1) O documento descreve o grupo conhecido como PIG (Partido da Imprensa Golpista) e suas bases de atuação.
2) O PIG atua de forma coordenada com outros grupos e indivíduos para influenciar a opinião pública, embora mantenha a aparência de isolamento.
3) O manual apresenta princípios e técnicas utilizados pelo PIG para atacar adversários políticos e defender aliados, de forma a manipular a narrativa política.
2. EPÍGRAFES
RIA COM ELES
"Journalists do not believe the lies of politicians, but they do repeat them – which is even worse!"
Michel Colucci.
"People everywhere confuse what they read in newspapers with news."
A.J. Liebling.
RIA DELES
"O dirigismo da mídia brasileira é um escândalo. Alguém precisa fazer uma coletânea com essas
barbaridades. Seria um manual utilíssimo para entregar aos estudantes de jornalismo."
César Bento.
"Fica chato ter de começar o texto lembrando as famosas 'exceções de sempre', mas é inevitável. Então
vamos lá: com as famosas exceções de sempre, a chamada grande imprensa decidiu se comportar como
linha auxiliar do governo Lula."
Reinaldo Azevedo.
3. O SIGNIFICADO DE PIG
PIG é a sigla de "Partido da Imprensa Golpista", expressão cunhada por André Alírio para designar o
conjunto de órgãos, jornalistas, colunistas e parajornalistas da Grande Mídia que utilizam seu trabalho
para desqualificar as realizações do Governo Lula e supervalorizar os erros do Presidente e de seus
aliados, chegando ao ponto de fabricar escândalos, fazer acusações caluniosas e pedir o impeachment, ao
mesmo tempo em que escondem ou atenuam os defeitos e as falcatruas dos políticos de Oposição que
desejam alçar ao poder.
As técnicas apresentadas a seguir valem, evidentemente, para qualquer grupo atacante, qualquer alvo
e qualquer objeto de defesa política. Mas como elas foram criadas e amplamente usadas, inicialmente,
com esse propósito histórico (o ataque ao Governo Lula e a defesa de seus detratores), estarão associadas
neste Curso, por uma questão de merecimento profissional, a esta sigla e aos órgãos de imprensa, aos
jornalistas, colunistas e parajornalistas que participaram dessas manobras políticas.
A exemplo de outras qualificações pejorativas, que foram assumidas orgulhosamente pelos alvos da
crítica e do deboche (vide o caso do urubu rubro-negro, no futebol), os integrantes do PIG a
princípio rejeitaram, mas depois aceitaram essa denominação, ainda que não o reconheçam publicamente.
O MANUAL
Este Curso Básico de Jornalismo Manipulativo é um documento altamente secreto que só deve
circular entre os integrantes do PIG, especialmente aqueles de maior poder e influência. Nem é necessário
alertar sobre o perigo de se deixar este material nas mãos de jornalistas comuns, quanto mais de
simpatizantes do Governo, dos quais estão infestadas nossas redações. A propósito, você leu a terceira
epígrafe da página anterior?
Trate o manual como trataria um arquivo que contivesse informações desabonadoras sobre a sua
própria pessoa.
4. SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE – BASES DA ATUAÇÃO DO PIG
PRINCÍPIOS E ATITUDES
O PIG
O grupo: palco e bastidores, luz e sombra ..................... 8
O modo de atuação ............................................. 9
O mito da coordenação infalível ............................... 9
O PIG e a sociedade
O PIG e a sociedade ........................................... 10
A relação do PIG com o seu público
Os três participantes do jogo social .......................... 11
A importância social da mídia ................................. 12
Tendências atuais da mídia .................................... 12
Tendências emocionais ......................................... 12
. Imediatismo
. Ânsia pela novidade
. Exageração
. Aproveitamento máximo dos novos fatos
Tendências intelectuais ....................................... 15
. Credulidade
. Avaliação crítica seletiva
. Supervalorização de fatos por descontextualização
Tendências comportamentais .................................... 18
. Ocultação de fontes e interesses
. Parcialidade
. Prevalência da opinião sobre a informação
. Dirigismo
Tendências estéticas .......................................... 20
. Eugenia visual
Tendências psicológicas ....................................... 20
. Valorização da futilidade
. Incentivo ao arrivismo
. Recompensa à sociopatia
Tendências morais ............................................. 21
. Contradição estrutural entre os valores assumidos e os praticados
Verdades inconvenientes sobre o nosso público ................. 23
. Foco psicológico no presente
. Emocionalismo
. Ignorância histórica
. Incapacidade intelectual e passividade física
. Masoquismo cívico
. Parcialidade
5. O PIG e o jornalismo
A visão do PIG sobre a função social do jornalismo ............ 27
A situação atual .............................................. 27
Os vários jornalismos do jornalismo ........................... 29
Princípios de atuação do PIG
Princípio do realismo ......................................... 31
Princípio da influência e do poder ............................ 32
Princípio da relatividade absoluta dos valores ................ 35
Princípio do descarte estratégico ............................. 36
Princípio da criação, aproveitamento e repercussão ............ 36
Princípio do corredor polonês ................................. 36
Princípio do sangramento contínuo ............................. 39
Atitudes definidoras do PIG
Atitudes filosóficas .......................................... 40
. Acolhimento da Sombra
. Flexibilidade interesseira
. Oposicionismo ontológico
Atitudes operacionais ......................................... 42
. Competência universal e inquestionável
. Editorialização
. Instigação da Sombra
. Estimulação da dinâmica de amor e ódio
. Transferência do ônus da prova
. Demonização do adversário
. Criminalização do adversário
. Justiceirismo
SEGUNDA PARTE – TÉCNICAS DE ATUAÇÃO DO PIG
1. Técnicas de ataque ao "outro lado" – 139 técnicas
(O número de técnicas vem ao lado)
Manipulação de manchetes – 14 ................................. 51
Manipulação de declarações – 3 ................................ 62
Atribuição de intenção reprovável – 4 ......................... 64
Atribuição de caráter reprovável – 7 .......................... 68
Aproveitamento de situação favorável – 11 ..................... 75
Organização de informações – 1 ................................ 81
Assassinato de reputação – 4 .................................. 82
Desestabilização – 1 .......................................... 86
Criminalização – 7 ............................................ 88
Eliminação simbólica do adversário – 1 ........................ 93
Desvio de foco – 13 ........................................... 94
Disseminação de idéias – 2 .................................... 102
Instigação do pânico – 3 ...................................... 110
Argumentação capciosa – 15 .................................... 116
Confrontamento – 9 ............................................ 126
Repercussão – 8 ............................................... 133
Escandalização – 3 ............................................ 139
Criação de fatos – 12 ......................................... 143
Criação de impressão – 1 ...................................... 156
Denominação - 2 .............................................. 157
Aproveitamento de aliados – 6 ................................. 161
Omissão de fatos – 1 .......................................... 168
6. Manipulação visual – 11 ....................................... 169
2. Técnicas de defesa do "nosso lado" – 43 técnicas
Manipulação de manchetes – 4 .................................. 177
Desvio de foco – 11 ........................................... 180
Proteção – 15 ................................................. 190
Eliminação de mérito – 4 ...................................... 202
Inviabilização preventiva de ataques – 2 ...................... 205
Contestação falaciosa de críticas – 7 ......................... 207
3. Técnicas de orientação política – 20 técnicas
A. Agentes do jogo
Chamamento à luta – 6 ......................................... 214
Validação de esforços – 1 ..................................... 218
Redirecionamento de esforços – 5 .............................. 219
B. Receptores
Orientação intelectual – 6 .................................... 222
Orientação emocional – 2 ...................................... 226
4. Técnicas de editorialização – 13 técnicas
Técnicas não-verbais – 2 ...................................... 228
Qualificação – 4 .............................................. 229
Enquadramento – 2 ............................................. 231
Técnicas frasais – 2 .......................................... 232
Outras técnicas – 3 ........................................... 233
5. Técnicas neutras – 3 técnicas
Solicitação de ajuda – 3 ...................................... 237
6. Técnicas de utilização da internet – 40 técnicas
Utilização de blogueiros – 10 ................................. 243
Utilização de caixas de comentários – 2 ....................... 252
Utilização da própria caixa de comentários – 4 ................ 254
Participação em caixas de comentários do "outro lado" – 6 ..... 263
Utilização do e-mail – 1 ...................................... 266
Utilização de páginas da Web – 5 .............................. 267
Utilização do Twitter – 3 ..................................... 269
Utilização do YouTube – 6 ..................................... 270
Contra-ataque – 3 ............................................. 273
7. A técnica das técnicas – 1 técnica
Metatécnica – 1 ............................................... 277
8. O PIG como veículo de jogadas – 27 técnicas
Jogadas geopolíticas – 6 ...................................... 279
Jogadas no mercado financeiro ................................. 284
Jogadas no mercado empresarial – 6 ............................ 284
Jogadas jurídicas – 2 ......................................... 289
Jogadas com o Executivo – 5 ................................... 290
Jogadas com o Legislativo – 2 ................................. 294
Jogadas políticas – 3 ......................................... 296
Jogadas derivadas de relações pessoais – 3 .................... 298
O jornalista e o PIG .......................................... 300
PALAVRAS FINAIS ............................................... 301
TUDO FAZ PARTE DO JOGO ........................................ 302
O HOMEM DO ANO ................................................ 303
8. O PIG
O GRUPO: PALCO E BASTIDORES, LUZ E SOMBRA
Nenhum homem é uma ilha, nenhum grupo trabalha em estado de isolamento.
A visão convencional da sociedade sobre o PIG é enganosa, um equívoco de imagem que nos
convém manter indefinidamente. Isso porque não só os órgãos da mídia, os jornalistas, os colunistas e os
parajornalistas integram o "nosso lado". Outros grupos e indivíduos somam esforços a esses para lutar
pelos nossos interesses e combater os interesses do "outro lado".
Na verdade, muitas vezes a contribuição mais importante para a nossa luta vem daqueles que não são
automaticamente associados ao PIG, porque o público recebe de espírito desarmado as suas contribuições
Essa constatação, porém, jamais nos deverá fazer esquecer nosso papel de atores principais da peça. A
função de protagonismo é nossa; os demais são somente nossos auxiliares.
Por exemplo, um de nossos mais destacados grupos de apoio é o dos especialistas. Atualmente, sua
contribuição efetiva sofre desgaste porque o público já notou a nossa escolha seletiva e questiona a falta
de competência e sensatez desses profissionais selecionados (e também sua notória falta de isenção). Se
tivéssemos apenas o grupo de especialistas como co-adjuvantes, estaríamos com sérios problemas.
Entretanto, nossa rede de atuação e solidariedade é vasta.
É importante você sentir que realmente pertence a um grande grupo cujos interesses, somados,
representam uma força social poderosíssima.
Há quem trabalhe no palco, como os órgãos da mídia, os jornalistas, colunistas e parajornalistas, mas
há também quem trabalhe nos bastidores, como grandes empresários, financistas, advogados e políticos
(estes, quando secretamente nos fornecem material relevante) e até grupos religiosos, semi-secretos ou
secretos.
Há quem trabalhe na luz, como nossos especialistas e os blogueiros simpatizantes, mas há também
quem trabalhe na sombra, como blogueiros contratados, nossos comentaristas de blogs (contratados de
empresas ou voluntários de partidos), criadores e disseminadores de campanhas de e-mails, ex-membros
da comunidade de informações, denunciantes infiltrados etc.
