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I.

Capítulo: A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM

(Dicotomia ou tricotomia?)
1.1. A ORIGEM DO HOMEM
Os teólogos e a Igreja em geral são unânimes em aceitar que a origem do homem é da
inteira intervenção de Deus. Esta é uma verdade que suplanta todas as teorias filosóficas
que tentam explicar a origem do homem.
Em conformidade com o relato de Génesis 1.26,27: “e disse Deus: façamos o homem à
nossa imagem, conforme à nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move
sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; a imagem de Deus o criou,
macho”, somos iluminados que o homem foi formado por intervenção imediata de
Deus; que ele não nasceu, nem cresceu, nem é produto de algum processo de evolução.
Também apreendemos que a vida que faz dele um homem derivou de Deus porquanto
Deus soprou nele o “fôlego da vida” tornando-se, portanto, portador da imagem de
Deus. Mediante este acto, pelo Deus de amor e poder, o homem foi levado à existência
numa dualidade de relacionamento simultaneamente com a natureza e com o próprio
Deus. Deus é a origem de sua vida, e o pó é a matéria-prima de sua existência.
Com base no relato de Génesis 2.7, “Então formou o Senhor Deus o homem do pó da
terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida e o homem foi feito alma vivente”, é
sustentada a doutrina da natureza do homem, com relevância a sua constituição.Que
Deus é o autor da vida humana, teólogos e Igreja em geral são unânimes em afirmá-lo.
Porém quanto a sua constituição, diverge as opiniões. A pergunta que se levanta é a
seguinte: que somos? Somos um todo unitário ou somos formados por dois ou mais
componentes? E se somos formados por dois ou mais componentes, quais são estes
componentes?
Todos concordam que o homem possui um “corpo físico” e outra parte imaterial, “a
alma”. Mas é exactamente a partir daqui onde existe a controvérsia pois outros
acrescem outra substancia, o “espírito”. É o homem composto por “corpo, alma e
espírito” ou constituído somente por “corpo e alma”? Alguns sustentam a primeira
composição a que a teologia chama tricotomia, outros defendem a segunda composição
a que chamamos de dualismo realístico ou dicotomia. Qual dessas opiniões é
verdadeira?
Além destas duas posições, ainda existe outra posição, o “Monismo”, que postula que o
homem não é um composto de substâncias mas sim um único elemento, a saber, a
própria pessoa. Corpo, alma e espírito são apenas outros modos de designar a própria
pessoa, defende a teoria. Porém não se aprofunda sobre esta posição neste trabalho.
Somente está disposta a discussão das duas posições mais proeminentes, a saber,
Tricotomia e Dicotomia.
.
1.2. PANO DE FUNDO
É importante, antes de dar seguimento ao tema propriamente dito, analisar o pano de
fundo Histórico-Teológico destas discussões.
Quanto as Escrituras, nada dizem sobre a origem da alma e do espírito e
surpreendentemente pouco dizem sobre sua natureza. No entanto, quer o Antigo
Testamento como o Novo testamento têm muito a dizer sobre o seu destino inclusive é
uma das questões centrais.
A crença na alma não fazia parte da herança judaico-cristã. A ideia dualista sobre
“corpo e alma” com descrição de personalidade humana conforme se vê no fim do
Antigo Testamento e em todo o Novo Testamento, foi tomada de empréstimo da
filosofia grega, principalmente de Platão, através do neoplatonismo. O judaísmo e o
cristianismo simplesmente reputaram isso como verdade sem qualquer tentativa de
expandir a questão, particularmente sobre a natureza do homem, ainda que muito tenha
sido acrescentado a cerca do destino humano mediante revelação divina visto que esta é
a tese primordial das Escrituras (BENTES e CHAMPLIN, 1997, p. 146). Não devemos
surpreender, portanto, que a maioria dos teólogos cristãos primitivos era ou filosofo
neoplatonico convertido ao cristianismo ou estava sob influência dessas ideias; é o caso
de Justino Mártir, de Clemente de Alexandria, de Orígenes e de Agostinho. Os teólogos
subsequentes conservaram a mesma posição. Por isso mesmo tanto os primeiros quanto
os subsequentes criam na teoria dicotomista. Segundo ERICKISON (2007, p. 227) a
doutrina dicotómica da constituição humana, foi comum desde os tempos remotos do
pensamento cristão, e cresceu em popularidade a ponto de ser praticamente a crença
universal da igreja após o Concilio de Constantinopla em 381 A.D.
Os teólogos que postulam a composição tríplice como aquilo que caracteriza a natureza
humana são influenciados essencialmente pelo texto de I Tessalonicenses 5.23: “E o
próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo
sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo”, e de alguns poucos outros textos similares como Hebreus 4.12 e S. Lucas.1.4647. Mas essa posição não tem encontrado muitos aderentes provavelmente por lhe faltar
a tradição necessária e a base teológica e filosófica antiga. A única base filosófica de
que se serve a tradição tricotomista além da divisão feita por Platão, corpo e alma, é a
divisão adicional feita por Aristóteles cujo ensino asseverava que no homem existe uma
alma animal, a parte que respira, a existência humana, e uma alma racional, o aspecto
intelectual. Louis Berkhof citado por Grudem falando sobre a origem da tricotomia diz:
A concepção tripatite do homem originou-se na filosofia grega, que concebia a relação
entre o corpo e o espírito do homem segundo a analogia da relação mútua entre o
universo material e Deus. Pensava-se que assim como o universo material e Deus
podiam entrar em comunhão um com o outro somente por meio de uma terceira
substancia, também o corpo e o espírito só podia travar mútua relações vitais por meio
de um elemento terceiro ou intermediário, chamado alma. (GRUDEM, 1999, p.396).
Com certeza influenciados por essa filosofia, alguns escritores cristãos primitivos
acharam a confirmação da sua opinião centrada em ITs. 5.23. Orígenes usou as palavras
soma, psyche e pneuma para interpretar as Escrituras sugerindo que elas fossem
interpretadas 1- no seu sentido natural ou somático; 2- no seu sentido simbólico ou
psíquico; 3-no seu significado espiritual ou pneumático.
A tricotomia tornou-se particularmente difundida entre os Pais Alexandrinos do
primeiro século da Igreja. Embora as formas variam, ela é encontrada em Clemente de
Alexandria, Gregório de Nissa e o já citado, Orígenes.

