O documento discute os riscos ambientais e econômicos da exploração de petróleo e gás no Algarve, Portugal. Vários contratos foram assinados sem o consentimento público, levando a protestos de moradores, empresários e ambientalistas. A exploração ameaça a indústria do turismo local e pode causar danos ambientais como contaminação e acidentes.
O Ouro Vestido de Negro - A Ameaça da Indústria Petrolífera em Portugal, de Jorge Moreira, Revista O Instalador 240
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O ouro vestido de negro
A ameaça da indústria
petrolífera em Portugal
Para quem não tenha ainda acordado, deixamos aqui o despertador: só no Algarve estão neste
momento firmados vários contratos de prospeção de petróleo e de gás. É uma sementeira de
colunas de perfuração, umas frente às praias, outras que irão fazer furos de fracking em terra,
sobretudo na serra. Sim. Vão de Aljezur a Vila Real de Santo António e os seus impactos visuais
e ambientais, tanto na prospeção como na óbvia futura exploração, serão devastadores para a
região algarvia, para a qualidade de vida das suas populações e para toda a atividade turística.
Luísa Schmidt
Texto e Fotos_Jorge Moreira [Ambientalista]
Opinião
AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
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O governo anterior assinou em segredo
uma série de contratos de prospeção e
exploração com empresas petrolíferas,
sem qualquer participação ou informação
pública. Populações, autarcas, empresá-
rios e ambientalistas estão revoltados com
as negociatas secretas que pretendem
perfurar mar e terra, com fracking incluído,
seguindo o mau exemplo de alguns países,
onde são bem visíveis as inevitáveis e
catastróficas consequências socioeconó-
micas e ambientais associadas à atividade,
que afetam as populações vizinhas. Infeliz-
mente, o novo governo, mesmo pressiona-
do, ainda não demonstrou vontade política
para alterar o cenário e a Galp prepara-se
para iniciar já no próximo verão a primeira
perfuração exploratória na Costa Alenteja-
na. As concessões abarcam praticamente
todo o litoral - de Viana do Castelo a Vila
Real de Sto. António - e em terra - na zona
Oeste, Barreiro e nas serras algarvias, em
Aljezur e Tavira.
Já num texto da minha autoria aqui publi-
cado, de setembro de 2014, alertava para
os perigos da exploração dos hidrocarbo-
netos no Algarve. Posteriormente, após a
saída nos media da notícia das conceções,
as populações, autarquias e associações
de empresários do Algarve, com especial
relevo para a PALP (Plataforma Algarve
Livre de Petróleo) e o MALP (Movimento
Algarve Livre de Petróleo), começaram a
manifestar-se contra a exploração de pe-
tróleo e gás na região. Defendem especial-
mente o Turismo, o setor com maior peso
económico local e o maior exportador do
país. Não será certamente difícil perceber
o impacto que a prospeção e a exploração
de petróleo terá nesta atividade e em todas
as outras associadas - serviços, desporto,
pesca, marisco, viveirismo, agricultura, etc.
Alguém vai querer ir de férias para uma
praia onde existem sinais de exploração e
cuja iguaria é um marisco local com riscos
de contaminação? Alguém irá querer usu-
fruir da belíssima serra algarvia, entretanto
destruída pelo fracking? E onde ficam as
populações locais, suas atividades, bem
como a fauna e flora autóctones, que são
também o deleite dos visitantes. Querem
acabar com o que de melhor Portugal
ainda proporciona a quem mora e visita:
beleza natural, que é uma fonte inesgo-
tável de saúde socioeconómica! Por esse
motivo e fartos de esperar por uma res-
posta do governo, os dezasseis municípios
que formam a AMAL, estão a proceder
ao enquadramento jurídico e respetivo
encaminhamento para a esfera judicial,
na tentativa de travar em tribunal todo o
processo na região. Fazem bem! Segundo
Vítor Neto, da Associação Empresarial do
Algarve NERA, a região irá perder entre
5 a 6 mil milhões de euros por ano se a
exploração avançar. O “ouro negro” pode
vir a ser tudo menos ouro para o Algarve
e aparecer na lista negra dos operadores
turísticos.