Há quem sempre pertenceu ao "nosso lado", assim como há quem pertence ao "outro lado" apenas
formalmente, trocando favores conosco, e quem dele se desligou e trouxe valiosas informações para a luta
política, especialmente em forma de denúncias, verdadeiras ou não.
Há, por fim, um número enorme de inocentes úteis, cidadãos politicamente passivos e indivíduos
desprovidos de autonomia intelectual que constituem, em seu todo, um dos focos prioritários de nosso
trabalho de opinião pública. Lembre-se sempre de que eles se orgulham de fazer parte do "nosso lado"
(seja este qual for) e que estão sempre ávidos para ceder à nossa influência, dando-nos, em troca desse
convencimento, um benefício inestimável: seu voto (direcionado por nós).
Para nós, principais atores do PIG, são nossos irmãos todos aqueles que defendem ou promovem os
nossos interesses contextuais e temporários.
A impressão falsa de que essa forma incisiva de atuação da imprensa restringe-se à época atual e aos
governantes atualmente no poder nos é muito útil porque, primeiro, oculta o verdadeiro papel histórico da
imprensa de modo geral (a sua ligação preferencial com as elites, e não com a população; a sua ligação
com os donos presentes ou futuros do poder, e não com a democracia), e segundo, porque oculta a real
importância dos agentes sociais dos quais somos os principais representantes na mídia em geral.
9. O MODO DE ATUAÇÃO
Outra vantagem da concentração do significado de "PIG", na visão popular, num número restrito de
órgãos e profissionais é o ocultamento das técnicas usadas em nossa atuação cotidiana. São elas, mais do
que os órgãos e as pessoas do PIG, que geram os efeitos importantes para os nossos interesses. Por isso,
este manual concentra-se na identificação, explicação e ensino destas técnicas.
O MITO DA COORDENAÇÃO INFALÍVEL
O uso repetido da sigla PIG pelos nossos adversários pode sugerir uma espécie de central de
coordenação de ações do PIG, ao estilo dos grupos dominadores do mundo que permeiam as teorias da
conspiração.
É óbvio que temos ações coordenadas em algum grau porque faz parte do comportamento social
humano o espírito gregário. Políticos tramam, empresários acertam-se, empresários da comunicação
traçam estratégias, e tais ações desenvolvem-se nos bastidores. Em reuniões sociais, vários atores do jogo
político, de diferentes origens, podem conversar e chegar a pontos comuns de interesse mútuo.
Entretanto, a idéia difundida de um comando único para o PIG é, como toda idéia semelhante,
humanamente ilógica e estrategicamente inviável.
O que existe, sim, são objetivos comuns.
A liga que nos une são os interesses. E interesses são dinâmicos. Evidentemente, quando o alvo é
estático, ou seja, quando um grupo "do outro lado" assume o poder e nele se estabelece, é natural que
várias forças sociais se unam para combatê-lo, cada uma com seus interesses particulares, mas todas com
um interesse maior e único: expulsar aquele grupo do poder, substituindo-o por outro grupo de pessoas
simpáticas a nossos variados interesses.
Outro ponto que gera a suspeita da existência de uma coordenação oculta é a coincidência notável do
conteúdo de ataques e defesas realizadas pelo PIG em relação ao "outro lado". Ilustrando brevemente o
ponto, em relação ao Presidente Lula são temas recorrentes entre os jornalistas do "nosso lado" os ataques
que o caracterizam como "inculto" e "populista", a seus seguidores como "mal informados", a seus
auxiliares como "sindicalistas corruptos", à sua política econômica como "continuação da política do
governo anterior", a suas medidas sociais como "tentativa de estabelecer um controle de Estado", entre
muitas outras críticas recorrentes.
É fácil explicar o porquê. Assim como os caricaturistas, os jornalistas precisam tornar suas
mensagens compreensíveis; por isso, optam muitas vezes pela lei do menor esforço, ou seja, pela
interpretação e pelo argumento mais superficial. Também é necessário reforçar preconceitos típicos de
determinadas classes sociais. Além disso, alguns de nossos integrantes tomam de empréstimo a outros
aqueles ataques e aquelas defesas que, de algum modo, surtiram efeito positivo na luta política.
Nada disso, porém, justifica a impressão de que exista uma central de distribuição de conteúdo
uniformizado aos integrantes do PIG. Mais uma vez, a questão restringe-se a interesses comuns e às
táticas necessárias ou disponíves para garantir esses interesses.
10. O PIG E A SOCIEDADE
A mídia, e mais particularmente a imprensa, situa-se na interface entre grupos dominantes na
sociedade, os agentes do processo, e a sociedade em seu aspecto mais passivo que ativo, a chamada
opinião pública.
Os vários grupos dominantes possuem interesses específicos e, muitas vezes, conflitantes. Esses
conflitos refletem-se na mídia, expressando-se de diversas maneiras: notinhas, reportagens, matérias,
entrevistas, artigos, colunas, blogs etc. O conteúdo dessas formas jornalísticas e virtuais é o tema da
Segunda Parte deste Curso.
Nossa relação com esses grupos sociais dominantes se dá pelos mais variados motivos e das mais
variadas maneiras, que não convém especificar neste trabalho. Basta saber que o PIG tem interesses que
às vezes podem coincidir, às vezes não, com os interesses de um ou mais desses grupos. No primeiro
caso, desenvolvemos ações de defesa dos interesses deles, que também são os nossos interesses, e de
ataque aos interesses dos grupos rivais; no segundo caso, a atuação é oposta: ataque aos interesses dos
grupos de interesses destoantes dos nossos e defesa dos interesses de grupos simpáticos aos nossos
interesses, rivais daqueles.
O importante é perceber que, assim como a Grande Mídia não é, em essência, todo o PIG, e que não
estamos sozinhos em nossa luta, o PIG não existe num vácuo social, mas se constitui, na verdade, num
veículo de interesses alheios – quando estes concordam com os nossos interesses.
Neste manual, adotaremos a expressão "nosso lado" para denominar uma configuração de interesses
PIG–grupos sociais, em que nós atuamos na defesa desses grupos e no ataque a seus grupos rivais; e a
expressão "outro lado" para denominar uma configuração de interesses representada pelos grupos rivais
aos interesses do PIG e aos grupos a que estamos associados.
Como será explicado mais adiante, o "nosso lado" (ou o "outro lado") não é algo fixo, imutável,
independente de época, circunstâncias etc. O jogo do mercado, da influência e do poder é dinâmico;
assim, nosso aliado de hoje pode ser o rival de amanhã, e os interesses defendidos por nós hoje podem ser
os interesses atacados amanhã.
11. A RELAÇÃO DO PIG COM O SEU PÚBLICO
OS TRÊS PARTICIPANTES DO JOGO SOCIAL
Didaticamente, podemos dividir os participantes do jogo social, no que se refere à participação da
mídia, em três grupos:
1. O grupo mais ativo, atuante, dinâmico e lutador (mesmo entre si), que está por trás da mídia,
pressionando para que ela defenda ou promova seus interesses. Este grupo, na verdade, é composto de
vários subgrupos importantes.
. Influências do mercado.
As grandes empresas nacionais (Comércio, Indústria, Tecnologia).
Os banqueiros, especuladores e financistas (Finanças).
Lobistas (representantes de interesses de vários setores da sociedade).
. Influências políticas.
Os grupos atualmente dominantes no poder municipal, estadual e nacional.
Os grupos que desejam tomar esse poder (ou voltar a ele).
Lideranças políticas individuais (quando não possuem sua própria mídia).
Partidos políticos.
. Influências geopolíticas.
Governos estrangeiros, na defesa de seus interesses nacionais.
Empresas estrangeiras, interessadas na exploração de negócios e riquezas nacionais.
. Influências do submundo.
Organizações criminosas (que se dedicam a crimes do colarinho branco).
Etc.
Esses grupos possuem alto poder de pressão porque não lhes falta dinheiro, poder e influência – nem
meios, legais ou ilegais, para conseguir o que desejam.
2. A própria mídia.
Situada entre os grupos sociais dominantes e a população, a mídia possui seus próprios interesses,
quando não se trata de um dos grupos dominantes, como no caso de empresas de comunicações de âmbito
nacional ou internacional.
Assim, as pressões ou solicitações que venha a sofrer por parte de outros grupos dominantes só serão
aceitas e implementadas caso sejam harmônicas a seus próprios interesses, mesmo que essa harmonia se
dê por meio de um acordo do tipo toma-lá-dá-cá.
Além disso, os interesses empresariais ou estratégicos de uma organização da mídia podem levá-la a
procurar um ou mais desses grupos para que seus interesses prevaleçam no mercado, nos governos ou na
sociedade em geral.
3. A população em geral, consumidora dos serviços e produtos da mídia.
Assim como há grupos sociais dominantes por trás da mídia, há uma enorme população à frente dela.
Da sociedade vêm os interesses maiores, que precisam da mídia para a sua promoção ou concretização;
da população vêm exigências que precisam ser satisfeitas para que exista uma boa relação consumidor-
imprensa, contexto dentro do qual se dará a influência emocional, intelectual e comportamental que leva à
satisfação dos nossos interesses (e dos interesses dos grupos dominantes a que estamos associados).
12. É bem verdade que alguns setores da população estão abandonando o papel passivo que sempre os
caracterizou e estão tentando entrar no jogo como atores importantes. As ONGs, os movimentos sociais e,
graças à internet, os próprios blogueiros, começam aqui e ali a tentar influenciar as relações da imprensa
com os seus principais aliados, mas o efeito, embora preocupante, ainda não afeta as regras do jogo.
*****
Portanto, esses três conjuntos genéricos de interesses (dos grupos sociais dominantes, da própria
mídia e dos consumidores) precisam estar harmonizados para que nossa atuação seja bem-sucedida. As
pressões de "cima", os objetivos do "meio" e as necessidades de "baixo" representam as principais forças
atuantes nesta questão, pautando as relações da mídia com os grupos dominantes, com os interesses dela
mesma e com a população consumidora.
Em linguagem popularesca, nossa função, na maior parte do tempo, é harmonizar os interesses da
gente graúda, aliada de nossos objetivos, com as paixões dos pequeninos.
A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA MÍDIA
Antigamente, a família e a escola formavam cidadãos. O mundo mudou, as crianças e os jovens se
desgarraram, e a mídia se tornou sua principal influência formadora, especialmente ao se estabelecer
dominância cultural norte-americana no chamado Mundo Livre, a partir da década de 60.
Aqui cabe especificar uma lição da plasticidade do comportamento humano, importante para quem
exerce atividades de convencimento do público.
Se imaginarmos um espectro em que um povo ocupasse um dos extremos e outro povo o espectro
oposto, poderíamos tranqüilamente colocar num deles o povo brasileiro e no outro o povo estadunidense.
É difícil imaginar povos mais diferentes do que esses dois, em quase tudo.
Pense na história dos povos; pense em seus valores espontâneos; pense em seus comportamentos
típicos; pense em sua relação com os estrangeiros; pense em sua atitude ante as leis, as regras sociais e as
normas em geral; pense em sua relação com o trabalho; pense em sua visão da vida. Tudo, absolutamente
tudo diferente.
Apesar disso, a cultura estrangeira mais influente na cultura nacional, atualmente, é a estadunidense:
no idioma, no comportamento dos jovens, na música, no cinema, na literatura, nas relações com as
empresas, nos modismos sociais...
