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Pierre Nora
Júlio Rocha - Junho de 2013
 Ao analisar esse contexto de defesa da
memória, Pierre Nora identifica como fator
determinante no desejo de memória de nossa época
a problemática fundamental da questão da
mundialização, processo pelo qual o mundo se torna
um só e no qual os meios de comunicação de massa
exercem um papel primordial.
 Nesta análise, o autor sugere um movimento
de alteração do tempo, ou seja, a história
passa a ser mais dinâmica, rápida, a duração
do fato é a duração da notícia, o novo é que
dá as cartas e conduz as vidas, forjando a
sensação de hegemonia do efêmero.
Nora caracteriza esta situação em que o passado
vai cedendo seu lugar para a ideia do eterno
presente através do uso da expressão aceleração
da história. Nesse momento, segurar traços e
vestígios é a maneira de se opor ao efeito
devastador e desintegrador da rapidez
contemporânea.
 As palavras memória e história evocam o
mesmo tempo - o passado.
Contudo, apesar da matéria-prima
comum, é a compreensão oposta a mais
difundida entre os especialistas, ou
melhor, memória e história não se
confundem.
 O sociólogo Maurice Halbwachs, no livro A memória
coletiva (1990 [1949]), já procurava sublinhar a
diferença entre as duas palavras. A memória coletiva
ou social não pode se confundir com a história. Ao
contrário, a história, na sua leitura, começa
justamente onde a memória acaba e a memória
acaba quando não tem mais como suporte um
grupo. Em outras palavras, a memória é sempre
vivida, física ou afetivamente.
 Pierre Nora, também trata da distinção
entre memória e história, além de
realizar a construção de uma nova
noção para se trabalhar na fronteira
destas vivências: “os lugares de
memória”.
 A questão histórica que permeia essa reflexão
parece ser a chamada aceleração histórica, com
seus desdobramentos, as transformações
incessantes e as suas decorrências, a ameaça do
esquecimento – o mito da prisão no eterno
presente – situações que levam a uma obsessão
pelo registro, pelos traços, pelos arquivos, em
síntese, pela história:
 “Aceleração da história. Para além da
metáfora, é preciso ter a noção do que a
expressão significa: uma oscilação cada vez
mais rápida de um passado definitivamente
morto, a percepção global de qualquer coisa
como desaparecida – uma ruptura de
equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou de
vivido no calor da tradição, no mutismo do
costume, na repetição do ancestral, sob o
impulso de um sentimento histórico profundo.
A ascensão à consciência de si mesmo sob o
signo determinado, o fim de alguma coisa
desde sempre começada. Fala-se tanto de
memória porque ela não existe mais”
(NORA, 1993: 07).
 É significativo que se estabeleça uma diferença
importante, que pode ser identificada na
reflexão de Halbwachs, mas que está
explicitada no argumento de Nora, qual seja, a
distinção entre história-objeto e história-
conhecimento, “história vivida e operação
intelectual que a torna inteligível”.
 É esta última o contraponto da memória. Podemos notar aproximações
relevantes entre os pensamentos do sociólogo e do historiador. De acordo
com Nora, memória e história, longe de serem sinônimos, tomamos
consciência que tudo opõe uma à outra.
 Para o autor, a memória é um processo
vivido, conduzido por grupos
vivos, portanto, em evolução permanente e
suscetível a todas as manipulações.
 “A memória é vida, sempre carregada por
grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulnerável a todos
os usos e manipulações, susceptível de longas
latências e de repentinas revitalizações”
(NORA, 1993: 09).
 Em contrapartida, a história é
registro, distanciamento, problematização, crít
ica, reflexão. Os grupos de memória povoam
suas lembranças, repetindo religiosamente
aquilo que é e sempre foi (tradição). A
história, como operação
intelectual, dessacraliza a memória.
 “A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais.
 A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a
história, uma representação do passado.
 Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela
se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou
simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções.
 A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico.
 A memória instala a lembrança no sagrado, a história liberta, e a torna sempre
prosaica.
 A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o
fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla
e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.
 A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para
o universal.
 A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.
 A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas.
 A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” (NORA, 1993: 09).
