, acredita que é uma geração que tem motivos para não aceitar a sociedade que os rejeita ou de tratá-la com respeito, uma vez que junto com a perda do emprego, há a “perda da auto-estima, do sentido de serem úteis” (p.22). É uma sociedade que produz refugos, mas que não tem lugar para eles. São considerados “falhos, incompletos, imperfeitos”. Compara aqui a modernidade a uma viagem num veículo superlotado onde muitos não conseguiram embarcar, citando dois motivos: por não terem sido capazes ou por terem sido esmagados pelas suas rodas. Diz ainda que mesmo os “lugares em pé” não tem sido suficientes para acomodar todos os passageiros. Segundo ele, o slogan da modernidade – “Progresso” - exige uma massa cada vez menor para a viagem. Traz nesse bojo da análise, os sentimentos que se tornam presentes nessa geração: “confusão, desorientação, perplexidade”. Para o autor falta ainda a capacidade de gerenciar essa crise, de enfrentar o problema, atentando para o fato de que pode faltar, inclusive, ferramentas para esse enfrentamento, uma vez que os fins são indefinidos, indeterminados, “líquidos” trazendo o já antevisto por Marx no Manifesto Comunista: “tudo o que é sólido desmancha no ar”. 
Com uma lucidez cortante, mostra que o projeto moderno se esqueceu de um fator importante - existem leis que regem a natureza e, o projeto da modernidade as distanciou das leis criadas pelos humanos. Apropria-se nesse momento de um também “lúcido conselho” de Francis Bacon, de que agora, só restaria aos seres humanos aprender com as leis da natureza de que modo poderiam utilizá-las em seu proveito. No entanto, é uma idéia rejeitada pela modernidade. Mostra a tentativa do homem moderno de querer colocar ordem no mundo (caos) criando “compulsivamente” projetos para que tudo deve ter “seu espaço adequado” e “funções apropriadas”, o que criaria uma “infinidade de possibilidades e o caráter ilimitado da
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inclusão” (p.42). Traz aqui, o Estado-nação, como detentor do Poder de fazer pertencer, mas também de excluir, para manter a construção da ordem proposta nesse projeto (p.45). 
No segundo capítulo “Serão eles demasiados? Ou o refugo do progresso humano”, Berman começa trazendo a teoria Malthuseana (1978) - superpopulação superando a produção de alimentos. Tal teoria mostra a chegada do caos, o que contraria o espírito moderno – afinal os projetos encontrariam soluções para as necessidades até então não saciadas: a cura de todos os males da humanidade através da ciência e da técnica; a felicidade seria conseguida através do poder humano (industrial e militar); poderio e riqueza seriam avaliados pelo número maior de pessoas (p.47). Faz uma análise histórica desse progresso, que considera turbulento: a desintegração das guildas de artesãos desencadeada pela maquinaria industrial, a busca de emprego nas minas de carvão e pelas fábricas e, no final do século XIX, os distritos rurais monopolizando a terra, transformando pequenas fazendas em grandes. Mostra nesse contexto, o surgimento de outro fenômeno que caracteriza o mundo moderno: o da migração, como forma de aliviar “a pressão sobre as condições de existência dos trabalhadores” e buscar “uma melhoria nas suas condições de vida”. Já naquele século, na França, conforme exemplifica, havia o estímulo à deportação de parte da população considerada “redundante”. 
Desde o princípio, a era moderna foi uma época de grandes migrações. Massas populacionais até agora não calculadas, e talvez até incalculáveis, moveram-se pelo planeta, deixando seus países nativos, que não ofereciam condições de sobrevivência, por terras estrangeiras que lhes prometiam melhor sorte (p.50). 
Assim, através de dados estatísticos, mostra no início do século XX, como estes lugares sobre determinados, “foram aniquilados entre a época da chegada e estabelecimento dos primeiros soldados e comerciantes europeus” (p.51). Traça ainda uma análise de como a ‘sociedade organizada’ trata os ‘parasitas e intrusos’ – simulados, indolentes, trapaceiros, criminosos” e complementa: “a superpopulação é apenas um efeito colateral da civilização global emergente que se manifesta na produção e remoção de refugos” (p.55). Traz a “incômoda reflexão” de que “redundância” pode ter tido a sua gênese no próprio comportamento dos consumidores, “os descuidados consumidores dos recursos mundiais”, que somos nós (p.58). 
Ainda neste capítulo atenta para a questão da ‘superpopulação’ – fecundidade. Coloca a necessidade, nesse caso, do controle da fecundidade através da tecnologia e da educação (p.59). Ainda traz o problema da Aids como “aliado” dos países desenvolvidos. Nesse
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momento da reflexão, faz uma nova digressão: o ‘medo cósmico’, descrito pelo filósofo russo Mikail Bakhtin – “a emoção humana, demasiadamente humana, desencadeada pela magnificência imaterial e desumana do universo; o tipo de medo que precede o poder construído pelo homem e que lhe serve de alicerce, protótipo e inspiração’. E complementa: “o medo cósmico é o horror do desconhecido (...) da incerteza” (p.61). Esse medo, segundo Berman, mostra que a “vulnerabilidade e a incerteza humanas são as principais razões de ser de todo o poder político. E todo poder político deve cuidar da renovação regular de suas credenciais” (p. 66). Ilustra como muitos países desenvolvidos, através de suas organizações, espalham o medo e a insegurança no seus habitantes como forma de controle (p.69). Traz ainda, no bojo destas colocações, uma alusão a relação, de propósito, feita entre imigrantes e terroristas aliadas ao perigo – estratégia do Estado-moderno, como forma de controle do poder – segurança e perigo caminhando juntas. O Estado no papel de “guardião da segurança” (p. 72). Continua apontando “razões úteis” para a existência de refugo humano como mantenedora do “mundo no seu rumo atual”. Assim como aumenta os ‘refugos humanos’, aumenta o ‘refugo de detritos’ – restos dos usos dos consumidores que não estão dispostos e “nem foram treinados para isso” a fazer o “serviço sujo e pesado”. Ilustra, com exemplos, alguns lugares do planeta que foram transformados para serem, humanos e matéria, coletores de lixo. É a “vitória” do progresso econômico. 