1.3. O SIGNIFICADO DAS EXPRESSÕES “ALMA” E “ESPÍRITO” À LUZ
DAS ESCRITURAS

Antes de se analisar cada uma das opiniões é importante que se compreenda as
expressões: “alma” e “espírito”.
1.3.1. ALMA (no hebraico “nephesh”, ou “nesheman”, no grego “psique”)
Segundo o Novo Dicionário da Bíblia de Douglas, o seu significado primário é
“possuidora da vida”. Por esse motivo é aplicada frequentemente para os animais (Gn
1.20, 24,30; 9.12,15,16; Ez. 47.9), algumas vezes é identificada como sangue que é
essencial para a existência física (Gn. 94; Lv.17.10-14; Dt. 12.22-24). Em muitos casos
indica o princípio de vida. As vezes incluem vários estados de consciência onde
nephesh é a sede do apetite físico (Nm. 21.5; Dt. 12.15,20; Jó 33.20; Sl78.18), é a
origem das emoções (Jó 30.25; Sl. 78:18). Nalguns casos designa ao indivíduo ou a
pessoa (Lv.7.21; Ez. 18.4).
O dicionário bíblico universal concorda com a ideia anterior ao definir a alma como
sede dos afectos, das sensações e paixões, sendo susceptível a angústia, à aflição, ao
desânimo, ao desejo, ao aborrecimento e sendo também capaz de relacionar-se com
Deus como procedendo dele, desejando-o, regozijando-se nele, confiando nele e
adorando-o.
No conciso dicionário de teologia cristã a alma é, assim, definida:
1- Para as Escrituras a vida, o ser ou a própria pessoa.
2-Teologicamente, o aspecto espiritual do ser humano. Acredita-se ser uma entidade
que é a fonte da vida psicológica e espiritual do homem.

1.3.2. ESPÍRITO (heb. “ruash”, e no grego, “pneuma”).
Segundo o dicionário Bíblico Universal, no A.T. a palavra espírito no sentido literal é
vento (Gn 8.1). Em muitas passagens refere-se ao ar que respiramos ou pela expressão
fôlego a vida. Desse modo emprega-se naturalmente a palavra como princípio vital, o
princípio da vida animal, quer se trate de homens quer se trate de animais (Ec. 3.19;Gn.
45.27). Em outras passagens refere-se ao princípio espiritual ou à alma racional. Nesse
sentido o espírito é a sede das emoções e das sensações; ele é activo (Pv.16.18),
atribulado (ISm 1.15), humilde (Pv 16.19).
Destas definições se pode concluir que as duas expressões traduzem o mesmo
significado: vida ou parte imaterial do homem, podendo ser usadas alternadamente
como está aflorado mais adiante.

2.4. TRICOTOMIA

O termo significa “divisão em três” (grego trincha “em três”; temneim “cortar”). É a
doutrina que assevera que há na constituição do homem, uma substância tríplice: Corpo,
Alma e Espírito. O corpo físico é algo que temos em comum com os animais e plantas.
A diferença é que os homens têm estrutura física mais complexa. A Alma é o elemento
psicológico, a base da razão, das emoções, das relações sociais, etc. Os animais têm
uma alma rudimentar. A posse de uma alma é que diferencia os homens e os animais
das plantas. O que diferencia o homem dos animais é de facto possuirmos um terceiro
elemento, a saber, o Espírito. Esse é o elemento religioso que permite aos homens
perceber questões espirituais do indivíduo, visto que os traços da personalidade residem
na alma.
Esta visão da natureza do homem tem sido defendida por muitos evangélicos modernos.
SCOFIELD citado por Champlin e Bentes assevera:
O homem é uma trindade. Que a alma e o espírito humano não são idêntico se
comprova pelo facto de que são divisíveis (Hb 4.12) e que alma e corpo são
distinguidos claramente quando do sepultamento e da ressurreição do corpo. É
sepultado o corpo natural (grego soma psuchikon” corpo animal”) é ressuscitado corpo
espiritual (no grego soma pneumatikon “corpo espiritual) (ICo. 15.44). Portanto
asseverar-se que não há diferença entre alma e espírito é dizer que não há diferença
entre corpo mortal e corpo ressuscitado.
Em suma esta distinção significa que o Espírito faz parte do homem que conhece (ICo
2.11), a sua mente; a alma é a sede dos afectos, dos desejos, e portanto das emoções, da
vontade activa, do próprio “eu” (…). Visto que o homem é Espírito é capaz de ter
consciência de Deus, de comunicar-se com Deus (Jó 32.8; Sal 18.8, Pv. 20.27); e posto
que o homem é alma tem ele consciência de si mesmo (Sal 13.3; 42.5,6,11); e posto que
o homem é corpo, mediante seus sentidos toma consciência do mundo (Gn 126).
(BENTES e CHAMPLIN, 1997, p.147).
A declaração acima remete a ideia básica defendida por todos tricotomistas. Os próprios
Champlin e Bentes assumem-se defensores desta mesma doutrina ao afirmarem que na
declaração acima
Há certo aspecto de verdade pois o homem possui de facto esses níveis de consciência
de tal modo que empiricamente conhece a terra (pelos sentidos do corpo); racionalmente
conhece a si mesmo, aos princípios éticos e a outras coisas, mediante a razão, as
emoções ou intuição; espiritualmente, através do misticismo, ele conhece as realidades
superiores que estão fora do alcance dos sentidos físicos ou da simples faculdade
intuitiva. (BENTES e CHAMPLIN, 1997,.p.148).
Em guisa de conclusão os mesmos autores ainda afirmam:
No que concerne a propósitos práticos, pode-se dizer que o homem é uma trindade, tal
como Deus é “triuno”, pois é assim que ele se manifesta presentemente. E isso não é
argumento desprezível, posto que o homem foi criado segundo a imagem de Deus,
parecendo que, naturalmente, sua natureza se manifesta também mediante três
elementos” (BENTES e CHAMPLIN, 1997, p. 148).
RAPOSO A.F. (s.a. p. 3) ao referir-se sobre a imortalidade da alma diz que por homem
devemos compreender personalidade, composto por corpo e alma, tirado do pó da terra,
sem vida, mas que tendo recebido de Deus o espírito, ou fôlego de vida, tornou-se alma
vivente. “Logo, o homem vivo ficou a compor-se de três elementos: corpo, alma e
espírito”. Por espírito entente o sopro da vida, a chama divina, a vida impessoal que
anima e dá vida a todos os viventes. Por seu lado por alma entende-se a personalidade
ou o indivíduo. Portanto a alma sem o corpo não pode existir, e, sem o espírito, não
pode viver. Ele diz que depois do pecado de Adão, a condenação que Deus dirige a ele
“porquanto és pó e em pó te tornarás” é dito a Adão, isto é, “corpo e alma” e não ao seu
corpo. Portanto “há pois diferença entre alma e espírito”.
Naturalmente nas declarações acima há muitos defeitos. No argumento de Scofield, por
exemplo, pode-se reprovar o seguinte: as palavras “psyche” e “pneuma” conforme são
usadas nas Escrituras, não se prestam à distinção, pois frequentemente são empregadas
como sinónimos sem qualquer diferença tencionada quanto ao seu sentido. Platão por
exemplo usava a palavra psyche para indicar a parte imaterial do homem, capaz de
conhecer a Deus, ao passo que Scofield usa exclusivamente o vocábulo pneuma para
esse sentido. O argumento de Champlin e Bentes é tentador e pode desviar os menos
atentos, levando-os a crer que sendo o homem feito a imagem e semelhança de Deus, e
sendo Deus triuno, é evidente que o homem seja uma trindade como Deus. O que se
pode referir a esse respeito, é que a imagem e semelhança que recebemos de Deus não
têm muito a ver com a nossa constituição. Pois era de se esperar que Deus tivesse um
corpo físico, o que constituiu blasfémia pensar assim de Deus. O que está em questão é
o que se atribui as faculdades da alma e do Espírito. E conforme se constatou, estas duas
expressões não se prestam a distinção. A Bíblia dá prova disto mesmo como veremos
adiante. Mais confusa ainda é a declaração de Raposo que implicitamente confunde o
corpo e alma como mesma entidade sendo ambos materiais apesar de lhes atribuir
características próprias. Examinando o que ele defende, o homem acaba sendo um
composto de corpo-alma e espírito ou seja “alma e espírito” ou “corpo e espírito”
constituem o homem. O que se torna incompreensível.