Pense nisso sempre que se sentir desanimado em seus esforços para convencer e direcionar o
coração, a mente e o comportamento dos brasileiros. Se um povo inteiro pode prescindir de partes
fundamentais de sua própria alma e se entregar feliz a outro povo situado no extremo oposto de suas
tendências naturais, por que não poderíamos aproveitar essa incrível plasticidade humana para impor
nossos interesses? É tudo uma questão de técnica e de ação inteligente.
TENDÊNCIAS ATUAIS DA MÍDIA
Se analisarmos com objetividade a imprensa e suas relações com a população, atualmente, veremos
estas tendências mais ou menos consolidadas, em todas as editorias (jornalismo político, de
entretenimento, esportivo etc.). Em primeiro lugar, as tendências superficiais, destinadas a satisfazer o
gosto do público. Elas são a cobertura do bolo, algo doce que é oferecido para que possamos garantir os
objetivos das tendências mais profundas, o recheio do bolo.
TENDÊNCIAS EMOCIONAIS
13. Este conjunto de tendências tem como objetivo primordial a estimulação de emoções fortes e, se
possível, duradouras. Para tanto, baseia-se nas formas mais seguras de estimulação e nas emoções mais
fáceis de serem estimuladas.
Imediatismo
Tendência manifestada pela supervalorização do presente e pela pronta exploração de qualquer fato
que prometa desenvolvimentos rápidos e empolgantes. Como resultado, qualquer outro fato que vinha
sendo desenvolvido, mesmo aqueles socialmente mais importantes, acaba sendo abandonado à própria
sorte.
O imediatismo, somado à compressão do limiar de saturação do público (cada vez mais próximo do
início da exploração dos assuntos), acarreta a alta rotatividade das notícias e impossibilita o
aproveitamento conseqüente de matérias ou temas socialmente relevantes.
Como a mídia é a instituição-mãe do mundo moderno, essa tendência acaba contaminando outros
setores ligados a ela:
"A pauta do Congresso, por exemplo, é muito marcada pelo imediatismo. Sai uma notícia na mídia,
aquela notícia é tratada no debate do dia, no debate da semana. Não se focalizam as questões de longo
prazo, cuja preocupação caracteriza o estadista. O que é o estadista? O político que tem a feição do
estadista quer ver o que vai acontecer com o país, não amanhã ou no mês que vem ou no ano que vêm,
mas daqui a dez ou vinte anos. Ele se preocupa com esse horizonte." (Saturnino Braga.)
http://www.direito2.com.br/asen/2006/jul/14/saturnino-diz-que-ha-cobica-externa-por-recursos-
naturais-brasileiros
Ânsia pela novidade
Tendência manifestada pela receptividade entusiástica a qualquer notícia, mesmo frívola, fútil, boba,
forçada, por causa do fator "novidade", e só por ele. "Novo" é um critério mais decisivo na escolha da
mídia do que "relevante", "útil" ou "importante".
Essa tendência é exacerbada pela competição entre os veículos, que tentam chegar antes a "furos" que
sejam impactantes e que permitam desenvolvimento ao longo de dias, trazendo a atenção do público para
o seu veículo.
"Na ânsia de sair na frente dos concorrentes, os meios de comunicação publicam o conteúdo antes de
investigar." (Alberto Dines.)
http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/cme/081118_resumo_487.htm
Exageração
A tendência ao exagero é uma forma de desrespeito à realidade que se manifesta de várias formas na
imprensa:
. A "escandalização do nada", na área da política.
"Jornalismo de escândalos." (José César dos Santos.)
http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=2276
. A transformação de fatos corriqueiros da vida pessoal de celebridades e subcelebridades em notícia
de imprescindível interesse social.
Notícia na home-page da Globo.com (note a receptividade do público expressa no número 1, de
matéria mais lida):
14. . A criação de polêmicas fúteis (descrição de situações de modo a ressaltar ou instigar rivalidades).
"Praticamente inexiste oconceito de relevância na matéria jornalística. Em qualquer cobertura de fato
relevante, a tendência é de se realçar o imprevisto, a frase que pode gerar conflito, deflagrar a catarse
em lugar de relatar a essência do assunto." (Luis Nassif, O Jornalismo dos Anos 90.)
Esta é uma das especialidades do jornalismo esportivo.
. A preferência por declarações de impacto pinçadas de uma entrevista.
Declaração da cantora e compositora Ana Carolina (21/12/2005):
. O jornalismo-espetáculo, marcado pela exploração de denúncias, polêmicas, crimes.
As "filas quilométricas" do porto de Paranaguá, segundo o "Jornal Nacional" – que não existiam:
http://www.youtube.com/watch?v=b7MVYlRAKlg&feature=related
O alarmismo da RPC no Paraná:
http://www.youtube.com/watch?v=rk3iUud1wu0&feature=related
Essa tendência leva, às vezes, ao confrontamento por parte do "outro lado", atingido pelas denúncias:
http://www.youtube.com/watch?v=4RZ8dnuuj9k&feature=related
. A instigação emocional, exemplificada pela preferência dada a fatos chocantes.
O comportamento acrítico e açodado da mídia brasileira no caso de Paula Oliveira, cujo corpo teria
sido marcado por neonazistas suíços.
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=160714
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Paula_Oliveira
. A escandalização social, prenúncio da instigação do "clamor das ruas", cujo símbolo maior no País
foi o caso da Escola Base (1994).
Resumo do blogueiro Gabriel:
http://senadormandabrasa.zip.net/arch2008-09-21_2008-09-27.html
Onze anos depois do caso (2005):
"Shimada teve três enfartes desde 94, fuma bastante e tem medo de andar na rua. Atualmente toca a
vida numa xerox no centro de São Paulo. Sua esposa faz tratamento psicológico desde o episódio. Os
outros acusados se mudaram para o interior. Os repórteres que cobriram o caso continuam suas vidas
15. profissionais normalmente. Nenhum veículo foi punido, nenhuma desculpa foi dada com o mesmo espaço
das acusações. (Thiago Domenici.)
http://www.fazendomedia.com/novas/educacao300705.htm
O mea-culpa, convenientemente, só é feito depois do fim da exploração, quando o caso virou bagaço.
Um exemplo recente:
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2009/12/27/erramos
Aproveitamento máximo dos novos fatos
Tendência manifestada pela exploração de um novo fato, tanto no aspecto quantidade (número de
matérias, colunas, comentários etc.), quanto no aspecto tempo (o máximo possível). A transformação de
situações corriqueiras em "novelas", nas áreas do entretenimento e do esporte, é um bom exemplo dessa
tendência. Na área do crime, idem:
"A novelização do Caso Eloá." (Valdeir Almeida.)
http://www.ponderantes.com.br/2008/10/novelizao-do-caso-elo.html
Seu símbolo máximo, entretanto, vem da área do jogo do poder: o escândalo-borracha, no qual
comentaristas, editores, repórteres, especialistas etc. se esforçam para estender a sua vigência de modo a
desgastar a posição do "outro lado".
TENDÊNCIAS INTELECTUAIS
Credulidade
Tendência manifestada pelo descuido na verificação da validade objetiva das informações recebidas
de especialistas ou de outros meios de comunicação, o que leva ao endosso de afirmações falsas, fatos
inexistentes e conclusões precipitadas – isso, quando não gera uma gafe que marcará para sempre o
profissional ou o órgão de imprensa.
A área mais prejudicada por essa tendência são as Ciências, notadamente quando se dá a divulgação e
a interpretação de notícias sobre pesquisas, teorias, invenções e curiosidades, nas quais são comuns
afirmações exageradas sobre a validade objetiva e o alcance do assunto abordado.
Como exemplo, recentemente a mídia divulgou como verdadeiras duas inverdades científicas: a
regeneração do dedo de um amputado, que teria sido conseguida por meio de um pozinho mágico, ...
http://www.badscience.net/2008/05/finger-bullshit/
... e a descoberta de que um paciente em coma durante 23 anos teria mantido a consciência e a
capacidade cognitiva por todo esse período:
http://www.badscience.net/2009/12/so-brillliantly-youve-presented-a-really-transgressive-case-
through-the-mainstream-media/
A falta de espírito crítico dos editores e, em especial, de um responsável pelo filtro das notícias
científicas, leva a mídia a estabelecer uma cadeia de irresponsabilidade em que um órgão alimenta o outro
com falsidades que seriam de fácil identificação por especialistas. Esse filtro, se existisse, implicaria na
desmistificação das noções do cientista como autoridade inquestionável, da palavra do cientista como
fonte inquestionável e do texto da agência como verdade inquestionável.
Um outro exemplo, bem simples:
16. "Os animais de estimação, sejam eles gatos ou cachorros, poluem duas vezes mais do que um carro,
de acordo com cientistas neo-zelandeses que calcularam a superfície necessária para produzir a carne e os
cereais consumidos por eles." (Tradução de matéria da France Press.)
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1420504-5603,00-
CIENTISTAS+DIZEM+QUE+CAES+E+GATOS+POLUEM+MAIS+QUE+CARROS.html
Os cientistas avaliaram toda a poluição gerada pelas atividades e produtos necessários para os gatos e
cães "funcionarem", comparando esse fator com a poluição gerada pelo funcionamento dos automóveis –
em vez de levar em consideração toda a poluição gerada pelas atividades e produtos que são necessários
para os veículos funcionarem, isto é, as atividades de produção de veículos – sem as quais eles não
existiriam.
Cães e gatos poluem quase nada pelo que fazem e (aparentemente) muito pelas atividades exigidas
para sustentá-los; carros poluem muito pelo que fazem e outro tanto pelas atividades exigidas para
produzi-los.
A ausência de senso crítico é explorada corriqueiramente por brincalhões para mostrar, na prática, a
complacência intelectual da mídia. No final de 2009, um "estudo científico" inglês que correlacionava o
culto ao Papai Noel à obesidade, entre outros bobagens, foi reproduzido acriticamente pela mídia
nacional.
A pegadinha:
http://blog.newsweek.com/blogs/nurtureshock/archive/2009/12/18/santa-s-a-health-menace-media-
everywhere-are-falling-for-it-but-the-entire-study-is-a-fake.aspx
"Papai Noel promove estilo de vida pouco saudável, diz especialista." (Estado de S. Paulo.)
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,papai-noel-promove-estilo-de-vida-pouco-saudavel-diz-
especialista,484119,0.htm
"Papai Noel promove estilo de vida pouco saudável, diz especialista." (Globo.com.)
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1419727-5603,00-
PAPAI+NOEL+PROMOVE+ESTILO+DE+VIDA+POUCO+SAUDAVEL+DIZ+ESPECIALISTA.html
"Papai Noel é mau exemplo ao combate à obesidade, dizem especialistas." (UOL Tablóide.)
http://noticias.uol.com.br/tabloide/tabloideanas/2006/12/13/ult1594u926.jhtm
"Forma física de Papai Noel vira polêmica na web." (Zero Hora.)
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?
uf=1&local=1§ion=Geral&newsID=a2753037.xml
"Papai Noel precisa entrar em forma, diz estudo de saúde pública." (Rede TV!)
http://www.redetv.com.br/portal/entretenimento/noticia.aspx?
cdNoticia=97112&cdEditoria=142&Title=Papai-Noel-precisa-entrar-em-forma-diz-estudo-de-saude-
publica
. A tendência também se manifesta na cobertura de casos médicos, onde não se procura o
contraditório, estabelecendo-se a autoridade suprema do médico ou da junta médica que controla as
informações; e nos casos policiais, onde o contraditório também não é procurado, estabelecendo-se a
autoridade suprema do delegado ou do Secretário de Segurança.
