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DIÁLOGOS ENTRE NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL
DIALOGS BETWEEN NEUROSCIENCE AND EDUCATION: A POSSIBLE APPROACH
Bárbara Bonato Ribeiro1
Clério Cezar Batista Sena2
Resumo
Este artigo estabelece uma discussão sobre a relação entre a neurociência e o campo da educação. A partir de pesquisa bibliográfica e com foco nos processos de construção da aprendizagem, têm-se dois eixos de exploração: 1) a compreensão da aprendizagem pela neurociência; 2) a compreensão do processo de ensino e aprendizagem na interface entre neurociência e educação. Observa-se que a neurociência cognitiva pode contribuir para ampliar o conhecimento e entendimento sobre a aprendizagem e desenvolvimento humanos, inclusive pela combinação das contribuições da neurociência com o que já é estabelecido pelo campo educação.
Palavras-chave: Neurociência. Educação. Aprendizagem. Desenvolvimento humano.
Abstract
This article sets up discussion about the relation between neuroscience and the education area. As from bibliographical research and focusing on processes of learning construction, there are two pivots for exploration: 1) learning comprehension through neuroscience; 2) comprehension of teaching and learning process on the interface between neuroscience and education. It was observed that cognitive neuroscience may contribute to enlarge knowledge and comprehension about human learning and development, especially combining the neuroscience contributions to what is already established on the education area.
Keywords: Neuroscience. Education. Learning. Human development.
1 Especialista em Neuropsicopedagogia e Educação Especial Inclusiva. E-mail: bazinha195@yahoo.com.br
2 Mestre em Educação: Psicologia da Educação. PUC SP, Especialista em Gestão da Escola USP, MBA Gestão Empreendedora UFf/SESI (cursando). Psicopedagogia Clínica e Institucional, Especialista em Educação Infantil e Pedagogo. Dir. da EE Tenente Ernesto, SP Professor CENSUPEG Brasil. E-mail: cezar.sena@hotmail.com
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1 INTRODUÇÃO
Com o objetivo de estabelecer uma discussão dialógica e convergente sobre neurociência e educação, realizou-se o presente ensaio buscando-se, a partir de pesquisa bibliográfica, a exploração da relação entre as duas áreas de conhecimento, com foco de investigação nos processos de construção da aprendizagem.
A área da educação vive hoje intenso processo de revisão de concepções e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Neste contexto, sabe-se que as pesquisas neurocientíficas estão apenas começando a encontrar aplicação no campo do aprendizado, como área de investigação e desenvolvimento de práticas.
A neurociência, enquanto campo interdisciplinar de pesquisa e atuação, de maneira geral, busca compreender os processos mentais pelos quais percebemos, agimos, aprendemos e nos lembramos, de modo a explicar a manifestação do comportamento em termos da organização das atividades neurais (LENT, 2001). O interesse pela investigação do cérebro e suas potencialidades, ancorado no progresso tecnológico, tem garantido avanços científicos significativos para a neurociência, contribuindo intensamente para o entendimento da mente humana e seus desdobramentos.
A aproximação da neurociência com as questões ligadas ao processo de desenvolvimento humano e de aprendizagem tem motivado inúmeras pesquisas e reflete uma visão contemporânea sobre a manifestação da condição humana. Carvalho (2011) salienta que as ciências do cérebro podem contribuir para o enriquecimento teórico- metodológico do campo da Educação, oferecendo informações científicas essenciais para a melhor compreensão da aprendizagem, enquanto um fenômeno multifatorial e complexo.
Para facilitar a compreensão e desenvolvimento do raciocínio exploratório proposto, a discussão será apresentada seguindo-se dois eixos temáticos: 1) a compreensão da aprendizagem pela neurociência; 2) a compreensão do processo de ensino e aprendizagem na interface entre neurociência e educação.