No capítulo terceiro, “A cada refugo seu depósito de lixo Ou o refugo da globalização” faz uma abordagem sobre o crescimento da criminalidade e da impotência dos poderes políticos contra essa força, uma vez que elas “controlam recursos que, nenhum governo sozinho e muitas vezes em conjunto, podem igualar” (p. 82). Mostra como possuem um governo “sem governantes”, de leis próprias, pois o espaço que dominam é o espaço global, ou conforme citado por Manuel Castells, numa apropriação do autor, é um “espaço de fluxos”. Este espaço não tem comandados, portanto, não tem leis que o regem. Para o autor, como os poderes do Estado não podem aplacar esses sentimentos, transferem a atenção das pessoas para os refugos: refugiados, pessoas em busca de asilo, imigrantes, onde podem demonstrar sua “capacidade de manejo e controle” (p.84). São, assim, segundo o autor, “alvo bastante visível, e imóvel, para o excedente da angústia” (p.85) 
Traz aqui a grande transformação ocorrida entre ‘os trinta gloriosos anos do pós-guerra. Alerta ainda que, pela curta distância de tempo e por serem “parciais” e ‘’provisórias” não conseguimos ainda penetrar em as todas as “profundezas dessa grande transformação” e que
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um aspecto que, acredita “fatal”, foi a “passagem do modelo de comunidade includente do ‘Estado social’ para um Estado excludente, ‘penal’, voltado para o controle do crime. O papel econômico volta-se para a intervenção penal (p. 86-87). Para o autor isso é derivado da “difusão global do modo de vida moderno” (p.88), eliminando assim, a divisão entre ‘centro’ e ‘periferia’, categorias também analisadas por Raffestin em “Por uma Geografia do Poder”. 
Para o autor, agora, tanto no centro quanto na periferia, é produzido ‘refugo humano’ e o planeta está cheio e no “limite máximo”. Mostra, apropriando-se de Rosa de Luxemburgo como a organização não capitalista alimentou o capitalismo, mas que o próprio sistema, aos destituí-lo, perdeu a sua fonte de alimentação. Como a modernização alcançou o seu auge e as quais são as suas conseqüências: não mais se em permitido - e nem existem mais espaços - escoar os dejetos nem humanos nem materiais – o bloqueio às fronteiras e os movimentos ecológicos são cada vez maiores e no, entanto, eles continuam sendo produzidos de forma avassaladora. Assim, como reciclar o que não se pode sair? Ainda analisando o problema, o autor afirma que “talvez a única indústria a prosperar nas terras dos retardatários (desonesta e enganosamente apelidadas de “países em desenvolvimento”) seja a produção maciça de refugiados” (p. 92). Traça aqui uma análise do real significado dos chamados, ironicamente pelo autor, de “acampamentos temporários para toda a vida” (p.93). É a “resolução local” dos problemas locais. Nesse bojo, traz ainda os problemas da desregulamentação das guerras, que são conduzidas por “entidades não-estatais, que não se sujeitam às leis do Estado nem as convenções internacionais” e que, segundo o autor “são produtos e causas acessórias, mas poderosas, da contínua erosão da soberania do Estado e da permanente condição de terra de fronteira que caracteriza o espaço global ‘interestatal’ (p.95). São “produtos da globalização” (p.96). Indivíduos sem identidade, a não ser de refugiados. 
Mostra ainda os que continuam “dentro”, formando guetos urbanos na maioria dos grandes centros (p.101). É uma sociedade independente se protegendo daqueles que os excluíram. Novamente cita o caso dos imigrantes, em “particular”, os que emergem no grande número de cidades européias considerando-os ‘refugos importados’ com um resto de esperança de reciclagem. Traz ainda a análise feita anteriormente, da política de segurança escolhida pelo Estado: uma vez que perdeu parte de suas funções econômicas e sociais, tenta com essa escolha “recuperar a autoridade perdida e restaurar sua importância como protetor aos olhos dos cidadãos” (p.105). Faz uma irônica analogia das prisões onde são mandados os refugos
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humanos com contêiners, onde se guarda e “esconde” o refugo do lixo material. Não é mais possível reciclar. Não por não poder, mas por não espaços onde colocar (p. 108). 
Outro tipo de refugo humano trazido pelo autor, são os que sobram da luta entre os que são ativos o ‘ramo econômico’ – barões de gado da fronteira agora substituídos pelas empresas manufatureiras, comerciais ou de capital” - e os ‘bandidos fora da lei’ pelos terroristas, estes no ‘ramo da destruição criativa da ordem’, que são vistos pelo autor como um “arquétipo de suas próprias batalhas privadas contra os dramas sofridos no plano individual, ou apenas um sinal de como até mesmo um infeliz esnobado e rejeitado pode marcar um ponto” (p. 110). Não é mais possível manter o controle sobre qualquer espaço. 
O autor mostra aqui o falido projeto de Estado social de proteger a população. Não há como defendê-los da “redundância, exclusão, rejeição” que, paradoxalmente, foram consequências desse mesmo projeto. O progresso econômico está nas mãos das “forças econômicas globais livremente flutuantes”. Assim, para manter o poder, alimenta os temores “provocados pela ameaça á segurança pessoal com conspiradores terroristas caracterizados também pela livre flutuação global” e através do uso da tecnologia, novas formas de segurança são produzidas, mais lixo material é produzido, mais controle nos guetos são feitos e mais prisões, para onde são “armazenados” refugos humanos passa a ser “uma alternativa vantajosa”. Para o autor busca-se hoje um Estado que cuide da sua “segurança pessoal” e não da “precariedade e da proteção sociais” (p.113). Fala aqui do acordo tácito entre os detentores do poder em manter a mesma forma de controle. 