Aos muitos estrangeiros e suas comuni-
dades, que escolheram o Algarve como
primeira ou segunda habitação e que
também declararam presença na luta
em questão, juntaram-se agora catorze
ONGA internacionais que se opõem à
exploração de petróleo na região. Entre as
associações, encontram-se a vizinha espa-
nhola Alianza Mar Blava, a norte-americana
NRDC e a suíça Oceancare, que enviaram
um manifesto conjunto ao governo portu-
guês, fundamentando as preocupações
ambientalistas.
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Neste terreno, a pesquisa e prospeção
acarreta a priori atividade sísmica com
explosões, que provocam impactes
significativos nos ecossistemas marinhos,
caracterizados por elevada biodiversi-
dade, com destaque especial para os
diversos cetáceos, peixes, tartarugas e
aves marinhas. A exploração offshore vai
destruir vastas áreas e colocar em risco
todo este vasto e belíssimo património
natural. A agravar a situação, o Algarve
encontra-se em plena zona geológica
sísmica, onde a atividade de prospeção
e exploração poderá potenciar vastos
desastres naturais, com consequências
graves em vidas e estruturas humanas.
De igual forma, as offshore podem sofrer
acidentes, como aquele que ocorreu em
2010, na plataforma Deepwater Horizon
no Golfo do México, operada pela BP,
cuja explosão ocasionou um dos piores
acidentes ecológicos de sempre. No mar
algarvio existem vulcões de lama ricos em
metano, gás que pode ser utilizado como
fonte energética. Uma eventual exploração
deste elemento ou um furo relativamente
perto poderá provocar grandes desliza-
mentos de depósitos e originar a erupção
de um vulcão, tal como aconteceu em
2006 na Indonésia, com uma perfuração
hidráulica nas imediações a desencadear
a maior erupção de um vulcão de lama,
que destruiu uma área habitada com
cerca de 40.000 pessoas. Como quase
sempre, as empresas petrolíferas envol-
vidas apontam causas naturais para o
desastre mas, precisamente neste caso,
a revista Nature Geoscience relaciona
diretamente a atividade da petrolífera com
a erupção. Devemos ter em conta ainda
que a exploração neste tipo de geologia
pode libertar metano para a atmosfera,
que irá agravar o problemática do efeito de
estufa, na medida que este gás tem maior
potencial que o CO2
. Paralelamente, a ati-
vidade onshore irá certamente contaminar
aquíferos, alguns de interesse económico,
provocar atividade sísmica local e desca-
racterizar a serra e o barrocal. No fracking,
dependendo da tecnologia utilizada, é
possível recorrer a químicos que são
altamente nocivos para o ambiente e para
saúde humana.
Os potenciais riscos ambientais da explo-
ração de hidrocarbonetos podem ser mais
elevados se forem utilizadas técnicas de
estimulação não convencionais, como a
química, a termal, a perfuração horizontal,
etc. No cômputo geral, não serão só as
áreas naturais sensíveis afetadas como a
Ria Formosa, o Barrocal ou a Serra Algarvia,
mas também algumas praias de areias
finas e douradas e as zonas subaquáticas
ricas e belas. Mesmo sem qualquer tipo de
acidente todas as atividades económicas
da região serão afetadas, especialmente
aquelas ligadas diretamente ao Turismo. Em
plena exploração existirão muitas alternati-
vas belas e limpas ao Algarve nas brochuras
dos agentes turísticos estrangeiros. Todavia,
se houver alguma tragédia, será o descala-
bro para a sustentabilidade da região, com
o agravamento dos riscos para a saúde
pública e a segurança alimentar. Perante um
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incidente, será que aqueles que assinaram
as conceções sem o consentimento público,
como um ato de prepotência fascista contra
as populações locais, irão abarcar com as
consequências? É uma pergunta que fica à
qual se segue outra: será que os riscos e os
danos valem a pena?
Do ponto de vista ambiental, nada a ga-
nhar, só a perder. Será nas zonas naturais,
algumas sensíveis e ricas do ponto de
vista da biodiversidade, que a atividade
irá incidir, com o consequente ecocídeo
do local e provavelmente da vizinhança.
