2. 1- Introdução A recente Lei n° 11.719/08, que modificou os artigos 63, 257, 265, 362, 363, 383, 384, 387, 394 a 405 e 531 a 538 do Código de Processo Penal, operou uma reforma sem precedentes nos procedimentos previstos no ordenamento jurídico brasileiro para o processamento e julgamento das infrações penais. Não é por acaso que alguns autores vêm tratando as alterações perpetradas por esse diploma legal, conjuntamente com aquelas introduzidas pelas Leis n° 11.689/08 e 11.690/08, como uma verdadeira reforma processual penal[1].
3. Este trabalho buscará, de forma sucinta, apontar as principais mudanças introduzidas pela Lei n° 11.719/08, ressalvando que algumas de suas questões mais controversas, que ainda serão objeto de profundas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, não serão debatidas em sua totalidade, pois tais matérias fogem ao ideal perfunctório do exame ora proposto. Dito isso, pode-se afirmar que as principais inovações perpetradas no bojo do Código de Processo Penal estão listadas no rol que segue.
4. 2- Principais Alterações Art. 63, parágrafo único.Torna-se facultado ao juiz criminal fixar a indenização devida à vítima na própria sentença penal condenatória, sendo desnecessária, portanto, a liquidação de sentença. Esse valor, contudo, não vincula as partes ou o juiz cível. Nada impede, em outras palavras, que o juízo cível faça outra avaliação, revendo o valor fixado pelo juízo criminal. Art. 265, caput. Atualizou-se a multa na hipótese de abandono da causa por parte do procurador do réu.
5. Art. 265, §§ 2° e 3°. A ausência do defensor, se justificada previamente, adia o ato processual. Por outro lado, a ausência injustificada (ou a apresentação de justificativa precária) não possui o condão de adiar o ato processual, devendo ser nomeado defensor substituto, em respeito ao princípio da ampla defesa (defesa técnica). Art. 362. Criou-se uma figura já conhecida do direito processual civil, a chamada citação por hora certa. Tal forma de citação ocorrerá nas hipóteses em que o réu se ocultar para não ser citado. Completada a citação por hora certa, nos termos dos artigos 227 a 229 do Código de Processo Civil, haverá a nomeação de defensor dativo para o réu, transcorrendo o processo sem a sua participação.
6. Art. 366 (mantido). Caso o réu não seja encontrado, e não se configure a hipótese de citação por hora certa, será aplicado o art. 366 do Código de Processo Penal, que continua em vigor, sem qualquer alteração. Não há dúvida quanto à vigência do art. 366 do CPP em sua integralidade, vez que tal ressalva faz parte do veto presidencial no tocante às alterações propostas para o referido dispositivo legal.
7. Art. 383. Foi mantido o instituto da emendatio libeli, que consiste na possibilidade de alteração da capitulação jurídica dada aos fatos narrados na denúncia, por parte órgão jurisdicional, no momento da prolação da sentença. A partir de agora, no entanto, o juízo poderá, ao alterar a capitulação do delito imputado ao réu, valer-se do instituto da suspensão condicional do processo, em caso de desclassificação para um delito cuja pena mínima seja menor ou igual a 1 (um) ano, ou encaminhar os autos a outro juízo (ex: Tribunal do Júri). A hipótese prevista no §1°, registre-se, nada mais fez que positivar no texto legal uma orientação sedimentada em sede jurisprudencial.
8. Art. 384. A mutatio libeli, alteração das circunstâncias fáticas narradas na denúncia, passa a vigorar com profundas modificações. Sai de cena a figura do juiz inquisidor, que mistura funções de julgar e acusar. A partir de agora, quando houver a descoberta de novos fatos ao longo da instrução criminal, que alterar a definição jurídica dos eventos constantes da denúncia, a iniciativa de alteração da exordial acusatória caberá exclusivamente ao órgão ministerial. Infelizmente, o legislador não conseguiu se livrar das amarras de um princípio inquisitivo que há séculos permeia os ordenamentos jurídicos dos países ocidentais (exceto, por certo, os países do common law), já que previu a hipótese de envio dos autos ao Procurador Geral de Justiça se o juiz não concordar com a abstenção do Ministério Público em aditar a denúncia. Havendo a mutatio libeli, deverá o juízo proceder a novo interrogatório do réu, podendo ouvir novas testemunhas (máximo de três por parte). A defesa, previamente, terá cinco dias para se manifestar. Em razão de previsão expressa no CPP, há a possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo.