Nos dois casos, a realidade chega deturpada à opinião pública, segundo a conveniência de quem
controla as informações. Vários desses casos são abordados no livro O Jornalismo dos Anos 90, de Luis
Nassif:
http://www.projetobr.com.br/c/document_library/get_file?
folderId=213&name=DLFE-487.pdf&download=true
17. . A "epidemia de gripe suína", que matou bem menos pessoas que uma gripe comum, gerou
manchetes alarmistas, pânico na população e um lucro estupendo à empresa farmacêutica Novartis,
fabricante do Tamiflu. Quando a realidade surgiu, veio com ela a noção do exagero: "França cancela
encomenda de 50 milhões de vacinas para gripe H1N1" (AFP).
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5iTqpR5RZ7IkKcMUeT7Zn3HjZxAyw
Avaliação crítica seletiva
Se o órgão de imprensa defende de modo quase obsessivo uma posição política, econômica ou social,
os fatos só têm importância para ilustrar essa posição, seja no aspecto negativo (críticas a quem está no
lado oposto), seja no aspecto positivo (elogios e louvação a quem está no lado "certo").
Um exemplo clássico de crítica "engatilhada" é a capa da revista Veja sobre Cazuza (26/4/1989),
pouco antes da morte do cantor e compositor.
Um exemplo clássico de louvação "engatilhada" é a matéria da Veja, em maio de 2007, sobre o
emirado árabe de Dubai, um dos principais destinos dos super-ricos do mundo: "O milagre no deserto":
"O resultado dessa atmosfera pró-negócios é de fazer arrepiar o mais blasé dos estatísticos. No ano
passado, o PIB de Dubai cresceu a uma taxa de 16%, enquanto o da China alcançou 10,5%. O índice de
desemprego de Dubai é tecnicamente nulo. A população cresce a uma taxa de 10% ao ano,
principalmente devido à imigração, e a demanda por imóveis é incessante. Não há outro lugar no mundo
em que a indústria da construção civil esteja tão atarefada:..." (Diogo Schelp, O Reino Encantado, 30 de
maio de 2007.)
http://veja.abril.com.br/300507/p_096.shtml
O trecho abaixo é de 2008:
"Recentemente, mais e mais estrangeiros estão investindo em Dubai, graças à perspectiva de
crescimento e à solidez da economia, que levam a projeções de que no futuro Dubai será um centro
mundial de finanças e turismo."
http://www.riquissimos.com.br/category/viagem/page/2/
18. Alguns aspectos condenáveis desse progresso não incomodavam muito seus apreciadores:
"Êxito econômico de Dubai esconde sistema de trabalho com características de escravidão." (Andy
Robinson, La Vanguardia.)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lavanguardia/2008/06/09/ult2684u457.jhtm
Em novembro de 2009, o outro lado do sucesso estrondoso surge como do nada, sem aviso: a
possibilidade de falência de Dubai e o atraso no pagamento de dívidas:
"Crise em Dubai faz ressurgir fantasma da falência de vários países. "(Jérémy Tordjman, France
Press.)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u658005.shtml
Supervalorização de fatos por descontextualização
"A mulher mais bem-vestida do ano", "a mulher do século", "a mulher mais sexy do mundo"... Na
verdade, resultados de enquetes feitas numa revista, num site, numa TV, baseadas num universo limitado
e centradas em poucas atrizes e modelos, todas presentes na mídia.
O título não combina com a real importância e a real dimensão do fato. Mas é impactante, por isso a
imprensa o reproduz acriticamente, criando maravilhas vivas da humanidade que são, na verdade, apenas
expoentes temporários da mídia imediatista.
Para quem não se lembra, a "mulher do século XX" chama-se Maria Fernanda Cândido. A "eleição"
foi realizada por telefone no programa "Fantástico", da Rede Globo. Apenas por uma coincidência, Maria
Fernanda era a atriz principal da telenovela que a Globo desejava divulgar, na época ("Terra Nostra"). O
título honorífico é lembrado com regularidade em matérias da imprensa.
http://www.tiosam.com/?q=Terra_Nostra
TENDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS
Ocultação de fontes e interesses
Tendência que é mais do que mera tendência: trata-se, na verdade, de um dos fundamentos da
atividade jornalística da atualidade (e talvez de sempre). Desde o jornalismo de celebridades, em que
matérias e fotos enviadas por assessorias de imprensa passam por conteúdo apurado pela redação, até as
manobras políticas e empresariais que determinam o conteúdo de notinhas, colunas, reportagens etc., a
preservação da fonte não se dá, como no bom jornalismo, por uma questão ética; ao contrário, ela é
preservada para não se admitir a falta de ética: se revelada, mostraria o interesse escuso ou a falta de
profissionalismo que pautou a atuação do jornalista.
Parcialidade
A facilidade com que os jornalistas divulgam o clichê da impossibilidade do exercício da
imparcialidade diz muito sobre a ligação deles com essa tendência. Obviamente, a distorção dos fatos faz
parte da própria atividade da consciência humana, mas a intenção de imparcialidade tende a levar o
profissional até o ponto mais próximo possível dos fatos, ou seja, da realidade. Ela age fazendo-o
perceber os processos de distorção, contrabalançar sua própria inclinação no assunto e aplicar técnicas
que garantam um alto grau de fidelidade na representação dos eventos percebidos e descritos.
As técnicas são conhecidas: não só ouvir, como também dar importância, tempo e espaço
equivalentes ao outro lado da questão, prática tão rara hoje em dia por causa da editorialização
compulsiva; a apresentação de versões diferentes do mesmo fato, quando relevantes; o questionamento
19. inteligente da capacidade dos especialistas e a comunicação ao público sobre suas ligações com partes
envolvidas e sobre sua importância relativa no meio profissional; a investigação paciente, quando a
questão parece ainda confusa e os fatos carecem de peso próprio. E outras bem conhecidas do meio.
Tudo isso pertence ao mundo ideal. No mundo real prevalecem os interesses. E a parcialidade, em
especial na política, passou de exceção a regra.
Prevalência da opinião sobre a informação
A epidemia do colunismo, somada à parcialidade dos comentaristas e analistas políticos, levou à
substituição do jornalismo pela palpitagem. Colunistas, parajornalistas (amadores que tentam
canhestramente atuar como jornalistas sem compromisso com as normas da profissão), âncoras do rádio e
da TV, analistas políticos e econômicos, quase todos descambaram para o achismo, a editorialização, as
previsões inconseqüentes. Especialistas em tudo passaram a freqüentar a mídia, em colunas ou nas
entrevistas.
A facilidade de pontificar sobre um assunto (ou qualquer assunto) tem uma contraponto: o desleixo
nas obrigações jornalísticas, como pesquisar, investigar, checar informações, verificar fatos, exemplos,
argumentos... Se basta sentar-se, digitar cinco ou seis parágrafos em 15 minutos, pensando rapidamente,
e depois enviar o texto por e-mail, garantindo um extra mensal, e se quase todos estão agindo dessa
maneira, e se a lei do menor esforço é recompensada no final do mês, como esperar que esse
comportamento fique restrito a incompetentes ou apressados?
Não é só o conteúdo que sofre: a forma da maioria dos textos é, no máximo, passável.
E olhos atentos percebem com facilidade os erros que se sucedem nos textos. Um exemplo:
"Royalties e pitombas." (Urariano Mota, sobre coluna de Ruy Castro.)
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=568FDS004
"Existe dificuldade enorme de se conferir tratamento analítico aos temas, de analisar ponto
por ponto os diversos ângulos da questão, apresentar as versões conflitantes, inseri-lo em um contexto
mais amplo, em suma, pensar de maneira moderna. Em geral as análises são substituídas por opiniões
quase sempre taxativas, quase nunca analíticas, que espelham muito mais as preferências do autor do que
análises acuradas. (Luis Nassif, O Jornalismo dos Anos 90.)
Esse comportamento gerou um efeito contraditório: embora os jornalistas profissionais destaquem o
abismo qualitativo que os separa dos blogueiros amadores, ao virarem palpiteiros acabaram se igualando
a seus novos rivais – em certos casos, saindo-se pior do que eles porque os blogueiros têm mais espaço
para serem criativos, engraçados, surpreendentes. E, volta e meia, também são mais inteligentes em sua
análise da realidade e em sua visão do mundo.
Faz parte da natureza do brasileiro palpitar sobre tudo, achar-se especialista num assunto não
conhece, sentir que tem a verdade sobre um fato que acabou de ser divulgado. Jogar conversa fora, é
conosco mesmos. A antecessora histórica da coluna de jornal, a crônica do cotidiano, é uma criação
brasileira.
Ao ser brindado com um espaço e com a palavra, vem ao brasileiro a sensação de autoridade e dá-se
a expressão da sua sabedoria universal – e não é conveniente passar por estraga-prazeres, solicitando as
reais qualificações, atestadas na prática, do palpiteiro empolgado.
Assim, "cientistas políticos" que vivem enclausurados na elegante Zona Sul do Rio de Janeiro
comentam com suposta autoridade os bastidores de Brasília ou a política local do Nordeste. Um apagão
transforma pessoas que não entendem a função de um simples capacitor em especialistas no sistema
elétrico nacional. Adultos que não distinguem um cirro de um cúmulo-nimbro (tipos de nuvens) querem
passar por sumidades em aquecimento global.
20. Quando erros grosseiros de análise, previsão e aconselhamento são cometidos, nada disso abala a
auto-imagem dos sábios nem a sua imagem social, porque o público sabe que quase todos os colegas
agem do mesmo modo.
"As redações passaram a atuar com excessiva benevolência para com os erros cometidos pelos
jornalistas. O engenheiro que comete um erro de cálculo passa imediatamente a ser mal visto pelos
colegas. No jornalismo, ainda não existe esse círculo de censura interna, inibindo a ação do amador ou do
leviano." (Luis Nassif, O Jornalismo dos Anos 90.)
Isso porque a total liberdade de palpitar é o melhor contexto para influenciar a opinião pública. Se
cada um ficasse restrito às suas áreas de competência, se lhe fosse exigido rigor nas análises e nas
previsões, se houvesse responsabilização por equívocos, o jogo da influência e do poder seria
prejudicado. E o jogo tem a prioridade.
Dirigismo
O dirigismo é a atitude de querer determinar a realidade e, particularmente, o comportamento alheio.
Ele está por trás do comportamento parcial; das opiniões; do sentido dado aos palpites, às análises, às
previsões – é causa desses efeitos e, em si mesmo, é o representante de interesses próprios do jornalista,
do órgão para o qual trabalha ou de forças sociais externas, que determinam a posição empresarial,
política ou social do jornalista.
O dirigismo está presente na seleção tendenciosa de fatos, ângulos, notícias, frases, declarações etc.,
assim como na repercussão também seletiva desse conteúdo por outros órgãos ou colegas, que
potencializam seu valor de influência ou choque.
TENDÊNCIAS ESTÉTICAS
Eugenia visual
Corresponde à preferência ou mesmo à exclusividade, nos meios visuais como a TV e a internet, da
presença de rostos bonitos e corpos em forma, tomados como padrão de qualidade física humana, contra o
qual a feiúra e a desproporção física chegam a parecer deformações ou se tornar um natural objeto de
ridículo.