 A forma histórica como estes fenômenos foram
percebidos pelo autor permitiu a elaboração da
noção de “lugares de memória”, vivência que
ultrapassa de um momento histórico em que
vivemos na fronteira do que éramos, num quadro-
rural-local, e o que somos, num quadro
metropolitano-universal. Ao fazer esta
referência, o autor coloca em pauta de discussão
a questão da identidade e a ameaça de sua perda.
 O conceito de identidade visualizada por
Nora não é entendido como elemento de
discutível natureza humana ou como a priori
de todo grupo social, e sim como situação de
existência coletiva evidenciada em diversos
momentos históricos e que se expressa por
um sentimento de referência e identificação
grupal.
 Os “lugares de memória” expressam o anseio
de retorno a ritos que definem os grupos, a
vontade de busca do grupo que se auto-
reconhece e se auto-diferencia, o movimento
de resgate de sinais de appartanance grupal.
 “os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas, porque essas operações não naturais. É por isso a defesa pelas minorias, de
uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados
nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de
memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa as varreria. São bastiões
sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não
se teria, tampouco, a necessidade de constituí-los. Se vivêssemos verdadeiramente
as lembranças que elas envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a
história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e
petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os
constitui: momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe
são devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a
morte, como as conchas na praia quando o mar se retira da memória viva”
(NORA, 1993: 13).
 Parece ser esta a grande questão que
identificamos ao nos debruçarmos sobre o texto
de Nora: o momento no qual os homens vivem
esta tensão entre intimidade da tradição vivida e
o abandono provocado pelos grupos
desfeitos, dos quais a história, desritualizada, se
empenha em guardar e preservar as marcas. Os
lugares de memória exercem esta função. Dois
movimentos realizam a sua produção:
 “De um lado um movimento puramente historiográfico, o momento de um retorno
reflexivo da história sobre si mesma; de outro lado, um movimento propriamente
histórico, o fim de uma tradição de memória o tempo dos lugares, é esse momento
preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma
memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída. Aprofundamento
decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência de uma herança
consolidada, por outro” (NORA: 1993: 120).
 Na sua leitura, toda história – conhecimento
– é crítica, pois observa e analisa o vivido. O
vivido é seu objeto de questionamento.
Contudo, segundo o autor, há um fato novo
quando seu objeto passa ser a própria
história. Nesse ponto, não é somente o
vivido que é dessacralizado, mas é o
conhecimento histórico, ele próprio, que é
visto como tradição:
 “A história da história não pode ser uma operação inocente. Ela traduz a subversão
interior de uma história-memória por uma história-crítica, e todos os historiadores
pretenderam denunciar as mitologias mentirosas de seus predecessores. Mas
alguma coisa fundamental se inicia quando a história começa a fazer sua própria
história. O nascimento de uma preocupação historiográfica, é a história que se
empenha em emboscar em si mesmo o que não é Ela própria, descobrindo-se como
vítima da memória e fazendo um esforço para se livrar dela” (NORA, 1993: 10).
 Lugar de memória: história que ainda
possui restos de memória. Não é
somente memória porque não é mais
vivida, porque a ruptura com o tempo
eterno já foi realizada, porque o
passado já foi reconhecido, tanto que
passa a ser arquivado, registrado:
 “Museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processo
verbais, monumentos, santuários, associações, são os marcos testemunhas de
uma outra era, das ilusões de eternidade,. Daí o aspecto nostálgico desses
empreendimentos de piedade, patéticos e glaciais. São os rituais de uma
sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza;
fidelidades particulares de uma sociedade que aplaina os particularismos;
diferenciações efetivas numa sociedade que nivela por princípio; sinais de
reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade que só tende a
reconhecer indivíduos iguais e idênticos” (NORA, 1993: 13).
 Nesta sociedade arrancada de sua memória pela
amplitude de suas mudanças, mas ainda obcecada
por se compreender historicamente, o historiador
assume cada vez mais um papel central, “porque
nele se opera aquilo de que ela gostaria, mas não
pode dispensar: o historiador é aquele que impede
a história de ser somente história” (NORA, 1993:
21).
 É, nas suas palavras, a passagem de uma
história totêmica para uma história crítica;
é o momento dos lugares de memória. O
interesse por esses lugares “onde se
ancora, se condensa e se exprime o
capital esgotado de nossa memória
coletiva ressalta dessa sensibilidade.