9. Art. 387. Se proferida sentença condenatória recorrível por parte do juiz, deverá o mesmo se manifestar acerca da prisão do réu condenado. Há, repita-se, também a possibilidade de fixação de indenização ao ofendido. Art. 394. Antes da reforma, o procedimento comum ordinário destinava-se ao conhecimento e julgamento dos delitos punidos com reclusão, ao passo que aqueles apenados com detenção se sujeitavam ao procedimento comum sumário. Desde a Lei n° 9.099/95, os crimes considerados de menor potencial ofensivo, assim como as contravenções penais, passaram a se submeter ao denominado procedimento comum sumaríssimo. Obs: esta Coordenadoria se utiliza das expressões "procedimento sumário" e "procedimento ordinário" apenas para se adequar à linguagem do CPP, mas registra entender que, na verdade, ordinário ou sumário não é verdadeiramente o procedimento, mas sim, o seu rito.
10. Art. 394. Após a edição da Lei n° 11.719/2008, contudo, tal panorama mudou. Os crimes punidos com pena máxima igual ou superior a quatro anos, seja de detenção ou de reclusão, passam a se submeter ao procedimento comum ordinário. A competência dos Juizados Especiais Criminais permanece inalterada, sendo o procedimento sumaríssimo aplicado a todas as infrações penais cuja pena máxima for igual ou inferior a dois anos e às contravenções penais. O procedimento sumário, então, será aplicado somente para as infrações penais cuja pena máxima exceda dois anos, mas não ultrapasse quatro anos. Isso quer dizer, consequentemente, que tal procedimento será cabível, apenas, para o processamento e julgamento dos crimes cuja pena máxima for igual a três anos.
11. Art. 396-A. Até o advento do diploma legal em análise, o réu somente apresentava uma defesa, chamada defesa prévia, após o seu interrogatório. A partir de agora, a defesa preliminar deverá ser apresentada antes da "superaudiência". Nessa oportunidade, o réu poderá alegar preliminares, opor exceções (que serão autuadas em apartado), apresentar documentos, justificações, arrolar testemunhas e especificar outras formas de prova que pretende sejam produzidas. Art. 396, §2°. Em caso de não apresentação de defesa preliminar o juízo nomeará um defensor para o réu.
12. Art. 397. O art. 397 do CPP instituiu uma nova figura processual. Trata-se do julgamento antecipado da lide com fincas à absolvição sumária. Instituto conhecido do juízo de acusação do procedimento do Tribunal do Júri, a absolvição sumária permitirá ao juiz absolver o réu nas hipóteses em que, manifestamente, vislumbrar-se a atipicidade de sua conduta, sua licitude, a ausência de culpabilidade ou a extinção de sua punibilidade. Art. 399, §2°. A presença física do juiz, ou seja, a identidade entre o magistrado condutor da audiência e a autoridade prolatora da sentença penal torna-se uma regra expressamente consagrada pelo processo penal. As exceções previstas no art. 132 do Código de Processo Civil devem ser aplicadas, por analogia.
13. Art. 400. O juiz determinará a realização de uma audiência de instrução onde se concentrarão os mais variados atos probatórios, na seguinte ordem: oitiva do ofendido; inquirição das testemunhas de acusação; inquirição das testemunhas de defesa; esclarecimentos dos peritos; acareações; reconhecimento de pessoas; reconhecimento de coisas; interrogatório do réu. Art. 400. Devido ao exagerado número de diligência concentradas em um procedimento ordinário deveras "sumarizado" pela lei processual, com fincas ao atendimento ao princípio constitucional da celeridade, alguns autores vêm chamando essa audiência de "superaudiência"[2].
14. Art. 400. Encerrou-se a antiga "fase do art. 499" do procedimento revogado. A produção de novas diligências somente se dará quando a necessidade de sua produção derivar de um fato constatado na própria audiência. Art. 403. As alegações finais, em regra, serão orais. Poderá, no entanto, haver a apresentação de alegações finais escritas se a complexidade do caso assim o demandar, ou em razão do excessivo número de acusados. Também serão apresentadas alegações escritas na quando determinada a produção de alguma diligência durante a "superaudiência".
15. 3- Conclusão Todas as alterações perpetradas pelo legislador ordinário brasileiro buscaram, em obediência ao princípio constitucional da celeridade processual, abreviar o processo penal, em busca de uma justiça mais rápida e eficiente. De fato, algumas das referidas modificações são bem-vindas, tais como a consagração do princípio da identidade física do juiz e as novas mutatio libeli e ementatio libeli. Contudo, importa observar que algumas das alterações podem, ao cabo e ao final, ser inexeqüíveis, terminando por figurar como verdadeiras normas programáticas dentro da legislação infraconstitucional. Afinal, conhecendo as limitações impostas pela estrutura do poder judiciário nacional, parece difícil acreditar que a grande maioria das causas possa ser resolvida ao longo de apenas uma audiência, como pretende o nosso legislador. Mais que isso, a busca de uma maior celeridade processual perpassa pela necessidade de aperfeiçoamento e capacitação dos profissionais do Direito. De nada adianta mudar as ferramentas sem mudar os seus operadores.
16. [1] MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008. [2] SILVA. Luis Marques da. Reforma processual penal de 2008. São Paulo: RT, 2008. Fonte: jurisway