O documento descreve as técnicas e materiais utilizados na construção do cavaquinho, um instrumento musical brasileiro de cordas. Detalha os processos de fabricação do braço, da caixa acústica e da finalização do instrumento, utilizando madeiras como o cedro, o curupixá e o roxinho. A construção do cavaquinho requer habilidade manual e precisão para obter um instrumento de boa qualidade sonora.
1. O Cavaquinho é um dos instrumentos musicais de corda da família dos tampos chatos, como violões,
violas e bandolins. No Brasil é instrumento tradicional que pertence às rodas de choro e samba, mas
não tem origem definida; uns dizem que é português, outros dizem ser grego. É encontrado também
no Hawai, sendo também um instrumento típico.
Pode-se descrever o cavaquinho como uma pequena guitarra acústica, e tem este nome em função
de seu tamanho; “cavaco” é uma sobra de madeira, um pequeno pedaço de pau.
Neste artigo descreverei algumas técnicas para construção do instrumento, conforme as experiências
do Curso de Lutheria que leciono há alguns anos.
Madeiras
Assim como na construção de móveis, as madeiras para construção de instrumentos musicais devem
estar secas e maduras, para evitar retrações. As madeiras da caixa acústica possuem espessura menor
que 3mm; madeiras jovens facilmente racham nesta espessura. Além disso é preciso considerar a
qualidade sonora destas madeiras, percutindo-as.
2. São diversas espécies de madeira utilizadas na construção de cavaquinhos, conforme as exigências
do músico e do luthier. Os instrumentos mais caros e sonoros são geralmente compostos com
madeiras nobres, como o jacarandá (rosewood), o ácer (maple), o abeto (spruce), o mogno
(mahogany), o cedro (cedar) e o ébano (ebony), entre outras. Algumas são de procedência nacional,
outras importadas, como o ébano e as madeiras do tampo.
Cada espécie de madeira tem uma função própria no instrumento. Para atingir um bom volume e
uma boa sustentação do som são necessárias madeiras duras e macias; as madeiras macias do tampo
são responsáveis pela sustentação do som, já que vibram mais que as madeiras duras. As madeiras
duras da caixa de ressonância (fundo e ilhargas) devem refletir o som, sendo por isso responsáveis
pelo volume. O braço e a escala devem proporcionar boa estrutura para sustentar as cordas, feitas
também com madeira dura. Estas combinações determinam a leveza, a sonoridade e a estética do
cavaquinho.
Para a fabricação dos cavaquinhos do Curso de Lutheria fiz uma seleção alternativa de madeiras,
todas de procedência nacional e encontradas facilmente nas madeireiras do Rio de Janeiro:
- Tampo: marupá, cedro ou curupixá
- Fundo, laterais, peças internas e braço: cedro ou curupixá
- Escala e cavalete: roxinho
- Ornamentos: Imbuia , pau-marfim, pau-ferro, Sebastião-de-arruda e sobras diversas.
Técnicas de construção – o braço
3. Iniciamos com a construção do braço do cavaquinho, que é, essencialmente, um trabalho de entalhe.
Antes de iniciar a modelagem as peças são retificadas e coladas, e com serras a maior parte de
material é retirada.
É melhor resolver logo o encaixe do braço com o tróculo, malhete que mais tarde servirá para unir o
braço com a caixa acústica. A forma reta do braço ainda permite apoiar esquadros e réguas para
marcação.
O trabalho é controlado por um paquímetro, de acordo com as dimensões do desenho técnico em
proporção natural. A escala de roxinho é colada ao braço, com o cuidado de estar na posição correta.
4. Uma das partes mais delicadas é a preparação da escala, pois os trastes no cavaquinho são muito
próximos, exigindo maior precisão no corte. Para diminuir a margem de erros utilizamos um gabarito
para conduzir cada corte, garantindo uma distância e profundidade uniformes.
Os trastes da escala são instalados e aparados antes da união com a caixa acústica. Mais tarde serão
regulados com limas e lixas para metal, já com a construção pronta.
5. Técnicas de construção – a caixa acústica
O fundo e o tampo maciços devem ser aplainados (ou aparelhados), com a espessura uniforme em
todos os momentos da peça. Em seguida são marcados e recortados na serra- de-fita.
Peças de madeira maciça devem promover melhor volume e qualidade sonora, mas pode-se fabricá-
las apenas com folhas de revestimento, colando-as sob pressão.
6. As ilhargas (ou laterais) são moldadas em fôrma, garantindo um padrão e nenhuma perda de
material, já que não há habilidades especiais envolvidas neste procedimento. Empenar peças maciças
com calor exige muita prática.
