1) Estremoz é uma cidade histórica no sul de Portugal conhecida por seu mármore e ligada à história real portuguesa.
2) Figuras reais importantes como a Rainha Santa Isabel e o rei Dom Dinis estão ligadas à cidade e ajudaram a moldar sua importância.
3) A história de Estremoz é marcada por eventos que contribuíram para a independência e consolidação de Portugal como nação.
2. O Milagre Alquímico de
ESTREMOZ
por João Aníbal Henriques
Existem cidades que são mais do que uma mera cidade. Estremoz, assente na
brancura imaculada do seu mármore de qualidade conhecida e reconhecida
internacionalmente, é um desses espaços especiais. Conjuga uma história
milenares com um vastíssimo rol de histórias e lendas que, oferecendo-lhe a
grandiosidade das grandes capitais, a envolvem num laivo de glamour que
envolve quem tem a sorte de nela se perder…
3. Estremoz é uma cidade especial. Dividida em duas partes
que se conjugam operando como dois pólos de atracção
junto daqueles que a visitam, a cidade comporta um
intrincado e emaranhado conjunto de ruelas antigas que
dão forma ao seu espaço medieval, compartimentado
dentro das muralhas do seu ancestral castelo, e o amplo
espaço moderno, que se espraia ao longo da planície, com
as suas praças bem delineadas e os monumentos que
valorizam cada esquina.
Quem entra em Estremoz pela primeira vez, fica
imediatamente marcado pelo impacto que resulta da sua
torre medieval. Do alto da colina onde assenta o núcleo
mais antigo do burgo, a torre é possivelmente o mais antigo
monumento da cidade, uma vez que o palácio real, bem
como todo o quarteirão envolvente, foi completamente
destruído por uma misteriosa explosão acontecida durante
uma noite de Inverno no Século XVII. À sua volta, com
aquele tom intimista que a cidade ainda tem, tudo o resto
são reconstruções mais recentes, sendo que a grande
maioria foi construída durante o reinado de Dom João V e
com o apoio da Casa Real.
Apesar de aparentemente não fazer qualquer sentido, pois
sendo cidade pequena quando comparada com as capitais
de Évora, Portalegre e Beja que a envolvem, a
monumentalidade e a grandeza de Estremoz prende-se com
o carácter simbólico que subjaz da sua história muito
especial.
4. O primeiro personagem grande da História de Estremoz,
depois de uma longa ocupação humana que se pressupõe
ter começado ainda na Pré-História mas que teve
momentos de grande fulgor durante o período Romano e,
mais tarde, sob domínio Muçulmano, é Geraldo o Sem
Pavor, herói mítico do Alentejo que, sob ordens de Dom
Afonso Henriques, terá reconquistado para a Cristandade
grande parte das cidades do Sul de Portugal. Sabe-se que
Geraldo conquistou Estremoz em 1185 e que, mercê do
período conturbado que então se vivia, ela foi perdida e
reconquistada muitas vezes até ter entrado em definitivo
na posse dos Reis de Portugal. Em 1258, pela mão de Dom
Afonso III, recebeu o seu primeiro foral, facto que sustenta
e comprova a importância que tinha no contexto da
consolidação política nacional.
De entre outros, foi Dom Dinis um dos principais
impulsionadores dessa importância relativamente à
cidade. Foi ele quem, possivelmente por gosto pessoal
relativamente ao espaço e à paisagem, mandou edificar o
Paço Real e a torre de menagem atrás mencionada, que
passaram a funcionar como baluarte da defensão do reino
nas paragens longínquas do Alentejo.
O seu topónimo – Estremoz – é, aliás, um repositório
importante dessa situação extrema em que se encontra a
cidade, localizada numa zona de fronteira e sempre sujeita
às vicissitudes e às pressões que dela derivavam.
ESTREMOZ
5. A Rainha Santa isabel, ligada de forma indelével e
permanente aos destinos de Estremoz, onde aliás
morreu em 1336, vê reforçados os seus laços com a
urbe como consequência desse facto. A sua santidade,
mais do que ao milagre das rosas, que lhe dá fama, fica
a dever-se ao trabalho que efectivamente fez pela paz
no reino de Portugal e que, por vicissitudes diversas, a
traz amiúde até estas paragens.
Filha do Rei de Aragão e de uma princesa Italiana, Isabel
casou com Dom Dinis e sofreu em vida as amarguras de
um casamento do qual parece que resultou pouca
afeição. O rei, conhecido admirador do belo sexo,
dedicava-se pouco à sua santa esposa e procurava
amiúde o folguedo junto das damas da região.