2.5. DICOTOMIA

Este termo que significa divisão em duas partes (do grego dicha, em dois, temnein,
cortar) é a parte da teologia que advoga dois elementos essenciais na constituição do
homem. Em geral muitos dos argumentos a favor do dicotomismo são em essência,
argumentos contra a concepção tricotomista. Para conhecermos a essência desta
doutrina vamos examinar os argumentos dos teólogos dicotomistas Charles Hodge e
Wayne A. Grudem.
Charles Hodge referindo-se à Génesis 2.7 “ Então formou o Senhor Deus o homem do
pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida e o homem foi feito ama vivente”.
Ele sustenta que está envolvido nesta declaração, que primeiro a “alma do homem é
uma substância; e segundo, que ela é uma substância distinta do corpo. De modo que na
constituição do homem, estão incluídas duas, e não mais do que duas, substancias
essenciais”. Continuando, argumenta:
O homem pois segundo as escrituras é um espírito criado em união vital com o corpo
material e organizado. A relação entre os dois é uma relação vital no sentido de que a
alma é a fonte de vida para o corpo. Quando a alma deixa o corpo este deixa de viver.
Perde sua sensibilidade e actividade, e fica imediatamente sujeito as leis químicas que
governam a matéria desorganizada, e pela operação dessas mesmas leis logo se reduz a
pó, indistinto da terra da qual foi originalmente tomado. A mente toma conhecimento,
ou é consciente das impressões produzidas por objectos externos sobre os órgãos dos
sentidos apropriados ao corpo. A mente vê, a mente ouve, a mente sente, não de
maneira directa nem imediata mas por meio dos órgãos dos sentidos apropriados ao
corpo. (HODGE 2001. p, 517).
Esta tese de Hodge é convincente pois faz parte da nossa experiencia diária. Ninguém
pode negar o que está declarado acima ou reprovar que uma condição sã do corpo é
condição necessária para uma mente sã, ou que as emoções da mente afectam o corpo.
Apesar desta união vital, é também verdadeiro que há certas operações pertencentes
somente ao corpo e não a alma e vice-versa. Por exemplo a respiração, a digestão, a
sudação, etc., são acções do corpo; querer mover-se ou exercer maior ou menor esforço
muscular, são acções somente da vontade.
Ainda o mesmo autor afirma que a doutrina dicotomista está intimamente relacionada
com as doutrinas mais importantes da Bíblia como a constituição da pessoa de Cristo, e
consequentemente a natureza da sua obra redentora e de sua relação com os filhos dos
homens; a doutrina da queda, do pecado original e da regeneração.
Em oposição a doutrina da constituição tríplice, Grudem (1999) e Hodge (2001) são
unânimes em afirmar que ela se opõe ao relato da criação do homem. Quanto as
passagens de que se servem os tricotomistas, os mesmos dão a seguinte explicação:
Quando Paulo diz aos Tessalonincenses: “E o próprio Deus de paz vos santifique
completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados
irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (ITs. 5.23), ele usa uma
perífrase para o homem como um todo. O mesmo acontece quando em Lucas 1.46-47, a
virgem diz: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em Deus meu
Salvador”, alma e espírito nesta passagem não significam elementos diferentes. E
quando somos ordenados: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda
a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como
a ti mesmo”(Lc 10.27), não temos uma enumeração de tentas substancias distintas.
Assim também não fazemos distinção entre a mente e o coração com entidades
separadas quando oramos para que sejamos iluminados e santificados; o que
pretendemos é simplesmente a alma em todos seus aspectos ou faculdades. O mesmo
acontece com Hebreus 4.12 quando o Apostolo diz que “a palavra de Deus corta a
ponto de penetrar alma e espírito, junta e medula”, ele não pressupõe que alma e
espírito sejam diferentes formas da mesma substância; são sim uma mesma substancia
sob diferentes relações. Junta e medula são ambas materiais.
Os escritores bíblicos recorreram ao paralelismo, o artifício poético em que a mesma
ideia é repetida com o uso de palavras diferentes mas sinónimas. Assim lemos em João
12. 27: “Agora a minha alma está perturbada”; e João 13.21: “Tendo Jesus dito isto,
turbou-se em espírito, …”. Esse é um exemplo evidente de como a Bíblia usa os
vocábulos “alma” e “espírito” como sinónimos. Isto explica porque que as pessoas que
morreram são chamadas de espírito (Hb. 12.23; 1Pe 3.19) ou almas (Ap. 6.9; 20.4).