O aparecimento de pessoas do povo tende a gerar nos espectadores da TV, treinados a esperar a
beleza natural ou "comprada", uma reação de repulsa ou escárnio, assim como acontece numa platéia de
cinema em projeções que não sejam trailers e o próprio filme. Essa reação indica a incorporação
psicológica, nos indivíduos, de um valor social destoante da realidade das ruas e casas de um país (e do
mundo em geral). Um tanto esquizofrenicamente, as pessoas aceitam na realidade aquilo que desprezam
na mídia e no cinema.
TENDÊNCIAS PSICOLÓGICAS
Valorização da futilidade
Especialmente na mídia do entretenimento, uma das mais populares na atualidade, dá-se o incentivo à
vaidade, à fama fútil, ao sucesso pelo sucesso, à visibilidade social como um valor dissociado de
qualidades pessoais. Seu símbolo maior são as chamadas subcelebridades, pessoas que por algum acaso,
ou caso, ou programa do tipo reality show, passaram a freqüentar as notícias por motivos também fúteis:
um novo amor, uma nova tatuagem, uma nova cirurgia plástica, um descuido conveniente que revela mais
do que o esperado, uma polêmica armada, ou uma outra idéia da assessoria de imprensa.
A mensagem transmitida pela mídia à sociedade é: "Se vocês seguirem esse exemplo, nós lhes
daremos destaque". E a mensagem é captada: nas lista das notícias mais clicadas dos principais portais
brasileiros, sempre há alguma subcelebridade no topo.
21. A premiação da futilidade causa estragos na própria imagem social de "arte". As subcelebridades são
denominadas "artistas", embora possam jamais ter feito um trabalho artístico. TV, Cinema e Música são
as artes dominantes na mídia oficial, e dela vêm quase todos os "artistas" privilegiados pela mídia.
Pessoas vaidosas, fúteis, exibicionistas, infantilizadas tornam-se um modelo de ser humano que
muitos almejam seguir para obterem o mesmo sucesso social e financeiro de seus ídolos.
Incentivo ao arrivismo
Essa tendência está associada à anterior. Chegar à fama pelo caminho mais rápido é a intenção bem
realizada por muitas subcelebridades. O trabalho representa, dessa perspectiva, um meio precário, custoso
e demorado para o sucesso e a segurança financeira.
O programa de maior faturamento para a Rede Globo e para a Rede Record é o reality show de cada
uma. Agrada ao patrão, agrada ao povão.
Recompensa à sociopatia
A sociopatia é um desvio comportamental caracterizado por atos de natureza anti-social, não
acompanhados de arrependimento, culpa ou remorso, e geralmente precedidos de avaliação fria e
calculista da situação, centrada nos benefícios pessoais em detrimento do bem-estar alheio. A
incapacidade de se colocar na pele da outra pessoa (a empatia) e de sentir afeto por ela (a conexão
emocional) são as marcas emocionais da sociopatia.
A categoria pode abranger desde os tradicionais vilões da ficção e das telenovelas, e os monstros
humanos da vida real, até os políticos que desfalcam o erário sabendo que aquele dinheiro seria destinado
à educação, à saúde, ao transporte ou a outro benefício concreto à sua comunidade.
"Eu fiz isso por curiosidade há dois anos atrás: as últimas 80 capas da Veja, eu te digo uma coisa, se
não tinha ali 60% de sociopatas, pelo menos 40% tinha." (Ana Beatriz Barbosa Silva, psiquiatra.)
http://www.youtube.com/watch?v=1wq49iB3tjg
Uma das verdades da ficção – e também da vida real – é a superioridade do comportamento não-
verbal (os atos e os gestos) sobre o comportamento verbal (a fala), quando se deseja conhecer quais
valores motivam uma pessoa.
Quando a mais importante revista semanal brasileira privilegia sociopatas em suas capas, ela está
transmitindo uma mensagem e assumindo um valor, assim como o faz a mídia em geral ao elevar as
subcelebridades a ideais humanos. A mensagem: "Quer fama? Olhe aqui como conseguir".
Numa época em que os vilões se confundem com os heróis, em que chefes do crime organizado,
político ou empresarial são pilares da sociedade, a transformação (não assumida) de sociopatas e
psicopatas em heróis é um passo que não destoa do contexto.
TENDÊNCIAS MORAIS
Contradição estrutural entre os valores assumidos e os praticados
Das tendências anteriores se deduz esta. Os valores defendidos na prática pela imprensa e pela mídia
não concordam com aqueles assumidos verbalmente por seus profissionais.
22. Há várias versões do juramento do jornalista profissional. Umas, bem genéricas:
Exemplo 1
"Juro cumprir minhas obrigações como jornalista dentro dos princípios universais de justiça e
democracia, coerente com as idéias de comunhão e fraternidade entre os homens, para que o exercício da
profissão redunde no aprimoramento das relações humanas que resultará na construção de um futuro mais
digno, mais justo, para que os que virão depois de nós."
Exemplo 2
"Juro, como profissional de Comunicação Social, lutar pela liberdade de pensamento e expressão e
agir de acordo com os princípios éticos. Como jornalista, prometo respeitar os outros como a mim
mesmo, empenhar-me na construção da solidariedade humana e agir honestamente na busca pela
informação. Dessa forma, assumo o compromisso de ter na sociedade a fonte e o fim principal dos bons
frutos do meu trabalho e remover os obstáculos para que todos compreendam a importância da
comunicação para a sociedade e para a humanidade. "
Esta, entretanto, é problemática por causa do seu terceiro parágrafo:
Exemplo 3
"Juro, no exercício das funções de meu grau, assumir meu compromisso com a verdade e com a
informação.
"Juro empenhar todos os meus atos e palavras, meus esforços e meus conhecimentos para a
construção de uma nação consciente de sua história e de sua capacidade.
"Juro, no exercício do meu dever profissional, não omitir, não mentir e não distorcer informações,
não manipular dados e, acima de tudo, não subordinar em favor de interesses pessoais o direito do
cidadão à informação."
Este manual não seria possível se os princípios do terceiro parágrafo recebessem, na prática, a
atenção devida. Sendo direto: não haveria o PIG. O uso da atividade profissional do jornalismo como
meio para atingir objetivos, e não para informar, "construir a solidariedade humana", "aprimorar as
relações humanas" e outras generalizações espertamente imprecisas, é a marca da atuação do PIG e, em
geral, do jornalismo praticado na maioria dos países.
A bela cerimônia do juramento do jornalista profissional é, em muitos casos, o último momento de
contato com aqueles ideais.
A comparação do conteúdo dos livros e das aulas de um curso de jornalismo com a prática dessa
profissão chega a surpreender, quando comparada com a mesma situação em outras profissões. O médico,
por exemplo, realmente realiza aqueles exames, procedimentos e intervenções que são ensinados nos
livros e no curso profissional. O engenheiro, idem, quanto aos conhecimentos de sua atividade.
Compare, na média, o desempenho de vários profissionais em temos de ética, competência e
compromisso social. Agora imagine se houvesse, entre os outros profissionais, um descompasso tão
grande entre o ensino e a prática quanto o verificado na categoria dos jornalistas. O pão quentinho da
padaria é pão e sai quentinho – porque, segundo um colega brincalhão, não foi feito por um jornalista...
Se analisássemos a situação severamente, com olhos idealistas, poderíamos até dizer que os
jornalistas da grande mídia nacional, por sua própria iniciativa, tornaram-se uma subcategoria
profissional, a milhas de distância das demais, em termos de ética, competência e compromisso social.
Mas esta não é a nossa função.
Os conteúdos estranhos à realidade (e opostos aos valores assumidos) vêm de várias fontes:
. A posição do veículo.
. Os interesses empresariais do veículo.
. Os interesses empresariais ou políticos alheios, dos quais o veículo é representante.
. A posição do jornalista.
23. . A necessidade de adaptar a notícia ao público-alvo.
O sentido ético do jornalismo vai dos fatos para a notícia: a notícia está subordinada aos fatos e,
portanto, ela possui denotativo da realidade. O sentido aético vai da intenção prévia para os fatos e daí
para a notícia: a notícia está subordinada à intenção e, portanto, ela (a notícia) possui valor ilustrativo da
intenção e pouco valor denotativo quanto aos fatos.
A contradição de valores se dá também no nível da imagem pública: em seu trabalho, o jornalista
defende valores politicamente corretos, mas pauta sua vida por valores opostos. O contraste se torna
explícito, às vezes, por algum descuido lamentável, prejudicando a nossa imagem ante a opinião pública.
Um exemplo recente:
"Que merda: dois lixeiros desejando felicidades ... do alto de suas vassouras. Dois lixeiros... o mais
baixo na escala do trabalho". (Boris Casoy.)
http://www.youtube.com/watch?v=0H9znNpeFao
Outro exemplo, mais antigo (1998): "Isso é coisa de viado" (Pedro Bial).
http://www.youtube.com/watch?v=4U7fdjmh9wk
Este exemplo é de 2008. Durante a transmissão da Festival Folclórico de Parintins, no Bumbódromo,
o apresentador José Luiz Datena revelou o que realmente pensava e sentia sobre o espetáculo (achando
que o áudio não estava sendo transmitido) – uma posição bem diferente das afirmações elogiosas feitas
antes e depois destas falas:
http://www.youtube.com/watch?v=eLJJ2TYtAT8
***
Observe como as tendências reveladas acima integram-se perfeitamente com a visão do jornalismo
como linha fundamental do jogo do mercado, da influência e do poder. Nesse contexto de relaxamento
profissional é fácil inserir notícias de interesse desse ou daquele grupo, deturpar declarações e posições de
grupos adversários, esconder fatos incômodos, promover causas e situações favoráveis a um ou outro lado
– enfim, manipular a realidade no sentido dos interesses do manipulador.
E a opinião pública, acostumada a esse nível de desempenho profissional, treinada a esperar mais do
mesmo, quando não uma intensificação desse processo de degradação jornalística, ou cai na armadilha ou
reclama inutilmente porque no jogo só entra quem tem cacife. Só recentemente o chamado "grande
público" conseguiu o seu cacife – a internet, a grande novidade desse jogo – cuja atuação já se revela
preocupante.
Outra vantagem do conteúdo alienante e fútil oferecido pela mídia ao grande público é sua função de
atrativo irresistível, conveniente desvio de atenção das jogadas que se desenvolvem nos bastidores da
sociedade – e que acabam influenciando de maneira decisiva a vida cotidiana da população entretida com
futilidades.
VERDADES INCONVENIENTES SOBRE O NOSSO PÚBLICO
Muito se fala, especialmente na blogosfera, sobre os defeitos da Grande Mídia. Somos vitrine, por
isso é fácil acertar pedras em nosso vidro fumê (que esconde estrategicamente os bastidores). Pouco ou
nada se fala sobre os defeitos do público – e eles são muitos.
Mas não é nossa função apontar esses defeitos, mesmo quando somos atacados. Nosso alvo é sempre
aquele que poderá nos trazer algum benefício. Incompatibilizar-se com a população significaria o mesmo
que entregá-la ao "outro lado". Lembre-se: são eles que compram, são eles que consomem, são eles que
acessam, são eles que votam.