2 A APRENDIZAGEM SOB ÓTICA DA NEUROCIÊNCIA
Para a neurociência, mais especificamente a neurociência cognitiva, cujo foco de atenção é a compreensão das atividades cerebrais e dos processos de cognição, a aprendizagem humana não decorre de um simples armazenamento de dados perceptuais, e sim do processamento e elaboração das informações oriundas das percepções no cérebro (CARVALHO, 2011; SILVA, 2012).
Em estudos realizados por Lent (2001) e Mora (2004), constata-se que as capacidades mentais complexas como a linguagem e a memória têm sido indicadas como um dos principais alicerces da aprendizagem humana. Ainda, que investigações
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sobre o funcionamento cerebral têm colaborado para aprimorar o entendimento de como se dá a aprendizagem.
A atividade mental estimula a reconstrução de conjuntos neurais, processando experiências vivenciais e/ou linguísticas, num fluxo e refluxo de informação. As informações, captadas pelos sentidos e transformadas em estímulos elétricos que percorrem os neurônios, são catalogadas e arquivadas na memória. É essa capacidade de agregar dados novos a informações já armazenadas na memória, estabelecendo relações entre o novo e o já conhecido e reconstruindo aquilo que já foi aprendido, num reprocessamento constante das interpretações advindas da percepção, que caracteriza a plasticidade do cérebro (LENT, 2001; SHORE, 2000).
Considerando este conjunto de sistemas e mecanismos neurofisiológicos acerca da cognição, Mora (2004) acrescenta que a aprendizagem é, portanto, o processo em virtude do qual se associam coisas ou eventos no mundo para a aquisição de novos conhecimentos, e que se denomina memória o processo pelo qual conservamos esses conhecimentos ao longo do tempo. Para o autor, os processos de aprendizagem e memória modificam o cérebro e a conduta do ser vivo que os experimenta.
Apesar da proximidade entre os conceitos de aprendizagem e memória, Lent (2001) os distingue de forma bastante clara. O processo de aquisição de novas informações que vão ser retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou inconscientemente. De certo modo, a memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem.
Observa-se, deste modo, que a aprendizagem requer competências para lidar de forma organizada com as informações novas, ou com aquelas já armazenadas no cérebro, a fim de realizar novas ações. Conforme esclarece Moraes (2004), a aprendizagem progride mediante fluxos dinâmicos de trocas, análises e sínteses autorreguladoras cada vez mais complexas, ultrapassando o acúmulo de informações e sendo reconstruída, via transformação, por meio de mudanças estruturais advindas de ações e interações provocadas por perturbações a serem superadas, a nível cerebral.
Deve-se ressaltar também que, neste rebuscado mecanismo, as emoções desempenham um papel decisivo na e para a aprendizagem. Os sentimentos, intensificando a atividade das redes neuronais e fortalecendo suas conexões sinápticas, podem estimular a aquisição, a retenção, a evocação e a articulação das informações no cérebro (LENT, 2001; MORA, 2004).
Pode-se afirmar, portanto, que oferecer situações de aprendizagem fundamentadas em experiências ricas em estímulos e fomentar atividades intelectuais pode promover a ativação de novas sinapses. As informações do meio, uma vez selecionadas, não são apenas armazenadas na memória, mas geram e integram um novo sistema funcional, caracterizando com isso a complexificação do fenômeno da aprendizagem (LENT, 2001; MORAES, 2004).
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Estendendo a compreensão do processo de aprendizagem para além do funcionamento cerebral, isoladamente, Maturana e Varela (2001) afirmam que a aprendizagem surge de um acoplamento estrutural: as interações recíprocas entre o indivíduo e o meio fazem surgir mudanças estruturais na organização do sujeito e do contexto em que está inserido; perante as informações, o organismo, num processo auto-organizador, opera com propriedades emergentes, a fim de se adaptar às condições cambiantes presentes no processo de conhecer e de existir, na relação com o outro.