2.6. ENSINO DE JESUS A RESPEITO DO HOMEM

Jesus tinha pouco a dizer acerca do homem. Mas por sua atitude e acções entre os
homens, demonstrou que considerava importante a pessoa humana. Para Jesus, o
homem não era uma simples parte da natureza, pois ele é mais precioso aos olhos de
Deus do que as aves que voam (Mt10.31) e mais do que os animais do campo
(Mt12.12). A qualidade distintiva do homem é que possui uma alma ou natureza
espiritual e perde-la é a sua pior tragédia e tolice final (Mt. 16.26). A vida verdadeira do
homem é, como consequência a vida submissa a Deus e que visa a sua glória. Ela não
consiste de plenitude das posses terrenas (Lc. 12.15). A única riqueza, portanto, é a
riqueza da alma (Mt. 6.20, 25).
Embora Jesus não enfatiza-se claramente a constituição do homem no seu ensino, as
suas palavras em Mateus 10.18: “E não temais os que matam o corpo, e não podem
matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como
o corpo”, nos convencem de que a palavra “alma” aqui se refere claramente a parte da
pessoa que persiste após a morte, pois não pode significar “pessoa ou vida”. Não teria
sentido temer os que matam o corpo e não podem matar a pessoa. Ou que matam o
corpo e não podem matar a vida.
Ao enfatizar o aspecto espiritual do homem, Jesus não depreciava, o corpo, pois durante
todo seu ministério Ele demonstrou que se preocupava com todas as necessidades
humanas.

2.7. CONCLUSÃO DO CAPÍTULO

No que concerne à real constituição do homem, pode dizer-se em guisa de conclusão
que nosso conhecimento a respeito é ainda pequeno, pois, nesse campo reina profundo
mistério. O que é certo é que no homem há muito mais do que corpo. Por que não ser a
alma a coisa mais elevada?
A maior dificuldade neste assunto está na distinção das palavras “alma” e “espírito” se
cada uma delas abarca características próprias, por isso serem distintas uma da outra, ou
se são palavras sinónimas podendo serem usadas intercambiavelmente.
As palavras alma e espírito denotam em geral o princípio vital da pessoa humana. Aqui
tanto tricotomistas quanto dicotomistas são claros em afirma-lo. Sendo assim é mais
verdadeiro que ambas descrevem a mesma coisa sendo usadas indiscriminadamente
para ressaltar a individualidade, ou vida humana, ou para focalizar a ideia de um poder
sobrenatural acima do indivíduo ou dentro dele. Mas também não podemos negar que
em algumas passagens “alma” e “espírito” sugerem distinção uma da outra. Por
exemplo a passagem de I Coríntios 15.44 onde Paulo fala do corpo natural (grego soma
psuchikon” corpo animal”) que é sepultado, e ressuscitado corpo espiritual (no grego
soma pneumatikon “corpo espiritual), o argumento dicotomista não dá uma explicação
convincente. Grudem, não faz menção desta passagem nas respostas aos argumentos a
favor da tricotomia; Hodge refere-se a ela porém nestes termos: “Explicar I Coríntios
15.44 é difícil” (HODGE 2001, p.521). Deste modo dá-se um ponto de vantagem aos
tricotomistas nesta discussão. Difícil mesmo é resolver esta discussão através de
passagens bíblicas visto ambos argumentos aparentarem ter apoio das escrituras. E,
infelizmente para resolver este assunto o único recurso de que dispomos é a Bíblia, que
se mostra muito reticente a respeito da constituição do homem.
Podemos, porém, constatar nas escrituras que tudo o que é ou pode ser predicado de
uma (alma ou espírito) é predicado da outra, ou seja, tudo o que se diz que a alma faz,
diz-se que o espírito também faz e vice-versa. Por exemplo na morte elas (Escrituras)
dizem tanto que a “alma” parte quanto que o “espírito” parte; assim em Génesis 35.18 a
quando da morte de Raquel dizem: “ao sair-lhe a alma (porque morreu), …” ainda,
Elias ora: “Senhor meu Deus, faze que a alma deste menino torne a entrar nele”; João
viu no céu as “almas” dos que foram mortos por causa da Palavra de Deus (Ap. 6.9;
20.4). Ainda no Novo Testamento, Deus diz ao rico insensato: “esta noite te pedirão a
tua alma” (Lc. 12.20). Por outro lado a morte é tida como o retorno do espírito a Deus.
Por isso lemos: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Sl 31.5; Lc.23.46); “e o
espírito volte a Deus que o deu” (Ec. 12.7). Na hora da sua morte Jesus “ inclinando a
cabeça, entregou o espírito” (Jo. 19.30); também Estêvão clama “Senhor Jesus, recebe
o meu espírito”. Outrossim o espírito pode viver emoções, (At. 17.16; Jo. 13.21) assim
como a alma. É possível ter o “espírito abatido” (Pv. 17.22). O espírito pode conhecer,
perceber e pensar (Mc.2.8; Rm8.16). Ainda lemos que a alma também adora a Deus e
com Ele se relaciona; “A ti, Senhor, elevo a minha alma” (Sl. 25.1); “Louva ó minha
alma ao Senhor” (Sl.146.1); “Somente em Deus espera silenciosa a minha alma”
(Sl.62.1); “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga o seu
santo nome” (Sl103.1); “A minha alma engrandece ao Senhor” (Lc. 1.46); “Amarás,
pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas
forças” (Dt. 6.5,Mc. 12.30).
Portanto advogar que o espírito é a parte de nós que se relaciona directamente com Deus
em adoração e oração, enquanto à alma cabe o intelecto (pensamentos), as emoções
(sentimentos) e a vontade (decisões), não tem fundamento bíblico.
Entretanto as palavras “corpo”, “alma” e “espírito” não caracterizam o homem como
um composto de elementos separados e distintos. A psicologia hebraica não subdivide a
natureza do homem em partes que se excluem mutuamente. Por trás do uso destas
palavras permanece a ideia de que a natureza do homem é dupla. Mesmo neste ponto o
homem não é uma união frouxa entre duas entidades discrepantes. A ênfase bíblica está
na unidade global do homem como criatura de Deus; corpo e alma ou espírito agindo
juntos. Quando Deus soprou no homem o fôlego de vida este veio a ser uma alma
vivente, isto é um ser no qual existe uma alma vivente, um ser unificado no interrelacionamento entre terreno e o transcendental.