24. Um exemplo arriscado:
"Brasileiro só sai da abulia quando soldados e voluntários roubam flagelados. Não são piores que
pais da pátria que surfam na marolinha sob a mansidão do rebanho que paga a conta." (Augusto Nunes.)
http://arquivoetc.blogspot.com/2008/12/augusto-nunes-sete-dias_21.html
Aqui, o jornalista não só criticou indiscriminadamente os brasileiros (de quem dependemos para
nossos objetivos), como também associou-os em ruindade ao nosso inimigo político. Esse tipo de
provocação só cabe nos textos dos clowns (palhaços), dos cães-ferozes e dos espalha-bosta, dos quais o
leitor espera tudo: o ataque se transforma em riso, ou então o leitor entende que, como no caso acima,
brasileiro refere-se aos outros brasileiros, e não a ele, leitor, e ao jornalista, impolutos integrantes da elite
moral da nação.
Outros exemplos
1. "Aprendam os que ainda não sabem: eu não dou a menor pelota para a massa, para o homem-
massa, para a grita das ruas. Eu quero que a massa se dane!" (Reinaldo Azevedo.)
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/eu-quero-que-a-massa-se-dane/
2. "O verdadeiro analfabeto brasileiro é o eleitor." (Guilherme Fiuza.)
http://colunas.epoca.globo.com/guilhermefiuza/2009/11/09/dilma-e-inocente/
***
Conhecer os defeitos do público é, na verdade, o caminho para usá-los em nosso benefício – eis a
única razão para incluir este item no manual. Jamais acuse o público, apontando-lhe os defeitos óbvios
listados a seguir.
Foco psicológico no presente
Não é à toa que se associa o povo brasileiro às idéias de vida, emoção, intensidade, desfrute. É um
povo que, existencialmente, vive no presente.
Esse foco temporal tem duas desvantagens. A primeira é a tendência ao imediatismo, que leva o
brasileiro a não avaliar as conseqüências dos atos presentes; a reações emocionais rápidas, não mediadas
pelo pensamento; e à facilidade de ser manipulado pela apresentação de fatos aparentemente
convincentes. A segunda desvantagem é a dificuldade de lembrar o passado, que leva o brasileiro a não
fazer as relações necessárias de causa e efeito entre seu presente e seu passado (vide o proverbial
esquecimento dos candidatos em quem ele votou, poucos meses depois do voto); a desconsiderar o
passado em suas avaliações; e à facilidade a ser manipulado pela apresentação de fatos supostamente
ocorridos no passado, como base de um argumento interesseiro.
As técnicas de rodízio de escândalos e de repetição de mantras, entre outras, são de certo modo uma
resposta inteligente à facilidade de esquecimento do brasileiro, e a técnica de reinterpretação positiva do
passado também se baseia nessa tendência, agora para impor ao fato esquecido um novo significado,
favorável aos nossos interesses.
Emocionalismo
O ser humano é um animal emocional. O brasileiro, nesse aspecto, é humano como poucos.
Essa familiaridade com as emoções leva à ânsia pela estimulação afetiva. A demanda gera a oferta:
baixarias televisivas, polêmicas forjadas, "o bicho vai pegar", instigação das lágrimas nos entrevistados,
quadros de exploração paternalista da pobreza, tragédias superdimensionadas, declarações fortes, medidas
25. severas, o ataque pelo ataque, críticas ferozes, xingamentos, escândalos, "isso é uma vergonha" – pratos
feitos com a preferência nacional, entregues à mesa do lar para degustação.
Centrada no emocionalismo, qualquer ficção agradável ao povo e útil a nossos interesses passa – e
esta é uma mentirinha boa de verdade.
Ignorância histórica
Enumere as contribuições relevantes que serão deixadas pelos principais jornalistas, colunistas e
parajornalistas do PIG – aquelas que não estarão datadas daqui a 5 ou 10 anos, ou seja, que não se
relacionam ao dia-a-dia do jogo da influência e do poder. Compare essa produção com a de jornalistas
importantes de outros países, como os Estados Unidos.
A falta de cultura e erudição dos nossos representantes da mídia é notória, mas é também notória a
ignorância histórica da população brasileira: não conhece o passado da própria nação nem se interessa em
conhecê-lo. Trata-se de um defeito tão evidente que nem é necessário comentá-lo.
Incapacidade intelectual e passividade física
Um de nossos principais representantes na mídia televisiva definiu com precisão o brasileiro médio:
"Depois de um simpático 'bom-dia', [William] Bonner informa sobre uma pesquisa realizada pela
Globo que identificou o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se que ele tem muita
dificuldade para entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas como BNDES, por
exemplo. Na redação, foi apelidado de Homer Simpson. Trata-se do simpático mas obtuso personagem
dos Simpsons, uma das séries estadunidenses de maior sucesso na televisão em todo o mundo. Pai da
família Simpson, Homer adora ficar no sofá, comendo rosquinhas e bebendo cerveja. É preguiçoso e tem
o raciocínio lento." (Laurindo Lalo Leal Filho.)
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=358asp010
Acertou na verdade, errou na escolha dos receptores da verdade. Repetindo uma verdade óbvia:
muitas verdades da vida são politicamente incorretas. Por isso, cuidado para não reconhecê-las na frente
de estranhos. Os mais cuidadosos fazem ainda melhor: jamais enunciam essas verdades, embora sejam
exemplos vivos de sua existência. Aja com base nelas, sem assumi-las verbalmente.
A tendência à passividade física, mesclada com certo grau de masoquismo cívico, é reconhecida até
mesmo por apoiadores do "outro lado", como se pode ler neste comentário:
Horridus Bendegó disse:18/12/2009 às 19:31
"Para um país que já teve congelamento de depósitos bancários e não houve nenhuma revolução, não
me admira que um povo com mansidão bovina (só para questões políticas) tolere mais um dispositivo
(artifício ilegal) que afronta o Estado de Direito."
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/12/18/a-pec-dos-precatorios/#comments
Civismo não é indignação udenista, mas participação política efetiva. Graças à Web, essa
possibilidade, paradoxalmente, ficou mais longe da população em geral. Antes, o povo não tinha
nenhuma válvula de escape de sua indignação: quando ela se acumulava, saía às ruas. Hoje, no minuto
seguinte ao de uma frustração, raiva ou mera discordância intelectual, lá está o internauta teclando e
aliviando a pressão, que não tem tempo de se acumular. Quando um protesto é marcado, quase ninguém
comparece. Para quê, se já disseram o que tinham a vociferar, se já xingaram o suficiente, se já sentiram
que sua opinião "contou", de alguma forma?
A incapacidade intelectual é o correspondente mental da passividade física. Multidões acompanham
caladas verdadeiras nulidades dizendo bobagens nos palcos de milhares de templos religiosos
recentemente construídos no País. Ninguém se levanta e diz: "Não concordo".
26. Todos temos em nossa família ao menos um exemplo de pessoa supostamente inteligente que
"acredita" em seus jornais preferidos ou nos telejornais de sua predilação.
A facilidade com que o PIG realizava seu trabalho de convencimento e influência, antes do Governo
Lula, surpreendia até os mais entusiasmados propagandistas do poder da mídia.
Os jornalistas se adaptam ao nível intelectual do público quando escrevem deste jeito (chamada no
site da revista Veja em 19/12/2009):
Repare em "blábláblá" (detalhe adicional: três acentos numa palavra) e "pé frio" (detalhe adicional:
sem hífen).
Não é nossa função corrigir defeito algum do público, mas sim aproveitá-lo. Aproveitamos a
passividade, por exemplo, quando caprichamos na manchete, sabendo que a maioria dos leitores não
passará dela. Aproveitamos a incapacidade intelectual quando usamos qualquer argumento troncho para
justificar um ataque ao "outro lado" ou uma defesa do "nosso lado". É simples assim.
Masoquismo cívico
Decorre das tendências anteriores esta conclusão: o brasileiro é, civicamente, um masoquista. Ele se
comporta exatamente do modo como deveria, se tivesse interesse de se prejudicar politicamente e de
prejudicar a própria nação, socialmente.
Deixa-se enganar com facilidade, aceita idéias e argumentos absurdos que o prejudicam, não defende
seus direitos com inteligência, esperteza ou, até mesmo, com a violência devida, não pressiona seus
parlamentares (que nem sabe quais são), reclama sem vontade de transformar a reclamação em ato –
enfim, só consegue manter a imagem de cidadão consciente porque elimina tudo isso da própria
consciência e nós, da imprensa, não temos a menor intenção de fustigá-lo por tendências de que tanto nos
aproveitamos.
Parcialidade
Muito se condena a imprensa por sua parcialidade. Pouco se comenta sobre a parcialidade típica do
brasileiro. Nem é preciso recorrer ao futebol, no qual ganhar um jogo contra o maior rival, aos 51 minutos
do segundo tempo, num lance em que o jogador está impedido e usou a mão é o sonho supremo de muitos
torcedores.
Nas questões sociais e políticas, o brasileiro tende a se fechar em sua escolha, lendo somente aquilo
que corrobora suas posições, eliminando jornais, rádios, TVs, sites e blogs que destoem de suas
preferências, e evitando ao máximo a famosa dissonância cognitiva, isto é, a percepção de que há pessoas
e idéias diferentes no mundo.
Essa forma de, mais do que puxar a sardinha, inclinar o mundo para o seu lado, pode ser aproveitada
para fixar posições favoráveis ao nosso interesse, até porque a teimosia é um componente associado à
parcialidade. Se alguém vem para o "nosso lado", tende a ficar nele. Além disso, torna-se mais fácil
realizar uma aplicação bem-sucedida de qualquer das técnicas deste manual porque a parcialidade é
acrítica: se a opinião que transmitimos é concordante com a da pessoa parcial, que lê, ela aceitará as
maiores barbaridades lógicas e as mais flagrantes mentiras – apenas porque reforçam a sua posição já
escolhida.
27. O PIG E O JORNALISMO
A VISÃO DO PIG SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DO JORNALISMO
Se você tem mais de 18 anos, já viveu o suficiente para saber que toda sociedade comporta um
conjunto de práticas socialmente assumidas e outro conjunto de práticas sabiamente ocultadas. E que esse
último conjunto de práticas é aquele que realmente explica o funcionamento da sociedade.
Se você pratica o jornalismo há mais de um ano, já conheceu o suficiente para saber que as técnicas e
os valores ensinados no seu curso de formação profissional são importantes no contexto universitário – e
só. Eles são o conjunto de práticas socialmente assumidas pelos profissionais, mas não o conjunto de
práticas ... praticadas.
Falando sem rodeios: a função social do jornalismo não é informar corretamente, servir aos interesses
da população ou fiscalizar o governo – estas são funções secundárias, subordinadas a interesses maiores.
O jornalismo é uma das mais importantes invenções humanas na luta pelo poder empresarial, social e
político. E como tal nós o usamos em nossas atividades profissionais, com maestria.
A SITUAÇÃO ATUAL
O adjetivo "preocupante" é suave para descrever a situação atual do jornalismo e da imprensa, não só
no Brasil como em todo o mundo. Vivemos uma fase de crescente desprestígio (ou decrescente prestígio,
melhor dizendo), fustigados pelas novidades do mundo digital, pelo abandono de anunciantes, pelo
deslocamento do público para a internet, pelo descompasso entre nosso conteúdo (tido como defasado) e
o conteúdo das novas mídias, e pelas dificuldades financeiras decorrentes desses fatores.