Socialmente, onde uma grande parte da
população vive com alguma qualidade de
vida que frui do contato com a natureza e
das atividades económicas associadas ao
turismo, a degradação das duas vertentes
não trará mais-valias para as populações,
pelo contrário. A nível económico, Mendes
Bota, que é o atual assessor do comissário
europeu Carlos Moedas, acha irrisório o
valor das contrapartidas previstas para
o Estado relativamente à exploração.
Efetivamente, pela leitura dos contratos
assinados para o Algarve, verificamos que
após deduzidas as despesas, o Estado
recebe das offshore entre 6% a 12% sobre
o valor dos produtos comercializados. Em
terra será de 3%, podendo chegar aos 8%.
Não estão previstas contrapartidas para as
regiões afetadas, nem salvaguardados os
impactos nas pessoas, bens, atividades
económicas e turismo, pelo que nem o
povo, nem a região ficará a lucrar. Perderão
imenso com a desvalorização da região, e
prevejo à partida receitas menores, devido
à queda internacional do preço do crude,
à crescente procura de veículos elétricos e
à necessária transição para uma economia
menos dependente dos combustíveis
fósseis.
As concessões petrolíferas em Portugal
aparecem em pleno contraciclo com as
necessidades globais, agora firmadas pe-
los governos de todo o mundo na COP 21,
com o Estado português a comprometer-
-se com metas ambiciosas para a redução
da emissão de gases com efeito de estufa.
Manter os recursos fósseis no subsolo e
aumentar o peso das energias renováveis,
conjuntamente com a aplicação de tecnolo-
gias mais eficientes e uma economia verde
generalizada, será a conjugação necessária
para uma eficaz abordagem à problemática
das alterações climáticas, e Portugal deve-
rá apostar nessas vias, se quiser estar na
vanguarda. Inconvenientemente, só a Galp
prevê investir mais de mil milhões de euros
por ano até 2020. Se esta verba fosse em
parte ou na totalidade orientada para as
renováveis como a solar, todos ficaríamos a
ganhar - ambiente, as pessoas e a econo-
mia global. Portugal proporciona períodos
de exposição solar superior a outros países
europeus, que com menor exposição, têm
apostado mais nesta fonte energética. Mas
a indústria petrolífera continua a exercer a
sua influência poderosa no campo político,
conseguindo concessões contra tudo e
contra todos e sugando apoios financeiros
que são de todos nós. Continua a alimentar
uma economia que explora a natureza e
subjuga as pessoas, obrigando-as a con-
sumir os seus produtos e a arcarem com
as consequências financeiras e ambientais
que entretanto surjam. Sabe-se hoje que
a indústria petrolífera tinha conhecimento,
desde os anos setenta do século passado,
das consequências da sua atividade para
as alterações climáticas e tudo fez para
ocultar tal facto. Sabe-se ainda que muita
da indústria solar foi adquirida pelas petro-
líferas para manterem o preço elevado dos
painéis, com o intuito de dificultar o acesso
ao solar. Esta gente coloca os interesses
setoriais acima das pessoas e do Planeta.
Por esse motivo não é gente de confiança
nem de bem! Não podemos, nem devemos
deixar o futuro do Algarve e de Portugal
nas suas mãos.
As conceções que o governo anterior assinou
e que o atual teima em prosseguir à luz do
progresso e da independência energética, só
beneficiarão convenientemente as empresas
envolvidas. Veja-se o Brasil, Angola ou Timor.
Que mais-valias trouxe para as populações?
Quem é que enriqueceu na verdade com
a exploração dos hidrocarbonetos nesses
países? O "ouro negro" não ilude quem vê
a sua verdadeira natureza. O "ouro negro"
alimenta uma economia sem futuro, que
explora, polui e emite gases com efeito de
estufa que estão a alterar dramaticamente o
clima. O "ouro negro" não é ouro verdadeiro.
É uma miragem que as corporações utilizam
para enganar e enriquecer à sua custa, com
a ajuda dos políticos de visão curta. Mas
não deixa de ser negro, face ao cenário
previsível se esta indústria continuar a reinar.
Em termos energéticos, o "el dourado" vem
do renovável. Que a nova era do mar, que
Portugal tanto deseja explorar, não seja a
Era da barbárie ecológica marítima, mas a
Era da transição para uma política efetiva de
preservação daquilo que de melhor temos e
podemos continuar a "vender" sem destruir.