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CONSTITUIÇAO DO HOMEM

  • 1. I. Capítulo: A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM (Dicotomia ou tricotomia?) 1.1. A ORIGEM DO HOMEM Os teólogos e a Igreja em geral são unânimes em aceitar que a origem do homem é da inteira intervenção de Deus. Esta é uma verdade que suplanta todas as teorias filosóficas que tentam explicar a origem do homem. Em conformidade com o relato de Génesis 1.26,27: “e disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; a imagem de Deus o criou, macho”, somos iluminados que o homem foi formado por intervenção imediata de Deus; que ele não nasceu, nem cresceu, nem é produto de algum processo de evolução. Também apreendemos que a vida que faz dele um homem derivou de Deus porquanto Deus soprou nele o “fôlego da vida” tornando-se, portanto, portador da imagem de Deus. Mediante este acto, pelo Deus de amor e poder, o homem foi levado à existência numa dualidade de relacionamento simultaneamente com a natureza e com o próprio Deus. Deus é a origem de sua vida, e o pó é a matéria-prima de sua existência. Com base no relato de Génesis 2.7, “Então formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida e o homem foi feito alma vivente”, é sustentada a doutrina da natureza do homem, com relevância a sua constituição.Que Deus é o autor da vida humana, teólogos e Igreja em geral são unânimes em afirmá-lo. Porém quanto a sua constituição, diverge as opiniões. A pergunta que se levanta é a seguinte: que somos? Somos um todo unitário ou somos formados por dois ou mais componentes? E se somos formados por dois ou mais componentes, quais são estes componentes? Todos concordam que o homem possui um “corpo físico” e outra parte imaterial, “a alma”. Mas é exactamente a partir daqui onde existe a controvérsia pois outros acrescem outra substancia, o “espírito”. É o homem composto por “corpo, alma e espírito” ou constituído somente por “corpo e alma”? Alguns sustentam a primeira composição a que a teologia chama tricotomia, outros defendem a segunda composição a que chamamos de dualismo realístico ou dicotomia. Qual dessas opiniões é verdadeira? Além destas duas posições, ainda existe outra posição, o “Monismo”, que postula que o homem não é um composto de substâncias mas sim um único elemento, a saber, a própria pessoa. Corpo, alma e espírito são apenas outros modos de designar a própria pessoa, defende a teoria. Porém não se aprofunda sobre esta posição neste trabalho. Somente está disposta a discussão das duas posições mais proeminentes, a saber, Tricotomia e Dicotomia. .
  • 2. 1.2. PANO DE FUNDO É importante, antes de dar seguimento ao tema propriamente dito, analisar o pano de fundo Histórico-Teológico destas discussões. Quanto as Escrituras, nada dizem sobre a origem da alma e do espírito e surpreendentemente pouco dizem sobre sua natureza. No entanto, quer o Antigo Testamento como o Novo testamento têm muito a dizer sobre o seu destino inclusive é uma das questões centrais. A crença na alma não fazia parte da herança judaico-cristã. A ideia dualista sobre “corpo e alma” com descrição de personalidade humana conforme se vê no fim do Antigo Testamento e em todo o Novo Testamento, foi tomada de empréstimo da filosofia grega, principalmente de Platão, através do neoplatonismo. O judaísmo e o cristianismo simplesmente reputaram isso como verdade sem qualquer tentativa de expandir a questão, particularmente sobre a natureza do homem, ainda que muito tenha sido acrescentado a cerca do destino humano mediante revelação divina visto que esta é a tese primordial das Escrituras (BENTES e CHAMPLIN, 1997, p. 146). Não devemos surpreender, portanto, que a maioria dos teólogos cristãos primitivos era ou filosofo neoplatonico convertido ao cristianismo ou estava sob influência dessas ideias; é o caso de Justino Mártir, de Clemente de Alexandria, de Orígenes e de Agostinho. Os teólogos subsequentes conservaram a mesma posição. Por isso mesmo tanto os primeiros quanto os subsequentes criam na teoria dicotomista. Segundo ERICKISON (2007, p. 227) a doutrina dicotómica da constituição humana, foi comum desde os tempos remotos do pensamento cristão, e cresceu em popularidade a ponto de ser praticamente a crença universal da igreja após o Concilio de Constantinopla em 381 A.D. Os teólogos que postulam a composição tríplice como aquilo que caracteriza a natureza humana são influenciados essencialmente pelo texto de I Tessalonicenses 5.23: “E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”, e de alguns poucos outros textos similares como Hebreus 4.12 e S. Lucas.1.4647. Mas essa posição não tem encontrado muitos aderentes provavelmente por lhe faltar a tradição necessária e a base teológica e filosófica antiga. A única base filosófica de que se serve a tradição tricotomista além da divisão feita por Platão, corpo e alma, é a divisão adicional feita por Aristóteles cujo ensino asseverava que no homem existe uma alma animal, a parte que respira, a existência humana, e uma alma racional, o aspecto intelectual. Louis Berkhof citado por Grudem falando sobre a origem da tricotomia diz: A concepção tripatite do homem originou-se na filosofia grega, que concebia a relação entre o corpo e o espírito do homem segundo a analogia da relação mútua entre o universo material e Deus. Pensava-se que assim como o universo material e Deus podiam entrar em comunhão um com o outro somente por meio de uma terceira substancia, também o corpo e o espírito só podia travar mútua relações vitais por meio de um elemento terceiro ou intermediário, chamado alma. (GRUDEM, 1999, p.396).