O cavaquinho em sua forma tradicional é um instrumento simétrico; suas madeiras são casadas,
garantindo o equilíbrio da forma e do som. Tampo, fundo e ilhargas são constituídos por pares da
mesma peça. Estas peças são coladas pelas bordas, que devem estar perfeitamente unidas.
7. As ilhargas são encastradas numa fôrma, para colagem dos tróculos do braço e do bojo, assim como
para retificação com plaina manual.
Recebem reforços nas bordas, e é estruturado com pequenas travessas. As travessas devem ser
ligeiramente curvas, para que a caixa seja estufada, principalmente no fundo.
No cavaquinho há diversos filetes, principalmente nas emendas e arestas, que servem como
8. ornamento e também reforçam a união das ilhargas com o tampo e o fundo. O tampo deve receber a
roseta (ornamento em torno da boca do instrumento) antes de unir-se às ilhargas. Os desenhos da
roseta são variados, sendo tradicionalmente uma marchetaria de motivos geométricos.
Muitos luthiers compram estas rosetas prontas em lojas de instrumentos musicais, mas preferi
fabricar nossas próprias rosetas.
O corte da roseta é feita com fresa reta e tupia manual. Criei uma ferramenta própria para o corte e
instalação de rosetas, que apelidei de roseteira.
9. Diferente de um compasso dispensei o centro e me baseei nas margens da circunferência para
conduzir a ferramenta. A tupia é encaixada num prato, que é girado sobre a peça a ser usinada.
Além da roseta, o tampo recebe o leque harmônico, constituído por pequenas talas coladas,
responsável pela estrutura do tampo e do som. Este modelo de leque harmônico é tradicional, mas
pode apresentar as mais variadas formas.
10. O tampo e o fundo são unidos sob pressão, em fôrma que dispensa grampos - a caixa de colagem.
Usamos cunhas, procedimento que criei para evitar acidentes, já que um grampo pode facilmente
amassar todo o conjunto. Com cunhas encaixadas com as mãos não há este risco, faz-se apenas a
pressão necessária entre as peças, e claro, economiza os grampos da oficina!
Após a união das peças, as sobras são retiradas com a tupia manual com fresa reta, abrindo um
pequeno rebaixamento nas arestas para a aplicação de filetes.
Finalização do instrumento
Ao fim da construção braço e caixa acústica são unidos com auxílio da morsa de bancada e um
grampo, conformando o instrumento.
O cavalete é modelado, com seus canais abertos na tupia ou na serra circular. Assim como a escala o
cavalete também é feito de roxinho.
As abas curvas da peça são modeladas manualmente ou com auxílio de tupia estacionária, com um
cilindro de lixa. Então, o tampo é marcado e o cavalete colado.
11. Com osso de canela de boi modelamos a pestana e a ponte (peças que apóiam as cordas em suas
extremidades) na lixadeira de disco. Estes ossos podem ser adquiridos em qualquer açougue a custo
zero.
Então, antes do acabamento instalamos as tarraxas e as cordas, para testar o cavaquinho e regular os
trastes. É o momento dos ajustes.
12. O acabamento é feito com verniz de nitrocelulose, aplicado com pistola. Todo o instrumento é
envernizado, com exceção da escala, que é protegida com fita adesiva durante a aplicação. Após a
cura do verniz o instrumento é polido com lixas d’agua de grão fino (320, 360, 400) e pastas de polir.
O polimento é controlado observando o instrumento à contra-luz; desta forma as falhas ficam
visíveis. Não é tão simples obter um bom acabamento, sendo esta uma das partes mais árduas de
todo o processo de fabricação.
13. Este é um bom projeto para o iniciante, onde as técnicas de construção são simples e fáceis de
reproduzir, conformando ao final um belo instrumento e de boa qualidade sonora.
Agora…
…tocar o cavaquinho? Isso sim é difícil!
- Diego de Assis
Nota: Agradeço aos queridos alunos Núbia, Cleane, Rosangela, Valdéia, Nena e Pedro, e os demais
que tornaram possível a realização deste artigo.
ATENÇÃO
Diversos procedimentos de oficina oferecem riscos. Por isso devem acompanhar o uso de EPI
(Equipamento de Proteção Individual): óculos de proteção, máscara contra pó, protetores
auriculares, entre outros dispositivos de segurança. Apenas pessoas capacitadas devem operar
máquinas e ferramentas de corte; ao contrário estarão sujeitas a acidentes graves.