O autor faz uma análise final neste capítulo apontando para os sentimentos que afloram a partir desse estado em que o planeta se encontra: desconfiança, suspeita, medo. Tais sentimentos fazem com os vínculos também sejam “experimentais”, não duradouros, são também “refugos”. Afinal existe sempre uma “suspeita no ar” (p.116). 
No quarto e último capítulo “A cultura do lixo”, mostra o paradoxo da existência humana instaurado com a modernidade – na idéia de refugo não cabe a idéia de infinitude (aqui tudo é ‘reciclado sem parar’, reencarnação, retorno). O autor traz uma nova reflexão: o lidar com a idéia da mortalidade, da brevidade da vida (p. 119). A idéia de infinitude traz segurança, que segundo o autor, começou a “derreter” com o advento da modernidade, metaforicamente
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formulada por Marx no Manifesto Comunista, já citado. “A modernidade líquida é uma civilização do excesso, da superfluidade, do refugo e de sua remoção” (p.120) 
Novamente nesse capítulo o autor faz uma digressão com o tema cultura e eternidade. Para o autor, só conseguimos conviver com a idéia de mortalidade, por razões culturais. É ela que “transforma o horror da morte numa força motora da vida” (p.121). Aqui difere o individualismo heróico do sistema social que para a realização das coisas são colocados por ela formas e meios ficando os mesmos à disposição de pessoas comuns – “que carecem dos talentos e da bravura raros e refinados do diminuto grupo de guerreiros galantes para os quais a idéia de ‘heroísmo’, em seu sentido original, foi reservada” (p.122). Contrariando tal afirmativa, o autor conclui: “A sociedade, e a cultura que faz da sociedade humana um sistema, é um mecanismo que permite a realização do feito heróico, de modo cotidiano e trivial, por seres humanos comuna, não heróicos” (p.122). Nesse momento, continua a digressão sobre a questão da transcendência, da morte e do sentimento que permeia essas emoções, esses pensamentos, essas reflexões: na contemporaneidade, “a morte foi afastada para longe da vida dos homens e das mulheres” (p.123), o que orientava “os projetos a longo prazo” ou “regulava as ações cotidianas”, o que faz com que a vida perca “sua coesão interna” (p.124). Traz a reflexão dos Irmãos karamasov de Dostoievski no diálogo entre os irmãos Ivan, Dimitri, interpretado da seguinte forma pelo autor: “Deixe de acreditar em Deus e na imortalidade, substitua a fé pela razão – e o egoísmo se tornará a única norma sensata” (p.127). Segundo o autor, o tempo é algo precioso para a modernidade, onde nenhum atraso é permitido. A eternidade, portanto, não faz parte de seus valores. “A posição na hierarquia é avaliada pela habilidade (...) em reduzir ou eliminar de todo o lapso do tempo que separa um desejo de sua realização” (p.129). A eternidade, portanto, não cabe na modernidade. Faz aqui uma análise de tempo, atraso, espera, perdas, ganhos... 
Este é o maior dos círculos viciosos. O ritmo vertiginoso da mudança desvaloriza tudo que possa ser desejável e desejado hoje, assinalando-o desde o início como o lixo de amanhã, enquanto o medo do próprio desgaste que emerge da experiência existencial do ritmo estonteante da mudança instiga os desejos a serem mais ávidos e a mudança, mais rapidamente desejada...” (p.135). 
Ainda na perspectiva de analisar os valores da modernidade, o autor passa do consumo à beleza: “juntamente com a felicidade, tem sido uma das mais excitantes promessas modernas e um dos ideais que instigam o inquieto espírito moderno”, cujos conceitos são: harmonia,
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proporção, simetria, ordem” (p.140), enfim “perfeição”. Perfeição significa que a alteração atingiu seu propósito e agora deve parar. Nada de outras mudanças. No entanto, para o autor, por ser o homem “animais transgressores e transcendentes”, vivemos a frente do nosso tempo, a frente do presente. (...) A essa parte do mundo que se estende á frente da experiência vivida damos o nome de ‘ideais’. (...) A beleza é um desses ideais. Segundo Berman, “ ‘a beleza’ é um dos ideais que nos conduzem para além do mundo que já é. (...) Se a tivéssemos atingido, ela teria perdido esse poder e com ele, o seu valor” (p.141). Mas é preciso “transgredir, transcender”. Assim a perfeição é algo que “ainda” precisa ser alcançado. Segundo ainda outros autores, apropriados por Bauman, a grande problema está que, no mundo em que vivemos, a uma sociedade moderna, estamos num terreno movediço, sem “alicerce firme” para continuarmos prosseguindo”. É essa a causa do sentimento de insegurança e de incerteza. Assim, diante das situações precisamos fazer “escolhas”, mas como não existem “regras claras e confiáveis”, em que possamos nos apoiar par afazermos essas escolhas. Para o autor, falta “um lugar seguro, um lar” – nas palavras de Melucci (p.144-145) – “os destinos mudam de lugar ou perdem o encanto mais rápido do que as pernas podem faze, os carros podem percorrer e os aviões podem voar”, afirma o autor “manter-se em movimento importa mais que o destino” (p.142). Afirma ainda, que parece que vivemos uma cultura de desengajamento, de descontinuidade e do esquecimento”, a mesma idéia de desencaixa, de descontinuidade proposto Anthony Guiddens em “As Consequências da Modernidade”. 
