PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
O Outro vem antes do eu
1. O Outro vem antes do eu
Jean Paul Sartreconsagra esta proposta acima comuma historinha do
“buraco da fechadura”. Segundo ele, para que melhor vocêpossa
entender o que ele reflete.
A historinha é a seguinte: tem um casalfazendo uma sacanagem gostosa
dentro de um quarto. Você está fora do quarto, ouve os gemidos e olha
pelo buraco da fechadura para ver melhor o que está acontecendo. Por
um momento, a cena que você vê galvaniza toda a sua atenção. Agora, a
sua consciência está completamente plasmada na cena. Isso quer dizer o
que? Isso quer dizer quenesse momento a sua consciência não tem
espaço para mais nada, a não ser para a cena. Para entender isso melhor,
procurelembrar-sedos melhores filmes que já assistiu.
Alguns foram tão bons que vocênão se deu conta de forma conscientede
que estava no cinema. O fato de você estar no cinema não entra na sua
consciência porquevocê esta 100% no filme. Tanto que quando o filme
acaba, acende a luz e você leva um tempo para voltar a si. Voltar a incluir
o eu na consciência. Ficou claro?
Pois você está no buraco da fechadura, mas a sua mente está plasmada na
cena, quando de repente outro se aproxima fora do quarto e você ouve
seus passos, nessemomento vocêé obrigado a considerar-sepresente
naquele episódio. A sua consciência tem que abrir mão do que está vendo
e incluir vocêno buraco da fechadura, passando agora a ter consciência de
si, percebendo agora que não é legal ser flagrado ali. Disfarçando vocêsai
do local da cena como se não estivessevendo nada, pois agora você está
incluído no processo por que o outro apareceu.
O que Sartrequis dizer com essa alegoria? Que vocêsó precisou ter
consciência de si porqueo outro apareceu. Isso, vocêpodeestender
amplamente. Se não houvesseo outro, não haveria a consciência de um
eu, se não houvesseo outro, não haveria o cogito que se contempla em
quanto ser pensante. Se não houvesseo outro, a nossa consciência seria
simplesmente plasmada no universo. E é porqueo outro existe que temos
a consciência de nós mesmos com relação a ele.
2. De um lado, o surgimento do paradigma da subjetividadee de outro lado,
a desconstrução do sujeito. Agora, o outro assumiu a primazia de que
precisamos. Ficou mais fácil, né? Melhor do que tentar através de um eu,
como fizeramtantos filósofos. Só quea partir de agora, a transparência
torna-seum valor de relevância evidente. O outro é tão importante agora,
que se não for ele, o eu claudica.
Agora, o cuidado com o outro se justifica, pois graças a ele poderei saber
quem sou. Portanto, é normal que em relação ao outro eu tenha cuidados
especiais, que este até hojenão precisou ter. Porque, dentro da evolução
do pensamento filosófico desdeos gregos, antes era eu e o universo,
depois era eu e Deus, depois era eu e eu, só agora é vocêe eu. Agora eu
preciso ter os cuidados que durante vinte séculos eu não precisei ter. E é
por isso que a transparência aparececomo assunto filosófico
contemporâneo, porqueé agora que ela faz sentido, é agora que vocênão
é um mero instrumento da soberania do eu, mas ao contrário, vocêé o
soberano que permite a um bastardo ter a noção de quem possa ser.
Porque, afinal de contas, se cada um de nós precisa saber quem é e
entende quem é a partir de uma ideia. Se cada um de nós tem uma ideia
de si, se cada um de nós tem uma definição de si, se cada um de nós tem
uma identidade, se cada um de nós tem um discurso queo identifica, não
foi cada um de nós que inventou, porqueo eu não é fundamento, não é
princípio. E, se eu tenho coisas a dizer sobrevocê, saiba tudo o que eu
disser sobrevocê, eu aprendi com você. Graças a você, que eu tenho uma
vaga ideia para que eu possa me definir. É em você que eu encontro a
gênese do que eu entendo por mim mesmo. Entendimento esse, que
durante muito tempo eu não tinha. Você, portanto é a origem do eu.