3 O ENCONTRO DA NEUROCIÊNCIA E DA EDUCAÇÃO NAS FRONTEIRAS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Considerando o que foi exposto sobre a perspectiva neuropsicobiológica da aprendizagem, inicialmente, é importante apresentar, diante da aproximação entre neurociência e o campo da educação, o risco de medicalização da escola e do processo de ensino e aprendizagem, conforme salienta Silva (2012). A autora discute que, quando o fenômeno da neurociência chega à escola, aumenta o risco de que os problemas de escolarização sejam tomados como resultado da ação de atores individuais, no caso, o aluno, que carrega em seu corpo (ou em seu cérebro) a fonte dos problemas. Silva, ainda, aponta que as demais possibilidades envolvidas no processo de escolarização, como a política curricular do sistema de ensino, a qualidade das intervenções didáticas, as condições estruturais da escola, a desvalorização da carreira docente e outros inúmeros fatores, são descartadas, uma vez que parece pouco a fazer neste sentido, e o aluno acaba sendo encaminhado com cada vez maior freqüência ao neurologista ou ao psiquiatra, de onde dificilmente sairá sem uma prescrição de medicamento. O aluno é transformado em paciente neurológico, suposta vítima das “doenças do não-aprender” (MOYSÉS; COLLARES, 2010 apud SILVA, 2012).
Silva (2012) ressalta que, diante desta situação, destacam-se duas ocorrências. O uso de tecnologias de neuroimagem (previstas pelas pesquisas neurocientíficas) no diagnóstico dos supostos distúrbios de aprendizagem, deixando claro que tais pesquisas partem da premissa de que se trata de um problema localizado no cérebro do aluno, com pouca ou nenhuma preocupação com fatores sócio-ambientais que possam influenciar esses resultados. A autora verifica que há pouca preocupação, neste tipo de pesquisa, em procurar outros componentes para enriquecer a compreensão da história individual justamente pela perspectiva a-histórica adotada. Como foi o trajeto da criança até ter seu cérebro examinado? Como foram suas experiências de aprendizado? Essas questões descortinam uma complexidade dificilmente conversível em dados científicos, mas ignorá-las não tem ajudado a esclarecer os caminhos que a aprendizagem percorre em cada indivíduo.
A segunda ocorrência apontada por Silva (2012) trata-se de uma questão dialética sobre a relação entre o funcionamento cerebral e o surgimento da dificuldade. Para exemplificar, a autora ilustra com a seguinte questão: O cérebro tem um funcionamento comprometido inato nas áreas relacionadas à leitura e escrita, e daí surge a dificuldade no processo de alfabetização; ou o processo de alfabetização foi problemático, resultando em um funcionamento comprometido do cérebro nas áreas
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relacionadas à leitura e escrita? Esta questão não tem respostas fáceis, e a busca por elas acaba sendo influenciada pelas concepções dos pesquisadores e das agências financiadoras a respeito das relações entre ambiente e genética.
Na tentativa, então, de afunilar o encontro positivo entre neurociência e educação, é importante citar um estudo recente realizado com pessoas que foram alfabetizadas na idade adulta (CARREIRAS et al., 2009 apud SILVA, 2012). O estudo utilizou adultos como parte do desenho experimental, pois, segundo os autores, a pesquisa da atividade cerebral relacionada à aprendizagem da leitura e escrita de crianças é problemática, uma vez que não se pode afirmar com certeza que as eventuais mudanças observadas no cérebro se devem àquele aprendizado específico, considerando que a criança se encontra numa fase de intensas e variadas aprendizagens, com um cérebro em expressivo desenvolvimento. Ao comparar a atividade cerebral dos adultos alfabetizados com um grupo controle de adultos não alfabetizados, os pesquisadores encontraram uma ativação das áreas relacionadas à leitura e escrita nos alfabetizados, ainda que a alfabetização tenha acontecido na fase adulta.
Ainda para Silva (2012), este estudo provoca algumas reflexões. Num primeiro momento, aponta a questão da plasticidade cerebral, indicando que a aprendizagem pode ocorrer mesmo fora dos “períodos sensíveis” para a aprendizagem. Em segundo lugar, a autora salienta a conclusão de que as áreas relacionadas à leitura e escrita nos adultos não alfabetizados estavam atrofiadas ou não desenvolvidas justamente porque eles não tinham aprendido a ler, e não o contrário, ou seja, que uma suposta atrofia explicaria o analfabetismo. É importante observa que, uma vez que foram ensinados, eles aprenderam, e seu cérebro se modificou em função do ensino. Portanto, aprender modifica o cérebro, ou seja, aprender produz desenvolvimento.