Interessantíssima a abordagem do autor , quando nos traz a idéia de “cultura de impacto” que vivemos – o ”produto cultural deve dissolver, afastar e remover os produtos culturais de ontem” (p.145), o que reflete nas obras de arte – os happenings criados pelos artistas modernos – a palavra beleza se desvinculou da palavra eternidade no mundo líquido-moderno (146). Apropria de Yves Micahud para analisar a situação da arte no mundo moderno: a ‘estética ‘ hoje é cultivada, difundida, distribuída, consumida num mundo esvaziado de trabalhos artísticos” (p.147) e conclui: o que não é mais bonito, por imposição da moda, é feio e o destino do feio é a lata de lixo – é refugo (p. 148). E complementa: “a beleza está na vendagem elevada, nos recordes de bilheteria, nos discos de platina, nos picos de audiência da TV” (p.149). Chega a afirmar que as civilizações nascerem pela fome da beleza e que não a aplacaram. Ao contrário, as civilizações “parecem tê-la tornado mais insaciável” (p.151). 
Inicia um parágrafo comparando-nos às mercadorias. “Somos consumidores numa sociedade de consumidores” (p.151). Assim como trocamos o carro que já não nos contentam, trocamos
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de relacionamentos. Traz dois valores que são ambíguos: independência e companhia. Alguns contratos de casamento, em determinados países, já, segundo o autor prevêem cláusulas que são comparadas às do lixo material – são preparadas para a armazenagem final quando virarem refugo. Carecemos, assim, de relações duradouras, verdadeiras e as substituímos com as virtuais, fazendo com que percamos a oportunidade de nos engajarmos com pessoas reais. O autor busca mostrar como nos são oferecidas mercadorias substitutas das mercadorias duradouras prometendo o que eles mesmos criam. 
libertar-nos das agruras da negociação interminável e do compromisso incômodo; juram eliminar a desagradável necessidade de auto-sacrifício, acordos e concessões mútuas que todos os vínculos íntimos e amorosos cedo ou tarde vão exigir. Vêm com a oferta da recuperação de perdas no caso de você achar todos esses esforços pesados demais para serem suportados (p.161). 
Analisa ainda neste capítulo, os reality show, fazendo uma interessante analogia com Dali ou De Chirico – ficamos diante da tela para assistir “os conteúdos mais profundos e ocultos de nossos medos e fantasias subconscientes” (p.162). Mostra o nosso mundo moderno como um grande Big Brother, onde somos constantemente vigiados e, se não vencermos, seremos excluídos” (p.163). 
O autor termina o livro nos propondo uma última reflexão: a possibilidade de verificar se essa modernidade traçada por ele na obra é a única via que pode ser trilhada pelo ser humano. Traz assim, com maestria, uma sociologia libertária que nos convida a um engajamento na construção de uma vida menos excludente. 
Diante da análise feita pelo autor sobre o mundo moderno, acreditamos que cabe aqui encerrar essa resenha citando uma obra que, com a sabedoria oriental, nos convida a repensar nossa posição no mundo consumista em que nos encontramos. Trata-se do livro “A Arte da Guerra” de Sun Tzu: 
Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória, sofrerá também uma derrota. Se você não conhece o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas...
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Referências Bibliográficas 
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar – A aventura da modernidade (in). São Paulo: Cia das Letras, 1986. Em: http://www.scribd.com/doc/2301035/Marshall- Berman-Tudo-O-Que-E-Solido-Desmancha-No-Ar 
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia – Construção da Pessoa e Resistência Cultural. Editora Brasiliense: 1986. 
CASTELLS, Manuel. Paraísos comunais: identidade e significado na sociedade em rede. Em: O Poder da Identidade – A era da informação: economia, sociedade e cultura – Vol.II. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2008. 
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1991. 
PORTES, Edileila Maria Leite. A Modernidade: Suas Raízes, Suas Promessas, Suas Contradições. Em: Herdeiros das Origens – um estudo das relações entre arte erudita, arte popular e arte folclórica – Monografia de Conclusão de Curso. Belo Horizonte: Unicentro Newton Paiva, 1999. 
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Editora Ática, 1993. 
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade – Cap. 10, 11 e 12. São Paulo: Cia das Letras, 2000. 
TZU, San. A Arte da Guerra. Adaptação e Prefácio de James Clavell. Tradução de José Sanz. Rio de janeiro: Editora Record, 2005.