Vamos imaginar, que eu depois de ter sido informado sobrequem eu sou
resolva aloprar a própria identidade. Eu chego e digo: eu sou o melhor
cara dessemundo. Coisa que até eu acho. Você rirá na minha cara. E o que
significa essa risada sua? Significa que: não só, que vocêdeu origem ao
que eu penso a meu respeito, mas continuas vigilante, evitando que eu
possa me definir do jeito que eu quero. Porquevocê é quem define as
condições da minha definição, controlando-me. Logo, quando eu por
acaso ofereço de mim uma definição desautorizada, vocêreage: baixe a
3. sua bola, Bião! Mas eu sou esperto amigo, direi. Você dirá: seliga... Tire
esseatributo da sua identidade, você não está autorizado a definir-se. E,
pouco a pouco você vai percebendo que toda heresia tem um preço a
pagar, pois esse tal de eu é uma eterna e interminável negociação, e essa
negociação é uma parte muito mais forte que você. Portanto amigo, não
adianta continuar resistindo a ela para definir o seu eu a partir de você. A
sua identidade é um discurso quecircula em toda a parte, onde você não
controla. Circula por espaços ondevocê não tem acesso. Portanto, o que
falam de você, e a construção de uma definição sua, vão muito além da
sua interferência. E é por isso, que por mais que você se esforce, sempreo
resultado provisório dessa definição de identidade transcenderá os seus
interesses pessoais, à sua valorização máxima de si, - para tua tristeza. É
possível, que o que o outro pensa de você é o que vocênão gostaria que
pensasse. Eé por isso que é melhor tratar muito bem o outro.
Quando nos relacionamos, cabe a pergunta: quando A se relaciona com B,
o que exatamente está em relação? Quando alguém diz pra você: eu te
amo. O que é que ele ama? Será que o objeto das nossas relações teve
que ser exatamente o outro? Não. Porqueo outro é um objeto difícil de
acessar. Por mais que ele tenha primazia, por mais que eu exista em
relação a ele, por mais que eu exista graças a ele, ele continua difícil para
mim. E, é exatamente por isso que nos vamos dando conta que quando
nós dizemos: eu te amo, o objeto do nosso amor não é o outro, mas o que
achamos o que o outro seja, o que representa pra nós, a ideia do outro, a
imagem do outro, pois essa é mais fácil de ser amada. Ela é sua e está em
você. O outro é apenas o objeto dessa projeção pessoal. Um espelho que
reflete você e os seus valores, nunca quem ele é. Por isso, acho muita
graça quando alguém necessita que um partido politico acabe com a sua
ideologia que o atinge, dizendo por causa disso que segue agora um
determinado candidato da extrema direita que o representa. Talvez ele
nem seja para ele isso que diz, mas precisa ser para abocanhar uma legião
carente de uma referência como essa, para justificar aquilo que esse
alguém é. Atrás de uma sigla existem bons e maus, porém atrás de uma
única pessoa não sepode colocar a sua projeção de sagrado, daquilo que
você considera o certo, o melhor, o que deve servir de referência para
todos, pois se ele se mostrar fora dessa sua expectativa, ou se ela mudar
4. por que hojeas suas preferências mudaram devido ao seu
amadurecimento, tudo virá a baixo para seu desespero.
Vamos viajar num exemplo: vamos imaginar que João ame Maria e por
isso, João pense que Maria lhe seja sexualmente fiel. João descobrecom o
passar dos dias que Maria entretém alguns rapazes sexualmente. João que
ama Maria deveria amar mais a partir de agora, por que agora ele sabe
mais sobreela, sobresua sexualidade, passando a ser mais amplo, mais
profundo e mais rico de conhecimento este relacionamento. Você acabou
de rir, pois sabe que “não é assim que a banda toca”, porque João não
ama Maria. Porque, João ama quem ele acha que Maria é. E Maria
desmente o amor de João, desmente a ideia, faz sangrar o objeto do
amor. Por isso, João mata Maria para proteger o objeto do seu amor, a
ideia que ele sempreteve dela.