A tábua de salvação representada pelos contratos com o Estado só funciona em certos casos e mesmo
ela está sendo alvo de fiscalização inédita. Blogueiros e comentaristas virtuais se transformaram em
autoridades sociais que às vezes ameaçam pontualmente nossos interesses, processo cujo
desenvolvimento pode trazer ameaças mais do que pontuais. A identificação de nossas marcas com
antigas famílias do jornalismo, com políticos de vida polêmica ou com empresários suspeitos de crimes é
outro fator prejudicial à nossa imagem.
A surpreendente perda de influência da Grande Mídia no Brasil tornou-se um assunto público por
causa dos resultados nefastos de nossa atuação durante o Governo Lula. Depois de 7 anos inteiros de
ataques, pouco se conseguiu exceto a eliminação de pessoas-chave da administração federal, atingidas por
escândalos falsos ou verdadeiros. Um sinal objetivo desse fracasso foi a pesquisa, divulgada em 1/1/2010,
que revelou o Presidente Lula como o "brasileiro mais confiável" em todo o país – justamente o nosso
alvo principal:
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/01/01/lula-o-brasileiro-mais-confiavel-aponta-
datafolha-254044.asp
Repare que, na Região Sudeste, um de nossos expoentes veio em segundo lugar:
"Entre os mais escolarizados e mais ricos, o presidente fica em quinto. Nesse recorte, Chico Buarque
lidera, seguido por William Bonner, Caetano Veloso e Roberto Carlos." (Fernando Barros de Mello.)
São dados frustrantes e animadores. Frustrantes porque revelam que erramos, animadores porque
indicam onde poderemos acertar.
Nosso trabalho vem sendo feito por jornalistas, colunistas e parajornalistas que são muito conhecidos
do público, e cujo viés político é mais do que sabido. Alguns deles ficaram marcados por erros crassos de
avaliação, previsões catastróficas não realizadas, repercussão de dossiês falsos e outros problemas
menores. Tudo que é demais cansa. A rotina desgasta. Talvez esteja na hora de repensar a estratégia de
28. mídia para que o leitor não chegue ao ponto de pensar: "Ah, não, de novo. Sempre aqueles gatos-
pingados, os mesmos de 10 anos atrás".
Por outro lado, o resultado animador no Sudeste, em que um simples âncora de TV (da nossa mais
fiel Rede) é visto como mais confiável que o Presidente, sugere uma adaptação interessante dessa
estratégia. Nossos expoentes na mídia estão identificados justamente com o Sudeste, onde foi registrado o
único resultado positivo.
O erro provavelmente não está nesses representantes, cujo trabalho foi bem-sucedido em sua região
de influência, mas na difusão do trabalho deles para outras regiões do País. Suas colunas e matérias são
publicadas nacionalmente, e aí está o descompasso: pessoas que nunca foram em certas regiões e que
(verdade seja dita) nem se interessam por elas, querendo influenciar seus habitantes. Os textos, em forma
e conteúdo, não estão adaptados ao jeito próprio de cada região, ao linguajar, aos valores, às coisas locais,
nada. Tudo transpira Sudeste em nossas peças de influência divulgadas no Centro-Oeste, no Nordeste, no
Norte...
O Governo Federal vem fazendo uma diversificação bem-sucedida na distribuição de verbas para
publicações regionais e adaptando sua mensagem a cada região. Nosso erro foi não ter percebido essa
necessidade antes dele.
Trecho de Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo, de André Singer, 2009.
http://www.slideshare.net/LuisNassif/razes-sociais-e-ideolgicas-do-lulismo?src=embed
Falar a língua dos apoiadores do "outro lado" será a próxima evolução da estratégia do PIG.
Além dessa diversificação de nomes, estilos e conteúdos, contamos ainda com a entrada de novos
militantes do "nosso lado" para trazer, com a sua criatividade, técnicas originais de ataque e defesa. Nosso
repertório precisa variar e crescer, sempre. Por isso, a primeira página do Curso indica que esta é a
Primeira Edição. Outras virão para ensinar novas técnicas a novos e antigos integrantes do PIG.
Para terminar, uma esperança no nível macro da Política.
Acuada, em vários países a mídia começa a experimentar um novo modelo de atuação, movendo-se
para dentro dos outros poderes da República. O Quarto Poder, além de ser o fiscalizador e, em muitas
situações, o orientador de outros poderes (como o Legislativo), lentamente vai percebendo que,
dependendo das circunstâncias, é mais vantajoso ser o poder do que influenciá-lo.
Apenas como ilustração, o premiê italiano Silvio Berlusconi, dono de um império das comunicações,
e o estadunidense Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, deram esse passo com sucesso. Outras
tentativas fracassaram, como o golpe de Estado de 2002 na Venezuela, patrocinado pela mídia do país,
em especial a RCTV, que preferiu instalar um testa-de-ferro temporariamente no poder.
Soluções antigas já não estão disponíveis:
29. "Está tudo lá, no livro 1964: A Conquista do Estado, de Rene Armand Dreifuss. O golpe marcou a
conquista do Estado por um grupo de empresários nacionais e estrangeiros, aliados aos militares e a
Washington, cujo principal resultado foi a supressão de direitos políticos e econômicos já conquistados, a
supressão das ferramentas que poderiam ser utilizadas para novas conquistas e o arrocho salarial." (Luiz
Carlos Azenha.)
http://www.viomundo.com.br/opiniao/o-cidadao-boilesen/
Mas o novo caminho está aberto e será interessante (ou assustador – só depende de nós) verificar o
que nos reserva o futuro.
OS VÁRIOS JORNALISMOS DO JORNALISMO
Em nossa luta cotidiana nenhum apoio deve ser recusado, por critério algum: ético, moral, legal,
profissional etc. Por isso, estamos sempre receptivos à exploração das várias formas de fazer jornalismo,
das mais nobres às mais baixas. Cada camada da população (o povão, a classe média, as classes mais
instruídas) prefere uma dessas formas; portanto, convém oferecer-lhes todas.
1. A imprensa dita marrom.
Sua função é fazer o trabalho sujo, batendo abaixo da linha da cintura. Apetece ao povão, que gosta
de emoções fortes, situações de conflito, paixões à solta. Tudo é válido: sensacionalismo, veiculação de
mentiras, calúnias, insinuações maldosas, ataques injustificados, geralmente a serviço de interesses
inconfessáveis mas válidos na luta pela influência e pelo poder.
2. A imprensa engajada.
Agrada a quem prefere o jornalismo livre das amarras da ilusória obrigação de imparcialidade. É
representada por publicações assumidamente defensoras do "nosso lado" e por colunistas (geralmente
parajornalistas) que dão um toque de imprensa marrom a certos cantos de jornais ou revistas, e a
momentos de telejornais e a páginas de portais da Web.
3. A imprensa "séria".
Os órgãos tradicionais, formadores da Grande Mídia, têm a reputação de seriedade e credibilidade.
Sem eles seria impossível fazer o trabalho de convencimento da classe média e o trabalho de
representação dos interesses das classes mais abastadas. Sua função de formadores de opinião no País,
entretanto, ficou abalada a partir do Governo Lula
4. Imprensa oficial.
Divulga fatos e notícias de interesse do órgão oficial a que o veículo está subordinado, visando à
propaganda positiva de suas qualidades e realizações.
5. A imprensa alternativa.
Atualmente, essa imprensa corresponde à internet. Blogueiros do "nosso lado", nossas equipes de
comentaristas, nossos criadores e difusores de campanhas de e-mails, entre outros, sustentam essa nova
frente de luta, da qual vem a principal ameaça à influência e ao poder do PIG.
Do "outro lado", um conjunto de indivíduos usam a Web para veicular opiniões e interpretações
diversas daquelas que interessam à imprensa dominante, atuando como formadores autônomos de
opinião, às vezes com mais eficiência que seus rivais do mundo real.
6. O jornalismozinho.
Não se trata, na verdade, de um outro campo do jornalismo, mas de uma forma nova e disfarçada de
praticar o jornalismo engajado, na qual se evitam duas armadilhas: assumir o engajamento e cair no
jornalismo marrom. Essa forma inovadora foi sendo gestada lentamente para atender à sensibilidade de
um público mais refinado: em vez de baixaria, ironia; em vez de xingamento, recado; em vez de
acusações diretas, insinuações.
O neologismo "jornalismozinho" surgiu da forma diminutiva com que se denominam as várias
técnicas de atuação desses companheiros: a ironiazinha, a piadinha, a criticazinha, o debochinho, a
pirracinha, a picuinha, o estilo emburradinho – e vai por aí.
30. O excelente efeito obtido inicialmente nos blogs de jornalistas profissionais que foram pioneiros na
atividade online transferiu-se quase inconscientemente às suas colunas de jornais e às de seus colegas,
servindo de saudável contraponto à atuação mais aberta e violenta de parajornalistas, com seus estilos
clown, cão-feroz, espalha-bosta etc.
***
Para entender melhor as várias formas de atuação midiática do PIG, imagine que dentro de uma
mesma pessoa convivem aspectos infantis (mais ligados à emoção), aspectos adultos (mais ligados à
razão) e aspectos sociais ou culturais (mais ligados à moral). Metaforicamente, teríamos em nosso interior
uma criança, um adulto e uma autoridade moral (de funções semelhantes às do pai).
Nesse enquadramento, as várias formas de atuação do PIG sempre resultam na estimulação
preferencial de uma dessas três partes da personalidade: a imprensa marrom (ou seus procedimentos
típicos), a imprensa engajada e parte da imprensa alternativa cuidam do lado "criança" ao proporcionarem
companhia confortadora e incentivarem a liberação das emoções fortes; a imprensa séria e parte da
imprensa alternativa cuidam do lado adulto, ao comunicar os hard facts, fatos e argumentos "frios",
supostamente lógicos, que sustentam os interesses do "nosso lado"; e o jornalismozinho cuida do lado pai,
ao validar uma posição de autoridade e superioridade moral que justifica o lançamento contínuo de
dardos envenenados a quem se encontre em posição inferiorizada (o pessoal do "outro lado").
Essas formas de atuação podem ser exercitadas no mundo real ou no mundo virtual.
Evidentemente, quem já apresenta uma propensão de ver a realidade de um desses três modos tende a
preferir o estímulo que mais lhe agrada e mais incentive a recorrência de seu comportamento padrão.
Observe-se também que o povão, caracterizado pela afetividade mais solta, tende a preferir a primeira
opção; a classe média, de comportamento mais controlado (pelos valores da elite) e supostamente
responsável, opta pela segunda alternativa; e as classes altas se deliciam com as técnicas do
jornalismozinho.
31. PRINCÍPIOS DE ATUAÇÃO DO PIG
Os expoentes do PIG personificam princípios que devem ser lenta e pacientemente ensinados, pela
prática, a seus novos integrantes.
Um aviso da máxima importância: os princípios abaixo jamais devem ser assumidos, em público ou
em particular, por nenhum dos nossos integrantes. As paredes têm ouvidos, os telefone têm grampos, os
aposentos têm escutas. Demonstre os princípios e as atitudes na prática, ensinando-os por meio de
exemplo, pessoal e alheio, mas jamais assuma publicamente nem nossos princípios nem nossas atitudes.
Assim como os políticos, nossa imagem pública é moldada pelos ideais coletivos (a Luz), embora
nosso comportamento possa ser (e geralmente seja) comandado pelos interesses particulares e grupais,
geralmente inconfessáveis (a Sombra).