 História, profundidade de uma época arrancada
de sua profundidade, romance verdadeiro de uma
época sem romance verdadeiro.
Memória, promovida ao centro da história: é o
luto manifesto da literatura” (NORA, 1993: 28).
 Referência:
 NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”, In:
Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dezembro de 1993.

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Entre memória e história

  • 1. Pierre Nora Júlio Rocha - Junho de 2013
  • 2.  Ao analisar esse contexto de defesa da memória, Pierre Nora identifica como fator determinante no desejo de memória de nossa época a problemática fundamental da questão da mundialização, processo pelo qual o mundo se torna um só e no qual os meios de comunicação de massa exercem um papel primordial.
  • 3.  Nesta análise, o autor sugere um movimento de alteração do tempo, ou seja, a história passa a ser mais dinâmica, rápida, a duração do fato é a duração da notícia, o novo é que dá as cartas e conduz as vidas, forjando a sensação de hegemonia do efêmero.
  • 4. Nora caracteriza esta situação em que o passado vai cedendo seu lugar para a ideia do eterno presente através do uso da expressão aceleração da história. Nesse momento, segurar traços e vestígios é a maneira de se opor ao efeito devastador e desintegrador da rapidez contemporânea.
  • 5.  As palavras memória e história evocam o mesmo tempo - o passado. Contudo, apesar da matéria-prima comum, é a compreensão oposta a mais difundida entre os especialistas, ou melhor, memória e história não se confundem.
  • 6.  O sociólogo Maurice Halbwachs, no livro A memória coletiva (1990 [1949]), já procurava sublinhar a diferença entre as duas palavras. A memória coletiva ou social não pode se confundir com a história. Ao contrário, a história, na sua leitura, começa justamente onde a memória acaba e a memória acaba quando não tem mais como suporte um grupo. Em outras palavras, a memória é sempre vivida, física ou afetivamente.
  • 7.  Pierre Nora, também trata da distinção entre memória e história, além de realizar a construção de uma nova noção para se trabalhar na fronteira destas vivências: “os lugares de memória”.
  • 8.  A questão histórica que permeia essa reflexão parece ser a chamada aceleração histórica, com seus desdobramentos, as transformações incessantes e as suas decorrências, a ameaça do esquecimento – o mito da prisão no eterno presente – situações que levam a uma obsessão pelo registro, pelos traços, pelos arquivos, em síntese, pela história:
  • 9.  “Aceleração da história. Para além da metáfora, é preciso ter a noção do que a expressão significa: uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção global de qualquer coisa como desaparecida – uma ruptura de equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou de vivido no calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição do ancestral, sob o impulso de um sentimento histórico profundo. A ascensão à consciência de si mesmo sob o signo determinado, o fim de alguma coisa desde sempre começada. Fala-se tanto de memória porque ela não existe mais” (NORA, 1993: 07).
  • 10.  É significativo que se estabeleça uma diferença importante, que pode ser identificada na reflexão de Halbwachs, mas que está explicitada no argumento de Nora, qual seja, a distinção entre história-objeto e história- conhecimento, “história vivida e operação intelectual que a torna inteligível”.
  • 11.  É esta última o contraponto da memória. Podemos notar aproximações relevantes entre os pensamentos do sociólogo e do historiador. De acordo com Nora, memória e história, longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra.
  • 12.  Para o autor, a memória é um processo vivido, conduzido por grupos vivos, portanto, em evolução permanente e suscetível a todas as manipulações.
  • 13.  “A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações” (NORA, 1993: 09).
  • 14.  Em contrapartida, a história é registro, distanciamento, problematização, crít ica, reflexão. Os grupos de memória povoam suas lembranças, repetindo religiosamente aquilo que é e sempre foi (tradição). A história, como operação intelectual, dessacraliza a memória.
  • 15.  “A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais.  A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado.  Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções.  A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico.  A memória instala a lembrança no sagrado, a história liberta, e a torna sempre prosaica.  A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.  A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal.  A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.  A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas.  A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” (NORA, 1993: 09).