Conhecida pela sua bonomia, a rainha terá sido
conivente com tal situação, recebendo no paço, onde
lhes facultava condições de vida e uma educação
semelhante à que dava aos seus filhos naturais, os
vários bastardos reais.
O futuro Dom Afonso IV, seu filho primogénito e
legítimo herdeiro do trono, foi ele próprio alvo dessa
situação, dado que o seu pai, tendo preferência por um
dos seus filhos bastardos, teimou em deixar-lhe por
herança o reino de Portugal. O príncipe, defendendo os
seus direitos, terá dado início à primeira guerra civil da
nossa história, que teria sido muito mais sangrenta se
não fosse a intervenção permanente da sua mãe a
Rainha Santa Isabel.
6. ESTREMOZ O Milagre Alquímico de…
Em 1336, a antiga rainha que havia professado em Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, onde desejava passar os
seus últimos dias ajudando os pobres, vê-se obrigada a nova e derradeira viagem a Estremoz para evitar uma
nova guerra do seu filho agora já rei com o seu cunhado Rei de Castela. Deixando Coimbra carregada de peste, a
rainha sucumbe em Estremoz, não sem antes evitar novo derramamento de sangue e de ter deixado expressa a
sua vontade de ser sepultada em Coimbra conforme havia planeado fazer.
O cortejo fúnebre, que se alongou durante vários dias sob o calor tórrido do Julho no Alentejo, transportou os
restos mortais da rainha de Estremoz até Coimbra. O caixão, levado em ombros pelas principais personagens do
reino, acabou por rebentar durante o percurso, deixando sair um líquido viscoso que se ia espalhando ao longo
do trajecto. Mas, para surpresa e gáudio dos que tiveram a sorte de participar neste triste evento, o líquido que
saia deixava no ar um forte aroma a flores que reforçou a aura de santidade que já se atribuía à rainha. Não se
sabendo com exactidão quanto haverá de lenda e de realidade nesta história, o certo é que, muitos séculos
depois, quando o caixão voltou a ser aberto quando se procedeu à transladação do corpo de Santa Clara-a-
Velha para Santa Clara-a-Nova, se encontrou incorrupto o corpo da rainha, sendo que ainda hoje, quase
setecentos anos depois da sua morte, se expõe a sua mão à devoção dos Portugueses.
7. Mas para além de Geraldo – o sem pavor, de Dom Dinis – o plantador de naus a haver, e
da rainha Santa Isabel, também por Estremoz passaram outras ilustres figuras que
ajudam a perceber a real importância desta cidade única de Portugal. Em 1367 morreu
em Estremoz o Rei Dom Pedro I, muitos anos depois dos míticos e românticos amores
com a sua eterna apaixonada Inês; Em 1385, foi Estremoz das poucas praças que sem
vacilar apoiou a Causa Nacional durante a crise que levou ao trono o Mestre de Avis e
que deu forma à Ínclita Geração, tendo sido dali que Dom Nuno Álvares Pereira, o
Condestável Santo que fez nascer a Casa de Bragança e aquela que virá a ser a última
das dinastias no trono de Portugal, saiu para as batalhas dos Atoleiros e de Aljubarrota,
dando corpo a uma defesa total e intransigente do interesse Nacional. Da mesma
maneira, alguns anos depois, é a Estremoz que o rei Dom Manuel I se dirige para
entregar a Vasco da Gama a importante tarefa de descobrir o caminho marítimo para a
Índia e de estabelecer o contacto com o Prestes João…
Não se percebendo bem de onde vêm tão ilustres pergaminhos, perdidos no sem-sentido
que dá forma à história local, o certo é que Estremoz conjuga em si própria os
encantos maiores do Sul de Portugal. Tal como o País vai sobrevivendo quase incólume
às muitas desgraças que dão forma à sua história maior, também Estremoz reafirma a
sua Portugalidade em torno de feitos e acontecimentos que se conjugam no plano das
ideias ara dar forma ao desígnio maior da nação.
Visitar Estremoz, subindo ao amplo terraço que se encontra no topo da Torre de
Menagem, é ser capaz de reviver os passos difíceis que por ali deram os nossos
ancestrais avós, abarcando com a vista a amplitude infinita da paisagem alentejana.
Deslumbrante e avassaladora, a brancura de Estremoz acompanha a beleza
extraordinária do seu mármore que, depois de um processo alquímico associado à
purificação maior das impurezas que o compõem, se transforma na pedra maior que dá
forma ao que de melhor se construiu em Portugal. Está por todo o lado, nas asas, nas
ruas e nos lambris dos passeios. Mostra-nos a altivez, o charme e a riqueza deste
recanto mágico de Portugal.