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37930 vidas desperdiçadas zigmunt bauman

  • 1. 1 Edileila Maria Leite Portes1 BAUMAN, Zygmunt. “Vidas Desperdiçadas”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. Este livro é o resultado das reflexões que o autor vem construindo a partir do seu olhar de sociólogo humanista para o mundo moderno e para as consequências da modernização que considera “perpétua, compulsiva, obsessiva e perniciosa”. O tema central da obra é o cenário sombrio onde o mundo moderno se desenrola, o que nos leva a perceber que a utopia de que a modernidade seria “a condição universal da humanidade” já não existe mais: estamos num mundo “cheio” - de pessoas e de coisas - que exclui aquilo e aqueles que se tornam “redundantes” - refugos materiais e humanos. A obra está dividida em quatro capítulos que explicitam o “projeto” elaborado para o mundo moderno: desde a sua gênese até as consequências que essa modernidade trouxe para a vida humana. Tal como Guy Debord, Bauman nos incita a fazer uma nova trajetória nessa “sociedade do espetáculo”. Caberá ao leitor, assim, adentrar nos vários temas que ele aborda: desde o desemprego, a imigração, o exílio, a superpopulação, a centralidade e a marginalidade, a criminalidade, os sistemas políticos passando pelos sentimentos de angústia, de depressão, de insegurança que permeiam as relações humanas modernas chegando as questões da arte, da beleza, da estética, da identidade e da alteridade. Já na introdução nos incita a essas reflexões ao dizer que “há mais de uma forma de contar a história da modernidade”. Faz aqui uma analogia das cidades modernas com as “cidades invisíveis” de Italo Calvino, buscando mostrar, através da fala do personagem Marco Polo, como a maioria das pessoas desconhece, na verdade, os lugares em que vivem. Segundo o autor, este livro é dedicado a “esse problema que não é apenas técnico. Tenta explicar o que mais ele é, além de técnico, e por que, antes de mais nada, ele é um problema”(p.11). 1 Possui graduação em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialização em Folclore e Cultura Popular e Mestrado em Gestão Integrada do Território. É Membro Efetivo da Comissão Mineira de Folclore. Atualmente é professora assistente da Universidade Vale do Rio Doce. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Artes Visuais, atuando principalmente nas seguintes áreas: desenho, composição e plástica, percepção visual, história da arte, cultura, folclore, identidade, território e territorialidades
  • 2. 2 No capitulo primeiro “No começo era o projeto – ou o refugo da construção da ordem”, o autor traz à tona os problemas vividos pela geração dos nascidos na década de 1970, chamados de Geração X (Grã-Bretanha e outros países desenvolvidos) – “mal-estares e aflições”, “sofrimento líquido”, na linguagem utilizada pelo autor, como conseqüência dos males que afligem a sociedade contemporânea, resquícios da tão decantada modernidade. Coloca ainda em evidência, o paradoxo em que vive essa sociedade: ao mesmo tempo em que é uma sociedade de projetos, é uma sociedade vivendo sem “um projeto de vida”, com pequena expectativa de continuidade dos projetos que foram elaborados, “quando foram”. Traz como um desses males, o “desemprego e baixas expectativas de emprego”, o que faz com que essa geração seja redundante - “desnecessária, sem uso”. Tornando-se redundante, se destina ao refugo. Ao explicitar as causas do mal estar da citada geração, acredita que é uma geração que tem motivos para não aceitar a sociedade que os rejeita ou de tratá-la com respeito, uma vez que junto com a perda do emprego, há a “perda da auto-estima, do sentido de serem úteis” (p.22). É uma sociedade que produz refugos, mas que não tem lugar para eles. São considerados “falhos, incompletos, imperfeitos”. Compara aqui a modernidade a uma viagem num veículo superlotado onde muitos não conseguiram embarcar, citando dois motivos: por não terem sido capazes ou por terem sido esmagados pelas suas rodas. Diz ainda que mesmo os “lugares em pé” não tem sido suficientes para acomodar todos os passageiros. Segundo ele, o slogan da modernidade – “Progresso” - exige uma massa cada vez menor para a viagem. Traz nesse bojo da análise, os sentimentos que se tornam presentes nessa geração: “confusão, desorientação, perplexidade”. Para o autor falta ainda a capacidade de gerenciar essa crise, de enfrentar o problema, atentando para o fato de que pode faltar, inclusive, ferramentas para esse enfrentamento, uma vez que os fins são indefinidos, indeterminados, “líquidos” trazendo o já antevisto por Marx no Manifesto Comunista: “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Com uma lucidez cortante, mostra que o projeto moderno se esqueceu de um fator importante - existem leis que regem a natureza e, o projeto da modernidade as distanciou das leis criadas pelos humanos. Apropria-se nesse momento de um também “lúcido conselho” de Francis Bacon, de que agora, só restaria aos seres humanos aprender com as leis da natureza de que modo poderiam utilizá-las em seu proveito. No entanto, é uma idéia rejeitada pela modernidade. Mostra a tentativa do homem moderno de querer colocar ordem no mundo (caos) criando “compulsivamente” projetos para que tudo deve ter “seu espaço adequado” e “funções apropriadas”, o que criaria uma “infinidade de possibilidades e o caráter ilimitado da