Com base nas contribuições da neurociência, nesta perspectiva, o entendimento do fenômeno de aprender passa a estar fundamentado no fato de que experiências de aprendizagem em contextos pedagógicos geram alterações na estrutura do indivíduo. As experiências em sala de aula estimulam reflexões recursivas sobre os pensamentos, sentimentos e ações, permitindo que a aprendizagem seja concebida como processo reconstrutivo, envolvendo autorreorganização mental e emocional daqueles que interagem nesse contexto.
Sobre o envolvimento do professor com este universo, Carvalho (2011) informa que a produção de conhecimentos neurocientíficos destina-se a um grupo seleto de profissionais e é direcionada a áreas como medicina e psicologia, afastando-se das atividades do educador e, ainda, que a produção literária nacional com uma visão unificada das relações entre a neurociência e a educação é escassa. No entanto, os estudiosos apontam ser de fundamental importância que o professor se apóie neste corpo de conhecimento, na busca de conexões com a prática educativa, para melhor compreensão da atividade de ensino e aprendizagem.
Meira (2000) afirma que, enquanto processo social e individual, a prática educativa representa uma das condições fundamentais para que o homem se constitua como ser humanizado e humanizador. Ela ressalta a necessidade de se compreender a questão do desempenho escolar e da ação pedagógica contextualizando-os no âmbito de
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um processo maior, propondo o encontro entre o indivíduo (com seus componentes biológicos) e a educação.
Para tanto, é necessária a aproximação, pelo professor, da forma de funcionamento do processo de aprendizagem, o que permite uma compreensão mais enriquecida do aprender e do ensinar, inclusive, com uma maior possibilidade de superação das dificuldades dos sujeitos envolvidos (o aprendiz e o educador). Carvalho (2011) salienta que é imprescindível que o professor se reconheça como responsável pela configuração de um ambiente que propicie a autorreorganização dos educandos, direcionados por uma perspectiva de aprendizagem sustentada nas relações entre os elementos constituintes do processo.
Mesmo reconhecendo um distanciamento, atualmente, da aplicação prática dos conhecimentos sobre o cérebro, alguns autores defendem a possibilidade de que determinadas abordagens pedagógicas possam se aproximar destes princípios. Silva (2012) cita autores (GEAKE; COOPER, 2003 apud SILVA, 2012) que reconhecem um potencial de contribuição para a educação a partir de uma interpretação ou generalização dos dados neurocientíficos, em especial da neurociência cognitiva. Esses autores defendem que a aproximação não deve ser guinada ao determinismo biológico, e sim uma base para uma concepção educacional baseada no humano em suas dimensões biopsicossociais.
Um benefício para os educadores decorrente do encontro com a neurociência cognitiva é a possibilidade de ocupar o lugar de reconhecimento como sendo as pessoas mais competentes para conhecer as necessidades dos alunos, passando a influenciar a pesquisa cognitiva com suas demandas, como, por exemplo, sobre as práticas educativas mais efetivas para preparar as crianças e jovens para as demandas da sociedade atual (SILVA, 2012).
Compreender como o aluno aprende possibilita ao professor buscar uma forma mais adequada de estabelecer uma relação de ensino e aprendizagem com os educandos, a fim de favorecer uma melhor organização do ensino. Professores que compreendem a aprendizagem como processo humano que tem raízes biológicas e condicionantes socioculturais adotam uma gestão mais eficaz, tanto das emoções quanto da aprendizagem de seus estudantes.
Nesta direção, considera-se o ato pedagógico como extremamente relevante para a retenção e o processamento da informação oferecida em sala de aula, uma vez que a atuação do professor não somente informa, como também oferece dados que, vivenciados nas interações professor-aluno, não se restringem às percepções sensíveis e aparentes.