  • 3. Com certeza influenciados por essa filosofia, alguns escritores cristãos primitivos acharam a confirmação da sua opinião centrada em ITs. 5.23. Orígenes usou as palavras soma, psyche e pneuma para interpretar as Escrituras sugerindo que elas fossem interpretadas 1- no seu sentido natural ou somático; 2- no seu sentido simbólico ou psíquico; 3-no seu significado espiritual ou pneumático. A tricotomia tornou-se particularmente difundida entre os Pais Alexandrinos do primeiro século da Igreja. Embora as formas variam, ela é encontrada em Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa e o já citado, Orígenes. 1.3. O SIGNIFICADO DAS EXPRESSÕES “ALMA” E “ESPÍRITO” À LUZ DAS ESCRITURAS Antes de se analisar cada uma das opiniões é importante que se compreenda as expressões: “alma” e “espírito”. 1.3.1. ALMA (no hebraico “nephesh”, ou “nesheman”, no grego “psique”) Segundo o Novo Dicionário da Bíblia de Douglas, o seu significado primário é “possuidora da vida”. Por esse motivo é aplicada frequentemente para os animais (Gn 1.20, 24,30; 9.12,15,16; Ez. 47.9), algumas vezes é identificada como sangue que é essencial para a existência física (Gn. 94; Lv.17.10-14; Dt. 12.22-24). Em muitos casos indica o princípio de vida. As vezes incluem vários estados de consciência onde nephesh é a sede do apetite físico (Nm. 21.5; Dt. 12.15,20; Jó 33.20; Sl78.18), é a origem das emoções (Jó 30.25; Sl. 78:18). Nalguns casos designa ao indivíduo ou a pessoa (Lv.7.21; Ez. 18.4). O dicionário bíblico universal concorda com a ideia anterior ao definir a alma como sede dos afectos, das sensações e paixões, sendo susceptível a angústia, à aflição, ao desânimo, ao desejo, ao aborrecimento e sendo também capaz de relacionar-se com Deus como procedendo dele, desejando-o, regozijando-se nele, confiando nele e adorando-o. No conciso dicionário de teologia cristã a alma é, assim, definida: 1- Para as Escrituras a vida, o ser ou a própria pessoa. 2-Teologicamente, o aspecto espiritual do ser humano. Acredita-se ser uma entidade que é a fonte da vida psicológica e espiritual do homem. 1.3.2. ESPÍRITO (heb. “ruash”, e no grego, “pneuma”).
  • 4. Segundo o dicionário Bíblico Universal, no A.T. a palavra espírito no sentido literal é vento (Gn 8.1). Em muitas passagens refere-se ao ar que respiramos ou pela expressão fôlego a vida. Desse modo emprega-se naturalmente a palavra como princípio vital, o princípio da vida animal, quer se trate de homens quer se trate de animais (Ec. 3.19;Gn. 45.27). Em outras passagens refere-se ao princípio espiritual ou à alma racional. Nesse sentido o espírito é a sede das emoções e das sensações; ele é activo (Pv.16.18), atribulado (ISm 1.15), humilde (Pv 16.19). Destas definições se pode concluir que as duas expressões traduzem o mesmo significado: vida ou parte imaterial do homem, podendo ser usadas alternadamente como está aflorado mais adiante. 2.4. TRICOTOMIA O termo significa “divisão em três” (grego trincha “em três”; temneim “cortar”). É a doutrina que assevera que há na constituição do homem, uma substância tríplice: Corpo, Alma e Espírito. O corpo físico é algo que temos em comum com os animais e plantas. A diferença é que os homens têm estrutura física mais complexa. A Alma é o elemento psicológico, a base da razão, das emoções, das relações sociais, etc. Os animais têm uma alma rudimentar. A posse de uma alma é que diferencia os homens e os animais das plantas. O que diferencia o homem dos animais é de facto possuirmos um terceiro elemento, a saber, o Espírito. Esse é o elemento religioso que permite aos homens perceber questões espirituais do indivíduo, visto que os traços da personalidade residem na alma. Esta visão da natureza do homem tem sido defendida por muitos evangélicos modernos. SCOFIELD citado por Champlin e Bentes assevera: O homem é uma trindade. Que a alma e o espírito humano não são idêntico se comprova pelo facto de que são divisíveis (Hb 4.12) e que alma e corpo são distinguidos claramente quando do sepultamento e da ressurreição do corpo. É sepultado o corpo natural (grego soma psuchikon” corpo animal”) é ressuscitado corpo espiritual (no grego soma pneumatikon “corpo espiritual) (ICo. 15.44). Portanto asseverar-se que não há diferença entre alma e espírito é dizer que não há diferença entre corpo mortal e corpo ressuscitado. Em suma esta distinção significa que o Espírito faz parte do homem que conhece (ICo 2.11), a sua mente; a alma é a sede dos afectos, dos desejos, e portanto das emoções, da vontade activa, do próprio “eu” (…). Visto que o homem é Espírito é capaz de ter consciência de Deus, de comunicar-se com Deus (Jó 32.8; Sal 18.8, Pv. 20.27); e posto que o homem é alma tem ele consciência de si mesmo (Sal 13.3; 42.5,6,11); e posto que o homem é corpo, mediante seus sentidos toma consciência do mundo (Gn 126). (BENTES e CHAMPLIN, 1997, p.147).
  • 5. A declaração acima remete a ideia básica defendida por todos tricotomistas. Os próprios Champlin e Bentes assumem-se defensores desta mesma doutrina ao afirmarem que na declaração acima Há certo aspecto de verdade pois o homem possui de facto esses níveis de consciência de tal modo que empiricamente conhece a terra (pelos sentidos do corpo); racionalmente conhece a si mesmo, aos princípios éticos e a outras coisas, mediante a razão, as emoções ou intuição; espiritualmente, através do misticismo, ele conhece as realidades superiores que estão fora do alcance dos sentidos físicos ou da simples faculdade intuitiva. (BENTES e CHAMPLIN, 1997,.p.148). Em guisa de conclusão os mesmos autores ainda afirmam: No que concerne a propósitos práticos, pode-se dizer que o homem é uma trindade, tal como Deus é “triuno”, pois é assim que ele se manifesta presentemente. E isso não é argumento desprezível, posto que o homem foi criado segundo a imagem de Deus, parecendo que, naturalmente, sua natureza se manifesta também mediante três elementos” (BENTES e CHAMPLIN, 1997, p. 148). RAPOSO A.F. (s.a. p. 3) ao referir-se sobre a imortalidade da alma diz que por homem devemos compreender personalidade, composto por corpo e alma, tirado do pó da terra, sem vida, mas que tendo recebido de Deus o espírito, ou fôlego de vida, tornou-se alma vivente. “Logo, o homem vivo ficou a compor-se de três elementos: corpo, alma e espírito”. Por espírito entente o sopro da vida, a chama divina, a vida impessoal que anima e dá vida a todos os viventes. Por seu