Outro dia, um amigo que é divulgador do meu livro, um cara de uma
gentileza e amabilidade espetacular chegou pra mim e disse: sabe que eu
gosto muito de você? Com uma sinceridade vinda do âmago. Caberia
perguntar a ele: qual é o objeto desseapreço? A impressão que tenho é
que se ele ficassemais de dez minutos próximo de mim, quando eu
estivesseescrevendo algo para colocar no blog, esse apreço iria diminuir
rapidamente. E em dez minutos apenas eu teria corroído o apreço do
amigo para sempre. É óbvio que nossas perspectivas são opostas, queos
argumentos não coincidem que as perspectivas de vida são diferentes.
Tudo isso, porqueaprofundando nossos conhecimentos descobriríamos
que vivemos expectativas de vida diametralmente opostas. Essa ideia
amável de mim, foi ele quem fez, é uma produção dele. E eu, fico feliz com
o que ele pensa de mim, mas procuro esclarecer que eu não correspondo.
Essa é a correspondência. Do mesmo jeito que você acha quem eu sou, eu
acho quem vocêé. E de onde você tira esse seu parecer sobremim?
Diante de tantas fontes, você tira do meu comportamento. Esse
comportamento é a matéria prima privilegiada da ideia que você tem de
mim. E, conformea forma como ajo e manifesto-me é que você se
relaciona comigo. Logo, a transparência éo valor fundamental que
preside o sucesso das nossas relações. Pelo menos, assim deveria ser. E
5. por quê? Porque, toda vez que eu manifesto-mediferente da minha
verdadepessoal, isso deixa de ser transparência pessoalpara ser cinismo.
Por isso não faço parte de nenhuma turma do compulsório “amém”. A
minha transparência éo material que posso oferecer para que você tenha
a ideia mais aproximada de mim. A mais próxima! Ou seja, eu te abasteço
de informações e você atualiza a ideia que tem de mim. Isso éum
exercício de transparência, um relacionamento verdadeiro. Qualquer
coisa podeser questionada para que as dúvidas possam ser dirimidas e ser
mantida a transparência. Só nele eu acredito, pois, correspondência
absoluta é impossível!Essa aproximação sempre será tendencial, nunca
absoluta entre o que pretendo e acho e o que você imagina que eu sou.
Quando dessa forma procedo, eu te dou a chance de me ver da forma
mais real e aproximada possível, a mais transparentepossível. Agora, se
eu pelo contrário, me manifesto na contra mão, de forma opaca, você não
terá alternativa senão se submeter a minha falsidade e cinismo. Dessa
forma, talvez vocêtenha uma ideia auspiciosa de mim, mais generosa do
que a minha vida é, condenando você a se relacionar comalguém que não
existe. Por que essa condição é inferior diante de uma mais real? Por quê?
A resposta é irrefutável. Por que quando você tem uma ideia clara de
quem eu sou, tem melhores condições de descontinuar o relacionamento.
De optar em não dar prosseguimento. E essa escolha que optou você deve
a minha transparência. Graças a ela, pois tudo contribuipara o cinismo.
Muitos preferemmentir e manter uma amizade baseada nas falsas
informações.
Se algum dia, solitário de verdadeiros amigos vocêse abrir e perguntar:
que achas quem sou? Já estará em Júpiter! Eu estou aqui e direi: deixa eu
te buscar... Por isso, pequenas tristezas depercurso evitam grandes
dramas. O verdadeiro tem dessas coisas... Continuareijogando luz nas
coisas exuberantes e jogando luz nas miseráveis e existenciais, em nome
da transparênciae da independênciainterior.
O outro.