  • 16.  A forma histórica como estes fenômenos foram percebidos pelo autor permitiu a elaboração da noção de “lugares de memória”, vivência que ultrapassa de um momento histórico em que vivemos na fronteira do que éramos, num quadro- rural-local, e o que somos, num quadro metropolitano-universal. Ao fazer esta referência, o autor coloca em pauta de discussão a questão da identidade e a ameaça de sua perda.
  • 17.  O conceito de identidade visualizada por Nora não é entendido como elemento de discutível natureza humana ou como a priori de todo grupo social, e sim como situação de existência coletiva evidenciada em diversos momentos históricos e que se expressa por um sentimento de referência e identificação grupal.
  • 18.  Os “lugares de memória” expressam o anseio de retorno a ritos que definem os grupos, a vontade de busca do grupo que se auto- reconhece e se auto-diferencia, o movimento de resgate de sinais de appartanance grupal.
  • 19.  “os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não naturais. É por isso a defesa pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa as varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de constituí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que elas envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como as conchas na praia quando o mar se retira da memória viva” (NORA, 1993: 13).
  • 20.  Parece ser esta a grande questão que identificamos ao nos debruçarmos sobre o texto de Nora: o momento no qual os homens vivem esta tensão entre intimidade da tradição vivida e o abandono provocado pelos grupos desfeitos, dos quais a história, desritualizada, se empenha em guardar e preservar as marcas. Os lugares de memória exercem esta função. Dois movimentos realizam a sua produção:
  • 21.  “De um lado um movimento puramente historiográfico, o momento de um retorno reflexivo da história sobre si mesma; de outro lado, um movimento propriamente histórico, o fim de uma tradição de memória o tempo dos lugares, é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída. Aprofundamento decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência de uma herança consolidada, por outro” (NORA: 1993: 120).
  • 22.  Na sua leitura, toda história – conhecimento – é crítica, pois observa e analisa o vivido. O vivido é seu objeto de questionamento. Contudo, segundo o autor, há um fato novo quando seu objeto passa ser a própria história. Nesse ponto, não é somente o vivido que é dessacralizado, mas é o conhecimento histórico, ele próprio, que é visto como tradição:
  • 23.  “A história da história não pode ser uma operação inocente. Ela traduz a subversão interior de uma história-memória por uma história-crítica, e todos os historiadores pretenderam denunciar as mitologias mentirosas de seus predecessores. Mas alguma coisa fundamental se inicia quando a história começa a fazer sua própria história. O nascimento de uma preocupação historiográfica, é a história que se empenha em emboscar em si mesmo o que não é Ela própria, descobrindo-se como vítima da memória e fazendo um esforço para se livrar dela” (NORA, 1993: 10).
  • 24.  Lugar de memória: história que ainda possui restos de memória. Não é somente memória porque não é mais vivida, porque a ruptura com o tempo eterno já foi realizada, porque o passado já foi reconhecido, tanto que passa a ser arquivado, registrado:
  • 25.  “Museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processo verbais, monumentos, santuários, associações, são os marcos testemunhas de uma outra era, das ilusões de eternidade,. Daí o aspecto nostálgico desses empreendimentos de piedade, patéticos e glaciais. São os rituais de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza; fidelidades particulares de uma sociedade que aplaina os particularismos; diferenciações efetivas numa sociedade que nivela por princípio; sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade que só tende a reconhecer indivíduos iguais e idênticos” (NORA, 1993: 13).
  • 26.  Nesta sociedade arrancada de sua memória pela amplitude de suas mudanças, mas ainda obcecada por se compreender historicamente, o historiador assume cada vez mais um papel central, “porque nele se opera aquilo de que ela gostaria, mas não pode dispensar: o historiador é aquele que impede a história de ser somente história” (NORA, 1993: 21).
  • 27.  É, nas suas palavras, a passagem de uma história totêmica para uma história crítica; é o momento dos lugares de memória. O interesse por esses lugares “onde se ancora, se condensa e se exprime o capital esgotado de nossa memória coletiva ressalta dessa sensibilidade.
  • 28.  História, profundidade de uma época arrancada de sua profundidade, romance verdadeiro de uma época sem romance verdadeiro. Memória, promovida ao centro da história: é o luto manifesto da literatura” (NORA, 1993: 28).
  • 29.  Referência:  NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”, In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dezembro de 1993.