lado por alma entende-se a personalidade ou o indivíduo. Portanto a alma sem o corpo não pode existir, e, sem o espírito, não pode viver. Ele diz que depois do pecado de Adão, a condenação que Deus dirige a ele “porquanto és pó e em pó te tornarás” é dito a Adão, isto é, “corpo e alma” e não ao seu corpo. Portanto “há pois diferença entre alma e espírito”. Naturalmente nas declarações acima há muitos defeitos. No argumento de Scofield, por exemplo, pode-se reprovar o seguinte: as palavras “psyche” e “pneuma” conforme são usadas nas Escrituras, não se prestam à distinção, pois frequentemente são empregadas como sinónimos sem qualquer diferença tencionada quanto ao seu sentido. Platão por exemplo usava a palavra psyche para indicar a parte imaterial do homem, capaz de conhecer a Deus, ao passo que Scofield usa exclusivamente o vocábulo pneuma para esse sentido. O argumento de Champlin e Bentes é tentador e pode desviar os menos atentos, levando-os a crer que sendo o homem feito a imagem e semelhança de Deus, e sendo Deus triuno, é evidente que o homem seja uma trindade como Deus. O que se pode referir a esse respeito, é que a imagem e semelhança que recebemos de Deus não têm muito a ver com a nossa constituição. Pois era de se esperar que Deus tivesse um corpo físico, o que constituiu blasfémia pensar assim de Deus. O que está em questão é o que se atribui as faculdades da alma e do Espírito. E conforme se constatou, estas duas expressões não se prestam a distinção. A Bíblia dá prova disto mesmo como veremos adiante. Mais confusa ainda é a declaração de Raposo que implicitamente confunde o corpo e alma como mesma entidade sendo ambos materiais apesar de lhes atribuir
  • 6. características próprias. Examinando o que ele defende, o homem acaba sendo um composto de corpo-alma e espírito ou seja “alma e espírito” ou “corpo e espírito” constituem o homem. O que se torna incompreensível. 2.5. DICOTOMIA Este termo que significa divisão em duas partes (do grego dicha, em dois, temnein, cortar) é a parte da teologia que advoga dois elementos essenciais na constituição do homem. Em geral muitos dos argumentos a favor do dicotomismo são em essência, argumentos contra a concepção tricotomista. Para conhecermos a essência desta doutrina vamos examinar os argumentos dos teólogos dicotomistas Charles Hodge e Wayne A. Grudem. Charles Hodge referindo-se à Génesis 2.7 “ Então formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida e o homem foi feito ama vivente”. Ele sustenta que está envolvido nesta declaração, que primeiro a “alma do homem é uma substância; e segundo, que ela é uma substância distinta do corpo. De modo que na constituição do homem, estão incluídas duas, e não mais do que duas, substancias essenciais”. Continuando, argumenta: O homem pois segundo as escrituras é um espírito criado em união vital com o corpo material e organizado. A relação entre os dois é uma relação vital no sentido de que a alma é a fonte de vida para o corpo. Quando a alma deixa o corpo este deixa de viver. Perde sua sensibilidade e actividade, e fica imediatamente sujeito as leis químicas que governam a matéria desorganizada, e pela operação dessas mesmas leis logo se reduz a pó, indistinto da terra da qual foi originalmente tomado. A mente toma conhecimento, ou é consciente das impressões produzidas por objectos externos sobre os órgãos dos sentidos apropriados ao corpo. A mente vê, a mente ouve, a mente sente, não de maneira directa nem imediata mas por meio dos órgãos dos sentidos apropriados ao corpo. (HODGE 2001. p, 517). Esta tese de Hodge é convincente pois faz parte da nossa experiencia diária. Ninguém pode negar o que está declarado acima ou reprovar que uma condição sã do corpo é condição necessária para uma mente sã, ou que as emoções da mente afectam o corpo. Apesar desta união vital, é também verdadeiro que há certas operações pertencentes somente ao corpo e não a alma e vice-versa. Por exemplo a respiração, a digestão, a sudação, etc., são acções do corpo; querer mover-se ou exercer maior ou menor esforço muscular, são acções somente da vontade. Ainda o mesmo autor afirma que a doutrina dicotomista está intimamente relacionada com as doutrinas mais importantes da Bíblia como a constituição da pessoa de Cristo, e
  • 7. consequentemente a natureza da sua obra redentora e de sua relação com os filhos dos homens; a doutrina da queda, do pecado original e da regeneração. Em oposição a doutrina da constituição tríplice, Grudem (1999) e Hodge (2001) são unânimes em afirmar que ela se opõe ao relato da criação do homem. Quanto as passagens de que se servem os tricotomistas, os mesmos dão a seguinte explicação: Quando Paulo diz aos Tessalonincenses: “E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (ITs. 5.23), ele usa uma perífrase para o homem como um todo. O mesmo acontece quando em Lucas 1.46-47, a virgem diz: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador”, alma e espírito nesta passagem não significam elementos diferentes. E quando somos ordenados: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”(Lc 10.27), não temos uma enumeração de tentas substancias distintas. Assim também não fazemos distinção entre a mente e o coração com entidades separadas quando oramos para que sejamos iluminados e santificados; o que pretendemos é simplesmente a alma em todos seus aspectos ou faculdades. O mesmo acontece com Hebreus 4.12 quando o Apostolo diz que “a palavra de Deus corta a ponto de penetrar alma e espírito, junta e medula”, ele não pressupõe que alma e espírito sejam diferentes formas da mesma substância; são sim uma mesma substancia sob diferentes relações. Junta e medula são ambas materiais. Os escritores bíblicos recorreram ao paralelismo, o artifício poético em que a mesma ideia é repetida com o uso de palavras diferentes mas sinónimas. Assim lemos em João 12. 