Como nos ensina Fonseca (1998), ainda que a inteligência do indivíduo dependa, pela interação entre as células neuronais, do desenvolvimento biológico, somente as mediações que o indivíduo sofre em suas interações com o meio ambiente onde está inserido é que permitirão expandir essa inteligência em todo seu potencial, oportunizando, assim, um melhor aproveitamento do espaço educacional.
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Neste campo de interface, afunilando o olhar para o processo de aprendizagem, destaca-se, então, uma nova compreensão das relações entre os processos neuropsicológicos e pedagógicos, onde se configura e se considera o papel da educação na construção da subjetividade humana e o papel da subjetividade na construção do processo educacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este percurso de considerações sobre a neurociência e sua interlocução com o campo da educação, cabe tecer alguns comentários finais sobre as idéias que emergem.
Observa-se que a neurociência cognitiva, como campo de estudo relacionado ao funcionamento da mente, pode ampliar o conhecimento e entendimento sobre a aprendizagem e desenvolvimento humanos, pela combinação das contribuições da neurociência com o que já é estabelecido pelo campo educação.
Sobre o desenvolvimento humano, é importante ressaltar que este não resulta apenas de características individuais, que emergem por maturação e são passíveis de serem detectadas em avaliações, conforme argumenta Rossetti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009). Trata-se de um processo de construção social que se dá nas e através das ações e interações estabelecidas pelo indivíduo com outras pessoas, em ambientes social e culturalmente organizados. Deve-se buscar identificar, inclusive, os vários elementos socioeconômicos, políticos, históricos e culturais que atravessam os processos de desenvolvimento dos indivíduos, para melhor compreensão da complexidade do fenômeno da aprendizagem e também para sermos capazes de interpretar e atuar condignamente com as pessoas e as instituições significativas à situação.
No que se refere à educação, destaca-se, conforme apresenta Silva (2012), alguns princípios que já podem ser incorporados à prática educacional: a aprendizagem é crescente e baseada em experiências; a aprendizagem é multissensorial, a aprendizagem é social, e ao longo da vida apresenta plasticidade e compensação. Segundo estes princípios, pode-se extrair alguns conhecimentos como a importância do ambiente escolar para a aprendizagem, da organização da informação na seqüência adequada para a aprendizagem do aluno, do conhecimento de que o cérebro da criança constrói estruturas conceituais detalhadas apenas observando o mundo em que vive e de que a experiência emocional interfere na aprendizagem.
Sabe-se que as dificuldades no processo de aprendizagem não são necessariamente explicáveis apenas pelo funcionamento cerebral, muito pelo contrário, já que a maioria dos casos explica-se por fatores relacionados à família, à escola e ao ambiente em que a pessoa vive, o que enfatiza ainda mais o caráter multidisciplinar da questão.
Assim, Silva (2012) argumenta que o impacto da neurociência tem o potencial para melhorar a educação por meio de intervenções que alterem com sucesso os
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mecanismos neurais fundamentais da aprendizagem (prática que demanda pesquisas e estudos aprofundados), mas é improvável que a neurociência afete o ensino em sala de aula de forma substancial. A neurociência ainda tem que fazer progressos significativos em suas pesquisas antes de a educação poder traduzir ou transformar estas descobertas em práticas educativas.
A discussão desenvolvida neste artigo evidencia que as possíveis relações entre neurociência e educação têm atraído a atenção de pesquisadores de ambos os campos e, ainda, propõe que seus desdobramentos sejam direcionados para o aprimoramento do processo de ensino e aprendizagem e compreensão do desenvolvimento humano.
Por fim, merece ser destacado o necessário investimento em estudos que apreciem tanto as condições intrínsecas ao indivíduo, considerando a complexidade de seu funcionamento neuropsicobiológico, como também as ações, os resultados e os impactos de tais estudos e práticas na rede de instituições e atores sociais que compõem o sistema educacional em andamento.
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