PRINCÍPIO DO REALISMO
Uma verdade inquestionável: o sistema é imbatível – qualquer sistema social que venha de longe, que
contemple muitos interesses e que esteja estruturado rigidamente, em vários níveis de atuação.
O sistema politico é imbatível. Pequenas mudanças poderão ser realizadas aqui e ali, mas nada que
altere a natureza essencial do sistema. Novos atores podem alterar um pouco a dinâmica do sistema, como
a influência atual da internet, mas ele permanece vigendo em sua plenitude.
Raros são os casos de mudança radical de sistema. O apartheid da África do Sul caiu não por causa
da atuação heróica de Nelson Mandela e seus comandados, mas por causa dela e de uma série de outros
fatores políticos, sociais, econômicos e geopolíticos. O Presidente Obama, dos Estados Unidos,
introduziu uma novidade chocante e positiva no processo eleitoral americano, mas seu governo não deve
diferir muito daquele que seria feito por outro candidato democrata.
O sistema político é bipolar. Há os que estão no poder e os que estão fora do poder. Se estamos no
poder, ou melhor, se nossos aliados estão lá, nosso comportamento é um; se estamos fora, é o exato
oposto. Aquele grupo que garante ou luta pelos nossos interesses é o "nosso lado". O grupo rival é o
"outro lado".
Consegue-se ou mantém-se o poder pela força (nos processos não democráticos) ou por alguma
combinação de dinheiro, organização, criatividade e poder de influência (nos processos democráticos).
Um partido organizado e marcado pela militância, como o PT, apresenta uma vantagem considerável
sobre os demais. Um partido que nada em piscinas de dinheiro, como o DEM, precisa compensar sua falta
de organização com criatividade e poder de influência.
Não se deve desprezar a criatividade neste processo. Na política brasileira, um exemplo se tornou
clássico: sem dinheiro, num partido nanico, o médico Enéas Carneiro virou político de prestígio tendo
apenas 15 segundos no horário eleitoral. "Meu nome é Enéas" tornou-se o bordão mais falado da
campanha presidencial de 1989.
Outro exemplo, agora fora da política. O cantor estadunidense Dave Carroll teve seu violão Taylor
quebrado pelos bagagistas da empresa áerea United Airlines, em viagem de Halifax a Nebraska. Durante
um ano tentou o ressarcimento, sem sucesso. Escreveu uma canção, "United Breaks Guitars" ("A United
Quebra Violões"), e o resultado foi este: mais de 5 milhões de acessos no YouTube tornaram a música o
hino extraoficial da companhia. E o cantor virou uma atração em todo o mundo.
http://www.youtube.com/watch?v=t53LYUamBZI
32. Um pequenino, assim como Enéas, usando apenas a criatividade, foi capaz de derrotar uma das mais
poderosas empresas dos Estados Unidos. Este é o poder da criatividade.
O ideal, numa luta, é ter tudo: força, dinheiro, organização, criatividade e poder de influência. Este
último fator é o campo de atuação do PIG. Numa campanha política, por exemplo, dinheiro vem dos
financiadores; organização, do partido e dos grupos associados; criatividade, da equipe de marketing; e
poder de influência, da mesma equipe, dos militantes, dos políticos e da imprensa. Algumas ações de
força, geralmente ocultas, não são incomuns durante uma campanha política.
O ideal, para a sociedade, seria a mudança do sistema. Mas ele é o que é. E ninguém está fora desse
jogo.
Somos pragmáticos. Vivemos no mundo real. Escolhemos um dos lados na disputa, aquele que
melhor promove ou defende os nossos interesses, e fazemos o melhor possível com os recursos que
possuímos.
PRINCÍPIO DA INFLUÊNCIA E DO PODER
"Sim, eu uso o poder [da TV Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente, tentando corrigir as
coisas, buscando os melhores caminhos para o país e seus Estados." (Roberto Marinho.)
Se analisamos objetivamente o comportamento das pessoas, veremos um princípio oculto que norteia
o seu comportamento, independentemente de idade, status ou classe social: a busca da satisfação pessoal.
Como vivemos em sociedade, precisamos das outras pessoas para nos satisfazermos em quase tudo. Essa
dependência estabelece as relações de influência e poder.
O mesmo princípio vale para as relações sociais mais abrangentes. Grupos, partidos, nações têm
interesses próprios e precisam exercer influência e poder sobre outros grupos, partidos e nações para
conseguir a satisfação desses interesses.
Uma tradução popular e simplificada deste princípio poderia ser: "É o jogo da influência e do poder,
estúpido!" Seja esse poder pessoal, político, financeiro, empresarial ou de qualquer outra natureza.
O princípio do realismo leva o PIG a aceitar essa imposição social. E a aproveitar plenamente seus
recursos disponíveis para essa luta, das situações mais importantes às mais triviais.
Um exemplo bem simples:
Você esteve lá para decidir se ela brilhou ou não? Quem passou a notícia? Sim, o redator decide o
que aconteceu, tenha ou não acontecido de fato.
Este é o poder maior, de natureza quase divina: o poder de determinar e definir a realidade. Você
verá esse poder sendo exercido na maioria das técnicas de ataque e defesa ensinadas neste manual. Quem
tem a palavra exerce o poder de definir (lingüisticamente) a realidade.
O poder da palavra baseia-se em quatro procedimentos:
1. Revelação.
A revelação consiste naquilo que o jornalista revela ter acontecido e que passa a ser, para o leitor, o
próprio fato, ao qual ele reage emocional e intelectualmente. Na consciência do leitor, esse fato assumirá
a natureza de uma crença ("isso de fato aconteceu"), mesmo que na realidade exista um vazio onde o
jornalista afirma ter acontecido algo.
Exemplo: uma crise governamental falsa divulgada pela imprensa.
33. 2. Ocultamento.
O ocultamento consiste na omissão de fatos, detalhes, circunstâncias etc. importantes para o
conhecimento e a compreensão de um fato, por causa de uma decisão consciente do jornalista. Essas
informações não chegam à consciência do leitor e, portanto, não serão usadas na avaliação da realidade.
Exemplo: a não-divulgação de uma operação cirúrgica a que foi submetido um expoente do "nosso
lado".
3. Seletividade.
A seletividade é a divulgação parcial de informações, ressaltando-se os pontos que interessam ao
jornalista e eliminando-se aqueles que seriam prejudiciais aos seus interesses.
Exemplo: no famoso caso do "grampo sem áudio" no STF, a transcrição do grampo restringia-se a
uma conversa inócua entre o senador Demóstenes Torres e o presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Os
jornalistas que divulgaram o trecho sabiam do fato, mas não se interessaram pelo restante da suposta
gravação porque ela poderia comprometer o efeito da denúncia.
4. Distorção.
A distorção consiste na alteração consciente de qualquer fato ou elemento do fato (circunstância,
causa, efeito etc.), de tal modo que o fato comunicado difere um tanto ou bastante daquilo que realmente
aconteceu.
Exemplo: a "escandalização do nada", em que um problema trivial é elevado a crise institucional pelo
modo como é tratado pela imprensa.
5. Atribuição de significado.
A atribuição de significado consiste no estabelecimento de uma moldura (enquadramento) que impõe
uma forma específica de compreensão do fato. Ao significado está associado um grau de importância.
Exemplo: a denominação "derrota humilhante" para um recuo político natural no jogo do poder.
E, como você aprenderá adiante, ao exercer influência e poder de uma perspectiva realista, aplicando
esses procedimentos, tudo pode ser utilizado e tudo pode ser sacrificado: valores, posições, pessoas,
grupos...
As palavras, os procedimentos, aquilo que é utilizado e o que é sacrificado, as técnicas específicas de
ataque e defesa – tudo isso são meios para atingir o nosso objetivo: fazer da opinião publicada a opinião
pública.
A opinião pública é a nossa massa de manobra. Ela constitui uma força fundamental, atuante
principalmente no jogo político. Nosso objetivo é torná-la representante dos nossos interesses imediatos e
contextuais, para que exerça a sua força e se comporte segundo nossa vontade (por exemplo, votando ou
manifestando-se nas ruas).
.
Os interesses (mantidos ocultos) determinam a opinião publicada, cujo objetivo é determinar a
opinião pública. Portanto, a opinião publicada deve ser aquela que, subliminarmente, melhor represente
os interesses ocultos e que tenha a maior eficiência no sentido de harmonizar a opinião pública com esses
interesses.
Representatividade e eficiência – são esses os critérios supremos para a escolha contextual das
técnicas que você conhecerá na parte prática deste Curso.
A importância de um vasto repertório de técnicas é óbvia: quanto mais técnicas, mais diversidade,
ressonância e peso em nossa atividade de influência, e mais escolhas teremos em cada situação.
O exercício desse poder quase divino gera reações de certos setores da sociedade, especialmente
daqueles prejudicados por nossos interesses. Um dos alvos do "outro lado" é o maior exemplo da
aplicação bem-sucedida deste princípio, nas últimas décadas: as Organizações Globo.
34. O famoso Caso Proconsult, em 1982, marcou o momento em que a influência midiática ameaçou
estender-se à apuração de um processo eleitoral, ilustrando bem a diretriz de que toda oportunidade deve
ser aproveitada. A reação foi tão forte quanto a ousadia inicial. Para entender o Caso:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Proconsult
"Plim Plim: a Peleja de Brizola Contra a Fraude Eleitoral", Paulo Henrique Amorim, em parceria
com Maria Helena Passos.
"O outro golpe que Brizola evitou", Paulo Henrique Amorim:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=283ASP004
A página do link acima contém, o que é mais importante, a nossa resposta à acusação: "Paulo
Henrique Amorim mente", Ali Kamel.
Em 1989, Leonel Brizola, o político que quase foi prejudicado em 1989, atacou nosso principal
expoente midiático:
http://www.youtube.com/watch?v=9QMOLP_WXJE
Ainda em 1989, o "nosso lado" usou seu poder e a técnica da previsão catastrófica para fustigar a
campanha do nosso principal adversário, Lula, durante o debate presidencial:
"Luiz Fernando Emediato: Candidato Lula, essas aqui são umas páginas do seu programa de governo.
E está claro, aqui nas páginas 13 e 15 do seu programa, que o projeto social, econômico e político do PT
não consiste apenas em ganhar a eleição. Isso seria apenas o primeiro passo. Está aqui: seu sentido
histórico é de fazer uma reforma radical, uma revolução socialista. O senhor sabe que isso é perigoso. O
próprio PT admite aqui na página nove, que as reações podem ser brutais, porque alguém tem que perder
com essa revolução. O senhor está prometendo a felicidade para quem votar no senhor. Essa felicidade
pode ser comprometida. O senhor teria coragem e sinceridade de falar para os seus eleitores, aqui e agora,
que se essa reação brutal acontecer o senhor terá de reprimir – quem sabe, até, pelas armas – os seus
opositores, como defendem alguns de seus aliados, como os do Partido Comunista do Brasil?"
http://blogdomello.blogspot.com/2008/06/vdeo-debate-lula-e-collor-em-1989.html
A última participação marcante da imprensa naquele processo eleitoral foi a edição tendenciosa do
último debate entre Lula e Collor:
http://www.youtube.com/watch?v=iIYAaXIVwvk
"A mais polêmica edição do Jornal Nacional", Alexander Goulart:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=473MCH002