27: “Agora a minha alma está perturbada”; e João 13.21: “Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, …”. Esse é um exemplo evidente de como a Bíblia usa os vocábulos “alma” e “espírito” como sinónimos. Isto explica porque que as pessoas que morreram são chamadas de espírito (Hb. 12.23; 1Pe 3.19) ou almas (Ap. 6.9; 20.4). 2.6. ENSINO DE JESUS A RESPEITO DO HOMEM Jesus tinha pouco a dizer acerca do homem. Mas por sua atitude e acções entre os homens, demonstrou que considerava importante a pessoa humana. Para Jesus, o homem não era uma simples parte da natureza, pois ele é mais precioso aos olhos de Deus do que as aves que voam (Mt10.31) e mais do que os animais do campo (Mt12.12). A qualidade distintiva do homem é que possui uma alma ou natureza espiritual e perde-la é a sua pior tragédia e tolice final (Mt. 16.26). A vida verdadeira do homem é, como consequência a vida submissa a Deus e que visa a sua glória. Ela não consiste de plenitude das posses terrenas (Lc. 12.15). A única riqueza, portanto, é a riqueza da alma (Mt. 6.20, 25).
  • 8. Embora Jesus não enfatiza-se claramente a constituição do homem no seu ensino, as suas palavras em Mateus 10.18: “E não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”, nos convencem de que a palavra “alma” aqui se refere claramente a parte da pessoa que persiste após a morte, pois não pode significar “pessoa ou vida”. Não teria sentido temer os que matam o corpo e não podem matar a pessoa. Ou que matam o corpo e não podem matar a vida. Ao enfatizar o aspecto espiritual do homem, Jesus não depreciava, o corpo, pois durante todo seu ministério Ele demonstrou que se preocupava com todas as necessidades humanas. 2.7. CONCLUSÃO DO CAPÍTULO No que concerne à real constituição do homem, pode dizer-se em guisa de conclusão que nosso conhecimento a respeito é ainda pequeno, pois, nesse campo reina profundo mistério. O que é certo é que no homem há muito mais do que corpo. Por que não ser a alma a coisa mais elevada? A maior dificuldade neste assunto está na distinção das palavras “alma” e “espírito” se cada uma delas abarca características próprias, por isso serem distintas uma da outra, ou se são palavras sinónimas podendo serem usadas intercambiavelmente. As palavras alma e espírito denotam em geral o princípio vital da pessoa humana. Aqui tanto tricotomistas quanto dicotomistas são claros em afirma-lo. Sendo assim é mais verdadeiro que ambas descrevem a mesma coisa sendo usadas indiscriminadamente para ressaltar a individualidade, ou vida humana, ou para focalizar a ideia de um poder sobrenatural acima do indivíduo ou dentro dele. Mas também não podemos negar que
  • 9. em algumas passagens “alma” e “espírito” sugerem distinção uma da outra. Por exemplo a passagem de I Coríntios 15.44 onde Paulo fala do corpo natural (grego soma psuchikon” corpo animal”) que é sepultado, e ressuscitado corpo espiritual (no grego soma pneumatikon “corpo espiritual), o argumento dicotomista não dá uma explicação convincente. Grudem, não faz menção desta passagem nas respostas aos argumentos a favor da tricotomia; Hodge refere-se a ela porém nestes termos: “Explicar I Coríntios 15.44 é difícil” (HODGE 2001, p.521). Deste modo dá-se um ponto de vantagem aos tricotomistas nesta discussão. Difícil mesmo é resolver esta discussão através de passagens bíblicas visto ambos argumentos aparentarem ter apoio das escrituras. E, infelizmente para resolver este assunto o único recurso de que dispomos é a Bíblia, que se mostra muito reticente a respeito da constituição do homem. Podemos, porém, constatar nas escrituras que tudo o que é ou pode ser predicado de uma (alma ou espírito) é predicado da outra, ou seja, tudo o que se diz que a alma faz, diz-se que o espírito também faz e vice-versa. Por exemplo na morte elas (Escrituras) dizem tanto que a “alma” parte quanto que o “espírito” parte; assim em Génesis 35.18 a quando da morte de Raquel dizem: “ao sair-lhe a alma (porque morreu), …” ainda, Elias ora: “Senhor meu Deus, faze que a alma deste menino torne a entrar nele”; João viu no céu as “almas” dos que foram mortos por causa da Palavra de Deus (Ap. 6.9; 20.4). Ainda no Novo Testamento, Deus diz ao rico insensato: “esta noite te pedirão a tua alma” (Lc. 12.20). Por outro lado a morte é tida como o retorno do espírito a Deus. Por isso lemos: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Sl 31.5; Lc.23.46); “e o espírito volte a Deus que o deu” (Ec. 12.7). Na hora da sua morte Jesus “ inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo. 19.30); também Estêvão clama “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. Outrossim o espírito pode viver emoções, (At. 17.16; Jo. 13.21) assim como a alma. É possível ter o “espírito abatido” (Pv. 17.22). O espírito pode conhecer, perceber e pensar (Mc.2.8; Rm8.16). Ainda lemos que a alma também adora a Deus e com Ele se relaciona; “A ti, Senhor, elevo a minha alma” (Sl. 25.1); “Louva ó minha alma ao Senhor” (Sl.146.1); “Somente em Deus espera silenciosa a minha alma” (Sl.62.1); “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome” (Sl103.1); “A minha alma engrandece ao Senhor” (Lc. 1.46); “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt. 6.5,Mc. 12.30). Portanto advogar que o espírito é a parte de nós que se relaciona directamente com Deus em adoração e oração, enquanto à alma cabe o intelecto (pensamentos), as emoções (sentimentos) e a vontade (decisões), não tem fundamento bíblico. Entretanto as palavras “corpo”, “alma” e “espírito” não caracterizam o homem como um composto de elementos separados e distintos. A psicologia hebraica não subdivide a natureza do homem em partes que se excluem mutuamente. Por trás do uso destas palavras permanece a ideia de que a natureza do homem é dupla. Mesmo neste ponto o homem não é uma união frouxa entre duas entidades discrepantes. A ênfase bíblica está na unidade global do homem como criatura de Deus; corpo e alma ou espírito agindo juntos. Quando Deus soprou no homem o fôlego de vida este veio a ser uma alma
  • 10. vivente, isto é um ser no qual existe uma alma vivente, um ser unificado no interrelacionamento entre terreno e o transcendental.