  • 3. 3 inclusão” (p.42). Traz aqui, o Estado-nação, como detentor do Poder de fazer pertencer, mas também de excluir, para manter a construção da ordem proposta nesse projeto (p.45). No segundo capítulo “Serão eles demasiados? Ou o refugo do progresso humano”, Berman começa trazendo a teoria Malthuseana (1978) - superpopulação superando a produção de alimentos. Tal teoria mostra a chegada do caos, o que contraria o espírito moderno – afinal os projetos encontrariam soluções para as necessidades até então não saciadas: a cura de todos os males da humanidade através da ciência e da técnica; a felicidade seria conseguida através do poder humano (industrial e militar); poderio e riqueza seriam avaliados pelo número maior de pessoas (p.47). Faz uma análise histórica desse progresso, que considera turbulento: a desintegração das guildas de artesãos desencadeada pela maquinaria industrial, a busca de emprego nas minas de carvão e pelas fábricas e, no final do século XIX, os distritos rurais monopolizando a terra, transformando pequenas fazendas em grandes. Mostra nesse contexto, o surgimento de outro fenômeno que caracteriza o mundo moderno: o da migração, como forma de aliviar “a pressão sobre as condições de existência dos trabalhadores” e buscar “uma melhoria nas suas condições de vida”. Já naquele século, na França, conforme exemplifica, havia o estímulo à deportação de parte da população considerada “redundante”. Desde o princípio, a era moderna foi uma época de grandes migrações. Massas populacionais até agora não calculadas, e talvez até incalculáveis, moveram-se pelo planeta, deixando seus países nativos, que não ofereciam condições de sobrevivência, por terras estrangeiras que lhes prometiam melhor sorte (p.50). Assim, através de dados estatísticos, mostra no início do século XX, como estes lugares sobre determinados, “foram aniquilados entre a época da chegada e estabelecimento dos primeiros soldados e comerciantes europeus” (p.51). Traça ainda uma análise de como a ‘sociedade organizada’ trata os ‘parasitas e intrusos’ – simulados, indolentes, trapaceiros, criminosos” e complementa: “a superpopulação é apenas um efeito colateral da civilização global emergente que se manifesta na produção e remoção de refugos” (p.55). Traz a “incômoda reflexão” de que “redundância” pode ter tido a sua gênese no próprio comportamento dos consumidores, “os descuidados consumidores dos recursos mundiais”, que somos nós (p.58). Ainda neste capítulo atenta para a questão da ‘superpopulação’ – fecundidade. Coloca a necessidade, nesse caso, do controle da fecundidade através da tecnologia e da educação (p.59). Ainda traz o problema da Aids como “aliado” dos países desenvolvidos. Nesse
  • 4. 4 momento da reflexão, faz uma nova digressão: o ‘medo cósmico’, descrito pelo filósofo russo Mikail Bakhtin – “a emoção humana, demasiadamente humana, desencadeada pela magnificência imaterial e desumana do universo; o tipo de medo que precede o poder construído pelo homem e que lhe serve de alicerce, protótipo e inspiração’. E complementa: “o medo cósmico é o horror do desconhecido (...) da incerteza” (p.61). Esse medo, segundo Berman, mostra que a “vulnerabilidade e a incerteza humanas são as principais razões de ser de todo o poder político. E todo poder político deve cuidar da renovação regular de suas credenciais” (p. 66). Ilustra como muitos países desenvolvidos, através de suas organizações, espalham o medo e a insegurança no seus habitantes como forma de controle (p.69). Traz ainda, no bojo destas colocações, uma alusão a relação, de propósito, feita entre imigrantes e terroristas aliadas ao perigo – estratégia do Estado-moderno, como forma de controle do poder – segurança e perigo caminhando juntas. O Estado no papel de “guardião da segurança” (p. 72). Continua apontando “razões úteis” para a existência de refugo humano como mantenedora do “mundo no seu rumo atual”. Assim como aumenta os ‘refugos humanos’, aumenta o ‘refugo de detritos’ – restos dos usos dos consumidores que não estão dispostos e “nem foram treinados para isso” a fazer o “serviço sujo e pesado”. Ilustra, com exemplos, alguns lugares do planeta que foram transformados para serem, humanos e matéria, coletores de lixo. É a “vitória” do progresso econômico. No capítulo terceiro, “A cada refugo seu depósito de lixo Ou o refugo da globalização” faz uma abordagem sobre o crescimento da criminalidade e da impotência dos poderes políticos contra essa força, uma vez que elas “controlam recursos que, nenhum governo sozinho e muitas vezes em conjunto, podem igualar” (p. 82). Mostra como possuem um governo “sem governantes”, de leis próprias, pois o espaço que dominam é o espaço global, ou conforme citado por Manuel Castells, numa apropriação do autor, é um “espaço de fluxos”. Este espaço não tem comandados, portanto, não tem leis que o regem. Para o autor, como os poderes do Estado não podem aplacar esses sentimentos, transferem a atenção das pessoas para os refugos: refugiados, pessoas em busca de asilo, imigrantes, onde podem demonstrar sua “capacidade de manejo e controle” (p.84). São, assim, segundo o autor, “alvo bastante visível, e imóvel, para o excedente da angústia” (p.85) Traz aqui a grande transformação ocorrida entre ‘os trinta gloriosos anos do pós-guerra. Alerta ainda que, pela curta distância de tempo e por serem “parciais” e ‘’provisórias” não conseguimos ainda penetrar em as todas as “profundezas dessa grande transformação” e que
  • 5. 5 um aspecto que, acredita “fatal”, foi a “passagem do modelo de comunidade includente do ‘Estado social’ para um Estado excludente, ‘penal’, voltado para o controle do crime. O papel econômico volta-se para a intervenção penal (p. 86-87). Para o autor isso é derivado da “difusão global do modo de vida moderno” (p.88), eliminando assim, a divisão entre ‘centro’ e ‘periferia’, categorias também analisadas por Raffestin em “Por uma Geografia do Poder”. Para o autor, agora, tanto no centro quanto na periferia, é produzido ‘refugo humano’ e o planeta está cheio e no “limite máximo”. Mostra, apropriando-se de Rosa de Luxemburgo como a organização não capitalista alimentou o capitalismo, mas que o próprio sistema, aos destituí-lo, perdeu a sua fonte de alimentação. Como a modernização alcançou o seu auge e as quais são as suas conseqüências: não mais se em permitido - e nem existem mais espaços - escoar os dejetos nem humanos nem materiais – o bloqueio às fronteiras e os movimentos ecológicos são cada vez maiores e no, entanto, eles continuam sendo produzidos de forma avassaladora. Assim, como reciclar o que não se pode sair? Ainda analisando o problema, o autor afirma que “talvez a única indústria a prosperar nas terras dos retardatários (desonesta e enganosamente apelidadas de “países em desenvolvimento”) seja a produção maciça de refugiados” (p. 92). Traça aqui uma análise do real significado dos chamados, ironicamente pelo autor, de “acampamentos temporários para toda a vida” (p.93). É a “resolução local” dos problemas locais. Nesse bojo, traz ainda os problemas da desregulamentação das guerras, que são conduzidas por “entidades não-estatais, que não se sujeitam às leis do Estado nem as convenções internacionais” e que, segundo o autor “são produtos e causas acessórias, mas poderosas, da contínua erosão da soberania do Estado e da permanente condição de terra de fronteira que caracteriza o espaço global ‘interestatal’ (p.95). São “produtos da globalização” (p.96). Indivíduos sem identidade, a não ser de refugiados. Mostra ainda os que continuam “dentro”, formando guetos urbanos na maioria dos grandes centros (p.101). É uma sociedade independente se protegendo daqueles que os excluíram. Novamente cita o caso dos imigrantes, em “particular”, os que emergem no grande número de cidades européias considerando-os ‘refugos importados’ com um resto de esperança de reciclagem. Traz ainda a análise feita anteriormente, da política de segurança escolhida pelo Estado: uma vez que perdeu parte de suas funções econômicas e sociais, tenta com essa escolha “recuperar a autoridade perdida e restaurar sua importância como protetor aos olhos dos cidadãos” (p.105). Faz uma irônica analogia das prisões onde são mandados os refugos
  • 6. 6 humanos com contêiners, onde se guarda e “esconde” o refugo do lixo material. Não é mais possível reciclar. Não por não poder, mas por não espaços onde colocar (p. 108). Outro tipo de refugo humano trazido pelo autor, são os que sobram da luta entre os que são ativos o ‘ramo econômico’ – barões de gado da fronteira agora substituídos pelas empresas manufatureiras, comerciais ou de capital” - e os ‘bandidos fora da lei’ pelos terroristas, estes no ‘ramo da destruição criativa da ordem’, que são vistos pelo autor como um “arquétipo de suas próprias batalhas privadas contra os dramas sofridos no plano individual, ou apenas um sinal de como até mesmo um infeliz esnobado e rejeitado pode marcar um ponto” (p. 110). Não é mais possível manter o controle sobre qualquer espaço. O autor mostra aqui o falido projeto de Estado social de proteger a população. Não há como defendê-los da “redundância, exclusão, rejeição” que, paradoxalmente, foram consequências desse mesmo projeto. O progresso econômico está nas mãos das “forças econômicas globais livremente flutuantes”. Assim, para manter o poder, alimenta os temores “provocados pela ameaça á segurança pessoal com conspiradores terroristas caracterizados também pela livre flutuação global” e através do uso da tecnologia, novas formas de segurança são produzidas, mais lixo material é produzido, mais controle nos guetos são feitos e mais prisões, para onde são “armazenados” refugos humanos passa a ser “uma alternativa vantajosa”. Para o autor busca-se hoje um Estado que cuide da sua “segurança pessoal” e não da “precariedade e da proteção sociais” (p.113). Fala aqui do acordo tácito entre os detentores do poder em manter a mesma forma de controle. O autor faz uma análise final neste capítulo apontando para os sentimentos que afloram a partir desse estado em que o planeta se encontra: desconfiança, suspeita, medo. Tais sentimentos fazem com os vínculos também sejam “experimentais”, não duradouros, são também “refugos”. Afinal existe sempre uma “suspeita no ar” (p.116). No quarto e último capítulo “A cultura do lixo”, mostra o paradoxo da existência humana instaurado com a modernidade – na idéia de refugo não cabe a idéia de infinitude (aqui tudo é ‘reciclado sem parar’, reencarnação, retorno). O autor traz uma nova reflexão: o lidar com a idéia da mortalidade, da brevidade da vida (p. 119). A idéia de infinitude traz segurança, que segundo o autor, começou a “derreter” com o advento da modernidade, metaforicamente
  • 7. 7 formulada por Marx no Manifesto Comunista, já citado. “A modernidade líquida é uma civilização do excesso, da superfluidade, do refugo e de sua remoção” (p.120) Novamente nesse capítulo o autor faz uma digressão com o tema cultura e eternidade. Para o autor, só conseguimos conviver com a idéia de mortalidade, por razões culturais. É ela que “transforma o horror da morte numa força motora da vida” (p.121). Aqui difere o individualismo heróico do sistema social que para a realização das coisas são colocados por ela formas e meios ficando os mesmos à disposição de pessoas comuns – “que carecem dos talentos e da bravura raros e refinados do diminuto grupo de guerreiros galantes para os quais a idéia de ‘heroísmo’, em seu sentido original, foi reservada” (p.122). Contrariando tal afirmativa, o autor conclui: “A sociedade, e a cultura que faz da sociedade humana um sistema, é um mecanismo que permite a realização do feito heróico, de modo cotidiano e trivial, por seres humanos comuna, não heróicos” (p.122). Nesse momento, continua a digressão sobre a questão da transcendência, da morte e do sentimento que permeia essas emoções, esses pensamentos, essas reflexões: na contemporaneidade, “a morte foi afastada para longe da vida dos homens e das mulheres” (p.123), o que orientava “os projetos a longo prazo” ou “regulava as ações cotidianas”, o que faz com que a vida perca “sua coesão interna” (p.124). Traz a reflexão dos Irmãos karamasov de Dostoievski no diálogo entre os irmãos Ivan, Dimitri, interpretado da seguinte forma pelo autor: “Deixe de acreditar em Deus e na imortalidade, substitua a fé pela razão – e o egoísmo se tornará a única norma sensata” (p.127). Segundo o autor, o tempo é algo precioso para a modernidade, onde nenhum atraso é permitido. A eternidade, portanto, não faz parte de seus valores. “A posição na hierarquia é avaliada pela habilidade (...) em reduzir ou eliminar de todo o lapso do tempo que separa um desejo de sua realização” (p.129). A eternidade, portanto, não cabe na modernidade. Faz aqui uma análise de tempo, atraso, espera, perdas, ganhos... Este é o maior dos círculos viciosos. O ritmo vertiginoso da mudança desvaloriza tudo que possa ser desejável e desejado hoje, assinalando-o desde o início como o lixo de amanhã, enquanto o medo do próprio desgaste que emerge da experiência existencial do ritmo estonteante da mudança instiga os desejos a serem mais ávidos e a mudança, mais rapidamente desejada...” (p.135). Ainda na perspectiva de analisar os valores da modernidade, o autor passa do consumo à beleza: “juntamente com a felicidade, tem sido uma das mais excitantes promessas modernas e um dos ideais que instigam o inquieto espírito moderno”, cujos conceitos são: harmonia,
  • 8. 8 proporção, simetria, ordem” (p.140), enfim “perfeição”. Perfeição significa que a alteração atingiu seu propósito e agora deve parar. Nada de outras mudanças. No entanto, para o autor, por ser o homem “animais transgressores e transcendentes”, vivemos a frente do nosso tempo, a frente do presente. (...) A essa parte do mundo que se estende á frente da experiência vivida damos o nome de ‘ideais’. (...) A beleza é um desses ideais. Segundo Berman, “ ‘a beleza’ é um dos ideais que nos conduzem para além do mundo que já é. (...) Se a tivéssemos atingido, ela teria perdido esse poder e com ele, o seu valor” (p.141). Mas é preciso “transgredir, transcender”. Assim a perfeição é algo que “ainda” precisa ser alcançado. Segundo ainda outros autores, apropriados por Bauman, a grande problema está que, no mundo em que vivemos, a uma sociedade moderna, estamos num terreno movediço, sem “alicerce firme” para continuarmos prosseguindo”. É essa a causa do sentimento de insegurança e de incerteza. Assim, diante das situações precisamos fazer “escolhas”, mas como não existem “regras claras e confiáveis”, em que possamos nos apoiar par afazermos essas escolhas. Para o autor, falta “um lugar seguro, um lar” – nas palavras de Melucci (p.144-145) – “os destinos mudam de lugar ou perdem o encanto mais rápido do que as pernas podem faze, os carros podem percorrer e os aviões podem voar”, afirma o autor “manter-se em movimento importa mais que o destino” (p.142). Afirma ainda, que parece que vivemos uma cultura de desengajamento, de descontinuidade e do esquecimento”, a mesma idéia de desencaixa, de descontinuidade proposto Anthony Guiddens em “As Consequências da Modernidade”. Interessantíssima a abordagem do autor , quando nos traz a idéia de “cultura de impacto” que vivemos – o ”produto cultural deve dissolver, afastar e remover os produtos culturais de ontem” (p.145), o que reflete nas obras de arte – os happenings criados pelos artistas modernos – a palavra beleza se desvinculou da palavra eternidade no mundo líquido-moderno (146). Apropria de Yves Micahud para analisar a situação da arte no mundo moderno: a ‘estética ‘ hoje é cultivada, difundida, distribuída, consumida num mundo esvaziado de trabalhos artísticos” (p.147) e conclui: o que não é mais bonito, por imposição da moda, é feio e o destino do feio é a lata de lixo – é refugo (p. 148). E complementa: “a beleza está na vendagem elevada, nos recordes de bilheteria, nos discos de platina, nos picos de audiência da TV” (p.149). Chega a afirmar que as civilizações nascerem pela fome da beleza e que não a aplacaram. Ao contrário, as civilizações “parecem tê-la tornado mais insaciável” (p.151). Inicia um parágrafo comparando-nos às mercadorias. “Somos consumidores numa sociedade de consumidores” (p.151). Assim como trocamos o carro que já não nos contentam, trocamos
  • 9. 9 de relacionamentos. Traz dois valores que são ambíguos: independência e companhia. Alguns contratos de casamento, em determinados países, já, segundo o autor prevêem cláusulas que são comparadas às do lixo material – são preparadas para a armazenagem final quando virarem refugo. Carecemos, assim, de relações duradouras, verdadeiras e as substituímos com as virtuais, fazendo com que percamos a oportunidade de nos engajarmos com pessoas reais. O autor busca mostrar como nos são oferecidas mercadorias substitutas das mercadorias duradouras prometendo o que eles mesmos criam. libertar-nos das agruras da negociação interminável e do compromisso incômodo; juram eliminar a desagradável necessidade de auto-sacrifício, acordos e concessões mútuas que todos os vínculos íntimos e amorosos cedo ou tarde vão exigir. Vêm com a oferta da recuperação de perdas no caso de você achar todos esses esforços pesados demais para serem suportados (p.161). Analisa ainda neste capítulo, os reality show, fazendo uma interessante analogia com Dali ou De Chirico – ficamos diante da tela para assistir “os conteúdos mais profundos e ocultos de nossos medos e fantasias subconscientes” (p.162). Mostra o nosso mundo moderno como um grande Big Brother, onde somos constantemente vigiados e, se não vencermos, seremos excluídos” (p.163). O autor termina o livro nos propondo uma última reflexão: a possibilidade de verificar se essa modernidade traçada por ele na obra é a única via que pode ser trilhada pelo ser humano. Traz assim, com maestria, uma sociologia libertária que nos convida a um engajamento na construção de uma vida menos excludente. Diante da análise feita pelo autor sobre o mundo moderno, acreditamos que cabe aqui encerrar essa resenha citando uma obra que, com a sabedoria oriental, nos convida a repensar nossa posição no mundo consumista em que nos encontramos. Trata-se do livro “A Arte da Guerra” de Sun Tzu: Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória, sofrerá também uma derrota. Se você não conhece o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas...
  • 10. 10 Referências Bibliográficas BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar – A aventura da modernidade (in). São Paulo: Cia das Letras, 1986. Em: http://www.scribd.com/doc/2301035/Marshall- Berman-Tudo-O-Que-E-Solido-Desmancha-No-Ar BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia – Construção da Pessoa e Resistência Cultural. Editora Brasiliense: 1986. CASTELLS, Manuel. Paraísos comunais: identidade e significado na sociedade em rede. Em: O Poder da Identidade – A era da informação: economia, sociedade e cultura – Vol.II. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2008. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1991. PORTES, Edileila Maria Leite. A Modernidade: Suas Raízes, Suas Promessas, Suas Contradições. Em: Herdeiros das Origens – um estudo das relações entre arte erudita, arte popular e arte folclórica – Monografia de Conclusão de Curso. Belo Horizonte: Unicentro Newton Paiva, 1999. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Editora Ática, 1993. SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade – Cap. 10, 11 e 12. São Paulo: Cia das Letras, 2000. TZU, San. A Arte da Guerra. Adaptação e Prefácio de James Clavell. Tradução de José Sanz. Rio de janeiro: Editora Record, 2005.